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A proteção jurídica do nascituro de acordo com o Código Civil brasileiro

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Agenda 01/03/2014 às 13:13

Trata-se da personalidade do nascituro, se é ou não pessoa e se está sujeito a adquirir direitos e obrigações. Essa discussão girará em torno de três teorias, sendo estas: a concepcionista, a natalista e a da personalidade condicional.

Sumário: Introdução. Histórico do Instituto. Conceitos Fundamentais. Teorias sobre o início da personalidade. Conclusão. Referências.

Resumo: Procurou-se analisar se o nascituro é ou não pessoa, se tem ou não personalidade e direitos, o que se desenvolveu em torno de três teorias, sendo essas a natalista, a concepcionista e a da personalidade condicional. E por fim, concluímos o presente artigo adotando a teoria concepcionista, que defende a personalidade jurídica do nascituro desde a concepção, bem como se tem ou não direitos.

Palavras-chave: nascituro; teoria concepcionista; teoria natalista e teoria da personalidade condicional.


I - INTRODUÇÃO

A proteção jurídica do nascituro é um tema de extrema relevância para o mundo do Direito e para a própria Sociedade, isto porque o Direito só existe em razão do ser humano. Hodiernamente, a proteção da dignidade da pessoa humana tornou-se uma necessidade imediata, as constantes invenções científicas em vastas áreas do conhecimento geram, casa vez mais, ameaças e lesões aos atributos personalíssimos do homem contemporâneo.

Falar dos direitos do nascituro é falar além de uma mera expectativa de direito, é falar de direitos desde a concepção. Diante dessa realidade, os direitos da personalidade tornaram-se tema de grande importância, alcançando posição de destaque tanto na doutrina quanto nas legislações. Nos meandros dessa nova tendência, a Lei 10.406/02, o Código Civil Brasileiro, conferiu-lhe tratamento especial, dedicando 11 artigos agrupados em um capítulo, denominado: Dos Direitos da Personalidade. Percebe-se que o caderno civil adota a noção dos direitos da personalidade como sendo inatos, absolutos, vitalícios e oponíveis erga omnes.

O legislador ressaltou o caráter de necessidade e essencialidade desses direitos, na medida em que não podem faltar à vida humana em sociedade, por isso não permitira limitações em seu exercício nem mesmo por parte de seu titular, excetuado os casos em que a própria lei permite que este se despoje de alguns desses direitos (art. 11).

  E foi pensando nesses direitos e, primordialmente, na personalidade do nascituro, adquirida desde a concepção (teoria concepcionista), que este artigo foi desenvolvido, com base em pesquisas doutrinárias e outras fontes que contiveram o teor do assunto em tela.                    

  O objeto deste tema será a personalidade do nascituro, isto é, se ele tem ou não personalidade, se é ou não pessoa e se está sujeito a adquirir direitos e obrigações. Essa discussão girará em torno de três teorias, sendo estas: a concepcionista, a natalista e a da personalidade condicional.

 Pela primeira, a teoria concepcionista, o nascituro adquire personalidade desde a concepção, sendo considerado assim pessoa. Já pela segunda, a teoria natalista, a aquisição da personalidade opera-se a partir do nascimento com vida, sendo, portanto, entendido que o nascituro não é pessoa e possui, tão-somente, mera expectativa de direito. No tocante à terceira teoria, a da personalidade condicional, o nascituro possui direitos sob condição suspensiva que seria o nascimento com vida.

O desenvolvimento deste artigo se atentará em demonstrar que não se pode desassociar a vida da personalidade, dos direitos e da capacidade. Portanto será levada em conta a teoria concepcionista, ou seja, a que protege a personalidade do nascituro desde a concepção.


II – HISTÓRICO DO INSTITUTO

Todos nós sabemos que a vida é “o primeiro e primordial direito de todos os seres humanos, é fundamento, condição e fonte primária dos demais direitos, trata-se de bem anterior ao direito, que deve ser devidamente respeitado pela ordem jurídica”.[1]

Terminada, então, essa breve introdução sobre a vida, direito inalienável, intrínseco a todo ser humano, sobre a proteção que desperta dos ordenamentos jurídicos e da moral humana, é mister retomar o tema da primeira parte desse artigo. Pronunciamos, no início, que nascituro é aquele que há de nascer. Para perscrutação deste instituto, necessário se faz um relato, ainda que breve, de seu surgimento e desenvolvimento, a fim de que, conhecendo as origens, possamos analisá-lo com maior domínio.

