SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O direito administrativo e sua contextualização histórica, 2.1. Origem, 2.2. O direito administrativo no Brasil; 3. A evolução da figura jurídica contratual, 3.1. O contrato no direito romano, 3.2. O contrato e sua historicidade; 4. O contrato administrativo na evolução da dicotomia entre Direito público e Direito privado, 4.1. Considerações gerais, 4.2. Teoria de Duguit, 4.3. Teoria de Hauriou, 4.4. Teoria Jèze, 4.5. Teoria alemã, 4.6. Evolução do contrato administrativo no direito pátrio; 5.Conclusões; 6. Referências bibliográficas
1.INTRODUÇÃO
O estudo do regime jurídico do contrato administrativo é um dos pontos mais relevantes na teoria do direito administrativo pois, além da importância de sua praxis, é onde se encontra o liame mais tênue de delimitação entre direito público e direito privado.
O presente trabalho tem por objeto a análise deste liame, através de uma aproximação histórica, que visa traçar os caminhos já perseguidos na delimitação deste tema.
Esta análise far-se-á dentro da própria alusão ao direito administrativo, pelo respaldo que oferece como precursor na individualização da temática, num primeiro plano.
Em seguida, a evolução da figura jurídica contratual aparece como segundo fator de interesse, pois somente a partir desta é que se torna possível a correlação contratual dentro dos limites do direito administrativo, com o surgimento de um contrato específico, cujo nomem iuris é contrato administrativo.
A análise histórica deste tipo contratual não seria possível sem a retomada das mais diversas teorias, com especial atenção à vasta contribuição de autores franceses e alemães.
O escopo do presente trabalho relaciona-se à indubitável necessidade de adequação do estudo historiográfico sistemático das instituições jurídicas, para que sua sistematização doutrinária seja feita de modo efetivo na atualidade.
A alusão às observações profícuas de Carlo Guido Mor[1], ilustre professor da universidade de Padova, que já no final da década de sessenta, atentava ao problema do ensinamento da história do direito italiano a seus alunos, é de grande valia para o entendimento da importância da profusão de disciplinas relacionadas à história do direito, tanto à nível mundial, quanto à nível específico, isto é, a história do direito de cada país.
De acordo com o que aduzia o supracitado professor, e necessário se faz reportar-se a ele pelo embasamento que traz os estudos de direito romano ao presente trabalho, ao se contrapor o método cronológico, com o método sistemático na busca pelo modo mais eficaz de ensinamento desta disciplina, ele conclui por asseverar[2]:
Com efeito, ao considerar-se um instituto ou um grupo de institutos no momento de sua última evolução romanística, e ao seguir-lo em sua lenta transformação por um milênio e meio, até os nossos dias, explica-se ao jovem o porquê, hoje, aquele instituto jurídico é formado de um modo melhor do que de um outro. Por este motivo, creio tornar-se difícil admitir uma partição cronológica, a qual, por um lento desenvolvimento do direito privado, não apresenta senso marcante. (tradução livre).
Suas considerações vão de encontro ao que se apresenta de instigante no ensino da história do direito na atualidade: a sistematização e conseqüente correlacionamento de institutos, para um perfeito engendramento evolutivo, na persecução de uma delimitação lógica, que melhor se adeque à otimização de suas características.
2O DIREITO ADMINISTRATIVO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
2.1Origem
O direito administrativo começou a se formar nas primeiras décadas do século XIX. É muito comum apontar uma lei francesa de 1800 como seu ato de nascimento; essa lei disciplinou, de modo sistemático, a organização administrativa francesa, com base na hierarquia e na centralização.
Este ramo específico do direito não se formava somente pela edição de uma lei. Outros fatores deram também sua contribuição.
As concepções político-institucionais que afloravam, nessa época, propiciavam o surgimento de normas norteadoras do exercício dos poderes estatais, pois tinham clara conotação de limitação e controle do poder e de garantia dos direitos individuais. Assim, as idéias relativas ao Estado de direito que emergiam nas primeiras décadas do século XIX tornaram-se fator propício para a formação do direito administrativo.
