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Resgates em áreas remotas – responsabilidades perante a lei

Agenda 11/11/2013 às 13:14

Analisa a questão referente à responsabilidade legal daqueles que se engajam em atividades de resgates de pessoas em áreas remotas, sejam guias/monitores contratados, ou voluntários que se dedicam a esta missão de ajudar outras pessoas.

Resumo: Este trabalho analisa a questão referente à responsabilidade legal daqueles que se engajam em atividades de resgates de pessoas em áreas remotas, sejam guias/monitores contratados, ou voluntários que se dedicam a esta missão de ajudar outras pessoas. Examina-se, brevemente, o que a legislação penal e civil estabelecem a respeito do tema.


1 INTRODUÇÃO

De alguns anos para cá, no Brasil, aumentou bastante o número de pessoas que se dedicam aos chamados esportes de aventura. Assim são considerados, genericamente, aqueles que são praticados em ambientes naturais, tais quais atividades de ecoturismo, escalada, montanhismo, trekking, paraglider, para a simples contemplação da natureza, ou para a realização de estudos acadêmicos, como coleta de amostras da fauna e flora, e análises geológicas.

Algo que era comum em países europeus e nos Estados Unidos da América, agora também passou a ser uma realidade brasileira.

Diante deste cenário, inevitavelmente, também aumentou significativamente o número de incidentes com pessoas nestes ambientes naturais. Envolvendo pessoas perdidas ou em situação de risco de vida, na região de mata e montanha.

O que tem demandado, cada vez mais, a especialização de pessoas capacitadas para a realização de resgates nestas áreas de difícil acesso.

Não por outra razão, os órgãos públicos de resposta de alguns estados da federação vem qualificando seus membros para a execução desta árdua tarefa. É o que se observa, ilustrativamente, da boa experiência desenvolvida pelo Grupo de Operações de Socorro Tático dos Bombeiros Militares do Paraná (GOST). Assim como a Força Tarefa (FT) dos Bombeiros Militares de Santa Catarina.

Afora estes profissionais que integram estas instituições civis e militares do Estado, outras entidades não governamentais também vem sendo criadas para esta finalidade. Como pode ser citado o Corpo de Socorro em Montanha (COSMO) do Paraná, o Grupo de Resgate GERAR de Jaraguá do Sul/SC, a Associação Voluntária de Busca e Resgate com Cães (AVBREC) de Santa Catarina, e o Grupo de Resgate em Montanha (GRM) de Joinville/SC.

No caso destes grupos de resgates voluntários, há, inclusive, expresso apoio do Governo Federal, por parte do Ministério do Turismo, que incentiva a criação dos denominados Grupos de Voluntários de Busca e Salvamento (GVBS). Mais detalhes podem ser acessados no site: http://www.turismo.gov.br/export/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downloads_publicacoes/Manual_GVBS.pdf

Uma das questões recorrentes nas discussões entre os integrantes destas equipes de resgate (sejam governamentais ou não governamentais), é a respeito da responsabilidade legal daqueles que venham a executar um resgate. Noutras palavras, até que ponto poderia haver a responsabilização daquele que se dispõe a realizar um resgate em áreas remotas, se for entendido que o procedimento de resgate foi mal executado. Ou ainda, se poderia haver responsabilização ao membro da equipe de busca e salvamento, se não fosse realizado o resgate, seja em razão das complicações inerentes à missão, ou diante de uma eventual recusa da vítima de receber o atendimento.

Realmente, as críticas à equipe de resgate podem ser feitas com base numa variedade grande de fatores.

Corretas ou não tais críticas, o fato é que a equipe de resgate pode vir a ser acusada, dentre outros, pelos seguintes motivos: a) porque, infelizmente, a vítima não tenha sobrevivido; b) porque a vítima sofreu alguma lesão adicional no ato do resgate, por exemplo, uma escoriação ou corte em parte do seu corpo; c) porque supostamente não foi tratada adequadamente pela equipe de resgate, que deveria ter sido mais gentil; d) pelos danos aos equipamentos que foram gerados pelos procedimentos de resgate, tais quais corte de peças do vestuário (para a realização de exames objetivando encontrar possíveis hemorragias ou fraturas, ou para retirar o calçado diante de uma lesão grave), ou adaptação do equipamento pessoal da vítima para improvisar algum mecanismo de facilitação do resgate, como uso do toldo da barraca e bastões de caminhada para montar uma maca improvisada.

