1. INTRODUÇÃO
O princípio da insignificância foi formulado por Claus Roxin que assim o chamou pela primeira vez em 1964[1]. O referido jurista cunhou o princípio em comento a partir do axioma latino minima non curat praetor, cuja aplicação incialmente se restringia à seara do direito civil. Também conhecido como princípio da bagatela, o mesmo tem o condão de excluir da tipicidade, em razão da mínima ofensividade ao bem jurídico penalmente protegido.
Nesse sentido, o princípio da insignificância desempenha uma função interpretativa responsável por restringir o tipo penal previsto em lei, uma vez que afasta a ocorrência do crime mesmo nas hipóteses em que a conduta perpetrada pelo agente se coaduna com a descrição do tipo penal.
O princípio da insignificância está relacionado com o conceito de tipicidade material. Assim, atualmente, é corrente na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a tão coincidência entre a conduta e os requisitos formais do tipo penal não é suficiente para que se afirme ter havido um crime, uma vez que a existência deste depende da violação efetiva do bem jurídico penalmente protegido, ou mesmo da sua efetiva colocação em situação de perigo.
Todavia, não obstante se tratar de princípio há muito aplicado pelos tribunais do país, o seu reconhecimento ainda causa divergências no tocante à valoração das condutas tidas por alguns juízes como insignificantes e por outros como merecedoras da sanção penal.
2. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E A VALORAÇÃO DA CONDUTA
O grande problema com o qual se depara na aplicação do princípio da insignificância diz respeito à segurança jurídica, uma vez que condutas semelhantes podem receber valorações distintas de diferentes juízos, acarretando, assim, soluções diversas para uma mesma situação.
A fim de estabelecer um parâmetro para a aplicação do princípio da insignificância, o STF vem adotando requisitos de cunho objetivo e subjetivo com o escopo de aferir o grau de lesividade provocada pela conduta do agente. Assim, conforme o Pretório Excelsior, para a incidência do postulado da insignificância, do modo a tornar a conduta atípica, exige-se o preenchimento dos seguintes requisitos: mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada[2].
Ademais, segundo o STJ, para que se configure a lesividade mínima da conduta, deve-se levar em consideração ainda a importância do objeto material lesionado, a condição do sujeito passivo, bem como as circunstâncias e o resultado do crime, a fim de determinar, subjetivamente, se houve ou não relevante lesão ao bem jurídico tutelado[3].
Como se vê, a aplicação do princípio da insignificância depende de uma análise de cada caso concreto, não podendo haver generalizações em sua aplicação. A questão é saber, afora dos critérios fixados pelos tribunais superiores, o que é insignificante. Tendo em vista que se trata de um conceito fluido, amplo e extremamente variável, é por isso que sua aplicação, em tese, pode vulnerar a segurança jurídica, uma vez que a delimitação dos casos que se consideram insignificantes dependerá sempre da valoração dada ao caso pelo aplicador do direito, o qual a fará com base em suas próprias convicções, as quais podem variar de acordo com sua formação moral, social e religiosa.
Como uma forma de inibir esse total subjetivismo na valoração do que é ou não insignificante, já foi aventada pela doutrina até mesmo a possibilidade de nos crimes patrimoniais, por exemplo, se definir na própria lei limites mínimos para sua constatação[4]. Todavia, é certo que essa não é a melhor solução, não apenas porque tais limites nem sempre representariam a real insignificância da conduta e do resultado, mas também porque se assim fizesse o legislador, estaria o mesmo legalizando a prática de condutas essencialmente criminosas e contrárias ao convívio social.
3. CONCLUSÃO
O princípio da insignificância, como se disse acima, serve como um instrumento de regulação do direito penal, ao passo que não há como se conceber uma forma de controle estática e objetiva quando o objeto controlado regula situações dinâmicas e imprevisíveis.
Entretanto, o princípio da insignificância também não deve ser aplicado indistintamente ao livre alvedrio do juiz sem que este busque embasamento em qualquer critério, uma vez que a decisão derivada de interpretações meramente subjetivas é que acarreta a temida insegurança jurídica.
Destarte, até o presente momento a melhor solução para uma correta identificação da bagatela parece ser aquela trilhada pelo STF, conforme a obediência, mesmo que não integralmente, aos requisitos da mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Por outro lado, concorda-se com Luiz Regis Prado, o qual chama a atenção para o fato de que em grande parte dos casos em que se discute a aplicação do princípio da insignificância o problema pode ser mais seguramente solucionado caso se adotem princípios como o da ofensividade, intervenção mínima, fragmentariedade ou mesmo da proporcionalidade[5].
4. REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal v.2. 8ª ed. São Paulo, Saraiva, 2008.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v.1. 11ªª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012.
Notas
[1] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal v.1. 11ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 20.
[2] HC 110475/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 14.2.2012. (HC-110475). 1ª Turma.
[3] REsp 1.224.795-RS, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 13/3/2012. 5ª Turma.
[4] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v.1. 11ªª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 184.
[5] PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, v.1. 11ªª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 184.