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Interceptação telefônica à luz da Lei 9.296/96

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10 ASSUNTOS POLÊMICOS REFERENTES À LEI 9296/96

10.1 Interceptação das Comunicações Telefônicas do Advogado

Ponto bastante discutido pela doutrina é o caso das interceptações das comunicações telefônicas do advogado. Dentre as situações encontradas tem-se a conversa reservada entre advogado e cliente. Neste caso, sempre será considerada ilícita, eis que a conversa esta protegida pelo sigilo profissional:

Artigo 7º da Lei n. 8.906/94 São direitos do advogado:

(...).

II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008)

(...).

Advogado. Sigilo profissional/segredo (violação). Conversa privada entre advogado e cliente (gravação/impossibilidade). Prova (ilicitude/contaminação do todo). Exclusão dos autos (caso). Expressões injuriosas (emprego). Risca (determinação).1. São invioláveis a intimidade, a vida privada e o sigilo das comunicações. Há normas constitucionais e normas infraconstitucionais que regem esses direitos. 2. Conversa pessoal e reservada entre advogado e cliente tem toda a proteção da lei, porquanto, entre outras reconhecidas garantias do advogado, está a inviolabilidade de suas comunicações. 3. Como estão proibidas de depor as pessoas que, em razão de profissão, devem guardar segredo, é inviolável a comunicação entre advogado e cliente. 4. Se há antinomia entre valor da liberdade e valor da segurança, a antinomia é solucionada a favor da liberdade. 5. É, portanto, ilícita a prova oriunda de conversa entre o advogado e o seu cliente. O processo não admite as provas obtidas por meios ilícitos. 6. Na hipótese, conquanto tenha a paciente concordado em conceder a entrevista ao programa de televisão, a conversa que haveria de ser reservada entre ela e um de seus advogados foi captada clandestinamente. Por revelar manifesta infração ética o ato de gravação – em razão de ser a comunicação entre a pessoa e seu defensor resguardada pelo sigilo funcional –, não poderia a fita ser juntada aos autos da ação penal. Afinal, a ilicitude presente em parte daquele registro alcança todo o conteúdo da fita, ainda que se admita tratar-se de entrevista voluntariamente gravada – a fruta ruim arruína o cesto. 7. A todos é assegurado, independentemente da natureza do crime, processo legítimo e legal, enfim, processo justo. (...). (HC 59967/SP, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 29/06/2006, DJ 25/09/2006, p. 316)

PENAL. HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. ADVOGADO. MATERIAL COLHIDO. SIGILO. MÉRITO. PENDÊNCIA DE JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PARCIAL CONHECIMENTO. LIMINAR. DEFERIMENTO. RATIFICAÇÃO. LIBERDADE DE EXERCÍCIO LEGÍTIMO DA PROFISSÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, CONCEDIDA. (...). 2. Em observância à liberdade de exercício legítimo da profissão, deve ser assegurado sigilo ao teor das interceptações deferidas em desfavor do paciente. (...). (HC 114.458/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 02/08/2010)

 Uma segunda situação encontrada seria o caso da captação das comunicações do telefone do suspeito / réu onde há conversas com outros investigados / réus e com o advogado. Nesta hipótese, o Superior Tribunal de Justiça entende que a prova não é inteiramente ilícita, aproveitando-se às conversas entre os criminosos:

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DAS ELEMENTARES DOS CRIMES. OFENSA AO ARTIGO 41 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. NOME COMPLETO DAS VÍTIMAS NÃO EXPLICITADO. IRRELEVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO DEMONSTRADO. ILEGALIDADE DE PROVA COLHIDA NO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CONVERSAS ENTRE OS RÉUS E SEUS DEFENSORES. INTERCEPTAÇÃO NOS TELEFONES DOS INVESTIGADOS. FILTRAGEM QUE NÃO DEVE SER FEITA PELA AUTORIDADE POLICIAL. AFRONTA AO ESTATUTO DO ADVOGADO NÃO CONFIGURADA. DOCUMENTOS QUE PODEM SER DESCARTADOS PELO JUÍZO. SENTENÇA NÃO PROFERIDA. ORDEM DENEGADA. (...). Mesmo que em algumas interceptações os investigados tenham recebido e feito ligações para os seus defensores, estas foram gravadas e transcritas de maneira automática, do mesmo modo como ocorreu com as demais conversas efetivadas através dos celulares dos pacientes. Cabe ao Juiz, quando da sentença, avaliar os diálogos que serão usados como prova, podendo determinar a destruição de parte do documento, se assim achar conveniente, no momento da prolação da sentença. Ordem denegada. (HC 66368/PA, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 673)

