Resumo: O presente artigo busca apresentar, de forma didática e comparativa, os diferentes efeitos resultantes das decisões em sede de controle de constitucionalidade, considerando não haver uma sistematização na legislação que confira essa percepção sistematizada, razão pela qual, nos propomos a descrever especificamente os efeitos advindos de uma decisão em controle de constitucionalidade, sobretudo visualizando o entendimento atualizado do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: controle de constitucionalidade; efeitos objetivos; efeitos subjetivos; efeitos temporais; efeitos vinculantes; efeitos quanto à extenção.
Sumário: 1. Introdução – 2. Controle de Constitucionalidade e seus Efeitos – 3. Efeitos Objetivos no Controle de Constitucionalidade – 4. Efeitos Subjetivos no Controle de Constitucionalidade – 5. Efeitos Temporais no Controle de Constitucionalidade – 6. Efeitos Vinculantes no Controle de Constitucionalidade – 7. Efeitos quanto à Extensão da Declaração no Controle de Constitucionalidade – 8. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
No estudo do constitucionalismo contemporâneo, o tema do controle de constitucionalidade ganha cada vez mais força, sobretudo a partir da jurisdição constitucional que exerce o Supremo Tribunal Federal. Não há mais, nos dias atuais, a partir do fenômeno da constitucionalização do direito, como se conceber o bom entendimento da ciência jurídica sem passar antes, necessariamente, pelo profundo conhecimento da doutrina constitucional e, sobretudo, do tema do controle de constitucionalidade. A Constituição assume a posição suprema e central do ordenamento jurídico e lhe confere a validade. Nesse sentido, as normas com ela incompatíveis são retiradas do sistema normativo. É nesse enfoque que se insere a atividade de controle, exercida principalmente pelo guardião constitucional, o Supremo Tribunal Federal. Percebendo essa importância, iremos buscar verificar os efeitos advindos de uma decisão em sede de controle de constitucionalidade. Não há uma sistematização na legislação que confira essa percepção de forma didática e comparativa, daí porque, percebendo essa dificuldade na legislação e na literatura jurídica, nos propomos a comentar brevemente e de forma sistematizada, sem o intuito de esgotar o tema, os efeitos advindos de uma decisão em controle de constitucionalidade.
2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E SEUS EFEITOS
Sabemos que controle de constitucionalidade é a fiscalização da compatibilidade dos atos normativos com o texto constitucional. A partir da supremacia e centralidade constitucional, toda e qualquer lei, para permanecer válida no ordenamento jurídico nacional, deve guardar respeito, formal e material, ao texto constitucional. É nesse momento em que entra a atividade do controle de constitucionalidade, exercida de forma difusa pelos diferentes órgãos do judiciário e de também de forma concentrada pela Corte Suprema. A partir desse controle de compatibilidade, expurga-se do ordenamento toda e qualquer lei que viole à Constituição. Contudo, de acordo com a espécie de controle e a forma de exercê-lo, diferentes efeitos poderão decorrer da decisão judicial que reconhece a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de determinada lei em face do texto constitucional.
Nesse contexto, o art. 102, §2°, da Constituição Federal de 1988, dispõe acerca dos efeitos das decisões definitivas de mérito proferidas nas ações de constitucionalidade. Como já se sabe, o controle jurisdicional brasileiro admite o controle concreto e o controle abstrato. Cada espécie terá efeitos próprios. No controle concreto temos um processo constitucional subjetivo e a finalidade principal é proteger o direito invocado, já no controle abstrato temos um processo constitucional objetivo e a finalidade principal é assegurar a supremacia constitucional. Sendo espécies diferentes, obviamente, seus efeitos também o serão. Vejamos, então, de forma sistemática e comparada, a repercussão prática e os efeitos produzidos no mundo jurídico a partir de uma decisão em sede de controle de constitucionalidade.
