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Do homem aos direitos humanos: em defesa da função antropológica do Direito segundo Alain Supiot

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Agenda 02/01/2014 às 13:32

6. Considerações Finais:

Em tempos de globalização, questionamentos de toda ordem surgem. Seria o fim dos Estados-Nação, se afirmativa a resposta, qual instância os substituiriam? Fala-se em transnacionalidade, mas nada concreto. O problema advindo disso tudo, está diretamente relacionado com o discurso neoliberal, infiltrado no mundo contemporâneo, que busca romper com as regras do jogo democrático, em nome das exigências do mercado, que requerem eficiência e rapidez.

Por ser uma preocupação latente, várias abordagens são delineadas, tanto no sentido favorável ao desaparecimento dos Estados e a livre circulação dos capitais, quanto no sentido contrário, considerando absurdo permitir ao capital o controle do mundo.

Esta temática sempre vem acompanhada da pretensão de universalização dos valores do ocidente a todas as demais culturas, colocando em xeque os próprios direitos fundamentais.

Supiot, defendendo, portanto, uma análise antropológica de lei, constrói uma linha de raciocínio em que é possível verificar que o homem jurídico é uma construção ocidental, realizado à imagem de Deus, o que o torna o centro do universo. Para assegurar que não seja tratado como coisa, cria-se a figura de terceiro garante, assumido pela figura do Estado, que o protege através da criação das leis jurídicas. Mas sendo as leis criadas pelo próprio homem, há um desvirtuamento ao tentar considerá-lo apenas em sua dimensão biológica.

Reflete Supiot que tal tentativa de redução do homem vem acompanhada pela dinâmica do cálculo, trazida pelo capitalismo e pela ciência moderna. Neste ponto, introduz a ideia da contratualização, para demonstrar que a globalização e suas pretensões unificadoras e de discurso único: o do mercado, somente são possíveis, por esta dinâmica da horizontalização.

Sua preocupação derradeira é no sentido de tentar recolocar o Direito no lugar de técnica de humanização, propondo uma interpretação dos direitos do homem aberta para todos os povos, sem que os valores ocidentais possam prevalecer em detrimento das demais culturas.

Sem sombra de dúvidas, a abordagem de Supiot, entrelaçando a criação do homem jurídico, os direitos fundamentais e o discurso econômico, sob uma óptica horizontal, permite compreender as influências do poder do capitalismo nas transformações da Sociedade, do comportamento dos indivíduos e do própria função do Direito ao longo do tempo.


7. Referências:

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GIDDENS, Anthony. As consequências da Modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: UNESP, 1991.

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MACHADO. Andre Luiz. Considerações sobre a efetividade dos direitos humanos e o papel do Judiciário na defesa dos dos direitos sociais. in Teoria Crítica de Direitos Humanos: das lutas aos direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011.

MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Tradução. Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

NUNES. Antonio José Avelãs. As voltas que o mundo dá: Reflexões a propósito das aventuras e desventuras do estado social. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

OST. François. O Tempo do Direito. Tradução Elcio Fernandes. Bauru-São Paulo: Edusc, 2005.

ROSA. Alexandre Morais da e AROSO. José Manuel. Diálogos com a Law & Economics. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

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SMITH. Adam. Riqueza das Nações. Lisboa: Fundação Colouste Gulbenkian, 1983.

SIMMEL, Georg. O dinheiro na cultura moderna. Simmel e a Modernidade. Org. Jessé Souza e Berthold Oëlze. Brasília: UnB, 1998.

SUPIOT. Alain. Homo Juridicus: Ensaio sobre a função antropológica do Direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

WALLERSTEIN. Immanuel. O universalismo europeu. São Paulo: Boitempo, 2007.

ZIZEK. Slavoj. Em Defesa das Causas Perdidas. Tradução Maria Beatriz de Medina. – São Paulo: Boitempo, 2011.


Notas

[1] “Modernidade entre infinitas formulações, aqui passará a ser referida a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência.”(GIDDENS, Anthony. As consequências da Modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: UNESP, 1991, p. 1).    No mesmo sentido Dussel descreve a modernidade a partir de duas vertentes: “o primeiro, a partir de um horizonte eurocêntrico, propõe que o fenômeno da modernidade é exclusivamente europeu; que vai se desenvolvendo desde a Idade Média e se difunde posteriormente em todo mundo.” O segundo paradigma, diz o autor, “concebe a modernidade como a cultura do centro do ‘sistema mundo’, do primeiro ‘sistema mundo’ – pela incorporação da Ameríndia -, e como resultado da gestão da dita ‘centralidade’. Quer dizer, a modernidade europeia não é um sistema independente, autopoiético, autorreferente, mas é uma parte do ‘sistema mundo’: seu centro.” (DUSSEL, Enrique. A Ética da Libertação. Petrópolis: Vozes, 1998, pp. 56-57).

[2] GROSSI. Paolo. Mitologias Jurídicas da Modernidade. Tradução Arno Dal Ri Junior. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007, p. 26.

[3] GROSSI. Paolo. Mitologias Jurídicas da modernidade. p. 34.

[4] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. Ensaio sobre a função antropológica do Direito. Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 15.

[5] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. pp 15/35.

[6] SUPIOT. Homo Juridicus. p. 38.

[7] Supiot assevera que o campo das leis é muito maior do que o Direito, sendo este último a maneira pela qual o Ocidente ordena as regras que os homens se impõe. SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 51.

[8] MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Tradução. Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.   232

[9] MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. p. 240.

[10] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 79.

[11] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 162.

[12] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 117.