Terceira e última hipótese é a captação da conversa realizada por advogado suspeito de crime. Neste caso a interceptação é lícita, somente com relação às conversas relacionadas ao delito pelo qual está sendo investigado, porque ele esta na qualidade de suspeito e não de advogado:

CRIMINAL. HC. QUEBRA DE SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL, TELEFÔNICO E TELEMÁTICO. QUEBRA BASEADA NAS DECLARAÇÕES DE UMA SÓ PESSOA. ANÁLISE RESTRITA À SUA CAPACIDADE DE CONFIGURAR INDÍCIO DE AUTORIA E PARTICIPAÇÃO. APTIDÃO NÃO-ATACADA. INEXISTÊNCIA DE OUTROS MEIOS DE PROVA. DISPONIBILIZAÇÃO ESPONTÂNEA DE INFORMAÇÕES PELO PACIENTE. DESNECESSIDADE AFASTADA EM RELAÇÃO AOS SIGILOS TELEFÔNICO E TELEMÁTICO E FALTA DE INTERESSE JURÍDICO EM RELAÇÃO AOS SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. INSTALAÇÃO PRÉVIA DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. VIOLAÇÃO À LIBERDADE DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. INOCORRÊNCIA. PARTICIPAÇÃO DEVIDO A FATORES DE ORDEM FAMILIAR E PESSOAL. PRERROGATIVAS QUE NÃO PODEM ACOBERTAR DELITOS.  NATUREZA ABSOLUTA INEXISTENTE. DIVULGAÇÃO DE DADOS DECORRENTES DAS QUEBRAS. DETERMINAÇÃO EM CONTRÁRIO. ARQUIVAMENTO IMPLÍCITO DA DENÚNCIA. IMPROPRIEDADE. CRIMES DIVERSOS DOS ORA ANALISADOS.  LEGALIDADE DA MEDIDA DEMONSTRADA. LIMINAR CASSADA. ORDEM DENEGADA. (...). Ainda que atuasse como advogado, as prerrogativas conferidas aos defensores não podem acobertar delitos, sendo certo que o sigilo profissional não tem natureza absoluta. (...). Não há ilegalidade na decisão que decreta a quebra dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático do paciente, se devidamente demonstrada tanto a presença de indícios suficientes de participação em crime, como a peculiaridade de ser a única forma eficaz e disponível para a elucidação dos fatos Ordem denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida. (HC 20087/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/08/2003, DJ 29/09/2003, p. 285).

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE DA PROVA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO SIGILO PROFISSIONAL. DENÚNCIA QUE ATENDE AOS REQUSISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCOMPATIBILIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. (...). 6. A alegação de afronta ao sigilo profissional, tendo em vista que o paciente é advogado e teriam sido interceptadas ligações travadas com seus clientes, também não merece acolhida, já que os delitos que lhe foram imputados teriam sido cometidos justamente no exercício da advocacia. 7. O simples fato de o paciente ser advogado não pode lhe conferir imunidade na eventual prática de delitos no exercício de sua profissão. (...). (HC 96909, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 17/11/2009, DJe-232 DIVULG 10-12-2009 PUBLIC 11-12-2009 EMENT VOL-02386-02 PP-00279).

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RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILO TELEFÔNICO. ADVOGADO. QUEBRA. I - Decisão judicial fundamentada, com apoio na Lei nº 9.296/96, determinando a interceptação telefônica, não afronta a Constituição Federal.II - A proteção à inviolabilidade das comunicações telefônicas do advogado não consubstancia direito absoluto, cedendo passo quando presentes circunstâncias que denotem a existência de um interesse público superior, especificamente, a fundada suspeita da prática da infração penal. Recurso desprovido. (RMS 10.857/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/03/2000, DJ 02/05/2000, p. 152)

