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A reparação dos danos e o problema da valoração do dano ambiental

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Como colocar um valor monetário sobre o que não é regido pelas leis do mercado? Como reparar um dano que extingue uma espécie animal? Qual o valor de uma paisagem?

Resumo: Um dos maiores desafios em direito ambiental é a questão da reparação do dano e sua valorização. Afinal como colocar um valor financeiro sobre o que não é regido pelas leis do mercado? Como reparar um dano que extingue uma espécie animal, ou qual o valor de uma paisagem?

A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81) estabelece em seu artigo 4º, inciso VII, o dever de obrigação, imposta ao poluidor, para recuperar ou compensar o dano. Algumas leis em nosso sistema legal também indicam soluções.

Mas o maior problema ainda é a indenização em dinheiro. É uma tarefa hercúlea colocar um valor em algo que não está no mercado.

Palavras chave: Responsabilidade civil – responsabilidade objetiva – dano ambiental – reparação do dano ambiental – valoração econômica.

Keywords: Civil liability – objective liability – environmental damage – repairing the environmental damage – economic valuation.

Sumário: 1. A responsabilidade civil ambiental – 2. O dano ambiental: 2.1. As características do dano ambiental: 2.1.1. Amplitude de vítimas; 2.1.2. Globalidade de seus impactos; 2.1.3. Aniquilação de vítimas; 2.1.4. Difícil reparação; 2.1.5. Difícil valoração – 3. Os princípios formadores da reparação do dano ambiental: 3.1. Princípio da precaução; 3.2. Princípio do poluidor-pagador e do usuário-pagador; 3.3. Princípio da reparação integral; 3.4. Princípio da prevenção; 3.5. Princípio do desenvolvimento sustentável – 4. As formas de reparação do dano: 4.1. Restauração (recuperação) in natura; 4.2. Indenização: 4.2.1. Fundo de defesa dos interesses difusos; 4.3. Compensação ambiental; 4.4. Obrigação de fazer e não fazer; 4.5. O seguro ambiental; 4.6. Educação ambiental – 5. A valoração do dano ambiental: 5.1. Metodologias: 5.1.1. Preços de mercados; 5.1.2. Mercados paralelos ou hipotéticos: 5.1.2.1. Valor de propriedade; 5.1.2.2. Custos de viagem; 5.1.2.3. Diferencial de salário; 5.1.3. Técnicas baseadas em pesquisas de opinião ou Contigent Valuation Method (CVM); 5.1.4. Técnicas baseadas em custos evitados ou benefícios perdidos: 5.1.4.1. Gastos preventivos; 5.1.4.2. Custo de reposição; 5.1.4.3. Projeto sombra; 5.1.4.4. Custo de oportunidade; 5.1.4.5. Análise de custo efetivo (effective cost analysis); 5.1.5. O modelo americano; 5.1.6. Taxas ecológicas; 5.1.7. Metodologia de Tolmasquim: 5.1.7.1. Custos de controle; 5.1.7.2. Custos de mitigação; 5.1.7.3. Custos de compensação; 5.1.7.4. Custos de degradação; 5.1.7.5. Custos de monitoramento; 5.1.7.6. Custos institucionais – 6. Conclusão – 7. Bibliografia.


1. A responsabilidade civil ambiental

Em matéria de responsabilidade civil, não nos resta dúvida de que esta é objetiva (ou seja, independe da culpa ou dolo), como previsto no artigo 14, parágrafo 1º, da Lei nº. 6.938/81[1].

Como a responsabilidade é objetiva, necessário apenas identificar o nexo de causalidade e o dano.

Em relação à licitude, não importa se a atividade é lícita ou ilícita; havendo dano ambiental e sendo provado o nexo causal haverá responsabilidade e o conseqüente dever de indenizar.

