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O procedimento de tomada de contas especial na administração pública do Distrito Federal

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Agenda 01/02/2002 às 01:00

6. A RESOLUÇÃO N.º 102, DE 15 DE JULHO DE 1998

É de suma importância que, antes de invadir de vez os meandros do tema proposto, suscite-se acerca da natureza da norma que trata do assunto no Distrito Federal. Trata-se da Resolução n.º 102 de 15 de julho de 1998. Norma de iniciativa da Corte de Contas do Distrito Federal que, baseando-se no poder regulamentar a ela conferido para expedir atos e instruções sobre matérias de suas atribuições e sobre a organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando seu cumprimento, sob pena de responsabilidade; e com fulcro no art. 3º, da Lei Complementar n.º 01/94, pretendeu orientar os Administradores Públicos do Poder Executivo e Legislativo quanto ao procedimento de tomada de contas especial.

Como seu próprio preâmbulo fez questão de ressaltar, pautou-se a norma nos princípios da racionalidade administrativa e da economia processual, os quais serão melhor visualizados por ocasião da análise dos dispositivos que a integram.

Na lição de Hely Lopes Meirelles, Resoluções são :

" Atos normativos expedidos pelas altas autoridades do Executivo (...) ou pelos presidentes de tribunais, órgãos legislativos e colegiados administrativos, para disciplinar matéria de sua competência específica.

(...)são sempre atos inferiores ao regulamento e ao regimento, não podendo invocá-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los. Seus efeitos podem ser internos ou externos, conforme o campo de atuação da norma ou os destinatários da providência concreta." (53)

O art. 3º da Lei Complementar n.º 01/94 assim estabelece:

"Ao Tribunal de Contas, no âmbito de sua competência e jurisdição, assiste o poder de normatizar, podendo, em conseqüência, expedir atos e instruções sobre matéria de suas atribuições e sobre a organização dos processos que lhe devam ser submetidos, obrigando ao seu cumprimento, sob pena de responsabilidade."

A Resolução n.º 102/98-TCDF é um instrumento de significativa importância no âmbito da Administração Pública Distrital. Arrojadamente tratou de disciplinar matérias polêmicas e organizar o procedimento de tomada de contas especial, levando em conta os princípios a ele inerentes, ao passo em que formalizou adequadamente toda a fase interna(54) da tomada de contas especial, tratando de extirpar o formalismo exagerado e pouco econômico que outrora permeava o procedimento tomador e orientando minuciosamente o agente público no que concerne ao assunto.

Veio, ao lado da Emenda Regimental -TCDF n.º 01 de 02 de julho de 1998(55), tratar da questão relativa ao valor de alçada para apreciação de processos pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal, determinando procedimentos sumários de apuração de responsabilidade, para montantes inferiores a ele, sem encaminhamento ordinário do procedimento à Corte julgadora. Seguindo orientação jurisprudencial e doutrinária, enfrentou o tema relativo à responsabilidade exclusiva de terceiros sem vínculos com a Administração Pública, determinando o encerramento das apurações, nesses casos. Além disso, integrou as normas esparsas e a jurisprudência mediante o instrumento adequado, uma vez que, antes, a legislação mais detalhada acerca do tema encontrava-se inserta no próprio regimento interno do Tribunal de Contas do Distrito Federal, como já enfatizou-se no Capítulo 1.

Sem dúvidas, encerrou um grande avanço, contribuindo sobremaneira para autocontrole da Administração Pública.


7. DA INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO TOMADOR

O mandamento para instauração de tomada de contas especial decorre de expressa disposição legal, mais precisamente do art. 9º da Lei Complementar n.º 01/94, ao qual já se fez referência, reproduzido de maneira mais analítica pelo art. 1º da Resolução n.º 102/98-TCDF, que deixou consignado:

"Art. 1º A autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá, observado o disposto no § 3º, imediatamente adotar providências com vistas à instauração de tomada de contas especial, para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano, diante da omissão no dever de prestar contas; da não comprovação da aplicação dos recursos concedidos na forma de suprimento de fundos ou transferidos pelo Distrito Federal mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, bem como a título de subvenção, auxílio ou contribuição; da ocorrência de desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos; ou, ainda, da prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário."

De antemão é importante destacar os motivos determinantes de instauração de tomada de contas especial expressos na lei, os quais serão melhor detalhados na seqüência. São eles:

1. omissão no dever de prestar contas;

2.não comprovação da aplicação de recursos concedidos na forma de suprimentos de fundos;

3. não comprovação da aplicação de recursos transferidos pelo Distrito Federal mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres;

4. não comprovação da aplicação de recursos transferidos pelo Distrito Federal a título de subvenção, auxílio ou contribuição;

5. ocorrência de desfalque de dinheiros, bens ou valores públicos;

6. ocorrência de desvio de dinheiros, bens ou valores públicos; e

7. prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico que implique dano ao erário.

Instaurar uma tomada de contas especial significa dar uma ordem formal para que se inicie um procedimento apuratório no âmbito administrativo, em razão da ocorrência dos fatos ensejadores expressos na norma. Tal determinação, como se verá, deve materializar-se por meio de ato especifico da autoridade competente, observados determinados requisitos.