3. EFEITOS OBJETIVOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Neste aspecto inicial, analisamos “o que” a decisão no controle de constitucionalidade atinge. Em outros termos, qual a declaração emitida no controle de constitucionalidade? O que a decisão em controle se propõe a pronunciar? Para tanto, partindo dessa premissa inicial, devemos verificar em que parte da decisão será constará a chamada questão de inconstitucionalidade. Sabemos que as três partes de uma sentença judicial são: relatório, fundamentação e dispositivo. Isso vale tanto para o controle concreto, quanto para o controle abstrato. Primeiramente, no que se refere ao controle concreto, já se sabe que nele temos um processo constitucional subjetivo, o objeto é um direito subjetivo. No controle concreto o pedido não se liga propriamente à inconstitucionalidade da lei, esta é apenas incidental, mas a finalidade da ação é que o direito subjetivo seja concedido. Esse é o pedido: proteção ao direito subjetivo. Mas para esse pedido ser atendido, a causa de pedir é a inconstitucionalidade da lei (incidental). Quer dizer, o pedido está baseado na inconstitucionalidade da lei. Por entender que a lei é inconstitucional é que se pede a proteção do direito subjetivo.
Exatamente por isso, sendo a inconstitucionalidade apenas uma questão incidental que se encontra na causa de pedir, e não no pedido, quando o juiz julga no caso concreto, ele apreciará a inconstitucionalidade da lei na fundamentação da sua decisão. No controle concreto, então, é na fundamentação que é feita a análise da questão de inconstitucionalidade, justamente porque esta reside na causa de pedir, e não no pedido. Não existe nessa hipótese uma decisão do tipo: “julgo procedente para declarar a inconstitucionalidade da lei “A”...”, ao contrário, o juiz decide no caso concreto dizendo: “julgo procedente o pedido para que o autor tenha assegurado o seu direito de...”. De fato, estaria no dispositivo a decisão quanto à inconstitucionalidade da lei se este fosse o próprio objeto requerido, como ocorre no controle abstrato, mas no controle concreto não é o caso. Portanto, temos que, a partir do antecedente (inconstitucionalidade ou não da lei), julga-se o consequente (pedido procedente ou improcedente quanto ao direito subjetivo).
A consequência disto é que, como sabemos das lições de processo civil, apenas o dispositivo da sentença faz coisa julgada material, porque se relaciona ao pedido (princípio da congruência), aquilo que se requereu da instância judiciária. A fundamentação é apenas a exposição das razões de fato e de direito que levaram ao convencimento do juiz, mas o principal é o dispositivo, é este que faz coisa julgada. Então, no controle concreto temos, quanto ao aspecto objetivo, a análise da questão de inconstitucionalidade na fundamentação e, no dispositivo, somente o que se refere ao direito subjetivo pleiteado. Logo, esse é o efeito objetivo em sede de controle concreto de constitucionalidade: a decisão não atinge a lei considerada inconstitucional, porque esta foi impugnada de forma incidental, assim, o julgamento recai sobre o direito subjetivo discutido em juízo e somente sobre ele faz coisa julgada material. A decisão incidental sobre a questão de inconstitucionalidade é apenas o fundamento de validade para o dispositivo.
Já no controle abstrato, não se parte de um caso concreto, não há partes materiais envolvidas, não há processo subjetivo, a questão de inconstitucionalidade não é analisada apenas incidentalmente na fundamentação de qualquer processo sob o rito do direito processual civil. Agora, o processo é meramente objetivo, a finalidade é a própria declaração de inconstitucionalidade. O que se discute agora é a lei em relação à sua compatibilidade abstrata com a Constituição, e não a aplicação da lei inconstitucional ao caso concreto. A inconstitucionalidade da lei, então, passa a ser atacada de forma direta, tornando-se o próprio pedido, e não mais apenas a causa de pedir.
Isso significa que o efeito objetivo no controle abstrato não é a obtenção do direito subjetivo, mas a própria declaração de inconstitucionalidade, porque esta, agora, constará no dispositivo da sentença. O pedido no controle abstrato é a própria declaração de costitucionalidade ou não do objeto impugnado. Assim, a declaração de inconstitucionalidade da lei será feita no dispositivo da decisão: “julgo procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade da lei...”. Temos, nesse aspecto, o efeito objetivo das decisões em sede de controle de constitucionalidade abstrato. Como o dispositivo da decisão refere-se ao pedido, a questão de inconstitucionalidade vai estar decidida no dispositivo, por ser a causa principal, (principaliter tantum), fazendo coisa julgada material.