Quanto à teoria adotada, a doutrina diverge. Entretanto entendemos que a teoria mais correta a ser aplicada é a teoria do risco integral[2], onde não se admite qualquer excludente (como o caso fortuito e a força maior), isso por causa das peculiaridades do ecossistema atingido e às peculiaridades do dano ambiental, como veremos a seguir.

Finalmente, tanto a Constituição Federal (artigo 225, parágrafo 3º) quanto o Código Civil (artigo 935[3]) consagram a regra da cumulatividade das sanções. As sanções civis, penais e administrativas, além de protegerem objetos distintos, estão sujeitas a regimes jurídicos diferentes. Isso quer dizer que o infrator pode ser sujeitado às sanções civis, penais e administrativas ao mesmo tempo, sem que uma exclua a outra. 


2. O dano ambiental

Por dano ambiental entendemos ser toda e qualquer diminuição, degradação ou extinção de um recurso natural ou organismo vivo, ou a alteração em sua situação de equilíbrio natural.

Porém não é qualquer dano que deve ser considerado, ou absurdos seriam cometidos. Se assim fosse, o simples ato de respirar nos tornaria poluidores[4].

O dano causado não atinge somente o meio ambiente em si; vai muito mais além. Interfere também no homem, em sua saúde, bem estar, em questões econômicas e sociais.

O dano ao meio ambiente contém características muito particulares como veremos a seguir.

2.1. Características

2.1.1. Amplitude de vítimas

O dano ambiental afeta uma pluralidade de vítimas, não as distinguindo.

Se um lago é contaminado com mercúrio, por exemplo, não apenas suas águas ficam poluídas; é atingida também sua fauna e flora, bem como da população ribeirinha que vive perto e utiliza a água para beber e os peixes desse lago para sua subsistência, assim como os fetos intra-útero que por ventura possam existir.

2.1.2. Globalidade de seus impactos

O dano ambiental não conhece fronteiras. Apesar do efeito mais intenso do dano ambiental ser sentido no epicentro do desastre, alguns efeitos se estendem para além de sua área[5].

“Es el caso de las aves migratorias, protegidas por diversos compromisos de carácter internacional, así como también los sistemas hídricos compartidos o vecinos, respecto de los cuales la vigencia de una solución interna no permite resolver las cuestiones que le son atinentes”[6].

Afinal, o meio ambiente é da humanidade.

2.1.3. Aniquilação de vítimas

Outra característica do dano ambiental é sua capacidade de aniquilar vítimas. É a floresta que deixa de existir, é uma espécie animal que se extingue, são os recursos naturais que se exaurem.

2.1.4. Difícil reparação

Seja pela dificuldade ao retorno ao status quo ante (que em alguns casos pode ser impossível de ser alcançado), ou seja pelo fato de que a reparação pecuniária em si, não recuperar o dano causado, a reparação do dano pode não alcançar todos os efeitos desejados.

Em outros casos, os danos ambientais podem nem ocorrer a olho nu, como é o caso de contaminação de lençol freático, ou ainda de danos que ocorrem apenas com o passar do tempo, dificultando ainda mais sua reparação.

Há ainda a dificuldade em se delimitar o dano causado, em face da infinidade de características que devem ser levadas em conta na consideração dos danos. “A diversidade dos tipos de dano ambiental dificulta, muitas vezes, que se estabeleça uma definição precisa e abrangente, por força deste universo complexo e de infinitas possibilidades de danos havidos, face ao aviltamento do comportamento humano”[7].

2.1.5. Difícil valoração

Ainda não existem parâmetros econômicos estabelecidos para a reparação de um dano ambiental.

Não existe um valor econômico para o ar puro ou de uma paisagem. São bens, assim como muitos outros, que não são expressos através do mercado, não podem ser comprados ou vendidos.

Tampouco existe alguma fórmula para calcular o dano ambiental em toda sua extensão, uma vez que, como já afirmado, esses bens naturais não possuem valor de mercado (apesar de que “seu valor econômico existe na medida que seu uso altera o nível de produção e consumo (bem-estar) da sociedade”[8]), além do fato de sua extensão, pois se deve avaliar tais danos sobre todos os elementos do ecossistema que foi degradado[9].


