Há uma PEC em discussão no Congresso Nacional, a de nº 140/2012 de autoria do Deputado Assis Carvalho, alterando o inciso III, do art. 155 da CF a fim de incluir a outorga de competência tributária aos Estados para tributar a propriedade de veículos automotores aéreos e aquáticos.
A atual redação refere-se a “propriedade de veículos automotores” que é gênero de que são espécies o veículo automotor terrestre, o veículo automotor aéreo e o veículo automotor aquático.
A Constituição Federal, ao deferir ao Estado-membro a competência privativa para tributar a propriedade de veículos automotores, não deu uma conceituação do que seja essa propriedade. Mas, é certo que não utilizou o qualificativo “terrestre” que restringe o seu conceito de veículo automotor.
Dessa maneira impõe-se a adoção de conceito comum do que seja propriedade de veículo automotor.
O qualificativo “automotor” foi inserido no texto constitucional para diferenciá-lo dos veículos de transporte de tração humana e de tração animal.
Veículo automotor significa veículo autopropulsionado, ou seja, aquele que se locomove com seus próprios meios, o que envolve as aeronaves e as embarcações marítimas, além dos veículos terrestres.
Contudo, a jurisprudência do STF é no sentido da não incidência do IPVA sobre as embarcações. [1] Dessa forma, embarcações de alto luxo, como os iates, não pagam o IPVA, enquanto o proprietário de um veículo terrestre modesto deve arcar com esse imposto, o que, no mínimo, desatende aos princípios da isonomia e da capacidade contributiva.
A explicação é simples. A jurisprudência da Corte Suprema apoia o conceito de veículo automotor na definição constante do anexo I, do Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 9.503, de 23-1-1997. De acordo com essa definição legal, veículo automotor significa “todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas. O termo compreende os veículos conectados a uma linha elétrica e que não circulam sobre trilhos (ônibus elétrico).”
Ao que tudo indica a expressão “ônibus elétrico” foi decisiva para delimitação do alcance da expressão “veículo automotor” como sendo aquele destinado a circular em vias terrestres. E em termos de conceituação pelo Código de Trânsito Brasileira essa conclusão é absolutamente correta..
A definição de veículo aéreo, ou de veículo marítimo não poderia estar contida no Código de Trânsito Brasileiro. Nem por isso esses veículos destinados a voar ou a navegar por meios de propulsão próprios deveriam ficar excluídos do campo de incidência do IPVA, a menos que houvesse expressa ressalva na respectiva lei instituidora do imposto. A Constituição Federal, também não previu qualquer restrição a esse respeito, sendo certo que a entidade política competente tem a faculdade de instituir ou não o IPVA sobre os veículos aéreos e as embarcações, pois o exercício da competência tributária plena não é compulsório.
O Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei nº 7.565, de 19-12-1986 não define o que seja veículo automotor aéreo, mas em seu art. 106 define a aeronave como “todo aparelho manobrável em voo, que possa sustentar-se e circular no espaço aéreo, mediante reações aerodinâmicas, aptos a transportar pessoas e coisas”.
Ora, nessa expressão “aparelho manobrável em voo” está compreendido o termo “automotor”, ou seja, veículo autopropulsionado que pressupõe existência de motores, como se não bastasse o conhecimento ditado pela experiência. Compreende, pois, as aeronaves militares e civis, estas de passageiros e de cargas. As aeronaves militares obviamente estão sob a proteção da imunidade recíproca, assim como os veículos militares terrestres.
No que se refere a veículos aquáticos, não vislumbramos qualquer definição legal, mas é certo que são aqueles meios de transportes motorizados que se locomovem nas águas. São exemplos os submarinos, as balsas, os barcos[2], as lanchas, os navios, os jetskis, o transatlântico etc.
Os submarinos normalmente são de propriedade do Estado e estão sob proteção da imunidade recíproca.
Não temos, também a conceituação legal de veículo espacial, ou seja, aquele destinado a empreender viagens interplanetárias como ônibus espacial, nave estelar, espaçonave etc. Porém, esse tipo de veículo automotor não tem interesse na seara do Direito Tributário, pela simples razão de que não é provável que uma pessoa física ou jurídica de direito privado venha ser proprietário de um veículo espacial.
Contudo, a PEC sob comento tem o mérito de afastar a interpretação restritiva que se tem dado ao vigente inciso III, do art. 155 da CF e ao mesmo tempo remover as dúvidas e incertezas do legislador ordinário estadual. A alteração redacional proposta, para melhor explicitar o sentido da norma constitucional, contribuirá para propiciar recursos financeiros necessários ao cumprimento da finalidade pública dentro dos princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva.
Por oportuno, esclareça-se que é um equívoco relacionar o IPVA com a construção e manutenção de rodovias, como sustentado por alguns autores de textos publicados na Internet. O princípio expresso no art. 167, IV da CF veda a vinculação do produto de arrecadação de impostos a órgão, fundo ou despesa.
Talvez, essa equivocada ideia resida no fato de o IPVA ter vindo à luz na Constituição de 1988 como sucedâneo da extinta taxa rodoviária única, uma espécie tributária de natureza vinculada à atuação específica do Estado, diretamente dirigida ao contribuinte.
Notas
[1] RE nº 134.509, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 13-9-2002; RE nº 379.572, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 1-2-2008; RE nº 414.259 – AgR, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 15-8-2008.
[2] Estão excluídos os barcos movidos por tração humana.