Começaram a surgir manuais sobre a matéria. Em 1814 Romagnosi edita a obra Principi fondamentali del diritto amministrativo onde tesserne le istituzioni. Em Milão, cria-se a cátedra denominada "Alta legislação em referência à Administração Pública", regida por Romagnosi.
Foram, no entanto, as obras de autores franceses que tiveram mais repercussão, formaram o núcleo original da doutrina do direito administrativo e tiveram papel relevante na formação desse direito. São as obras de: Macarel, de 1818, Les éléments de jurisprudence administrative; De Gerando, 1830, Institutes du droit administratif français; Comenin, 1840, Traité du droit administratif. Em 1819 criou-se em Paris, a cátedra de direito público e administrativo, regida por De Gerando.
Além dos autores franceses, sobretudo, muito contribuiu para a elaboração original do direito administrativo a jurisprudência do Conselho de Estado francês. Esta instituição, na época, tinha a tarefa de emitir pareceres sobre litígios referentes à Administração, pareceres esses em geral acatados pelo chefe do Executivo francês. A partir de 1872 o Conselho de Estado passou a decidir tais litígios de modo independente, por si só, com caráter de coisa julgada. A elaboração jurisprudencial do Conselho de Estado impunha-se à Administração francesa e, assim, norteou a construção do núcleo de muitos institutos e princípios do direito administrativo.
Na segunda metade do século XIX foi-se consolidando a sistematização do direito administrativo. Contribuíram para tal, principalmente, jurisprudência e obras de autores franceses, obras de autores italianos e alemães. Formou-se um núcleo básico do direito administrativo, com os seguintes temas, principalmente: autoridade do Estado, personalidade jurídica do Estado, capacidade de direito público, ato administrativo unilateral e executório, direitos subjetivos públicos, interesse legítimo, jurisdição administrativa, poder discricionário, interesse público, serviço público, poder de polícia, hierarquia, contratos administrativos.
Com poucas variações em tais matrizes temáticas, o direito administrativo expandiu-se na Europa continental.
2.2O direito administrativo no Brasil
O ponto de partida da elaboração do direito administrativo no Brasil situa-se na criação da cátedra da matéria na Faculdade de Direito de São Paulo e do Recife, em 1851. Já havia cátedras na França e na Itália; em Portugal se instituíra uma cátedra coletiva para o direito administrativo, constitucional e internacional público. Por outro lado, muitas obras da matéria, publicadas na Europa, tiveram repercussão no Brasil.
Para a regência da disciplina em São Paulo foi indicado, em 1854, José Inácio Silveira da Mota, o qual desistiu de assumi-la. Em 1855, chamou-se, do Rio de Janeiro, Antônio Joaquim Ribas, que demorou a apresentar-se, pois passara muitos dias à procura de um livro para servir de texto de estudo; não o encontrando, organizou apontamentos que ia emprestando aos alunos, para que os copiassem.
A primeira obra de direito administrativo vem à luz em 1857, de autoria de Vicente Pereira do Rego, editada em Recife, sob o título: Elementos de direito administrativo brasileiro comparado com o direito administrativo francês segundo o método de P. Pradier – Foderé; no prefácio o autor informa que utilizou a obra do francês Pradier – Foderé para a ordem das matérias e para colher os princípios gerais, aproveitando a doutrina para aplicação ao direito pátrio.
Em 1859 Veiga Cabral publica seu livro Direito administrativo brasileiro, indicando, na introdução, os autores franceses em que se baseou. O Visconde de Uruguay edita a obra Ensaio sobre o direito administrativo, em 1862. Em 1866 Ribas publica seu "Direito administrativo brasileiro" citando na bibliografia autores franceses, belgas, italianos, alemães e espanhóis.
Nesse grupo de iniciadores da doutrina do direito administrativo pátrio, nota-se a predominante influência francesa, vindo em seguida a portuguesa, a espanhola e a belga, não somente pela bibliografia citada, mas em virtude do teor dos temas expostos. Tais obras refletem idéias típicas do século XIX no tocante ao Estado, à natureza da atividade administrativa, ao Poder Executivo, ao Estado e sociedade.