Estas questões, muitas vezes, geram profundos receios por parte dos membros destas equipes, que ficam temerosos de, apesar de estarem no anseio de auxiliarem pessoas em situação de risco, poderem vir a ser civil e penalmente responsabilizados pelos seus atos.

É precisamente esta temática que este breve estudo abordará. Pretende-se, com isto, trazer alguns esclarecimentos aqueles que, em razão do dever da profissão ou de um ato voluntário de solidariedade, vem se dedicando nobremente a esta missão de salvar vidas de pessoas em ambientes naturais.

Visando simplificar a compreensão do assunto, neste texto será abordada apenas a questão referente aqueles que voluntariamente se engajam numa operação de resgate. E também daqueles que, por terem assumido o encargo de guiar pessoas em áreas remotas, acabam recebendo a obrigação legal de socorrem estas pessoas que estão sendo guiadas. Não será tratado, portanto, da situação relativa aos profissionais do resgate (civis ou militares), que já são devidamente orientados no âmbito destas corporações, sobre as possíveis consequências legais das suas ações.


2 A LEGISLAÇÃO PENAL

Sob o ângulo da legislação penal, cabe examinar quais seriam as potenciais responsabilidades, que poderiam recair sobre o membro da equipe de resgate, e que resultassem na imposição de sanções de natureza penal. Dentre as quais, a mais grave de todas existentes no sistema jurídico nacional (para tais situações), a pena privativa de liberdade (prisão).

Para uma correta análise, é necessário fazer a distinção entre duas categorias diferentes de pessoas que venham a realizar este salvamento em áreas remotas, a saber: a) pessoas que assumem a responsabilidade de zelar pela segurança de outros por meios contratuais ou espontâneos, como é o caso de um guia de passeios de ecoturismo, e b) voluntários que se organizam para executar missões de busca e salvamento, especialmente quando os agentes do Poder Público não estivem em condições de realizar o resgate.

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GUIAS-MONITORES: ATIVIDADES DE ESPORTES DE AVENTURA

Guias e monitores de passeios ou atividades de esportes de aventura não tem, pelo menos de forma direta, a obrigação legal de resgatar pessoas que estejam em situação de risco em áreas remotas, onde estas atividades venham a ser realizadas. Pois, ao contrário dos agentes públicos (civis ou militares, que integram instituições que foram criadas exatamente para realizar resgates), estas pessoas apenas se dedicam a estas atividades de conduzir pessoas nestes ambientes naturais por ato voluntário. Ou em razão da celebração de um contrato de prestação de serviços, sem a intenção de realizar um atendimento de emergência, acaso necessário.

Seria a hipótese do montanhista que conhece certa trilha que dá acesso a uma montanha, e convida seus amigos para visitar o local. Ou do montanhista mais especializado, que presta estes serviços de guiar pessoas nestas áreas naturais, mediante o pagamento do seu trabalho de guia.

Aparentemente, estas pessoas não teriam a obrigação de socorrer aqueles que estiverem no seu grupo. Porque, como este montanhista (guia voluntário ou contratado) não é integrante das carreiras estatais que tem por obrigação legal realizar resgates, em princípio, não estaria obrigado legalmente a socorrer esta pessoa do grupo, que porventura tenha se machucado ou se perdido. Bastando (teoricamente), que acionasse os órgãos públicos, para que estes órgãos públicos (como bombeiros e polícia) se encarregassem de promover o resgate.

Apesar de desconhecida por muitos, entretanto, a realidade legal é outra. E este montanhista (guia voluntário ou contratado), tem sim a obrigação legal de socorrer a pessoa do grupo que está guiando.

Esta obrigação decorre da aplicação do Código Penal (Decreto-lei n° 2.848/40), art. 13, §2°, abaixo transcrito:

Relação de causalidade 

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. ..

Relevância da omissão 

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; 

b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado...

Sem preocupações acadêmicas de analisar este art. 13 (pois não é o foco deste breve texto), tem-se que, os agentes públicos devem realizar tais resgates. Porque se não o fizerem, podem ser responsabilizados pela omissão, nos termos do art. 13, §2°, “a”, acima indicado.

Já o montanhista (guia voluntário ou contratado), se não socorrer aquele do seu grupo que se envolveu num acidente, poderá ser responsabilizado por força de aplicação do art. 13, §2°, “b”.