4. EFEITOS SUBJETIVOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Neste aspecto, agora, analisamos “quem” a decisão no controle de cosntitucionalidade atinge. Quem são os destinatários da decisão em contole de constitucionalidade? Nesse sentido, temos, então, o plano subjetivo da decisão. Primeiramente, no que se refere ao controle concreto, temos um processo constitucional subjetivo onde se discute incidentalmente a questão de inconstitucionalidade com a presença de partes materiais envolvidas, existindo efetiva lide (conflito de interesses qualificado por uma pretenção resistida), na busca pelo direito subjetivo. Isso significa que, se o objeto do controle não é a declaração em abstrato da inconstitucionalidade da lei, mas tão somente o reconhecimento ou não de determinado direito subjetivo, obviamente, a decisão irá produzir efeitos somente para as partes que se relacionam àquele direito invocado, porque o processo diz respeito à eles, é um processo subjetivo (concreto), e não objetivo (abstrato). Justamente por isso o nome é controle concreto, porque vai atingir o caso concreto e as pessoas em concreto.
Se é assim, é claro que, via de regra, o processo importa apenas para as pessoas nele envolvidas, que se relacionam ao direito subjetivo. Logo, diz-se, por isso, que o efeito subjetivo no controle concreto é inter partes (abrange somente as partes materiais envolvidas), e não orga omnes (produção de efeitos para todos abstratamente). A decisão em controle concreto não atinge terceiros, pessoas que não fazem parte do processo. Isso é uma decorrência natural da própria essência do controle concreto. Se há um processo subjetivo, é óbvio que a decisão não poderia se aplicar às pessoas que não estão envolvidas com o direito subjetivo discutido. Uma decisão judicial não se aplica a quem está fora da relação jurídica processual. O que se discute no controle concreto é o direito subjetivo, e não a inconstitucionalidade de lei (mero incidente). Logo, a decisão produz efeitos somente entre as pessoas que discutem esse direito (inter partes), não atingindo terceiros indistintamente (erga omnes).
Contudo, existe uma exceção: quando o processo em controle concreto consegue chegar até o STF via recursal (manejo de recurso extraordinário em caso de ofensa direta à Constituição), é possível que o Senado Federal, após encaminhamento da decisão pelo STF, venha exarar resolução suspendendo para todos a execução da lei, caso em que, o aspecto subjetivo no controle concreto, excepcionalmente, deixa de ser inter partes e passa a ser erga omnes. Trata-se da chamada suspensão da execução da lei pelo Senado, hipótese em que a decisão, mesmo em controle concreto, operará efeitos erga omnes, nos moldes previstos no art. 52, X, da Constituição Federal. Trata-se, pois, de possibilidade do controle concreto ter ampliado seus efeitos subjetivos.
O objetivo dessa possibilidade levantada pelo legislador constituinte decorre do fato de que o Brasil adota um sistema combinado de controle jurisdicional (difuso e concentrado), logo, quando o STF profere uma decisão em controle difuso, essa decisão, como, em regra, tem apenas efeitos inter partes, mas isso poderia cria uma situação de injustiça, porque em outros processos espalhados pelos demais órgãos do judiciário poderia haver uma causa análoga aplicando a lei que incidentalmente foi reconhecida pelo Supremo como inconstitucional. Nesse caso, teríamos quebra do princípio da isonomia. Para alguns a lei seria aplicada e para outros não, embora em situações jurídicas semelhantes. Para evitar tal discrepância, quando a Corte Maior decide incidentalmente se uma lei é inconstitucional, torna-se possível vislumbrar a hipótese de suspensão da lei pelo Senado com efeitos subjetivos erga omnes.
Mas, via de regra, não sendo o caso de aplicação do art. 52, X, CF/88, considerando a sistemática do controle difuso admitido pelo modelo constituinte, outros órgãos e tribunais do judiciário têm competência para julgar de forma diversa do STF em controle concreto, justamente porque a questão incidental não faz coisa julgada, somente o dispositivo referente ao direito subjetivo concreto. A regra no controle concreto é que a decisão produz efeitos inter partes, apenas entre as partes materials envolvidas, inclusive quando proferida pelo STF. A exceção ocorre somente se o processo subir até o STF, e este, se assim quiser, vier a encaminhar a decisão ao Senado e solicitar deste a ampliação “erga omnes” dos efeitos subjetivos no controle concreto, caso em que a respectiva Casa legislativa poderá, facultativamente, por meio de Resolução, suspender, no todo ou em parte, a execução da lei incidentalmente reconhecida como inconstitucional.