A partir daí o direito administrativo pátrio se desenvolve e se consolida, com predomínio da linha francesa, seguida da italiana e da alemã. Para tanto, além dos valiosos trabalhos doutrinários em livros e artigos, contribuíram os tribunais do Judiciário, com decisões de relevo que fixaram diretrizes fundamentais na matéria.
3A EVOLUÇÃO DA FIGURA JURÍDICA CONTRATUAL
3.1O contrato no direito romano
Analogamente a outros institutos do direito romano, o contrato também tem sua história que se desenvolve por mais de mil anos de contínuas transformações.
Não havendo um só direito romano, porque o império atravessou os tempos, preservando em suas linhas gerais o extraordinário monumento jurídico, é fácil concluir que o contrato dos primeiros tempos se apresenta com fisionomia bem diversa da que o caracteriza, por exemplo, nos períodos clássico e justinianeu.
O sentido exato da evolução da figura contratual no direito romano encontra-se na evolução do formalismo para o não-formalismo, do apego excessivo à forma para um abrandamento ininterrupto, em benefício do conteúdo, da intenção das partes.
O direito romano somente conheceu os contratos obrigatórios que geram obrigações, e não acolheu (pelo menos até o direito do tempo de Justiniano) o princípio de que todo acordo de vontade lícito, ainda que não se enquadre em um dos tipos de contrato descritos na lei, pode produzir relações jurídicas obrigacionais.
Do direito clássico ao justinianeu, o sistema contratual romano sofreu alterações profundas relacionadas ao alargamento gradativo do círculo de acordos de vontade a que a ordem jurídica concede a eficácia de gerar obrigações.
No direito clássico, os juristas, ao invés de conceberem o contrato como uma categoria geral e abstrata, conheciam apenas alguns tipos de contrato (contractus) nos quais, segundo a concepção romana, não é o acordo de vontade (elemento subjetivo pressuposto no contrato) que faz surgir a obrigação, mas sim um elemento objetivo (observância de formalidades, ou entrega da coisa). O simples acordo de vontade não gera obrigação.
Mas ainda no período clássico e, depois nos pós-clássico, esse esquema rígido sofre atenuações. Já no tempo de Gaio, há contratos consensuais, nos quais a obrigação nasce apenas do consensus (consentimento, acordo de vontades).
No direito justinianeu, o panorama modifica-se inteiramente, os juristas bizantinos, ao invés de considerarem (como os clássicos) que a obrigação nasce do elemento objetivo (forma) e não do acordo de vontade, entendem que é deste que resulta a obrigação. Portanto, o acordo de vontade, de mero pressuposto de fato dos contratos, passa a ser seu elemento juridicamente relevante. Desta modificação exsurge o fato de que, no direito justinianeu, ao invés da rede rígida de tipos contratuais que se encontra no período clássico, há uma rede mais elástica.
Quanto aos requisitos do contrato, no direito romano há a distinção entre requisitos (elementos essenciais) genéricos e específicos. Os genéricos são aqueles que existem necessariamente em todo e qualquer contrato, os requisitos específicos são os elementos essenciais de apenas determinado contrato. Sendo o contrato um negócio jurídico, seus requisitos genéricos são os mesmos do negócio jurídico em geral: capacidade e legitimação das partes, manifestação de vontade (que se traduz no acordo de vontades dos contratantes – conuentio) e objeto lícito, possível, determinado ou determinável. Cumpre-se salientar que o seu efeito, no direito romano, é o de fazer nascer obrigações.