10.2 Ligações Constantes na Memória do Telefone Celular

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a polícia pode utilizar nas investigações os números constantes na memória do telefone celular (mera apreensão do objeto), sem necessidade de ordem judicial. Não se trata de interceptação telefônica, pois não há o acesso ao teor das conversas, nem quebra de sigilo telefônico, já que inexiste acesso à lista geral de chamadas realizadas e recebidas, apenas aquelas registradas na memória do telefone:

CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DAS ELEMENTARES DOS CRIMES. OFENSA AO ARTIGO 41 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. NOME COMPLETO DAS VÍTIMAS NÃO EXPLICITADO. IRRELEVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO DEMONSTRADO. ILEGALIDADE DE PROVA COLHIDA NO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CONVERSAS ENTRE OS RÉUS E SEUS DEFENSORES. INTERCEPTAÇÃO NOS TELEFONES DOS INVESTIGADOS. FILTRAGEM QUE NÃO DEVE SER FEITA PELA AUTORIDADE POLICIAL. AFRONTA AO ESTATUTO DO ADVOGADO NÃO CONFIGURADA. DOCUMENTOS QUE PODEM SER DESCARTADOS PELO JUÍZO. SENTENÇA NÃO PROFERIDA. ORDEM DENEGADA. (...). O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois celulares apreendidos em poder do co-réu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas, tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas. (...). (HC 66368/PA, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 05/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 673)

10.3 Interceptação Telefônica como Prova Emprestada

Como já visto, a regra geral é de que a interceptação só é permitida para fins de investigação criminal ou instrução penal, não podendo dela se utilizar os demais ramos do direito (civil, tributário, administrativo, constitucional, dentre outros).

Importante mencionar os requisitos necessários que possibilitam a utilização da prova emprestada, quais sejam: mesma parte investigada, mesmo fato e respeito ao contraditório e a ampla defesa.

GOMES (2010, p. 437 – 438) entende pela impossibilidade da utilização das provas adquiridas por meio da interceptação telefônica como prova emprestada para qualquer outro processo de outros ramos do direito, porque o constituinte delimitou a finalidade da captação telefônica, em respeito às liberdades constitucionais que estão em jogo neste tipo de procedimento. Além disso, defende que o segredo de justiça assegurado no artigo 1º da Lei n. 9.296/96 é inconciliável com o empréstimo de prova:

(...) O legislador constitucional ao delimitar a finalidade da interceptação telefônica (criminal) já estava ponderando valores, sopesando interesses. Nisso reside também o princípio da proporcionalidade. Segundo a imagem do legislador, justifica-se sacrificar o direito à intimidade para uma investigação ou processo criminal, não civil. Isso tem por base os valores envolvidos num e noutro processo (...).