Explico. Não tem este montanhista-guia a obrigação direta legal de socorrer pessoas. Todavia, no instante em que levou pessoas para estas áreas remotas, assumiu – ainda que involuntariamente, e mesmo que sem saber que estava assumindo – a responsabilidade pelo bem estar destas pessoas.

Pois, de acordo com o art. 13, §2°, “b”, de outra forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado (o acidente). A “outra forma”, no caso, seria ter convidado pessoas para esta atividade de montanha (mesmo que sem cobrar nada por isto), ou mesmo ao ter oferecido este serviço de guiada de montanha.

Ainda acompanhando este raciocínio, a “forma” principal de responsabilização, é se houver o dever legal de socorrer (art. 13, §2°, “a” – como bombeiros). Mas a forma secundária seria assumir a incumbência de levar estas pessoas para tais passeios (por ato voluntário, ou mediante remuneração, pouco importa).

Nem se diga que este montanhista (guia voluntário ou contratado) não poderia ser responsabilizado pela omissão da obrigação de socorrer, pelo fato de que supostamente não tem conhecimento desta disposição legal que lhe atribui a responsabilidade por tais fatos. Porque, também existe expressa previsão legal, de que ninguém pode escapar da aplicação da lei alegando o seu desconhecimento:

Código Penal (Decreto-lei n° 2.848/40)

Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável...

Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (DECRETO-LEI Nº 4.657/42)

Art. 3o  Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Mas, é claro, tudo tem que ser avaliado com cautela. Afinal, ninguém é obrigado ao impossível. Portanto, se por acaso o integrante do grupo, durante a trilha, pratica atos que estão fora do controle do montanhista responsável pela atividade, e se coloca em situações de alto risco, e acaba acontecendo um acidente, por certo que não se poderia responsabilizar o condutor deste grupo por este fato. Pois este acidente teria sido ocasionado como consequência única e exclusiva do comportamento inadequado desta pessoa.

Mas fica o alerta, tanto para aqueles que pretendem conduzir outras pessoas nestes ambientes de mata e montanha, como para aqueles que aceitam ser guiados por outras pessoas.

Para os que pretendem guiar outros, que então se capacitem para esta atividade, conhecendo muito bem o local, sabendo procedimentos de primeiros socorros, e já tendo um plano de emergência para se algum problema acontecer. E para aqueles que aceitam ser guiados, que avaliem muito bem quem é a pessoa que irá conduzir o grupo. Vários problemas podem ser evitados com estas simples providências.

GRUPOS VOLUNTÁRIOS DE RESGATE

Seguindo o propósito deste resumido estudo, passe-se ao rápido exame da situação envolvendo os Grupos Voluntários de Resgate. Tais grupos também não possuem obrigação legal de realizar resgates.

Entretanto, estes grupos estão autorizados a realizar estas missões de busca e salvamento. Especialmente se estiverem bem organizados e treinados, e se tiverem o reconhecimento dos órgãos públicos. Posto que, como dito acima, existe mesmo o incentivo do Governo Federal (via Ministério do Turismo) para a sua criação e funcionamento.

Realmente, o próprio Código Penal, agora no seu art. 23, inciso III, esclarece que não pratica ato contrário ao Direito, aquele que exerce um direito legalmente reconhecido. E, apesar de a lei não esclarecer o que venha a ser um “regular direito”, é pacífico que se refere a qualquer prática aceita no meio social, e que esteja em harmonia com o restante do ordenamento jurídico, e em relação ao qual não haja expressa proibição legal.

Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: 

...

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Para se pegar melhor a noção deste conceito, cite-se como exemplos de exercício regular de um direito a violência esportiva (dentro de certos parâmetros da atividade esportiva em si), e os pequenos castigos aplicados pelos pais aos seus filhos (com o objetivo de correção).

As equipes de resgate composta por voluntários, portanto, ao serem despachadas para missões de busca e salvamento, estariam agindo acobertadas pela cláusula do exercício regular de direito. Não podendo ser responsabilizadas pelos eventuais danos a equipamentos ou a própria vítima, que eventualmente viessem a ocorrer (ou fossem necessários) para o êxito da missão.