Observe-se que o Senado, ao editar uma Resolução para suspender a execução da lei, atua de forma discricionária, da forma como foi delineado pelo legislador constituinte. Nesse ponto, existem divergências na doutrina se o ato do Senado seria vinculado ou discricionário, isto é, se estaria obrigado a editar essa resolução solicitada pela Corte Maior ou assim faria apenas se entender conveniente. Pelo prncípio da separação dos poderes, não há como se pensar em imposição do judiciário sobre o legislativo. O entendimento majoritário é de que a Resolução suspendendo a execução da lei a partir de um controle concreto exercido pelo STF trata-se mesmo de um ato discricionário do Senado.
Contudo, exatamente para tentar driblar essa discricionariedade do legislativo, existe uma teoria que vem se levantando no âmbito do STF, mas que agora ficou um pouco arrefecida, que se trata da chamada Abstrativização ou Objetivização do Controle Concreto, por meio da qual se defende que, hoje, seria dispiscienda a Resolução do Senado para conferir efeitos erga omnes à decisão da Corte em controle concreto, porquanto haveria ocorrido a chamada mutação informal constitucional do art. 52, X, CF/88, devendo este ser interpretado atualmente de forma a extrair dele o mandamento de que a Resolução do Senado teria função apenas de publicidade, mas a ampliação subjetiva erga omnes já decorreria da própria decisão do STF no controle concreto. De toda sorte, a regra geral no controle concreto quanto aos efeitos no plano subjetivo é que a decisão produzirá efeitos inter partes, não atingem terceiros que não participaram da relação processual.
Já no controle abstrato, não há polêmicas acadêmicas. Sempre a decisão vai operar efeitos erga omnes. Quando falamos no efeito subjetivo erga omnes referimo-nos ao efeito oponível a todas as pessoas e, também, poderes públicos. Ou seja, todos os sujeitos existentes, públicos ou privados, são atingidos pela decisão em controle abstrato. Como nessa espécie não se trata de processo subjetivo, obviamente a decisão nunca será restrita apenas a quem faz parte do processo, justamente porque o processo é objetivo, não existem partes materiais envolvidas. Dessa forma, pela própria natureza do processo objetivo, as decisões em controle abstrato sempre terão efeitos erga omnes. Não teria o menor sentido se ações próprias em controle abstrato não tivessem o efeito oponível a todos. Considerando o caráter de generalidade e abstratividade da lei, assim também será a decisão judicial que a declara inconstitucional. Portanto, o efeito no controle abstrato, sempre teremos efeitos subjetivos erga omnes, não há exceção, abrangendo todos os sujeitos existentes, particulares e Poder Público.
5. EFEITOS TEMPORAIS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Neste aspecto, agora, passamos a analisar “quando” os efeitos da decisão no controle de constitucionalidade são efetivametne produzidos, isto é, a partir de que período temporal a decisão terá sua eficácia. Ou seja, a lei é inconstitucional em que momento? A partir da decisão (ex nunc), a partir de quando ela foi criada (ex tunc), ou a partir de um momento futuro (pro futuro). Enfim, qual o efeito temporal desta decisão? Para tanto, primeiro é necessário entender a natureza do ato inconstitucional. Nesse ponto, existem três correntes principais em relação a uma lei ou um ato inconstitucional: (i) 1ª Corrente: a lei inconstitucional é um ato inexistente; (ii) 2ª Corrente: a lei inconstitucional seria um ato nulo; (iii) 3ª Corrente: a lei inconstitucional seria um ato anulável.