Estando em jogo liberdades constitucionais (direito ao sigilo das comunicações frente a outros direitos ou interesses), procurou o constituinte, desde logo, demarcar o âmbito de prevalência de outro interesse criminal, em detrimento daquele. Mesmo assim, não é qualquer crime que admite a interceptação. Essa escolha, fundada na proporcionalidade, não pode ser desviada na praxe forense. Em conclusão, a prova colhida por interceptação telefônica no âmbito penal não pode ser “emprestada” (ou utilizada) para qualquer outro processo vinculado a outros ramos do direito.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já pacificaram que a interceptação telefônica, devidamente autorizada, realizada durante a investigação criminal ou instrução processual penal pode, desde que respeitado o contraditório e a ampla defesa em ambas as esferas, ser utilizada como prova emprestada. Por exemplo, em processo administrativo disciplinar para a demissão de servidor público, inclusive contra servidores que não figuraram no processo penal onde a prova foi produzida:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. POLICIAL RODOVIÁRIO. DEMISSÃO. USO DE PROVA EMPRESTADA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LEGALIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. SENTENÇA CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO DEMONSTRADO. (...). 4. Ademais, é firme o entendimento deste Tribunal de que, respeitado o contraditório e a ampla defesa em ambas as esferas, é admitida a utilização no processo administrativo de "prova emprestada" devidamente autorizada na esfera criminal. Precedentes: MS 10128/DF, Rel. Ministro Og Fernandes, Terceira Seção, DJe 22/02/2010, MS 13.986/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 12/02/2010, MS 13.501/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJe 09/02/2009, MS 12.536/DF, Rel. Ministra  Laurita Vaz, Terceira Seção, DJe 26/09/2008, MS 10.292/DF, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Terceira Seção, DJ 11/10/2007. 5. Na espécie, a referida prova foi produzida em estrita observância aos preceitos legais, cujo traslado para o procedimento disciplinar foi precedido de requerimento formulado pela Comissão Processante do PAD perante o Juízo Criminal Federal (1ª Vara Federal de Campos dos Goytacazes), devidamente deferido e submetido ao contraditório e ampla defesa em ambas as esferas. 6. Tendo sido a interceptação telefônica concretizada nos exatos termos da Lei 9.296/96, haja vista que o impetrante também responde criminalmente por sua conduta, não há que se falar em ilegalidade do uso desta prova para instruir o PAD. 7. Acrescenta-se que a condenação do impetrante não se deu unicamente com base nas gravações produzidas na esfera penal, tendo havido farto material probatório, como análise documental, oitiva de testemunhas, dentre outras provas, capaz de comprovar a autoria e materialidade das infrações disciplinares. 8. Também não se pode esquecer que a nulidade do PAD está diretamente ligada à ocorrência de prejuízo à defesa do servidor acusado, observando-se o princípio do "pas de nullité sans grief", o que não foi demonstrado nos autos. (...). (MS 15.207/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe 14/09/2010)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DEMISSÃO. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. SENTENÇA CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. MOTIVAÇÃO DEFICIENTE. NÃO OCORRÊNCIA. USO DE PROVA EMPRESTADA. LEGALIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. DEGRAVAÇÃO INTEGRAL. DESNECESSIDADE. AUTENTICIDADE DAS PROVAS. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. NÃO DEMONSTRADO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. EXCESSO DE PRAZO PARA CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO SERVIDOR. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. SEGURANÇA DENEGADA. OBSCURIDADE, CONTRADIÇÃO OU OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITO MODIFICATIVO. IMPOSSIBILIDADE. (...). (EDcl no MS 10128/DF, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/03/2010, DJe 08/04/2010)

EMENTA: PROVA EMPRESTADA. Penal. Interceptação telefônica. Documentos. Autorização judicial e produção para fim de investigação criminal. Suspeita de delitos cometidos por autoridades e agentes públicos. Dados obtidos em inquérito policial. Uso em procedimento administrativo disciplinar, contra outros servidores, cujos eventuais ilícitos administrativos teriam despontado à colheita dessa prova. Admissibilidade. Resposta afirmativa a questão de ordem. Inteligência do artigo 5º, inc. XII, da CF, e do artigo 1º da Lei federal nº 9.296/96. Precedentes. Voto vencido. Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, bem como documentos colhidos na mesma investigação, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessas provas. (Pet 3683 QO, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2008, DJe-035 DIVULG 19-02-2009 PUBLIC 20-02-2009 EMENT VOL-02349-05 PP-01012 RMDPPP v. 5, n. 28, 2009, p. 102-104)

Os argumentos utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça são: a) Privacidade e a intimidade já foram violadas durante a investigação criminal ou instrução processual penal e; b) Se é possível utilizá-la na esfera penal (hipótese mais grave), pode ser utilizada nas hipóteses menos graves, ou seja, nos demais ramos do direito.

Veja bem, interceptação telefônica jamais será executada diretamente em processo administrativo, por exemplo. Será sempre realizada no âmbito da investigação ou instrução penal e, em seguida, aproveitada em outro processo, que poderá ser da mesma natureza (penal) ou não (tributário, civil, etc.).

O juiz que recebe a prova emprestada pode declará-la ilícita, mesmo que o magistrado do processo original tenha reconhecido a licitude da interceptação telefônica.

10.4 Encontro Fortuito de Outros Fatos ou de Outros Envolvidos (Serendipidade)

Dentre os requisitos da decisão judicial que autoriza a violação da comunicação telefônica, dois deles são de fundamental relevância, ambos previstos no artigo 2º, parágrafo único, da Lei 9.296/96, quais sejam: a individualização do crime ou dos crimes objeto da medida cautelar, bem como a pessoa ou as pessoas que estão sendo investigadas.

Inicialmente, aguarda-se uma relação adequada entre o que se procura e o que efetivamente foi encontrado. No entanto, eventualmente, há discordância entre ambos, fato que deve ser imediatamente comunicado ao magistrado que proferiu a ordem judicial, a fim de que se delibere a respeito.