Ora, seria absolutamente sem razão se tentar responsabilizar pelo crime de dano[1], o integrante da equipe de resgate que, para fazer uma avaliação primária da vítima que está inconsciente ou não colaborativa, utiliza uma tesoura ponta de romba (apropriada para o corte de vestuário em casos de emergência), para cortar as vestes da vítima, e verificar se existe alguma hemorragia severa (que poderá levar ao óbito em questão de poucos minutos). Especialmente se o clima estiver frio ou chuvoso, e a vítima estiver usando várias camadas de roupas, e por cima de tudo uma cobertura impermeável (que reteria o sangue – não permitindo a visualização num exame superficial).

Do mesmo modo, se fosse causada uma lesão na vítima (como um corte, ou uma fratura), para extraí-la de um cenário que está se deteriorando rapidamente (como um rio que está transbordando do leito, ou uma ribanceira que está ameaçando desmoronar), e colocando em risco não apenas sua própria vida, mas também a dos membros da equipe de resgate.

Neste contexto, conforme bem ensinam os instrutores da WILDERNESS MEDICAL ASSOCIATES – WMA (no Brasil a representante é a instrutora Samanta Chu), sempre é necessário fazer uma análise do risco-benefício da operação de resgate. Valorando os prós e contras de serem realizadas certas manobras, ou de se aguardar um resgate mais especializado. Até porque, em áreas remotas, dificilmente se vai ter à disposição todos os equipamentos necessários para a realização de um resgate seguindo todos os protocolos rotineiros de atendimentos em áreas urbanas. E tais equipamentos ou profissionais especializadas talvez nunca cheguem ao local, ou talvez demorem demais, quebrando o momentum da dinâmica dos procedimentos que são necessários naquele exato instante.

Todas estas variáveis precisam ser avaliadas no próprio teatro de operações, por aqueles que estão engajados na missão. Sendo que, para tanto, o resgatista tem que estar respaldado pela lei por estas decisões que tomar, ainda que venham a causar danos pessoais ou materiais à vítima.

Obviamente, o membro da equipe deverá estar habilitado e treinado para a tomada destas decisões. Não se está aqui cogitando de uma decisão formada de maneira imprudente, por alguém que não tem mínima experiência, e um treinamento ao menos básico para tanto.

Está se partindo do pressuposto que o membro da equipe tenha esses atributos pessoais, que lhe permitam ter a serenidade e o conhecimento razoáveis e indispensáveis para tomar estas decisões.

Em alguns países, dentre os quais os Estados Unidos da América, Canada e Austrália, existe (ainda que eventualmente não haja lei específica, existe pelo menos a concepção teórica) o que se convencionou denominar de LEI DO BOM SAMARITANO.

Inspirada na parábola bíblica do Novo Testamento, que aparece no Evangelho de Lucas 10:30-37. Na qual, um Samaritano (da região da Samaria, que possuía conflitos religiosos com os judeus), salva a vida de um Judeu (que vinha de Jerusalém), que foi atacado por ladrões na estrada.

Por esta metafórica Lei do Bom Samaritano, procura-se dar proteção legal aqueles que fornecem ajuda a pessoas em perigo. Encorajando a prática de atos voluntários de ajuda, de maneira a prevenir que esta pessoa que ajuda outras, venha a ser responsabilizada pelos seus atos.

No Brasil não existe uma lei desta natureza. Existem propostas legislativas de elaboração de leis com esta orientação, especialmente para a ajuda de pessoas carentes. Mas nada de específico para situações de resgates de pessoas em perigo.

Nesta linha de entendimento, por certo que as equipes de resgate voluntárias poderão sim ser responsabilizadas, se adotarem procedimentos temerários, ou evidentemente inapropriados. Expondo, desnecessariamente, a vida, a integridade física, ou bens materiais da vítima socorrida.

Realmente, apesar de o Código Penal estabelecer no mencionado art. 23, III, que não responde criminalmente aquele que praticar uma conduta “no exercício regular de direito”, também prevê que, poderá haver a responsabilização criminal se o resgatista, neste cenário, atuar com “excesso doloso ou culposo”.[2]

Sem adentrar no tecnicismo jurídico (que não é a intenção desta análise), esta regra legal pode ser melhor compreendida por meio de exemplos: se o integrante da equipe de resgate, ciente do risco (conduta dolosa: querer o resultado, ou assumir o risco de gerar o resultado) da manobra que está para executar, mas querendo demonstrar coragem e bravura, expõe a vítima a perigo evitável, e o pior acaba acontecendo (morte ou lesão da vítima), poderá ser responsabilizado criminalmente por isto.

