Dúvida bastante comum entre consumidores de todo o Brasil diz respeito às limitações na oferta de produtos pelas redes de supermercados. Nesse caso, o fornecedor anuncia determinado produto a um preço bem abaixo do que é normalmente praticado, mas, em contrapartida, limita sua aquisição a determinada quantidade por adquirente.
Ilustrando, determinado supermercadista anuncia o óleo de soja a R$ 2,00, produto que, normalmente, custa em média R$ 3,00 cada unidade. Contudo, limita a aquisição a 10 unidades/cliente.
Essa prática é lícita ou contraria as disposições do Código de Defesa do Consumidor? Note-se o que diz o art. 39, I, do CDC:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
Pois bem, é possível perceber que a hipótese cuida do condicionamento da aquisição do produto ao limite imposto pelo fornecedor (parte final do inciso I).
Parcela da doutrina entende que essa proibição é absoluta, não sendo possível, em hipótese alguma, que o fornecedor limite a aquisição.
No entanto, outra corrente entende que tal proibição por parte do CDC não é absoluta, como nos revela o próprio preceito legal, ao fazer a ressalva da “justa causa”. Esse, inclusive, é o entendimento de Antônio Hermann de Vasconcellos e Benjamin, hoje ministro do Egrégio STJ (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8a. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 369).
Mas qual seria essa justa causa?
Um dos princípios que informam o Código de Defesa do Consumidor é o princípio da dimensão coletiva, entendido como sendo aquele que prestigia a proteção da coletividade, ainda que em detrimento de outrem, fazendo com que o interesse coletivo prevaleça sobre o individual. No que interessa ao estudo, recorde-se que a Política Nacional das Relações de Consumo tem como um dos seus fundamentos a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo, sempre com base na boa-fé (art. 4º, III, do CDC).
Assim sendo, o CDC não deve ser lido apenas como norma destinada a atender os interesses dos consumidores em relação aos fornecedores, mas também nas relações dos consumidores entre si (eficácia horizontal). Todos os consumidores fazem parte de um todo, e nesse ponto destaca-se a boa-fé como via de mão dupla, significando que o consumidor deve ter consciência de que outros consumidores também têm necessidades.
Ora, no exemplo citado, se um único consumidor se dirige até o estabelecimento ofertante, e em razão de sua exclusiva vontade e capacidade econômica adquire todo o estoque de óleo em promoção, estará prejudicando os demais membros de sua comunidade. Por isso, é justo que a oferta seja limitada a certa quantidade por cliente. Essa seria uma “justa causa” como referido no inciso I, do art. 39, do CDC.
Por fim, o STJ já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema, conforme excerto abaixo:
A falta de indicação de restrição quantitativa à oferta de determinado produto, pelo fornecedor, não autoriza o consumidor a exigir quantidade incompatível com o consumo individual ou familiar, nem, tampouco, configura dano ao seu patrimônio extramaterial (REsp. 595.734/RS, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para o acórdão Min. Castro Filho, DJ 28/11/2005).
Percebe-se que o STJ adota outro fundamento para acrescentar às considerações tecidas até aqui, qual seja, a quantidade a ser adquirida deve ser compatível como consumo individual ou familiar. Em outras palavras, deve-se pautar dentro de critérios de razoabilidade para que a norma em comento seja invocada em favor do consumidor.
Outra justa causa para essa espécie de limitação é suscitada por Rizzato Nunes, citado por Leonardo de Medeiros Garcia, entendendo aquele autor ser justificável a limitação em épocas de crise (justa causa), de modo que a população não deixe de ser devidamente abastecida, evitando-se, assim, o prejuízo da coletividade de consumidores (Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. rev. amp. e atual. Niterói: Impetus, 2011, p. 282).
Finalmente, ao estudiosos do Direito do Consumidor, e ao próprio consumidor, ficam estas breves considerações sobre o tema. Não sendo o fornecedor um atacadista, não há razão para que o cliente adquirira produtos promocionais por atacado. O varejo objetiva suprir o máximo de consumidores possível, de modo a atender às necessidades da coletividade.