Deve-se atentar para o uso correto da linguagem técnica. É erro comum ver-se nos atos administrativos: "(...) instaurar comissão de tomada de contas especial". Instaura-se a tomada de contas especial ou o processo de tomada de contas especial, jamais a comissão de tomada de contas especial. Essa última será designada por meio do ato administrativo de instauração.

7.1Autoridade administrativa competente para instauração

Todo ato administrativo para ser perfeito e válido deve reunir determinados componentes. A competência é um deles. Os demais são, segundo Diogenes Gasparini(56): Finalidade, Forma, Conteúdo, Motivo, Objeto e Causa. São eles chamados de: Requisitos do Ato Administrativo.

Caio Tácito, in Teoria e Prática do Desvio do Poder, citando trabalho de sua própria autoria, assevera: "não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito"(57). O mesmo autor complementa: "A competência é, em suma, o elemento da capacidade que, a par da licitude do objeto e da forma completam a validade dos atos jurídicos em geral, tal como enunciado no art. 82 do Código Civil."(58) Assim, pode-se definir competência como o poder outorgado pela norma ao agente público para que ele, com vistas a alcançar determinado objetivo, pratique um ato administrativo.

Logo, em sede de tomada de contas especial não é diferente. Para dar início ao procedimento tomador é necessária a formalização de um ato administrativo denominado ato de instauração. O referido ato deve ser praticado por um agente público competente, à luz dos princípios do Direito Administrativo.

No Distrito Federal não há norma geral indicando os agentes competentes para instauração de tomada de contas especial. Normalmente tal atribuição vem consignada nos regimentos internos dos órgãos e entidades e recai sob a suas autoridades máximas. Nas Secretarias de Estado, o(a) Secretário(a); nas Sociedades de Economia Mista: O(A) Presidente; Nas Autarquias: O(A) Diretor(a) Geral, nas Administrações Regionais: O(A) Administrador(a), e assim por diante.

7.2A responsabilização solidária em razão da omissão no dever de instaurar a tomada de contas especial

A obrigação solidária está disciplinada pelo art. 896 do Código Civil Brasileiro.

Segundo Maria Helena Diniz(59), a obrigação solidária é aquela em que, havendo multiplicidade de credores ou de devedores, ou de um e outros, cada credor terá direito à totalidade da prestação, como se fosse o único credor, ou cada devedor estará obrigado pelo débito todo, como se fosse o único devedor.

O artigo retrocitado deixa claro que a solidariedade não se presume. Decorre da lei e da vontade das partes. Tal exigência advém do fato de que a solidariedade agrava a responsabilidade do devedor, que passará a ser obrigado pelo total da prestação. O credor poderá cobrar-lhe o total do débito. A solidariedade funciona, pois, como verdadeira garantia para defesa do crédito. No caso, um instrumento de proteção para Administração Pública.

Em sede de tomada de contas especial, por se estar tratando da prática de um ato ilícito, inicialmente pode-se vislumbrar a solidariedade no próprio Código Civil Brasileiro, em seu art. 1518 que estabelece a responsabilidade solidária dos autores do ato, se houver mais de um autor; e dos autores, cúmplices e pessoas especificadas no art. 1521, se for o caso.

Lembra o Mestre Jorge Ulisses Jacoby Fernandes(60) que, juntamente com a regra geral do Código Civil, devem ser observadas as normas relativas à atuação dos Tribunais de Contas. No Distrito Federal, a Lei Complementar n.º 01, de 9 de maio de 1994, art. 9º: "(...) a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências, com vista à instauração de tomada de contas especial, para apuração dos fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano. " (destacou-se).

Assim, a lei autoriza, como penalidade, a responsabilização solidária da autoridade competente quando houver omissão na instauração de tomada de contas especial. Esclarece ainda o professor Jacoby que a legislação, ao determinar a responsabilização pela omissão, " fez erigir um liame jurídico fictício entre o fato ilícito determinante da TCE e a omissão, também ilícita, no dever de instaurá-la."(61)

7.3O ato de instauração(62)

É erro comum iniciar-se o procedimento de tomada de contas especial sem um ato formal de instauração. O fato de o órgãos ou entidades possuírem comissões permanentes de tomada de contas especial não dispensa a formalização. O simples envio de um ofício ou de um processo de sindicância administrativa a um determinado setor, com a determinação de apuração em sede de tomada de contas especial não é suficiente para dar início ao procedimento.

O ato de instauração deve revestir-se das formalidades adequadas, sob pena de nulidade:

a)ser devidamente assinado por autoridade competente;

b)materializar-se por meio de um ato administrativo ordinatório (normalmente uma portaria ou decreto);

c)indicar os membros da comissão e seu presidente, nominando-os e indicando suas matrículas e cargos;

d)evidenciar o objeto das apurações, evitando, contudo, a utilização de termos ou informações que possam caracterizar prejulgamento; e

e)ser devidamente publicado pelo órgão de imprensa oficial.(63)

7.4A obrigatoriedade de publicação do ato de instauração

Via de regra o ato administrativo de instauração se externa por meio de uma Portaria ou Decreto (atos administrativos ordinatórios), e assim deve ser feito ainda que o órgão/entidade possua comissão permanente de tomada de contas especial.