3.2O contrato e sua historicidade
A historicidade do contrato emerge com clareza na evolução histórica do instituto. Ao se confrontarem as funções assumidas pelo contrato na Antiguidade ou na Idade Média, isto é, no âmbito dos sistemas econômicos arcaicos, ou pouco evoluídos, com as funções que o contrato assume no quadro de uma formação econômico-social caracterizada por um alto grau de desenvolvimento das forças produtivas e pela extraordinária intensificação da dinâmica das trocas, constata-se profundas diferenças quanto à dimensão efetiva, à incidência, à própria difusão do emprego do instrumento contratual. No âmbito dos sistemas econômicos arcaicos, este emprego é relativamente reduzido e marginal. Já no âmbito de formação econômico-social capitalista, especificamente após a Revolução Industrial dos princípios do século XIX, o contrato configura-se como um mecanismo objetivamente essencial ao funcionamento de todo o sistema econômico.
Para que haja a confirmação desta estreita ligação entre a exaltação do papel do contrato e a afirmação de um modo de produção mais avançado, Enzo Roppo[3] aduz que:
Não se pode certamente atribuir-se ao mero acaso o fato de as primeiras elaborações da moderna teoria do contrato, devidas aos jusnaturalistas do século XVII e em particular ao holandês Grotius, terem lugar numa época e numa área geográfica que coincidem com a do capitalismo nascente; assim como não é por acaso que a primeira grande sistematização legislativa do direito dos contratos (código civil francês, Code Napoleon, de 1804) é substancialmente coeva do amadurecimento da Revolução Francesa, e portanto, da vitória histórica conseguida pela burguesia, à qual o advento do capitalismo facultou funções de direção e domínio de toda a sociedade.
Com o Código Napoleão, portanto, inaugura-se a época da primazia contratual, na qual as relações das partes são compatibilizadas livre e voluntariamente sobre tudo o que estiver ao alcance das possibilidades humanas, observando-se a igualdade e a liberdade dos contratantes, no início, meio e fim do ajuste, a imutabilidade das cláusulas, em quaisquer circunstâncias e a limitação das conseqüências às partes celebrantes.
Profundas transformações de natureza econômica, verificadas em épocas posteriores, determinaram desnível cada vez maior entre as partes, a ponto de o livre consentimento de antes passar a ser, na maioria dos casos, simples aceitação ou anuência, em bloco, sem discussão, do conjunto de cláusulas apresentadas pelo economicamente forte ao economicamente fraco.
Para evitar a exploração deste último pelo primeiro, os poderes públicos, representados pelo juiz administrador, principiam a intervir no acordo das partes, impedindo o desequilíbrio cada vez mais acentuado e assinalando nova época, bastante característica, na história do Direito – a do "dirigismo contratual", na expressão consagrada por Louis Josserand.
A evolução segue seu curso natural, e em fase ulterior, o Estado intervém como se fosse parte interessada, retirando do contrato seus traços de privatismo e colocando-o sob o império do Direito Público.
É a fase da publicização do contrato: desaparece a autonomia da vontade, predominando, agora, o princípio informativo.
4O CONTRATO ADMINISTRATIVO NA EVOLUÇÃO DA DICOTOMIA ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO
4.1Considerações gerais
Sendo a conceituação do contrato noção geral do Direito, como o acordo recíproco de vontades que tem por fim gerar obrigações, chega-se a estabelecer a existência e as características não apenas do contrato de Direito Público, como também do contrato administrativo, modalidade particular que se integra no campo daquela classe mais geral.
De acordo com o entendimento de Eduardo Garcia de Enterría e Tomás – Ramón Fernández[4]:
A distinção contratos – administrativos – contratos privados começa sendo uma distinção que atua exclusivamente no plano processual e que carece de toda transcendência no plano material ou substancial. A distinção surge inicialmente como uma exceção ao esquema estrutural dos atos de autoridade – atos de gestão, que foi justamente chamada primeira sistematização do Direito Administrativo.
Girando em torno da fórmula "Administração – autoridade: direito público; Administração – não autoridade: direito privado", esta teoria parte essencialmente da natureza dos próprios atos.
Maria João Estorninho[5], ao versar sobre a teoria dos atos de autoridade e de gestão, preleciona que esta teoria foi abandonada "por se entender que padecia de dois inconvenientes: por um lado, a sua aplicação prática era difícil e incerta e por outro, baseava-se num incorreto desdobramento da atividade da Administração Pública".