3. Os princípios formadores da reparação do dano ambiental

Os princípios são normas com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes[10].

Para José Afonso da Silva, princípio exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”.[11]

Eles decorrem do próprio fundamento da legislação, e embora não estejam expressos na lei, tem grande importância no preenchimento das lacunas da lei, ou como entende Carlos Ari Sundfeld, “os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se” [12].

No campo do direito ambiental, os princípios ganham notório destaque.

Para o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, “são os princípios que servem de critério básico e inafastável para a exata inteligência e interpretação de todas as normas que compõem o sistema jurídico ambiental, condição indispensável para a boa aplicação do Direito nessa área” [13].

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já se manifestou favoravelmente em acolher o uso de princípios como fundamento das decisões em relação à defesa do meio ambiente[14].

Segundo Álvaro Luiz Valery Mirra, “é dos princípios que se extraem as diretrizes básicas que permitem compreender a forma pela qual a proteção do Meio Ambiente é vista pela sociedade” [15].

3.1. Princípio da precaução

Precaução é sinônimo de cuidado, e ser prudente com o meio ambiente para evitar que ocorra a degradação ambiental é de suma importância, e, portanto, para nós, esse é o princípio basilar do direito ambiental.

Ele decorre da constatação de que as agressões ao meio ambiente são em regra, de difícil ou até impossível reparação: é a destruição de um bosque, a extinção de uma espécie animal, são os efeitos do vazamento de radiação.

Nas lições de Ana Gouveia e Freitas Martins[16], as primeiras referências em relação a este princípio surgem na década de 80, em matéria de proteção da camada de ozônio com a adoção de medidas para a redução das emissões de determinadas substâncias, entre as quais, os CFCs (Clorofluorcarbono).

Segundo a autora, desde 1976 diversos países haviam voluntariamente adotado medidas para redução da emissão de CFCs, mas só em 1985 foi assinado o primeiro acordo internacional sobre a matéria, com a adesão de 27 países da Convenção de Viena, o que foi o primeiro passo para a adoção de um protocolo (assinado em Montreal em 1987), prevendo-se, em escala internacional, medidas de regulamentação.

Foi o parágrafo 11, b, da Carta Mundial para a Natureza elaborada na Assembléia Geral das Nações Unidas, o dispositivo em que se estabeleceu o dever de controle das atividades que possam produzir impactos na natureza e de uso das melhores tecnologias disponíveis, a fim de minimizar os riscos significativos para a natureza ou quaisquer outros efeitos adversos.

Em âmbito internacional, o princípio da precaução foi reconhecido como princípio autônomo em nível internacional, na 2º Conferência Internacional sobre Proteção do Mar do Norte[17].

Durante a ECO-92, foi adotado, em sua declaração de princípios, o denominado “princípio da precaução”, redigido no item 15: “com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”.

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A União Européia, nos termos de seu artigo 174 de seu Tratado, baseia sua política ambiental no princípio da precaução[18].

“Fundamentalmente, este princípio dirige-se às situações de incerteza, preconizando que mesmo quando existam dúvidas científicas sobre os riscos provocados por uma atividade, empreendimento, processo ou produto, devem ser adotadas medidas destinadas a evitar a concretização de lesões ao meio ambiente ou à saúde pública” [19].

Ou seja, nos casos em que haja incerteza científica, mas em que uma avaliação científica preliminar dê motivo suficiente de preocupação quanto aos potenciais efeitos nocivos no ambiente ou na saúde, mesmo que esse risco não esteja provado devem ser procurados meios para o evitar. “Deve-se invocar a máxima in dubio pro securitate, ou seja, na dúvida entre o risco de ocorrência de dano e a segurança do licenciamento de tais atividades, opta-se pela segunda hipótese, só sendo possível a expedição da licença pelo Poder Público quando se faça comprovar, mediante este, que ficaram superadas efetivamente, com os recursos materiais e tecnológicos existentes, os riscos de dano potencial das referidas atividades (...)” [20].