O ato de instauração não prescinde da publicação pelo Órgão de Imprensa Oficial. Acerca do tema a Procuradora junto ao Ministério Público do Distrito Federal, Dra. Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira esclarece(64), in verbis:

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" (...) entendemos que a publicação é necessária, não para dar eficácia ao ato interno, mas para dar exequibilidade ao mesmo, como argumentamos abaixo:

a) a publicação é meio de habilitar os membros da Comissão a tomarem certas atitudes que não fazem parte das atribuições inerentes a seus cargos.

b) os membros da Comissão ficam inteiramente à disposição do deslinde das novas atribuições, o tempo que for necessário, não prejudicando, de modo algum, o servidor, por deixar as atribuições do seu cargo por fazer.

c) trata-se, apesar de parecer estranho, de uma investidura administrativa de caráter temporário, para cumprir um fim específico, impondo-se encargos e concedendo prerrogativas aos seus membros, podendo os mesmos serem responsabilizados pelo descumprimento dessas atribuições.

d) a publicação poderá proporcionar a impugnação deste ato, por qualquer interessado no fiel cumprimento dos seus fins.

e) proporciona, também, a publicação, o controle dos prazos de instauração e término da Tomada de Contas Especial, por parte do TCDF, (...) ".

7.5A interpretação do termo: " imediatamente "

Segundo os §§ 3º e 4º, art. 1º da Resolução n.º 102/98-TCDF:

"§ 3º A autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá, no prazo máximo e improrrogável de 30 (trinta) dias a contar do conhecimento do fato, adotar providências objetivando regularizar a situação ou reparar o dano."

"§ 4º Não havendo regularização da situação ou reparação do dano no período estabelecido no parágrafo anterior, a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá instaurar tomada de contas especial, sem prejuízo dos procedimentos administrativos e disciplinares cabíveis."

O prazo de 30 (trinta) dias, pode-se afirmar, é o que a própria norma tratou de interpretar como limite do termo "imediatamente". Findo esse prazo, sem que tenha sido regularizada a situação pendente ou, se for o caso, reparado o dano, a autoridade deve, já no dia útil seguinte, determinar a instauração de tomada de contas especial, sob pena de responsabilidade solidária. Observe-se que o prazo concedido é peremptório, não havendo, pois, possibilidade de prorrogações.

A tomada de contas especial é procedimento de exceção. Logo, a inteligência da norma tratou de determinar um interstício visando a evitar a instauração. Assim, ciente dos fatos, a autoridade administrativa competente para instauração da tomada de contas especial tem prazo de trinta dias para, com fulcro na lei, buscar regularizar a situação ou fazer reparar o dano. Sua inércia quanto a esses procedimentos implicará, necessariamente, a atração de responsabilidade para si.

Ressalte-se que o dispositivo, objetivando evitar confusões entre os conceitos relacionados aos procedimentos administrativos e disciplinares e aqueles relacionados à tomada de contas especial, enfatizou sua independência. Os primeiros visam às apurações de caráter disciplinar, porquanto intentam a indicação de responsabilidade administrativa; o segundo visa à apuração das circunstâncias, em razão dos fatos motivadores expressos em lei, dado o dever de prestar contas ou a existência de um ato ilícito gerador, ou não, de dano, podendo dar ensejo à apuração de responsabilidade civil. Ambos podem coexistir, ao passo que cada qual poderá nascer e subsistir independentemente do outro.

É erro comum algumas unidades insistirem na instauração de sindicância antes da instauração de tomada de contas especial, dando àquela um caráter subsidiário em relação a essa. Não há tal vinculação. Entretanto, nada obsta, dadas as circunstâncias, que se aguarde o término das apurações de cunho disciplinar para se dar início às apurações de TCE, desde que com o conhecimento do Controle Externo. Nesse caso, a iniciativa não possui caráter protelatório, visando tão-somente a reforçar os elementos de convicção e o conjunto probatório.

Não se deve jamais juntar os autos originais de sindicância ou de Processo Administrativo Disciplinar aos autos de tomada de contas especial. Cópias autenticadas, quando necessárias, devem integrar o procedimento tomador.

7.6Da solidariedade em razão da inércia na comunicação do fato ensejador

A norma tece uma extensa rede de responsabilidade visando a resguardar a apuração célere e efetiva dos fatos. Nesses termos, os §§ 1º e 2º, do art. 1º da Resolução n.º 102/98-TCDF, estabelecem:

"§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o servidor responsável pelo respectivo setor deverá comunicar o acontecimento à autoridade administrativa que lhe é imediatamente superior, sob pena de responsabilidade solidária, até o segundo dia útil subseqüente à constatação da ocorrência.

§ 2º As autoridades que integram a escala hierárquica do órgão disporão do mesmo prazo mencionado no parágrafo anterior para comunicar o fato a seus superiores, sob pena de responsabilidade solidária, até que a autoridade administrativa competente para instaurar tomada de contas especial dele tome conhecimento."

O que se pretendeu com esse dispositivo, na verdade, foi distribuir a responsabilidade consignada no art. 9º da Lei Complementar n.º 1/94, onde ficou incerto que a autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências, com vistas à instauração de tomada de contas especial. Os supramencionados parágrafos, à luz do raciocínio de que a autoridade administrativa competente não poderá ter ciência formal e efetiva dos fatos se não for comunicada por seus subordinados, tratou de disciplinar a solidariedade desses últimos. É uma regra de efeito prático eficiente, porém, há de se observar que, ao contrário do que foi expressamente disposto no art. 9º da Lei Complementar n.º 1/94, tal encaminhamento não encontra respaldo legal, sem esforço exegético extensivo, posto que, como já foi assentado, a solidariedade não se presume, decorre da lei ou da convenção entre as partes.