Das três, a que goza de menor prestígio é a primeira, seguida apenas por uma pequena parcela da doutrina. O raciocínio dos que sustentam essa ideia é que no topo do ordenamento está a Constituição, logo abaixo na pirâmide temos os atos normativos primários (que tem por fundamento de validade a Constituição) e, abaixo desses, os atos normativos secundários (que tem por fundamento de validade diretamente os atos normativos primários e indiretamente a Constituição), logo, para um ato pertencer ao ordenamento ele tem que ter sido feito de acordo com o seu fundamento de validade. Uma lei só poderia pertencer ao ordenamento se feita de acordo com a Constituição. Se não for assim, ela não fará parte do ordenamento, estará fora deste ordenamento e, portanto, juridicamente será inexistente. Essa é a ideia da primeira corrente. Observe-se que esse sentido de inexistência refere-se ao plano de pertinência junto ao ordenamento jurídico: uma norma que não é produzida de acordo com o seu fundamento de validade não pode ser considerada como pertencente àquele ordenamento jurídico, logo, é uma lei juridicamente inexistente. Contudo, assim não entende a doutrina majoritária e nem a Suprema Corte, sendo rechaçada essa corrente. Se a lei inconstitucional fosse inexistente, ela não produziria efeitos nenhum, mas não é isso que ocorre, porque enquanto ela está em vigor efeitos são produzidos, embora se fale em inexistência no plano da pertinência jurídica. Nesse caso a decisão judicial nem declara e nem constitui a nulidade, mas reconhece a inexistência. Não adotamos essa tese no Brasil.
De fato, o posicionamento majoritário adotado na doutrina é a segunda corrente, sendo inclusive o entendimento encampado pelo Supremo Tribunal Federal, sob o fundamento de que a lei inconstitucional é um ato nulo. É o posicionamento também da doutrina norteamericana. Desde aquele famoso lead in case, Marbury vs. Madison, decisão dada pelo juiz John Marshall em 1803, que foi considerado o início do controle difuso de constitucionalidade, é considerado nos EUA que uma lei inconstitucional seria um ato nulo e o Poder Judiciário tem apenas que declarar essa nulidade. O Brasil absorveu essa doutrina e, hoje, temos o entendimento de que a lei inconstitucional nem é somente anulável, mas também não chega a ser inexistente, trata-se de ato nulo. A decisão judicial, para essa teoria de que o ato inconstitucional é nulo, teria natureza declaratória. Sendo a lei inconstitucional existente, porém nula, esta já possui um vício de origem, independente da decisão judicial. Isto é, a decisão judicial apenas vai declarar uma nulidade que já havia desde sempre, a partir de quando a lei passou a existir. Nesse caso, a lei é inconstitucional não porque o judiciário assim o disse, mas já era inconstitucional desde sempre, o judiciário apenas declarou essa inconstitucionalidade. Logo, aqui a natureza da decisão é apenas declaratória de nulidade, porque a lei já nasceu morta, incompatível com a Constituição.
Já a terceira teoria é a da anulabilidade, em que a lei é inconstitucional, mas não se considera um ato nulo, apenas anulável. A diferença é que um ato anulável depende de uma decisão judicial para reconhecer essa nulidade, caso contrário será um ato válido. Essa teoria tem como principal defensor o austríaco Hans Kelsen que utiliza como fundamento o princípio da presunção de constitucionalidade das leis. Nesse sentido, a norma é constitucional até que seja anulada. Logo, enquanto a lei não for declarada inconstitucional, todos são obrigados a cumpri-la. Por isso, segundo essa terceira corrente, a lei inconstitucional não se trataria de ato nulo, mas somente ato anulável, e a decisão que assim a reconhece não é declaratória, porque antes havia a presunção de constitucionalidade, mas trata-se de decisão constitutiva, porque a partir dela a lei é anulada. Mas se a lei inconstitucional fosse, de fato, apenas anulável, isso significaria que o vício não estaria na origem, porque a decisão não seria meramente declaratória (como ocorre ao se considerar a lei inconstitucional nula), ao contrário, teríamos uma decisão judicial constitutiva. Nesse caso, a inconstitucionalidade surgiria tão somente na declaração judicial, e não desde sempre. O ato anulável admite convalidação (diferentemente do ato nulo), daí porque os efeitos anteriores nesse caso seriam preservados, expurgando-se a lei apenas a partir do momento da declaração judicial constitutiva.
