Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Vigilância global: hegemonia ou decadência?

Agenda 25/12/2013 às 18:54

O uso de vocábulos como "hegemonia", "autoridade" e "legitimidade" dependem do necessário rigor filosófico. Caso contrário confusões podem surgir ou ser preservadas.

Sempre aproveito os feriados de fim de ano para colocar em dia a leitura. Hoje topei com o seguinte texto publicado na revista Carta Escola:

"A montagem do sistema de vigilância global coincide com a construção da hegemonia norte-americana a partir da segunda metade do século XX. Até os anos 1940, a política de isolamento diante das potências europeias, bem como as intervenções restritas às Américas do Norte e Central, não levou ao desenvolvimento de um aparato de espionagem externo pelos EUA. Além do Ministério da Defesa, a principal agência de inteligência era o FBI, que se voltava para assuntos internos, como a vigilância de grupos fascistas, socialistas e anarquistas. A  Segunda Guerra Mundial levou à criação de uma agência em 1941, a OSS, dissolvida após o conflito." http://www.cartanaescola.com.br/single/show/266

Do ponto de vista histórico, o texto é aparentemente correto. De fato seu autor reproduziu um idéia bastante difundida: a de que a hegemonia dos EUA é uma consequencia do país ter vencido a  II Guerra Mundial e ampliado seu poderio econômico e militar no pós-guerra. O problema surge quando nos debruçamos sobre o vocábulo hegemonia a procura de uma definição adequada.

hegemonia não pode derivar do uso da força bruta como sugeriu Leandro Almeida. Desta a única coisa que deriva é o império, vocábulo que evoca a conquista, ampliação e preservação do poder de mandar e de coagir os subalternos a obedecer. Onde há império não pode haver hegemonia, pois esta pressupõe o respeito voluntário ao líder ao invez do temor de não obedecê-lo e sofrer consequencias trágicas. 

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A verdadeira hegemonia , portanto, somente pode decorrer da autoridade. Afinal, é o exercício da autoridade  que depende do reconhecimento voluntário da predominância entre os pares em razão da legitimidade que deriva da virtude (sobre o assunto sugiro aos interessados o estudo de Hannah Arendt, ENTRE O PASSADO E O FUTURO). O uso da força bruta ou a onipresença da vigilância são duas coisas incompatíveis com a hegemonia.

Ambas (força bruta e vigilância paranóica) são formas de coerção e, portanto, de negação da existência ou da possibilidade de criação de um espaço em que a Política possa ser fruto do consenso que produzirá a autoridade e o respeito desprovido de temor. Portanto, a montagem do sistema global de vigilância norte-americano não é um indício dahegemonia  dos EUA.

No límite, a emergência do Grande Irmão Virtual Global   - da NSA - pode ser interpretado como uma demonstração da ambição dos EUA de preservar ou ampliar seu império.  Também pode ser considerada uma prova da decadência moral, política e ética daquele país, que se torna cada vez mais parecido com os inimigos que derrotou na II Guerra Mundial. Nunca é demais lembrar que  - a exemplo dos EUA na atualidade - o Japão Imperial e a Alemanha Nazista também usaram a força bruta para impor sua vontade a povos considerados inferiores com absoluto desprezo às sutilezas da autoridade e da hegemonia.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!