Aqui, assim como no caso do art. 9º da LC n.º 1/94 não há liame entre o dano e omissão. A diferença é que, no caso do art. 9º, a fórmula foi manifestamente posta em lei. O dano decorreu da ação omissiva ou comissiva exclusiva do agente ou agentes causadores. O que se pune com a solidariedade, nesse caso, é a conduta omissiva: não instauração da TCE, que não tem o condão de gerar o dano, quando muito, em determinadas situações, terá de majorá-lo.

Ademais, na lição de Carlos Roberto Gonçalves o dano só pode gerar responsabilidades quando seja possível estabelecer um nexo causal entre ele e seu autor, ou, como diz Savatier, "um dano só produz responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado."(65). Segundo Demogue, não pode haver uma questão de nexo causal senão tanto quanto se esteja diante de uma relação necessária entre o fato incriminado e o prejuízo. É necessário que se torne absolutamente certo que, sem esse fato, o prejuízo não poderia ter lugar.(66)

Há porém os que compreendem que, nesse caso, surge extensivamente o que Jorge Ulisses Jacoby Fernandes denominou de liame jurídico fictício entre o fato ilícito e a omissão também ilícita. Assim, ainda que diretamente não haja nexo direto entre a omissão prevista nos §§ 1º e 2º do art. 1º da Resolução 102/98-TCDF e o evento danoso propriamente dito, a inércia voluntária do servidor que deixar de proceder à comunicação devida, a qual levaria à apuração do fatos, determinada pela autoridade competente, implica sua responsabilização solidária em sede de tomada de contas especial, independentemente das penalidades administrativas cabíveis. Para esses, o responsável pelo setor onde ocorreu ou foi constatado o fato, deve, até o segundo dia útil dessa constatação, comunicar formalmente as circunstâncias ao seu superior, sob pena de não o fazendo, atrair para si a responsabilidade. Observe-se que a norma usa a expressão "até o segundo dia útil". Assim, é evidentemente equivocado o raciocínio de que o prazo é de dois dias. Pode ser superior. Sabedor do evento na segunda-feira, por exemplo, o servidor terá até o final do expediente de terça-feira para proceder à comunicação. Conhecendo as circunstâncias na sexta-feira o servidor terá até a segunda-feira.

Entretanto, ainda que se considere a sua pertinência, certamente tal dispositivo deve ser interpretado com certa parcimônia uma vez que, nem sempre, a burocracia administrativa permite reconhecer com facilidade, ou mesmo estimar a data em que o servidor conheceu os fatos, ou que, em virtude de suas obrigações, deveria conhecer. A boa ou má-fé do responsável também deve ser sopesada.

A própria comissão tomadora, ou mesmo o Órgão de Controle Interno, deve avaliar a ocorrência da omissão e, se for o caso, recomendar a responsabilização solidária.

As demais autoridades da escala hierárquica, independentemente da sua extensão, terão o mesmo prazo para, formalmente, fazer chegar as circunstâncias ao conhecimento da autoridade responsável pela instauração.

7.7A instauração ex officio

O § 5º, art. 1º da Resolução n.º 102/98-TCDF estabelece:

"Ocorrendo omissão, o Tribunal determinará a instauração de tomada de contas especial, sem prejuízo das sanções pertinentes."

A regra deriva do que foi consignado no § 1º, art. 9º da Lei Complementar n.º 01/94: "Não atendido o disposto neste artigo, o Tribunal determinará a instauração da tomada de contas especial, fixando prazo para cumprimento dessa decisão"

É a chamada instauração ex officio. Ocorre quando a Corte de Contas verifica: a) omissão de prestar contas ordinariamente (prestação ou tomada anual ); b) omissão na instauração de tomada de contas especial. Na primeira hipótese, decorrido o prazo legal para apresentação das contas anuais, a unidade técnica do Tribunal, mediante representação, requer ao Plenário que determine à autoridade a instauração de tomada de contas especial. No segundo caso, o Tribunal, no exercício de sua competência institucional (auditoria, inspeção...), verificando a existência de fato motivador de instauração, determina-lo-á à autoridade competente.

Há de se ressaltar que o § 6º da Resolução n.º 102/98-TCDF regra:

"§ 6º O Tribunal poderá, a qualquer tempo, determinar a instauração de tomada de contas especial, independentemente das medidas administrativas internas e judiciais adotadas, se entender que o fato motivador possui relevância suficiente para ensejar a apreciação."

Observe-se que, nesse caso, não necessariamente haverá omissão da autoridade, que pode até já ter adotado medidas administrativas e judiciais. Compreendendo relevantes as razões, o Tribunal determinará a instauração.