No Brasil, a doutrina e jurisprudência adotam a segunda corrente, isto é, a lei inconstitucional é nula e a decisão judicial que assim a reconhece apenas declara essa nulidade. Isso, obviamente, não difere em relação aos controles concreto e abstrato. Estamos falando de inconstitucionalidade e não de espécie de controle. A teoria da inconstitucionalidade se aplica tanto para o controle concreto como para o controle abstrato. Portanto, adota-se no Brasil, seja para controle concreto, seja para controle abstrato, o entendimento de que a lei inconstitucional é existente, porém nula, e a decisão que a reconhece tem natureza declaratória. A partir daí, então, podemos agora perceber quando a decisão em controle de constitucionalidade inicia seus efeitos. Ora, se o vício existe desde o nascimento da lei e a decisão judicial possui caráter declaratório, daí decorre que a declaração de inconstitucionalidade deve produzir, em regra, efeitos retroativos (ex tunc), isto é, a decisão declara a nulidade não dali em diante, mas desde o seu nascedouro, como se a lei nunca tivesse existido.
Aqui, não se trata da primeira corrente pela qual a lei inconstitucional é inexistente, ao contrério, reconhece-se que esta efetivamente tenha existido e produzido efeitos enquanto esteve em vigor, mas a decisão judicial declara a nulidade existente desde o seu nascedouro, anulando, por isso, seus efeitos de forma retroativa como se a lei nunca tivesse existido (embora tenha existido). Por outro lado, não se confunde também com a terceira corrente, pela qual a lei inconstitucional seria anulável, caso contrário seus efeitos teriam que ser somente a partir do momento da decisão que a declarasse, convalidando os efeitos produzidos anteriores, mesmo em se tratando de uma lei inconstitucional. Não é isso que temos aqui. No Brasil, a lei inconstitucional é um ato nulo, que embora tenha existido, seja no controle concreto, seja no controle abstrato. Por isso, a decisão judicial que decara a inconstitucionalidade, incidental ou principal, de uma lei, surte efeitos temporais, em regra, retroativos, desde a origem da lei inconstitucional (ex tunc). Não interessa quando foi a decisão judicial (porque apenas declaratória), o que interessa é quando a lei inconstitucional foi criada. É deste último momento, isto é, desde o nascimento da lei inconstitucional, que se iniciam retroativamente os efeitos da decisão judicial.
Existem, contudo, três exceções à essa regra geral: (i) Decisão em controle concreto onde o Senado suspendeu a execução da lei: em regra, tem efeitos ex nunc; (ii) Modulação temporal: excepcionalmente o STF pode conferir efeitos ex nunc ou pro futuro; (iii) Decisão em liminar de controle abstrato: em regra, tem efeitos ex nunc. Portanto, a regra geral é que a decisão em controle de constitucionalidade, seja concreto ou abstrato, surtirá efeitos terporais ex tunc, salvo nessas três possibilidades acima, quando poderá ser ex nunc ou pro futuro. Quanto à primeira exceção, já sabemos que a resolução do Senado suspendendo a execução da lei após decisão definitiva do STF amplia os efeitos subjetivos para todos (erga omnes). Nesse caso, teremos ainda a alteração dos efeitos temporais no sentido de que, ao invés da decisão retroagir como se a lei nunca tivesse existido (ex tunc), para a valer somente dali em diante (ex nunc). Isso ocorre porque quando o Senado não está fazendo um juízo de inconstitucionalidade, mas simplesmente suspendendo a execução da lei. Logo, prevalece o entendimento de que a Resolução do Senado tem efeitos temporais para a frente (ex nunc), e não retroativos (ex tunc).