Durante a violação da comunicação telefônica é possível que sejam descobertos fortuitamente outros crimes ou investigados. Exemplos: a) interceptação autorizada para adquirir provas do tráfico de drogas realizado por A. Descobre-se que A também realizou um homicídio; b) interceptação autorizada para adquirir provas do tráfico de drogas realizado por B. Descobre-se que C pratica o delito junto com B.

Por razões técnicas, no transcorrer da execução da interceptação telefônica não é possível distinguir o que é ou não objeto da investigação, o que resulta no encontro fortuito. Ademais, a discussão doutrinária acerca da validade da prova fortuita se dá em razão da inexistência de autorização judicial (para o fato ou pessoa fortuita), o que é expressamente vedado pelo ordenamento jurídico.

Terá validade a prova de novo crime descoberto por meio da captação telefônica, desde que haja conexão ou continência (Código de Processo Penal, arts. 76 e 77 – encontro fortuito de primeiro grau) com o fato autorizador da interceptação. Caso contrário (inexiste conexão ou continência – encontro fortuito de segundo grau), só poderá ser utilizado como notitia criminis, o que ensejará o início de nova investigação, até mesmo nova interceptação independente, não havendo que se falar em "ilegalidade por derivação", porque a notícia foi colhida no bojo de uma interceptação legalmente realizada.

Também terá valor jurídico a prova que demonstrar o envolvimento de terceiro(s) – a pessoa que se comunicou com o investigado ou que se utilizou da linha interceptada – na prática do crime investigado, de forma a caracterizar a continência prevista no artigo 77, inciso I do Código de Processo Penal. De outro lado, a interceptação telefônica não valerá como meio de probatório quanto a fatos cometidos por terceira(s) pessoa(s), sem nenhuma relação de continência com o investigado, mas importará em notitia criminis, o que permitirá novas e independentes providências. Em caso de crime permanente, é possível a prisão em flagrante (não se trata de prova ilícita ou prova ilícita derivada).

GOMES (2010, p. 476) cita as opiniões de outros doutrinadores:

(...) Damásio E. de Jesus entende que o encontro fortuito não é válido como prova em nenhuma hipótese. Vicente Greco Filho adota o critério da conexão, continência e concurso de crimes. (...). Não parece acertada a ampliação para qualquer hipótese de concurso de crimes. Em muitas ocasiões, no concurso material, por exemplo, não contaremos com nenhum tipo de conexão.

Vale mencionar a opinião de OLIVEIRA (2009, p. 323):

Ora, não é a conexão que justifica a licitude da prova. O fato, de todo relevante, é que, uma vez freanqueada a violação dos direitos à privacidade e à intimidade dos moradores da residência, não haveria razão alguma para a recusa de provas de quaisquer outros delitos, punidos ou não com reclusão. Isso porque, uma coisa é a justificação para a autorização da quebra de sigilo; tratando-se de violação à intimidade, haveria mesmo de se acenar com a gravidade do crime. Entretanto, outra coisa é o aproveitamento do conteúdo da intervenção autorizada; tratando-se de material relativo à prova do crime (qualquer crime), não se pode mais argumentar com a justificação da medida (interceptação telefônica), mas, sim, com a aplicação da lei

É possível a interceptação ser utilizada como prova em crime punido com detenção, basta que este seja conexo com o crime de reclusão para o qual foi autorizada a interceptação. Do contrário, levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de captação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem conexos com crimes punidos com detenção. Desta forma decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

EMENTA: Agravo Regimental EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA LICITAMENTE CONDUZIDA. ENCONTRO FORTUITO DE PROVA DA PRÁTICA DE CRIME PUNIDO COM DETENÇÃO. LEGITIMIDADE DO USO COMO JUSTA CAUSA PARA OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição da República, considerou compatível com o artigo 5º, XII e LVI, o uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto da interceptação, seja punido com detenção. 2. Agravo Regimental desprovido. (AI 626214 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 21/09/2010, DJe-190 DIVULG 07-10-2010 PUBLIC 08-10-2010 EMENT VOL-02418-09 PP-01825)