7.8Da comunicação do ato de instauração

Requerida na forma do § 7º, art. 1º da Resolução n. 102/98-TCDF:

‘‘§ 7º O ato de instauração da tomada de contas especial, de que tratam os §§ 4º, 5º e 6º, deve ser comunicado ao Tribunal, no prazo de 05 (cinco) dias, com as seguintes informações:

I – número do processo de tomada de contas especial;

II- data da ocorrência do fato e/ou do seu conhecimento;

III- descrição clara do objeto de apuração;

IV- valor real ou estimado do prejuízo;

V- membros designados para a comissão apuradora."

A unidade instauradora, pois, tem o prazo de 5 (cinco) dias, a contar da assinatura o ato ordinatório, para comunicar a instauração e encaminhar ao Tribunal de Contas as informações requeridas pela norma. Têm o objetivo de facilitar o controle dos procedimentos instaurados, ao mesmo tempo em que permitem ao Tribunal de Contas do Distrito Federal proceder ao levantamento de dados estatísticos e otimizar a fiscalização a seu cargo, visando ao adequado e pontual acompanhamento da tomada de contas especial e ao controle efetivo dos prazos previstos em lei.

A exigência pretende, ainda, facilitar a visualização do objeto apurado, de forma a identificá-lo com clareza, permitindo a análise preliminar das circunstâncias e a adoção de medidas pertinentes em cada caso pelo Órgão de Controle Externo.

O valor do dano, se houver, já nessa oportunidade deverá ser indicado. Poderá, entretanto, ser estimado, uma vez que, findada a apuração, será fixado a sua real expressão, levando em conta as circunstâncias fáticas. Entretanto, deve acautelar-se a unidade para evitar a fixação do valor estimativo muito aquém ou além do valor real do dano, evitando com isso que a informação encaminhada prejudique o acompanhamento eficaz, notadamente em relação ao valor de alçada.(67)

7.9Da responsabilidade do Controle Interno

O art. 2º da Resolução n.º 102/98-TCDF assim deixou consignado:

"Art. 2º Os responsáveis pelas unidades integrantes dos Sistemas de Controle Interno, ao tomarem conhecimento de omissão no dever de instaurar a tomada de contas especial, ou ainda de qualquer irregularidade ou ilegalidade, adotarão as medidas necessárias para assegurar o exato cumprimento da lei, sob pena de responsabilidade solidária."

O chamado Sistema de Controle Interno está previsto pela Constituição Federal, art. 74:

"Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade (...)".

A Lei Orgânica do Distrito Federal reproduziu o mandamento constitucional em seu art. 80, excluindo de sua redação o Poder Judiciário.

Em primeiro lugar é imperioso enfatizar que o Sistema de Controle Interno do Poder Executivo do Distrito Federal encontra-se disciplinado na forma da Lei n.º 830 de 27 de dezembro de 1994. O referido diploma legal evidencia que o citado Sistema é composto por diversos órgãos, incluindo, até mesmo, e de forma claramente equivocada e esdrúxula, órgãos de execução, como ficou expresso, por exemplo, em seu inciso I, §§ 1º e 2º do art. 3º:

" § 1º Integram, ainda, a estrutura do SICON:

I – como unidades setoriais de execução, os órgãos integrantes das estruturas da Vice-Governadoria, das Secretarias de Estado e da Procuradoria Geral do Distrito Federal, que realizem as atividades correspondentes a cada subsistema no âmbito de suas respectivas jurisdições;

II- como unidades seccionais os órgãos integrantes das estruturas administrativas regionais, dos órgãos de relativa autonomia e das entidades da administração indireta, que executam as atividades correspondentes a cada subsistema no âmbito de suas respectivas jurisdições."

Tamanha foi a imperfeição da citada norma na "estruturação" do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo do Distrito Federal que chegou ao ponto de, no âmbito da Secretaria de Fazenda e Planejamento do Distrito Federal, Órgão Central do Sistema, açambarcar toda sua estrutura, afora as áreas correlatas à arrecadação de tributos.

Em razão disso, é forçoso admitir que o art. 2º da Resolução 102/98-TCDF fez referência aos responsáveis por todas as unidades elencadas na Lei n.º 830/94.

O dispositivo em análise (art. 2º da Resolução 102/98-TCDF) deriva da própria Constituição Federal, § 1º, art. 74 que dispõe: "Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária".

O mesmo texto foi reproduzido pela Lei Orgânica do Distrito Federal em seu art. 80, § 1º, com pequena modificação: "Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, ou ofensa aos princípios do art. 37 da Constituição Federal, dela darão ciência ao Tribunal de Contas do Distrito Federal União, sob pena de responsabilidade solidária.

Também a Lei Complementar n.º 01/94, em âmbito distrital, tratou de disciplinar o assunto em seu art. 50, não deixando nenhuma dúvida quanto à legalidade do encaminhamento levado a efeito pela Resolução n.º 102/98-TCDF.