[13] Iluminismo é o momento histórico vivenciado no continente europeu, cuja aposta se reflete na crença de que o homem vai impor o seu domínio sobre a natureza e os homens atingirão um grau elevado de organização social.

[14] OST. François. O tempo do Direito. p. 376.

[15] HAYEK. Friedrich August von. Direito, legislação e liberdade: uma nova formulação dos principias liberais de justiça e economia politica.  São  Paulo: Visão, 1985. p. 108/135.

[16] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 133.

[17] SMITH. Adam. Riqueza das Nações. Lisboa: Fundação Colouste Gulbenkian, 1983.

[18] Para Simmel no apogeu da modernidade, o dinheiro passa a ser visto como único instrumento apto a proporcionar a plena satisfação dos desejos, provocando a ilusão de que a felicidade possa ser mensurada pelo poder de compra do sujeito. SIMMEL, Georg. O dinheiro na cultura moderna. Simmel e a Modernidade. Org. Jessé Souza e Berthold Oëlze. Brasília: UnB, 1998, p. 6.

[19] AVELÃS NUNES. As voltas que o mundo dá. Reflexões a propósito das aventuras e desventuras do estado social. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2011, p. 19.

[20] AVELÃS NUNES. As voltas que o mundo dá. p. 30.

[21] OST. François. O tempo do Direito. p. 321.

[22] Vide BAUMANN. Zygmund. Globalização: as consequencias humanas. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1999. p. 75 “Por sua independência de movimento e irrestrita liberdade para perseguir seus objetivos, as finanças, comercio e indústria de informação globais dependem da fragmentação política – do morcellement (retalhamento) – do cenário mundial. Pode-se dizer que todos têm interesses adquiridos nos Estados fracos – isto é, nos Estados que são fracos mas mesmo assim continuam sendo Estados. Deliberada ou subconscientemente, esses inter Estados, instituições supralocais que foram trazidos à luz e têm permissão de agir com o consentimento do capital mundial, exercem pressões coordenadas sobre todos os Estados membros ou independentes para sistematicamente destruírem tudo que possa deter ou limitar o livre movimento de capitais e restringir a liberdade de mercado.”

[23] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 193.

[24] AVELÃS NUNES. Antonio Jose. As voltas que o mundo dá. p. 13q.

[25] ROSA. Alexandre. Morais da. Diálogos com a Law and Economics. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2011. p. 42;

[26] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 210.

[27] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 116. “A dimensão binária e horizontal da troca ou da aliança não se teria formado esse plano homogêneo e abstrato em que se prospera a economia de mercado sem a dimensão ternário e vertical do Terceiro sob cuja égide se formam os contratos”.

[28] ZIZEK. Slavoj. Em defesa das causas perdidas. p. 210.

[29] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 209. Ao explicar que a “lei transfere ao contrato o cuidado de definir o que ela deve significar, as partes do contrato ficam subordinadas a objetivos que ultrapassam seu simples interesse patrimonial”. E mais adiante complementa que” isso repercute na autonomia de vontade das partes: elas permanecem livres para querer, mas com a condição de perseguir objetivos que vão além do seu interesse próprio”. p. 208.

[30] Criada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948;

[31] CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pp. 22-24.

[32] WALLERSTEIN. Immanuel. O universalismo europeu. A retórica do poder. São Paulo: Boitempo, 2007.

[33] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 235.

[34] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 236.

[35] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 237.

[36] BOBBIO. Norberto. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 47.

[37] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 238.

[38] HERRERA FLORES. Joaquin. O nome do riso. Breve tratado sobre arte e dignidade. Porto Alegre: Movimento e Florianopolis: Bernúncia, 2007, p. 104.

[39] MACHADO. Andre Luiz. Considerações sobre a efetividade dos direitos humanos e o papel do Judiciário na defesa dos dos direitos sociais. p. 13/14.  in Teoria Crítica de Direitos Humanos: das lutas aos direitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 

[40] HERRERA FLORES. Joaquin. La reinvención de los derechos humanos. Sevilla: Atrapasuenos, 2008, p. 152 “Por eso, nuestra visión compleja de los derechos apuesta por una racionalidade de resistencia. Una racionalidad que no niega que puede llegarse a una síntesis universal de las diferentes opciones frente a los derechos. Y tampoco descarta la virtualidad de las luchas por el reconocimiento de las diferencias etnicas o de genero. Lo que negamos es considerar lo universal como un punto de partida o un campo de desencuentros. A lo universal hay que llegar – universalismo de llegada o de confluencia – después (no antes) de un proceso conflictiva, discursiva, de dialogo o de confrontación n el que lleguen a romperse los prejuicios y las líneas paralelas”.

[41] WALLERSTEIN. Immanuel. O universalismo europeu. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 60)

[42] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 241.

[43] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 256/257.

[44] SUPIOT. Alain. Homo Juridicus. p. 258.


Abstract:The article aims to reflect on the changes in the law and the need for anthropological analysis of its function, having as theoretical framework the work of Alain Supiot, Homo Juridicus. The construction is made from the meaning of man until human rights. His anthropological function is sustained with the clear intention to oppose any attempt to rationalize simplifying would explain the legal provisions through issues of interest or calculation and that the law would lead to a mere tool of human resource management and social.

Keywords: Right. Anthropological Function. Contracts. Globalization. Human Rights.

Sobre a autora
Dóris Ghilardi

Doutoranda, professora e advogada;

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GHILARDI, Dóris. Do homem aos direitos humanos: em defesa da função antropológica do Direito segundo Alain Supiot. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3837, 2 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26313. Acesso em: 22 dez. 2024.

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