Já no que se refere à segunda exceção, qual seja, a possibilidade de modulação temporal, trata-se de hipótese prevista no art. 27, da Lei 9.868/99 (ADI e ADC) e no art. 11 da Lei 9882/99 (ADPF), os quais dispõem no seguinte sentido: “Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”. Esta é a chamada modulação temporal dos efeitos da decisão, que pode ser feita em decisão de controle de constitucionalidade, concreto ou abstrato, de forma exclusiva pelo STF. Apesar da regra geral ser a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex tunc, é conferido à Corte Suprema a possibilidade de modulação temporal dos efeitos da decisão, instrumento que permite seja dado à decisão efeitos ex nunc (a partir do trânsito em julgado da decisão) ou pro futuro (a partir de outro momento que venha a ser fixado na decisão). Assim, por meio da modulação temporal, a Corte Maior não considera nula a lei desde o seu nascimento, mas considera-a válida até determinado período, fazendo com que a declaração de inconstitucionalidade surta efeitos em um momento futuro ao nascimento da lei. Esse momento futuro pode a própria decisão ou outra data fixada.
Vale observar que, embora se admita a modulação temporal tanto para o controle concreto como para o controle abstrato, a previsão normativa, de acordo com a literalidade da lei, restringe-se à este último. Logo, para o controle abstrato há previsão legislativa de modulação dos efeitos, mas para o controle concreto não há previsão legal. O STF entende, contudo, que se aplica por analogia ao controle concreto realizado no âmbito do Supremo a possibilidade de modulação temporal. Assim, apesar de não haver previsão legislativa para a modulação temporal no controle concreto, o Supremo utiliza por analogia a possibilidade conferida pelas leis da ADI, ADC e ADPF, típicas de controle abstrato. Daí se explica porque a modulação temporal é exclusiva do STF, seja no controle abstrato (que já é concentrado e exclusivo do STF), seja no controle concreto (porque essa possibilidade é extraída por analogia das ações típicas de controle abstrato, de competência exclusiva do STF). Então, somente a Corte Maior poderá modular os efeitos em ação de constitucionalidade, seja no controle abstrato, seja no controle concreto.
Em qualquer cado, a modulação temporal é utilizada quando os efeitos retroativos forem mais prejudiciais do que a manutenção da inconstitucionalidade pretérita. Isto é, poderia resultar em prejuízo muito maior a retirada retroativa da lei inconstitucional do que continuar com ela valendo no ordenamento até determinado período. Então, opta-se por manter a lei inconstitucional com validade excepcional e, somente de uma determinada data em diante, torna-se nula. Ou ainda, também é muito utilizada a modulação em mudança de jurisprudência da Corte, quando se confere efeitos prospectivos para os tribunais inferiores adequarem seus processos. É o que se chama de prospective overruling. Trata-se de superação de precedente judicial (stare decisis) com efeitos para uma data futura. Seja qual for a ocorrência, o Supremo Tribunal Federal deverá necessariamente justificar a modulação temporal em razões de segurança jurídica ou excepcional interesse social, do contrário não poderá fazê-lo.
Por fim, a terceira exceção em que a declaração de inconstitucionalidade não terá efeitos ex tunc, trata-se da decisão em liminar de controle abstrato, que nesse caso, em regra, produz efeitos ex nunc, salvo se o STF reconhecer expressamente efeitos ex tunc. Ou seja, na decisão liminar de inconstitucionalidade, a ordem se inverte, ao invés da regra ser efeitos ex tunc e a exceção ser efeitos ex nunc ou pro futuro, agora a regra é produzir efeitos ex nunc e a exceção são os efeitos ex tunc. Nesse sentido, dispõe o art. 11, §1°, da Lei 9868/99: “A medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa”. Isso ocorre porque a decisão liminar é precária, não é definitiva. Não faria sentido desde logo desconstituir os efeitos já produzidos se a decisão ainda não é definitiva. Poderia causar um caos jurídico muito maior a produção dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de forma retroativa em sede de liminar e esta futuramente não vir a ser confirmada na decisão definitiva de mérito, tendo que voltar novamente os efeitos anteriormente desconstituídos. Logo, tratando-se de decisão precária, a declaração de inconstitucionalidade em liminar opera efeitos apenas ex nunc (dali em diante) e, somente quando confirmada a decisão de mérito, passará a produzir efeitos ex tunc (retroativos). Contudo, mesmo em se tratando de decisão liminar, pode o STF entender que já é o caso de produzir efeitos retroativos (ex tunc), apesar de ainda ser decisão liminar, mas nesse caso deve manifestar-se expressamente nesse sentido, pois o silêncio da Corte revela que os efeitos em liminar fora conferidos dali em diante (ex nunc).