No ordenamento jurídico nacional, esse princípio se faz presente no artigo 10 da Lei nº. 6.938/81 e no inciso IV do parágrafo 1º, do artigo 225 da Constituição Federal. Ambas as normas exigem, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativo dano ambiental, estudo prévio de impacto ambiental.

3.2. Princípio do poluidor-pagador e do usuário-pagador

Segundo este princípio, o poluidor, seja ele pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, tem de arcar com todas as despesas de prevenção e recuperação dos danos ao ambiente originados de sua atividade. Seu alcance é mais amplo do que o “poluiu, pagou”.

Os recursos ambientais são escassos, portanto, sua produção e consumo geram reflexos negativos ao meio ambiente: seja degradando, seja resultando sua escassez.

Para Terence Dorneles Trennepohl, o fundamento desse princípio é de “afastar o ônus do custo econômico de toda a coletividade e repassá-lo ao particular que, de alguma forma, retira proveito do dano e das implicações que o meio ambiente sofrerá com seu empreendimento” [21].

Esse princípio, previsto no artigo 4º, inciso VII, da Lei nº. 6.938/81[22], estabelece que enquanto o princípio do poluidor-pagador obriga quem poluiu a pagar pela poluição causada ou que pode ser causada, o princípio do usuário-pagador estabelece que quem utiliza o recurso ambiental deve suportar seus custos. Óbvio que essas taxas não podem ser abusivas para que todos tenham a oportunidade de utilizar os recursos naturais.

3.3. Princípio da reparação integral

O princípio da reparação integral é um princípio geral na teoria da responsabilidade civil, que é expresso no artigo 944 do Código Civil: “a indenização mede-se pela extensão do dano”.

Em relação aos danos ambientais, esse princípio deve conduzir o meio ambiente e a sociedade (titular desse bem de uso comum) a uma situação que seja, na medida do possível, ao menos equivalente àquela de que seriam beneficiados se o dano não tivesse sido causado.

Custos de implementação de um plano de recuperação, dano emergente, lucro cessante, dano moral quando cabível. Tudo deve ser levado em conta para a correta indenização.

3.4. Princípio da prevenção

O princípio da prevenção está presente no artigo 225 da Constituição Federal, onde “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (Grifos nossos).

Entendemos por prevenção a ação que busca evitar que determinado dano venha a agir sobre o meio ambiente, reduzindo assim seu equilíbrio ecológico.

Mesmo havendo uma reparação ampla do ambiente degradado, o homem jamais conseguirá fazer com que tal meio volte ao seu status anterior de equilíbrio e originalidade. Muitas vezes, como já vimos, o dano pode ser até irreparável. Assim a prevenção deve sempre se sobrepor. É o ditado popular de que “prevenir é melhor que remediar”.

3.5. Princípio do desenvolvimento sustentável

Esse princípio busca estabelecer a coexistência harmônica entre economia e ecologia. Ou seja, permite o desenvolvimento, mas de forma planejada, sustentável, para que os recursos naturais hoje existentes não se esgotem ou se tornem inócuos.

O conceito desse princípio origina-se de uma construção interdisciplinar, pois além de ser um princípio jurídico, compreende também a expressão “desenvolvimento econômico”, retirando-a da ciência econômica e a incluindo na noção ecológica de sustentabilidade ambiental.

A Declaração de Estocolmo, em 1972 tratou dessa matéria em seu Princípio 5, ao dizer que “os recursos não renováveis no Globo devem ser explorados de tal modo que não haja risco de serem exauridos e que as vantagens extraídas de sua utilização sejam partilhadas a toda a humanidade”.

Vale lembrar que este princípio foi um dos temas principais da II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO-92), realizada no Rio de Janeiro.