A acepção do termo, "assegurar o exato cumprimento da lei" é ampla, significando, antes de mais nada, a necessidade de apontar a omissão; a irregularidade ou a ilegalidade; recomendar à autoridade competente as medidas necessárias à regularização da situação e, se for o caso, alertá-la para a necessidade de instauração de tomada de contas especial, dando ciência dos fatos ao Tribunal de Contas do Distrito Federal. Importante enfatizar que o responsável pelo controle interno deve ter em mente que a tomada de contas especial é procedimento de exceção, devendo ser recomendado nos estritos termos da lei e em observância aos prazos fixados, sempre certificando-se de sua real pertinência. Nesse sentido, a Subsecretaria de Auditoria da Secretaria de Fazenda e Planejamento, em consulta formulada pela então Secretaria de Cultura do Distrito Federal, por intermédio do Parecer n.º 009/2000-DITEC, pronunciou-se: "No entanto, para adoção dessa providência não se faz necessária a designação, sequer, de comissão tomadora específica no âmbito da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, muito menos ainda de instauração de sindicância administrativa, como já esclarecido no item 12, "a", I, supra. Poderá ser adotada pela própria Comissão Permanente de Comissão de Tomada de Contas Especial do órgão, ou, se for o caso, pela autoridade responsável pelo pronunciamento de que trata o inciso XIII, art. 3º da Resolução n.º 102/98-TCDF, conforme Decisão n.º 2859/2000-TCDF."

7.10Dos eventos motivadores

Também denominados de fatos ensejadores, nada mais são que o rol, numerus clausus, de atos ilícitos, para os quais a lei exige a instauração de tomada de contas especial (devido processo legal). Interessante observar, pois, que a norma tratou de enumerar os atos ilícitos, os quais desencadearão um efeito não desejado pelo agente que os praticou, mas, tão-somente, o previsto pela lei. Ocorrendo a subsunção das circunstâncias fáticas aos atos previstos pela norma em estado de latência (prática de ato ilícito), deve a autoridade competente promover a instauração de tomada de contas especial (efeito não desejado pelo agente que praticou o ato ilícito). Ressalte-se que o dano não é, isoladamente, um fato ensejador de TCE, é conseqüência da ocorrência desse fato, consubstanciado pela prática de um ato ilícito descrito pela norma.

São eles, segundo o art. 1º, caput, da Resolução n.º 102/98-TCDF:

a) omissão no dever de prestar contas;

b) não comprovação da aplicação de recursos concedidos na forma de suprimentos de fundos ou transferidos pelo Distrito Federal mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres; bem como a título de subvenção, auxílio ou contribuição;

c) ocorrência de desfalque de dinheiros, bens ou valores públicos;

d) ocorrência de desvio de dinheiros, bens ou valores públicos; e

e) prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico que implique dano ao erário.

a) Omissão no dever de prestar contas

Como lembra o professor Jacoby(68), a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, registra em seu art. 15: " a sociedade tem o direito de pedir conta a todo agente público de sua administração".

No Brasil a prestação de contas é dever constitucional, especificado no art. 70 da Carta Magna: " prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que (...)".

Observe-se que nesse caso o agente responde pela omissão no dever de prestar contas, e não por danos causados à Administração Pública. O fato de não haver prestação de contas, em princípio, não implica dano. Por isso, como ressalva o supracitado autor, é "imprescindível não confundir a hipótese em que o agente responde pela omissão no dever de prestar contas com aquela outra em que responde por dano causado ao erário, quando a perda da capacidade ou extinção da personalidade jurídica não inibe o prosseguimento da TCE contra os sucessores."(69).

A omissão no dever de prestar contas, como já enfatizado anteriormente, leva ao julgamento pela irregularidade, independentemente da existência de prejuízo. Descumprida a obrigação de fazer, irregulares serão julgadas as contas. Compreendem alguns, que nem a instauração de tomada de contas especial tem o condão de sanar a falha, exceto nas hipóteses em que ficar caracterizada a existência de caso fortuito ou força maior. (JU, PAG.86). Porém, asseverou o Ilustre Min. Iram Saraiva(70) que:

"a apresentação das contas, mesmo que a destempo, descaracteriza a irregularidade consubstanciada pela omissão inicial no dever de prestar contas, e, uma vez sanada a irregularidade que deu origem à instauração da Tomada de Contas Especial, é ponto pacífico neste Tribunal que a mesma seja julgada regular com ressalva". Isso quer dizer, na interpretação de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes que: "se as contas são prestadas após a decisão que julgou irregular a omissão e determinou a instauração de TCE, mas antes do respectivo julgamento desse processo, a decisão pela irregularidade deve ser tornada insubsistente (...)"(71)

I) Sujeitos ao dever de prestar contas

É a própria Constituição Federal que determina em seu art. 70:

"Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome dela, assuma obrigações de natureza pecuniária.". (destacou-se).

Utilize, isto é, que gaste dinheiro público. Arrecade, evidenciando todos os setores que sejam responsáveis pela arrecadação de dinheiro público, seja diretamente ou por delegação.Guarde ou gerencie os dinheiros públicos e aqueles que, de qualquer forma, administrem dinheiros, bens e valores públicos, ou pelos quais a União responda ou, ainda, em nome desta assuma obrigações de natureza pecuniária.

Não estão sujeitos ao dever de prestar contas os particulares sem vínculos com a Administração Pública, bem como aqueles cujo vínculo decorrer, exclusivamente, de relação contratual

II) Casos de omissão no dever de prestar contas

II.1) contas anuais: são aquelas prestadas ou tomadas ordinariamente uma vez a cada ano.

- Prestação de contas anual: é o instrumento por meio do qual prestam contas de suas gestões, ao término de cada exercício financeiro, a Administração Pública como um todo, por intermédio do Chefe do Poder Executivo. Também presta contas a administração indireta.