Neste mesmo sentido, se por imprudência, negligência ou imperícia/erro na técnica utilizada no resgate (conduta culposa: não quer o resultado, mas dá causa a este resultado), não faz as últimas checagens dos equipamentos antes de autorizar o içamento da vítima pelo helicóptero ou pela equipe que está no topo da encosta, e durante a extração a vítima se desprende e cai, o resgatista também poderá ser responsabilizado por esta sua conduta (não intencional, mas que causou um mal à vítima). Nesta situação, ficaria caracterizada a falta de cuidado do membro da equipe, que acarretou no resultado lesivo à vítima.[3]

Equivale a dizer, a equipe de resgate integrada por voluntários certamente está autorizada a realizar operações de busca e salvamento. Desde que, evidentemente, esteja capacitada para tanto.

E, claro, não menos importante, desde que não tenha havido expressa proibição por parte das equipes dos órgãos públicos que, por força de lei, são os responsáveis maiores pela realização destes resgates.

Significa que, se por acaso no cenário de crise estiver presente uma autoridade pública (civil ou militar), é dela o comando integral da operação. Cabendo a esta autoridade pública a decisão final de permitir que os grupos de voluntários participem da missão.


3 A LEGISLAÇÃO CIVIL

Finalizando, apenas para não deixar de fazer menção, é importante ressaltar que a legislação civil segue, basicamente, a mesma linha de orientação da legislação penal. Só que, se as consequências penais podem resultar na aplicação de uma pena privativa de liberdade (prisão), as conseqüências civis são exteriorizadas, em regra, na forma de pagamento de indenizações em dinheiro.

O Código Civil (Lei 11.406/2002), em síntese, estabelece que, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem... comete ato ilícito.” (art. 186). Mas também preceitua que, não são considerados ilícitos (contrários ao Direito), os atos praticados “no exercício regular de um direito reconhecido” (art. 188, inciso I).[4]

Mais uma vez, portanto, volta-se ao conceito de exercício regular de um direito. Cujas considerações são similares àquelas feitas anteriormente, sobre a responsabilidade penal.

Significando que, em regra, ainda que a equipe de resgate cause danos à pessoa ou ao patrimônio da pessoa socorrida, não poderá ser responsabilizada. Ou seja, não terá de arcar com o pagamento de indenizações monetárias, para cobrir o valor de equipamentos danificados, ou despesas médicas com eventuais lesões corporais porventura ocasionadas à vítima, no instante do resgate realizado em áreas remotas.

Sendo que, por óbvio, se os integrantes do grupo de resgate agirem de maneira inapropriada (desconsiderando os padrões técnicos recomendados – ainda que flexibilizados por se tratar de resgate em ambiente hostil de áreas naturais), inquestionavelmente que ficarão sujeitos a serem responsabilizados civilmente (pagamento de quantias indenizatórias).


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Várias outras considerações poderiam ainda ser apresentadas neste texto, mas o tornariam demasiadamente longo e, provavelmente, desestimularia sua leitura. Em razão disto, apenas alguns tópicos de maior interesse foram examinados.

A título de esclarecimento, outros temas correlatos, como a responsabilização dos agentes públicos (civis e militares), a eventual recusa de atendimento por parte da vítima, se o resgate envolver o atendimento de crianças e adolescentes, ou de pessoas com problemas mentais ou que sejam suicidas, não foram aqui tratados para não estender demais o texto. Não significando que sejam menos importantes.

A intenção deste texto é apenas tocar em alguns temas recorrentes em conversas e treinamentos, com aqueles que atuam nesta área de resgates. Oferecendo esclarecimentos (ainda que resumidos) para os interessados no assunto.

Concluindo, esclareço que as considerações constantes deste texto não refletem, necessariamente, a posição do Grupo de Resgate em Montanha de Joinville (GRM). Representam apenas a minha visão pessoal, com respaldo na formação jurídica que possuo. E com base na experiência adquirida como membro-fundador do GRM (uma equipe de que me orgulho de fazer parte).

So others may live (para que outros possam viver).


Notas

[1]Código Penal, art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

[2]Código Penal: Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:

...

III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Excesso punível

Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

[3]Código Penal: Art. 18 - Diz-se o crime: 

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

[4]{C}Código Civil

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

...

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Sobre o autor
Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA NETTO, Sérgio. Resgates em áreas remotas – responsabilidades perante a lei . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3785, 11 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25813. Acesso em: 22 nov. 2024.

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