Nessa conferência, buscavam-se soluções para o que se considera o círculo vicioso da principal causa da contínua degradação ambiental: a forma predatória de produção e o consumo desenfreado nas sociedades industrializadas, enquanto que os países pobres exploravam em excesso seus recursos naturais.

Esse princípio encontra-se sedimentado no artigo 170, inciso VI[23] e inciso II, do artigo 186[24], ambos da Constituição Federal.

Esse princípio é consagrado pelo Superior Tribunal Federal, onde ao julgar a Ação de Inconstitucionalidade nº. 3540/MC, o Ministro Relator Celso de Mello diz que “o princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações”.

Em interessante trabalho de Oded Grajew, idealizador do Fórum Social Mundial, publicado no jornal Folha de S. Paulo, cujo título é O que é (e o que não é) sustentabilidade, a questão da sustentabilidade não gira em torno apenas das questões ambientais. Diz ele que “a sustentabilidade está diretamente associada aos processos que podem se manter e melhorar ao longo do tempo. A insustentabilidade comanda processos que se esgotam. E isso depende não apenas das questões ambientais. São igualmente fundamentais os aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais” [25]. Posição essa que concordamos.


4. As formas de reparação do dano

Quem causa prejuízo tem o dever de reparar o dano. Essa é a regra do Código Civil que é transportada ao Direito Ambiental.

É sabido, entretanto, que não é qualquer dano a ser reparado. Existe o limite de tolerabilidade antes que exista o dano ambiental. De acordo com Morato Leite, “se verificado um dano tolerável, de acordo com as condições do lugar, não fará surgir a responsabilidade e, por conseguinte, não haverá um dano ambiental reparável” [26].

Entretanto, ultrapassado esse limite que é imposto pela legislação[27], há o dever de indenizar. Para tanto, a legislação criou algumas formas de reparar o dano ambiental.

De acordo com o previsto nos artigos 4º, VII e 14, parágrafo 1º[28], ambos da Lei nº. 6.938/81, bem como do parágrafo 3º do artigo 225[29] da Constituição Federal, cabe ao poluidor/degradador a restauração e/ou indenização dos prejuízos ambientais causados.

Existe ainda a figura da compensação ambiental como forma de reparação dos danos ambientais.

Muitas vezes, entretanto, o prejuízo ao meio ambiente não é tão grave. A legislação então permitiu a obrigação de fazer e não fazer também como forma de se reparar o dano causado. E há ainda o seguro ambiental (uma forma de garantir a reparabilidade do dano) e de forma indireta, a educação ambiental.

Todas essas formas serão estudadas a seguir.

4.1. Restauração (recuperação) in natura

É consenso de que a restauração ou recuperação natural é a forma ideal para a reversão de danos ambientais. Essa forma deve ser tentada primeiro, mesmo se mais onerosa.

Isso significa dizer que o objetivo do legislador é voltar ao satus quo ante, ou seja, o retorno ao estado anterior. Prova disso são os incisos VI e VII do artigo 4º da Lei nº. 6.938/81 que privilegiam a restauração[30].

Nesses casos cabe ao agente da degradação ambiental a obrigação de retornar à situação anterior ao que era antes do ambiente ser degradado.

“A recuperação diz respeito a ações humanas empreendidas para retornar recursos danificados às condições da linha base” [31], ou seja, se o dano não tivesse ocorrido.

Entendemos que cabe a hipótese de cumulação de pedidos, ressalvando que em primeiro lugar, a recuperação natural deve ser tentada.

Em muitos casos, porém, a restauração in natura será impossível de ser executada. Como já vimos, uma das características do dano ambiental é a pulverização de vítimas. O legislador permitiu então que outras formas de reparação sejam tentadas.

4.2. Indenização

Se a recuperação é impossível, o legislador previu então a sanção pecuniária, que apesar de ser um modo de punir o causador do dano ambiental, essa é apenas uma mera tentativa de punir, pois se por um lado, coloca um modo de dissuadir um comportamento semelhante do poluidor ou de terceiros, a indenização não atinge o objetivo maior que é o da recuperação do dano ambiental. É forma subsidiária de ressarcir do dano ambiental.