Com sucessivas transformações da vida social e administrativa, surge a teoria do serviço público. O princípio fundamental desta nova teoria relaciona-se à organização e funcionamento dos serviços públicos, configurando-os à atuação administrativa, sujeita não apenas ao Direito Administrativo, mas também à jurisdição administrativa. Este princípio serve de base à primeira distinção substancial entre os contratos administrativos e os contratos de direito privado da Administração.
Como conseqüência dessa autonomização processual, com a justificação à prossecução para fins de serviço público, foi-se progressivamente transferindo, para a gestão desses contratos, as técnicas normais de atuação da Administração e, em especial, o seu privilégio de autotutela.
Ao se perceber a existência de duas modalidades distintas de contratos da Administração, iniciou-se um processo lento, no qual a teoria tem procurado o critério mais adequado que permita distinguir os contratos administrativos dos contratos privados da Administração.
4.2Teoria de Duguit
Para o eminente professor, todos os contratos têm os mesmos caracteres em seus elementos intrínsecos. Se há contratos que dão lugar à competência dos tribunais administrativos, esse fato decorre apenas da finalidade dos mesmos contratos.
É o mesmo que se dá com os contratos comerciais. No fundo não existe diferença entre um contrato civil e um comercial. O que caracteriza o contrato comercial e impõe a competência dos tribunais de comércio é a sua finalidade comercial. Não existe diferença de fundo entre um contrato civil e um contrato administrativo. O que dá ao contrato o seu caráter administrativo e justifica a competência dos tribunais administrativos é o fim de serviço público que visa regulamentar.
Nos países em que existe uma jurisdição administrativa especial, a distinção faz-se naturalmente, de acordo com a competência dos Tribunais.
4.3Teoria de Hauriou
O professor Hauriou não sistematizou a questão relativa à natureza do contrato administrativo; procurou, apenas examinar o problema ao analisar os contratos de fornecimento. Segundo este autor, considera-se contrato de fornecimento aquele em que a administração provê por intermédio de empreiteiros à satisfação de serviços a seu cargo, por meio de uma operação que se assemelha a uma venda ou, quando não, a uma locação de serviços, mas que não importa de forma alguma na criação e exploração de um serviço público.
Este autor não analisou a estrutura da relação jurídica, mas examinou apenas a forma de uma categoria de contrato feito pela Administração Pública. Falta à sua teoria a definição do traço característico dessas relações jurídicas, do seu traço comum.
4.4Teoria de Jèze
É a mais famosa, devido ao seu espírito analítico. Para caracterizar o contrato administrativo propriamente dito, o professor Jèze impõe as seguintes condições:
1. acordo de vontades entre a Administração e o particular;
2. o acordo de vontades deve ter por objeto a criação de uma obrigação jurídica de prestação de coisas materiais ou de serviços pessoais mediante uma remuneração;
3. a prestação do particular deve se destinar ao funcionamento de um serviço público;
4. as partes, em virtude de cláusula expressa, pela forma mesma do contrato, concordam em se submeter ao regime especial de direito público;
Admite, no entanto, a existência de contratos ordinários regulados pelo Código Civil, e isto quando não se achem enquadrados nos limites acima fixados, isto é, não basta que a administração considere o contrato como administrativo e que deseje para a sua aplicação um regime jurídico especial, peculiar ao direito público.
O que se torna indispensável é que este regime administrativo seja da índole do contrato e que tenha por ele sido efetivamente adotado.
4.5Teoria alemã
Fritz Fleiner colocou a questão com uma precisão perfeita, sem a pretensão de fixar o sentido de expressões que só na técnica tradicional podem significar algo. O sentido civilista não interessa ao Estado, cuja situação de predominância diante do indivíduo é manifesta e se verifica em qualquer contrato realizado para a prestação de serviços públicos.
O legislador permite a realização de contratos a fim de evitar certas dificuldades técnicas especiais ou complicações particulares de processo, inerentes à regulamentação unilateral das relações jurídicas em questão. Mas o interesse público, ainda assim, fica salvaguardado, porque a autoridade conserva a faculdade de expedir uma decisão unilateral, quando o contrato não atinge o seu objetivo.