-Tomada de contas anual: "é o instrumento utilizado pela administração direta dos poderes da União para demonstrar a regularidade na recepção de recursos e aplicação de receitas, segundo as normas baixadas pelo TCU"(72). Utilizam a tomada de contas anual, no Distrito Federal, o Poder Legislativo; o Tribunal de Contas do Distrito Federal; a Procuradoria Geral do Distrito Federal; a administração direta do Poder Executivo; as autarquias e as fundações;

II.2) contas de convênio:

Segundo o Ministro Mário Pacini(73): " Grosso modo, pode-se dizer que a distinção mais precisa entre o contrato e o convênio é quanto à reciprocidade de obrigações (bilateralidade). Enquanto no Contrato uma das partes se obriga a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, mediante pagamento previamente acertado (caso mais comum nos contratos de compra e venda. para não nos alongarmos na extensa doutrina dos contratos), no Convênio os interesses são comuns e a contraprestação em dinheiro não precisa existir. O que se faz é ajuste de mútua colaboração para atingimento de objetivo comum.".

A ausência de prestação de contas de repasse de recursos é fato ensejador de instauração de tomada de contas especial.

b) Desfalque

Segundo De Plácido e Silva(74) : " é designação genérica para todo desvio ou apropriação de dinheiro ou valores entregues em confiança à guarda ou administração de outrem. ". É sinônimo de alcance, segundo o citado autor.

O Tribunal de Contas do Distrito Federal assim interpreta o termo:

"1) Entende-se por alcance a simples diferença encontrada nas contas dos responsáveis por dinheiros ou outros valores, quer decorra essa falta de dolo ou culpa, quer de ato inocente desses mesmos responsáveis;

2) Não pode configurar alcance, todavia, simples ato de negligência do administrador em relação a dispensa de empregado, ainda que dele haja advindo prejuízo econômico à entidade empregadora, porque, nesse caso, não há falar em diferença de valor em conta a cargo de algum responsável por dinheiros ou outros bens, mas em violação de outros deveres funcionais, com eventual repercussão de ordem civil. " (75).

c) desvio de dinheiros, bens ou valores públicos

Como já anteriormente comentado, um dos requisitos do ato administrativo perfeito e válido é a chamada finalidade (ver Princípio da Finalidade)(76). Sem dúvidas, a finalidade de todo ato administrativo é unicamente o interesse público. Qualquer ato que não vise a esse interesse será um ato nulo. No entanto, há atos que visam ao fim inerente a outro(77), desvinculando-se de sua finalidade específica definida em lei, ainda que praticado por agente competente e visando ao interesse público. Tais atos são, do mesmo modo, nulos.

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes(78) afirma que a figura jurídica do desvio de dinheiros, bens ou valores públicos é aquela em que o agente, sem ter o domínio ou a disposição do bem ou valor, " no exercício da administração dos mesmos, decide empregá-lo em fim diverso do inicialmente previsto, seja pela lei orçamentária ou não, seja pelo instrumento de contrato, convênio ou outro ato jurídico formal. ".

O mestre, com a precisão e clareza que lhe é característica, enfatiza:

" (...) na figura jurídica do desvio de dinheiros, bens e valores públicos, o agente não tira vantagem pessoal ou busca satisfazer interesse ou sentimento pessoal, seu ou de outrem; emprega-o em finalidade diversa da prevista em lei, mas visando o interesse público, ao bem-estar da coletividade.".

Nesse caso deverá ser observado no procedimento de tomada de contas especial se os recursos desviados foram efetivamente empregados em proveito da coletividade, lembrando, entretanto, que o uso dos recursos públicos está adstrito à finalidade definida em lei, vinculada, necessariamente, à vontade popular por meio dos tramites burocráticos parlamentares específicos. Caracterizado o desvio, a análise das circunstâncias é que deverá definir a efetiva existência de prejuízos aos cofres públicos, ou, como assevera o autor supracitado: um simples "erro de direito escusável". Escusável no sentido de que o agente não deverá ser responsabilizado pelo ressarcimento, haja vista a inexistência de prejuízos, porém persiste a prática do ato ilegal. A finalidade geral (interesse público), pode ter sido atingida, entretanto, a ilegalidade, qualificada pelo desvio da finalidade específica, impede a eficácia do ato.

d) Ato ilegal causador de dano

O particular pode fazer tudo que a lei permite e que não proíbe. O agente público somente pode realizar o que a lei autorizar, quando e como autorizar. Essa é a essência do chamado Princípio da Legalidade, ao qual esta vinculado o Administrador Público na execução de todos seus atos. Diogenes Gasparini(79) assevera: "Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação.".

