Um novo verão chegou, mas um velho debate ele reacendeu: a necessidade e a razoabilidade do uso de paletó e gravata nos ambientes forenses.
De um lado, os defensores deste uso invocando a tradição e o argumento de que o leigo, quando se depara com um operador do direito espera encontrar alguém trajado conforme os costumes jurídicos.
De outro, os que pedem a dispensa do uso do paletó. Esses, como argumento, invocam que atenta contra a dignidade da pessoa humana obrigar alguém a trajar-se com pesadas roupas em pleno verão de um País Tropical, onde a sensação térmica beira, ou até mesmo ultrapassa, a casa dos 40º C (quarenta graus centígrados). Some-se a isso que, ao contrário dos gabinetes e salas de audiência dos foros, a maioria dos corredores e ambientes de cartório raramente são dotados de um adequado sistema de ventilação ou de ar-condicionado.
Diante da polêmica há muito instaurada, surgem neste verão alguns movimentos abolicionistas, como o da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro (CAARJ)[1] e o “BermudaSim”[2], os quais começaram a incitar o não uso do paletó. A OAB/SP, nos idos de 2006, já havia feito campanha similar[3]. Alguns juízes, Brasil afora, compadecidos dos causídicos, autorizaram o não uso dos costumes. No Rio de Janeiro, recentemente, o Tribunal de Justiça autorizou tal dispensa em primeiro grau.
E, daí, nossa inquietação: a quem cabe este poder de regulamentação da vestimenta dos advogados? A nosso ver, aos Conselhos Estaduais da Ordem dos Advogados do Brasil. E, enquanto estes não o fizerem, a escolha dos trajes de trabalho fica a cargo do bom senso de cada causídico.
Do estatuto da OAB. Da competência exclusiva dos Conselhos Seccionais para regulamentar o trajar de seus inscritos
A advocacia é profissão liberal regrada pela lei 8906/94. E, por força deste mesmo mecanismo legal, sua regulamentação cabe aos Conselhos Federal e Estaduais. As atribuições do primeiro são aquelas previstas no art. 54 do Estatuto, enquanto que aos Conselhos Estaduais, em suas áreas de competência, cabem as atribuições do art. 58 da mesma lei.
Consta do inciso XI, do mencionado art. 58, que compete privativamente ao Conselho Seccional “determinar, com exclusividade, critérios para o traje dos advogados, no exercício profissional”.
Disso, por força de norma federal, somente e tão somente os Conselhos Seccionais da OAB, estado a estado, é que poderão regulamentar o traje de seus inscritos.
E nos parece justa tal fixação legal. Vivemos em um País de dimensões continentais, onde cada estado tem características climáticas próprias e que impediriam uma única regulamentação no País. Não se pode exigir que aqueles que moram próximo à linha do Equador se trajem como aqueles que vivem em zona temperada. É uma questão de bom senso.
Contudo, não temos notícias de conselhos seccionais que tenham feito a mencionada regulamentação.
Da inaplicabilidade do direito consuetudinário
Alguns defensores do uso do terno e gravata sustentam seu arrazoado no direito consuetudinário. Vez que se trata de tradição, tal costume tem força normativa.
Contudo, tal perceber é equivocado. A leitura do art. 4º da lei de introdução às normas do direito brasileiro (Decreto-Lei 4657/42) nos ensina que “em caso de omissão da lei”, aplicar-se-ão outras regras, dentre elas, o costume.
Contudo, como bem exposto acima, a lei não é omissa, portanto não se havendo de aplicar o direito consuetudinário ao caso.
Da ilegalidade da regulamentação do exercício da advocacia por órgãos do poder judiciário
Mister se ressaltar, ainda, que o exercício da advocacia e sua disciplina, à luz do Estatuto da OAB, são encargos exclusivos da OAB[4]. E, em especial, como mostramos acima, na regulamentação de trajes.
Daí, atos editados por órgãos ou por membros do Poder Judiciário dizendo como devem ou não devem se trajar os advogados mostram-se claramente ilegais, uma vez que o Judiciário não possui competência para tanto.
Conclusão
Por todo o exposto, entendemos que cabe, com exclusividade aos Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, no limite de suas circunscrições e com exclusividade, regulamentar as vestimentas dos advogados. E, enquanto estes egrégios Conselhos não o fizerem, aos advogados, sempre de forma criteriosa, é que cabe escolherem os seus trajes, não cabendo aos órgãos do judiciário ditarem o que pode ou não, o que deve ou não, ser usado pelos advogados.
Notas
[1] Disponível em http://caarj.org.br/2014/01/06/respeito-nao-se-mede-pelo-vestuario/ Acesso em 16.01.2014
[2] Disponível em http://www.bermudasim.com.br/ Acesso em 16.01.2014
[3] Disponível em http://www.oabsp.org.br/noticias/2001/01/19/792 Acesso em 16.01.2014
[4] Conforme art. 44, II, do EOAB