Quando se tratar de encontro fortuito de informações sobre delitos futuros, a interceptação telefônica vale como notitia criminis. Neste caso, não se deve exigir conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, por três razões: 1º) Lei não exige conexão ou continência entre tais crimes ou criminosos; 2º) A interceptação foi realizada de forma legal e com ordem judicial, apesar de ter descoberto crime ou criminoso não indicado no pedido; 3º) O Estado não pode se manter inerte diante da notícia de um crime.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA OFERECIDA EM DESFAVOR DOS PACIENTES BASEADA EM MATERIAL COLHIDO DURANTE A REALIZAÇÃO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PARA APURAR A PRÁTICA DE CRIME DIVERSO. ENCONTRO FORTUITO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONEXÃO ENTRE O CRIME INICIALMENTE INVESTIGADO E AQUELE FORTUITAMENTE DESCOBERTO. I - Em princípio, havendo o encontro fortuito de notícia da prática futura de conduta delituosa, durante a realização de interceptação telefônica devidamente autorizada pela autoridade competente, não se deve exigir a demonstração da conexão entre o fato investigado e aquele descoberto, a uma, porque a própria Lei nº 9.296/96 não a exige, a duas, pois o Estado não pode se quedar inerte diante da ciência de que um crime vai ser praticado e, a três, tendo em vista que se por um lado o Estado, por seus órgãos investigatórios, violou a intimidade de alguém, o fez com respaldo constitucional e legal, motivo pelo qual a prova se consolidou lícita. II - A discussão a respeito da conexão entre o fato investigado e o fato encontrado fortuitamente só se coloca em se tratando de infração penal pretérita, porquanto no que concerne as infrações futuras o cerne da controvérsia se dará quanto a licitude ou não do meio de prova utilizado e a partir do qual se tomou conhecimento de tal conduta criminosa. Habeas corpus denegado. (HC 69552/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 06/02/2007, DJ 14/05/2007, p. 347)

AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. QUADRILHA, ESTELIONATO, FALSIDADE IDEOLÓGICA, USO DE DOCUMENTO FALSO E EXPLORAÇÃO DE PRESTÍGIO. RELATOR. ATUAÇÃO DIVERSA DA FUNÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE COMPROMETIMENTO. PROVA ILÍCITA. INTERCEPTAÇÃO EMPRESTADA. PARTICULARIDADES. INOCORRÊNCIA DE ABUSO. CONEXÃO E LITISPENDÊNCIA. FATOS E PARTES DIVERSAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. AUTORIA COLETIVA. DESNECESSIDADE DE INDICAÇÃO EXAUSTIVA DAS CONDUTAS. A função do relator na competência da ação penal originária não o identifica, na fase anterior ao recebimento da denúncia, à autoridade policial, razão porque a sua atuação no procedimento instrucional mantém-se inalterada. A captação de conversas telefônicas obtidas dentro dos padrões legais, mesmo que aclarando realidade nova, pode sustentar uma persecução autônoma, ainda mais quando o seu conteúdo se mostrar fiel ao transcurso da investigação originária. Inteligência do artigo 5°, inciso XII, da Constituição Federal, bem assim, da Lei n° 9.296/96. Não se pode falar em conexão e litispendência se não há identidade de sujeitos e de pedido.

Os elementos colhidos nos autos e narrados na denúncia demonstram a existência de fortes indícios das condutas delituosas, irrogando a todos os seis acusados os crimes de quadrilha e estelionato qualificado, bem assim, também constatam-se presentes os elementos para considerar a prática dos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso por parte dos advogados enumerados, enquanto que viável a imputação do delito de exploração de prestígio por atuação do Procurador Regional Federal.

“A gravidade do fato justifica o afastamento do exercício das funções de magistrado e de procurador federal, sem prejuízo da remuneração e vantagens, até o julgamento definitivo.” (Precedentes: APN 244/DF, Inq. 323/PE, Inq. 300/SP, Inq. 231/SP, APN 306-DF.) Denúncia recebida com o afastamento dos denunciados das funções respectivas.

(Apn 425/ES, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/11/2005, DJ 15/05/2006, p. 141)

Sobre os autores
Vinicius Almeida de Medeiros

Advogado / Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná / Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina / Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná.

Juliana Carvalho Tyminski

Advogada / Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná / Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Vinicius Almeida; TYMINSKI, Juliana Carvalho. Interceptação telefônica à luz da Lei 9.296/96. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3811, 7 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26052. Acesso em: 30 jun. 2024.

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