Para destacar transcrevemos abaixo texto retirado da obra de Hans Kelsen, citado pelo Min. J. Baptista Ramos e reproduzido por Jorge Ulisses Jacoby Fernandes(80) :

"O indivíduo age como um órgão do Estado somente na medida em que ele age com base em alguma norma válida. Essa é a diferença ente o indivíduo e o Estado como pessoas capazes de agir; e isso significa a diferença que existe entre o indivíduo que age sem ser um órgão do Estado e o indivíduo que age como um órgão do Estado. A um indivíduo que não funciona como órgão do Estado é permitido fazer tudo aquilo, o que não esteja proibido fazer pela ordem legal, enquanto que o Estado, isto é, o indivíduo que funciona como órgão do Estado, somente pode fazer aquilo que a ordem legal o autoriza fazer. É supérfluo, portanto, sob o ponto de vista da técnica legal, proibir alguma coisa a um órgão do Estado. Basta não autorizá-lo. Se um indivíduo age sem autorização da ordem legal, ele não mais age como órgão do Estado. Seu ato é ilegal. Não se exige que um ato seja proibido pela norma legal, somente é necessário proibir um órgão de praticar certos atos quando se deseja restringir uma autorização prévia.". (destacou-se).

e) Ato ilegítimo causador de dano

De Plácido e Silva(81) esclarece que o termo ilegítimo possui " (...) acepção bem ampla, pois significa ilegal, ilícito, improcedente, impróprio, incompetente, injusto, arbitrário. Enfim, é adjetivo que qualifica todo fato, ato, coisa ou pessoa, que se apresenta fora das regras ou dos princípios legalmente instituídos, em virtude do que, ou se apresenta como fato ou coisa nula e ineficaz, como pessoa incompetente e incapaz, ou a quem a lei não concede os favores normalmente outorgados às que se dizem legitimas. ".

Assim, vê-se que a ilegitimidade esta intimamente ligada à ilegalidade. Isso ocorre por que é a norma que estabelece os limites de competência dos atos praticados pela Administração Pública. Entretanto, a análise da legitimidade deve encerrar um conceito mais amplo que a legalidade. A primeira " denota com maior ênfase o aspecto político do exercício do poder. Legalidade se prende mais ao referencial jurídico. "(82) Como do próprio conceito de De Plácido e Silva se extrai, a legitimidade abrange a noção de justiça. Assim acrescenta Levi Lúcio(83) que legitimidade está ligada à noção " de uma sociedade justa, onde o consenso, que dela é essência, pode se manifestar livremente sem a interferência do poder ou da manipulação e sem mistificações ideológicas ".

Não se deve esquecer, entretanto, que os atos praticados pela Administração Pública assentam-se no Princípio da Presunção de Legitimidade, porquanto se presumem verdadeiros e em conformidade com o direito. Assim, exceto no caso de contestação em juízo ou em face do Tribunal de Contas, o Administrador Público não precisa realizar qualquer tipo de prova de veracidade ou legalidade do ato praticado. Tal presunção, porém, não é absoluta, vez que admite prova em contrário. Diz-se, logo, juris tantum.

f) Ato antieconômico causador de dano

O chamado Princípio da Economicidade encontra-se consagrado na legislação pátria há muitos anos. O Decreto-Lei n.º 200/67 já consignava:

" Art. 14. O trabalho administrativo será racionalizado mediante simplificação de processos e supressão de controles que se evidenciarem puramente formais ou cujo custo seja evidentemente superior ao risco. ".

De Plácido e Silva conceitua economicidade: "É a relação entre custo e benefício a ser observada na atividade pública, posta como princípio para o controle da Administração Pública "(84).

Tanto a legitimidade, conforme vimos, como a economicidade, podem situar-se na esfera do mérito do ato administrativo. A possibilidade do exame desse mérito pelo Poder Judiciário e pelas Cortes de Contas tem sido objeto de diversas discussões. É certo, porém, que a própria Constituição Federal, em seu art. 70, registrou o dever do Congresso Nacional, mediante controle externo e do sistema de controle interno de cada Poder de fiscalizar a gestão, inclusive quanto a legitimidade e a economicidade.

O art. 77 da Lei Orgânica do Distrito Federal, seguindo o mandamento do art. 70 da Constituição Federal, impõe à Câmara Legislativa do Distrito Federal, mediante controle externo e ao sistema de controle interno de cada Poder a tarefa de proceder à:

" fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Distrito Federal e das entidades da administração direta, indireta e das fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas (...) ". (destacou-se).

É certo que, nem ao Poder Judiciário, nem ao controle externo incumbe o exame de mérito quanto aos atos de gestão praticados pelo agente público. Tal intromissão acerca da conveniência e oportunidade do ato não seria compatível com o próprio Estado Democrático de Direito. Entretanto, é a própria Constituição Federal que autoriza a fiscalização relativamente à economicidade e à legitimidade. Tal fiscalização, evidentemente, seria inócua se não atenta aos aspectos subjetivos que encerram tais conceitos.

Segundo o Mestre Jorge Ulisses Jacoby Fernandes(85) "O ato antieconômico, já registramos, é praticado com base em lei, visa ao interesse público, mas se revela pouco inteligente ".

Assente-se que o controle interno, por fazer parte da própria estrutura administrativa de onde emanou o ato, tem papel primordial na análise desses aspectos, devendo manifestar-se e, quando for o caso, impugná-lo, orientando os agentes públicos no exercício de suas atividades, de modo a evitar desperdícios na gestão.

Sobre o autor
Luciano Wagner Firme

Auditor de Controle Interno do Distrito Federal; Advogado; Administrador de Sistemas de Informações; Especialista em Controle da Gestão Pública pela Universidade de Brasília, Especialista em Direito Constitucional pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Assessor do Ministério Público de Contas do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIRME, Luciano Wagner. O procedimento de tomada de contas especial na administração pública do Distrito Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2618. Acesso em: 15 jun. 2024.

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