Outro problema dessa forma de reparação está em atribuir um valor em bens que estão fora do comércio, como o ar puro, uma paisagem, etc., porém como entende Marga Barth Tessler, “são bens essenciais à vida humana e suscetíveis de avaliação econômica” [32] e ainda acrescenta que “se exigimos que os governos gastem recursos para a preservação, é curial que os bens preservados devam, em termos econômicos, representar um valor” [33].

4.2.1. Fundo de defesa dos interesses difusos[34]

Quando a forma de reparação for pecuniária, o legislador quis, de acordo com o artigo 13, da Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85), que esses recursos (doações, indenizações, multas etc.) sejam revertidos a um fundo[35] gerido por um Conselho (federal ou estadual) do qual participam, necessariamente, o Ministério Publico e representantes da comunidade.

Cria-se, assim, uma certeza de que o dano ambiental será reparado.

O Brasil segue assim uma tendência criada a partir do chamado Superfund norte-americano ou Comprehensive Environmental Response, Compensation, and Liability Act (CERCLA), de 1980, uma lei federal dos Estados Unidos projetada para limpar locais contaminados com substâncias perigosas.

A crítica feita para o fundo de defesa dos direitos difusos brasileiro é que não necessariamente as verbas recebidas serão aplicadas na área especificamente afetada no caso concreto, uma vez que por questão de conveniência e oportunidade, essas verbas poderão ser destinadas à reconstituição de quaisquer outros bens lesados[36].

Criticamos também a dificuldade em estipular as devidas contribuições dos agentes poluidores em relação aos danos. Muitas vezes os danos ambientais ocorrem por diversas causas, por diversos agentes poluidores, sendo difícil a questão de atribuir o nexo causal a alguma dessas causas.

4.3. Compensação ambiental

A compensação ambiental consiste na adoção de uma medida de importância equivalente dentro do mesmo ecossistema em que ocorreu ou ocorrerá[37] o dano. Diante da impossibilidade da reparação específica dos danos causados ao meio ambiente, a compensação ambiental passa a ser a melhor forma de responsabilização civil do poluidor.

Previsto no artigo 36 da Lei nº. 9.985/2000[38], essa é uma obrigação legal de todos os empreendimentos causadores de significativo impacto ambiental (constatado pelo respectivo estudo de impacto ambiental), onde os empreendedores ficam obrigados a apoiar a implantação e conservação de uma unidade de conservação[39] por meio da aplicação de recursos de no mínimo 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, como prevê o parágrafo 1º do citado artigo 36.

Porém o Superior Tribunal Federal já julgou inconstitucional a expressão não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, entendendo que tal valor da compensação deve ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa[40].

Por “custos totais”, o entendimento é de que eles equivalem a todas as medidas monetárias que o empreendedor deveria gastar na produção de bens ou serviços. Em relação ao valor máximo, a lei não fixa o teto; este é de acordo com o grau de impacto causado pelo empreendimento.

Paulo Affonso Leme Machado entende ainda que “se o estudo de impacto ambiental não for realizado (ou foi elaborado de forma incompleta) e/ou o licenciamento ambiental não acontecer (ou acontecer irregularmente), nem por isso fica eliminada a obrigação do empreendedor de ressarcir o ambiente prejudicado” [41].

Porém mesmo com esse cuidado, a compensação ambiental não é perfeita, pois alguns aspectos ambientais da área original com certeza serão perdidos com a degradação.

4.4. Obrigação de fazer e não fazer

A lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85) prevê, em seu artigo 3º, outra forma de reparação dos danos: a obrigação de fazer e não fazer[42].

Nos casos onde o dano ambiental não é tão grave, o legislador permitiu ao poluidor fazer “ajustes” em sua conduta para evitar danos maiores ou para recuperar o dano já cometido (entendemos que tanto a obrigação de fazer quanto a obrigação de não fazer são as formas para que se recupere o dano causado).