Otto Mayer não é menos incisivo na condenação da teoria, que pretende reconhecer a existência do contrato administrativo semelhante ao contrato de direito privado, mas atribui a sua existência à reconhecida predominância dos estudos de direito privado na época.
4.6Evolução do contrato administrativo no direito pátrio
A doutrina brasileira, praticamente unânime e sem oposição jurisprudencial, denomina contrato administrativo à figura cujos traços são reconhecidamente advindos das mesmas características que lhe são imputadas no Direito francês.
Ponto essencial e marcante na evolução desta figura contratual no direito pátrio é aquele originado na teoria da cláusula exorbitante, do Direito francês, porque permite estabelecer a diferença entre os contratos administrativos e os contratos de Direito Privado.
A comparação do instituto da cláusula exorbitante, na jurisprudência francesa, que firmou rigorosa colocação jurídica, a partir do julgamento de centenas de questões, que envolveram contratos administrativos, permite que o jurista brasileiro, diante de hipóteses semelhantes, decididas pelos tribunais brasileiros, empreenda o regime jurídico do contrato administrativo, ressaltando neste, o papel fundamental da cláusula que J. Cretella Júnior[6] denomina cláusula de privilégio.
5.CONCLUSÃO
A sistemática histórica revela-se primaz para o perfeito entendimento e atualização contextual de institutos próprios de ramos específicos do direito, como o contrato administrativo.
Após este breve escorço histórico, pode-se concluir pela premente necessidade de conciliação doutrinária quanto às teorias que versaram sobre este instituto.
O que historicamente vem sido posto pelos doutrinadores evidencia que não seria a denominação do contrato, quanto à sua aproximação às lindes públicas ou privadas, que viria alterar a sua substância, mas a finalidade do ato, seu fundamento teleológico.
Não se pode deixar de citar as sábias palavras de Themistocles Brandão Cavalcanti[7], que assevera:
Se destinada à execução de um serviço público, a relação contratual terá de se subordinar às normas que regulam a execução deste serviço: será, portanto, mero acessório da relação jurídica principal, a que se terá de submeter, porque o serviço público deve se considerar como a razão de ser do laço obrigacional, a que se ligou o Estado para realizar as suas finalidades.
A adaptação de algumas arestas que ainda aparecem de modo inadequado, na consecução dos objetivos do contrato administrativo, torna-se um estudo de inestimável relevância, desde que se coadune com a história que lhe trouxe todo o seu embasamento teórico.
6.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MOR, Carlo Guido. Sul problema dell’insegnamento della storia del diritto italiano. Scritti in memoria di Antonino Giuffrè. Milão: Giuffrè Editora, 1967. v.I.
ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988.
7.NOTAS
1.MOR, Carlo Guido. Sul problema dell’insegnamento della storia del diritto italiano. Scritti in memoria di Antonino Giuffrè. Milão: Giuffrè Editora, 1967. p.700. v.I.
2.MOR, op. cit., p.700. "In effetti, il considerare un istituto od un gruppo di istitute dal momento dell’ultima evoluzione romanistica, e seguirlo nella sua lenta trasformazione per un millennio e mezzo, fino ai nostri giorni, spieza al giovane il perché, oggi, quell’istitute giuridico è formato in un modo piuttosto che in un altro. Per questo credo difficite l’ammettere una partizione cronologica, che, per il lento sviluppo del diritto privato, non presenta cesure marcate."
3.ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Almedina, 1988. p.25-26.
4.ENTERRÍA, Eduardo García de, FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de direito administrativo. Trad. Arnaldo Setti. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p.598-599.
5.ESTORNINHO, Maria João. Réquiem pelo contrato administrativo. Coimbra: Almedina, 1990. p.36.
6.CRETELLA JÚNIOR, José. Dos contratos administrativos. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.49.
7.CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito administrativo. São Paulo: Freitas Bastos, 1948. p.367. v.II.