7 Considerações finais
Podemos afirmar inexistirem soluções prontas para os conflitos de direitos fundamentais, por envolverem valores contrapostos.
A recusa a tratamento médico, pautada em convicção religiosa, busca guarida na inviolabilidade à liberdade de consciência e de crença, nos princípios da dignidade da pessoa humana e, ainda, no princípio da legalidade.
O conflito entre a irrenunciabilidade do direito à vida e a liberdade religiosa, como em toda colisão de direitos fundamentais, deve ser solucionado por meio da análise das peculiaridades do caso concreto, para que se possa chegar ao resultado constitucionalmente desejado.
No que tange a nossa proposta (discutir a recusa a transfusão sanguínea por adeptos da religião Testemunhas de Jeová) casos em que o paciente seja absolutamente capaz e esteja consciente para manifestar sua decisão, desde que exista algum tratamento alternativo ou este não corra risco de morte, grande parte da doutrina inclina-se para o entendimento de que a vontade do paciente deve ser respeitada. Com base no Parecer 1.931/2009, este também é o posicionamento do Conselho Federal de Medicina Medicina ao conceder ao paciente o direito de decisão sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas e ao estabelecer que o médico, após esclarecer ao paciente sobre o procedimento a ser realizado, deve obter seu consentimento ou de seu representante legal, desde que o paciente não se encontre em risco iminente de morte.[10]
Entretanto, nos casos em que exista um risco iminente de morte, depois de esgotados todos os meios alternativos, e sendo a transfusão de sangue imprescindível, esta deve ser concretizada, ainda que contra a vontade do paciente, não podendo, o médico ser responsabilizado, pois sua conduta é pautada em normas jurídicas.Em se tratando de paciente incapaz ou inconsciente, a manifestação de vontade não pode ser suprida ou substituída pela dos pais ou responsáveis. A vida do incapaz deverá ser sempre primada e garantida até o momento em que ele possa, conscientemente, usufruir os seus direitos individuais, incluindo seu direito à liberdade religiosa. Se iminente o perigo de vida, é direito e também dever do médico a utilização terapêutica indicada, conforme sólida literatura médico-científica, não importando naturais divergências, sob pena de responsabilização tanto dos médicos, quanto dos responsáveis (NOVELINO, 2009, p. 180).
É possível notar que o Estado, ao apreciar o caso, tende a colocar-se como maior interessado na vida do paciente, autorizando a transfusão de sangue contra a vontade do paciente, desde que, em iminente risco de vida e ainda, não havendo tratamento alternativo que substitua o procedimento indicado pelo médico.
Ademais, caso o aplicador do Direito vislumbre uma possível colisão entre dois ou mais princípios, deve-se analisar o caso concreto em face dos postulados normativos, fazendo-se necessária a ponderação dos valores envolvidos, com aplicação dos princípios específicos da proporcionalidade e razoabilidade.
Importante observação a ser feita, reside no fato de que não existe lei proibitiva, no sistema jurídico, da opção pela recusa à transfusão de sangue. Mas, ainda não é pacífico o entendimento quanto à questão. Todavia, como forma para solução deste conflito, a técnica de ponderação de interesses, a qual é atribuída pesos a princípios conflitantes, é a que merece melhor destaque ao nosso sentir.
Concluímos, por derradeiro, ser a escolha mais razoável que se preserve a vida biológica quando de cotejo um com qualquer outro direito. Não resta dúvida para nós, que a transfusão de sangue deve ser feita pelo médico caso o paciente se encontre em iminente risco de morte, pois para salvaguardar o direito à vida biológica é tolerável sua preponderância sob o direito à liberdade, aqui incluída a liberdade religiosa, pois não existe ideologia que seja forte suficiente para se sobrepor à preservação do bem maior que é a defesa do direito à vida biológica.
8 Referências
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Notas:
[1] Existem os riscos inerentes a uma cirurgia de grande porte em si. Superada esta fase, os principais problemas após o transplante de órgãos são infecção e REJEIÇÃO. Para prevenir estes efeitos a pessoa usa medicamentos que debilitam o sistema imunológico. Por esta razão, estão mais sujeitos a infecções e a outras doenças "oportunistas".
[2] A Sentinela, é uma revista religiosa publicada pelas Testemunhas de Jeová desde 1879, distribuída em 182 idiomas com uma periodicidade quinzenal, com uma tiragem média de mais de 39,6 milhões de exemplares da edição para o público. Juntamente com a revista Despertai, constitui um dos mais importantes meios de divulgação das doutrinas da Testemunhas de Jeová (MARTINEZ, 2007, p. 01).
[3] A Constituição Federal consagra o direito à vida biológica, no art. 5º, caput: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...].
[4] A dignidade em si não é um direito, mas um atributo inerente a todo ser humano, [...]. O reconhecimento da dignidade como fundamento impõe aos poderes públicos o dever de respeito, proteção e promoção dos meios necessários a uma vida digna (NOVELINO, 2009, p. 348).
[5] Art. 1º da Constituição Federal: A República Federativa do Brasil, [...], constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III- a dignidade da pessoa humana.
[6] Art 135 do Código Penal: Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, [...] à pessoa [...] em grave e iminente perigo [...].
[7] RESOLUÇÃO CFM Nº1931/2009 – Publicada no D.O.U de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90 (Retificação publicada no D.O.U. de 13 de outubro de 2009, Seção I, p.173).
[8] Ronald Dworkin também desenvolve esta distinção, abordando, embora com algumas divergências, o mesmo que Robert Alexy. Contudo, não iremos desenvolvê-lo aqui.
[9] Maior detalhamento pode ser obtido pela leitura do capítulo 3 da obra: ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. Trad. de Zilda Hutchingson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001.
[10] A respeito consultar RESOLUÇÃO CFM Nº1931/2009, Arts. 22 e 31.