Assim, instalar filtros nas chaminés das fábricas ou catalisadores nos escapamentos de veículos, obrigação de plantar determinada quantidade de mata nativa (obrigações de fazer) e não se utilizar de queimadas ou determinado tipo de agrotóxico (obrigações de não fazer) podem ser sanções aplicáveis aos causadores de danos ambientais.

4.5. O seguro ambiental

Uma forma de assegurar que danos ambientais de maior gravidade eventualmente causados sejam de fato reparados é através do chamado seguro de responsabilidade civil por dano ambiental.

Para Frank Larrúbia Shih, o seguro de responsabilidade civil por danos ambientais transforma as seguradoras em parceiras do Poder Público, pois “nenhuma seguradora concede cobertura a danos ambientais sem antes se certificar que o segurado tenha efetivamente adotado as medidas preventivas para se evitar a realização do sinistro, que, no caso, seria também o cumprimento rigoroso da legislação ambiental (...)” [43].

Esse seguro relaciona-se com riscos nucleares e outros riscos originado de atividades poluentes prejudiciais à vida e ao meio ambiente.

O Projeto de Lei nº. 2.313/2003 (que altera o Decreto-lei nº. 73/66, que dispõe sobre o sistema nacional de seguros privados[44]), cria a obrigatoriedade na contratação de seguro específico para os casos de responsabilidade civil ambiental nas hipóteses de atividades potencialmente poluidoras, como nos casos de postos de combustíveis, por exemplo.

Ocorre que muitas vezes o capital das empresas pode não ser suficiente para arcar com as despesas de recomposição do meio ambiente. A contratação desse seguro será a garantia necessária de que, ocorrendo algum dano ao meio ambiente, não será a sociedade que arcará com os custos de sua recomposição.

Como prevê o Projeto de Lei, esse seguro não abrangerá multas e as fianças impostas ao poluidor e cobre os danos pessoais e ambientais advindos de radiação ou contaminação por substâncias tóxicas, resíduos difíceis de deteriorarem e os resíduos não perecíveis (artigo 4º).

4.6. Educação ambiental

Entendemos ser a educação ambiental uma forma indireta de reparação do dano ambiental. É prevista pelo artigo 225, parágrafo 1º, inciso VI, da Constituição Federal.

A Lei nº. 9.795, de 27 de abril de 1999[45] é a lei que regulamenta sobre a educação ambiental, onde podemos entender como a fixação de uma consciência ecológica, no sentido de uso racional dos recursos naturais, ou no de sempre buscar a utilização de alguma tecnologia mais amigável ao meio ambiente, e tem como resultado uma maior participação da população na preservação do equilíbrio ambiental, tornando-a guardiã do meio ambiente.

A educação ambiental é desdobramento do princípio da prevenção, pois ela visa formar um cidadão mais consciente dos efeitos de sua conduta em relação à proteção dos recursos naturais e do equilíbrio do meio ambiente. E prevenir que um dano ocorra é a melhor forma de reparação de dano ambiental, porque como já vimos, depois do dano já ocorrido, a dificuldade em se recuperar o ambiente degradado é extremamente difícil.

Liga-se também com o princípio do desenvolvimento sustentável na medida em que se busca estabelecer a coexistência harmônica entre economia e ecologia, permitindo o desenvolvimento, mas de forma planejada, sustentável, para que os recursos naturais hoje existentes não se esgotem ou se tornem inócuos.

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Sobre o autor
Rodrigo Henrique Branquinho Barboza Tozzi

Advogado. Especialista em Direito Ambiental – FMU. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-Graduando em Gestão Ambiental e Economia Sustentável – PUCRS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOZZI, Rodrigo Henrique Branquinho Barboza. A reparação dos danos e o problema da valoração do dano ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3756, 13 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25503. Acesso em: 2 nov. 2024.

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