 Grécia

Do juramento de Hipócrates depreende-se que os gregos admitiam a existência de uma vida ainda em gestação. Com efeito, o precursor da Medicina comprometeu-se a não administrar a mulheres grávidas qualquer abortivo.

Por sua vez, Platão, em sua obra “República”, admite o aborto em razão do interesse do Estado, tendo em vista necessidades demográficas[2]. Aristóteles é também defensor das práticas abortivas em decorrência do culto ao belo e em razão de necessidades demográficas, expressando-se, assim, em sua obra “Política”.[3]

Com efeito, Aristóteles fazia importante distinção acerca da legalidade ou ilegalidade do aborto.  Esse seria tido como crime se o feto fosse dotado de alma, vale dizer, possuísse vida. Segundo o filósofo, que considerava as mulheres ‘seres incompletos’, para averiguar o momento da existência da vida, cumpria antes distinguir o sexo do feto. Assim, o feto masculino seria dotado de alma aos quarenta dias de gestação, enquanto o feminino, aos três meses. Tal distinção influenciou o pensamento católico da Idade Média[4]

Roma

Para o Direito Romano, segundo o princípio do ius civile, a personalidade adquiria-se com o nascimento[5], caracterizado como separação completa do feto das entranhas maternas. Além disso, aperfeiçoava-se pelo concurso das seguintes condições: encontrar o nascido com vida e possuir esse natureza humana, além do requisito viabilidade, ou seja, aptidão para viver, embora a duração da vida fosse indiferente para aquisição de capacidade.

Para os antigos jurisconsultos, adeptos da escola dos Proculianos, era indispensável, para a constatação da vida, o choro – ‘vagido’ da criança. A partir de Justiniano, que abandonou essa teoria, preferindo a dos Sabineanos, “qualquer sinal de vida passou a ser considerado necessário e suficiente à comprovação da vida”.[6] Dessa forma, o produto de um aborto espontâneo não poderia ser considerado pessoa já que não nasceu com vida, tampouco o “monstrum, ou seja, ser humano disforme que o sistema jurídico romano excluía de qualquer relação jurídica”[7].

Savigny e Clóvis Bevilácqua apontam contradições nos textos latinos. Lecionam que “enquanto alguns expressam que o infans conceptus ainda não é pessoa, mas parte do corpo materno – víscera materna, não lhe atribuindo qualquer autonomia, outros, no entanto, equiparam o nascituro à criança já nascida, considerando-o como sujeito de direitos”.[8]

Segundo André Franco Montoro, em razão dessa divergência, “não se pode falar propriamente numa doutrina romana sobre o início da personalidade jurídica civil”.[9] Para Savigny, entretanto, tal contradição é passível de explicação, porque para os romanos, o feto não poderia ser titular de direitos, contudo, por ficção, deveria ser considerado pessoa para que fosse protegido da destruição, garantindo-lhe, a princípio, o direito à vida e resguardando-lhe direitos que conquistaria com o nascimento.

Conforme Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida, foram estatuídas regras para a defesa da vida. Assim eram cominadas “penas criminais ao aborto praticado pela genitora e pessoas que a auxiliassem e normas que postergavam as penas de morte e tortura infligidas a mulheres para após o parto”.[10] Instituiu-se a chamada “Lei Régia”, pela qual admitia-se a abertura do cadáver de uma mulher grávida, a fim de salvar-lhe o filho, que deu origem à cesariana.

Dissemos acima que a viabilidade do neonato não era exigida. Assim, se nascesse e no momento seguinte viesse a óbito, adquiria capacidade, essa é a regra segundo Savigny. Contudo, para alguns, o conceito de viabilidade é exigido, no sentido de completa gestação, de maturidade fetal, a fim, inclusive, de determinação de filiação legítima, ou seja, o filho nascido sob justas núpcias. Disso que surgem as regras, baseadas em Hipócrates, de que o menor tempo do ciclo de gestação para viabilidade era de 182 (cento e oitenta e dois) dias a partir da concepção e o lapso máximo era de 300 (trezentos) dias.

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Tais regras adquiriam importância no tocante, principalmente, ao direito das sucessões, visto que embora o nascituro não fosse considerado pessoa, eram-lhe resguardados direitos.

Entretanto, conforme afirma Limongi França, assegurar direitos significa atribuir personalidade porque só a pessoa natural é suscetível de ter direitos, daí o binômio direito-pessoa. Nesse sentido, defende a já citada Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida, que “as regras latinas enquanto objetivavam o nascimento, dele independiam”.[11]

 E o reforço de sua tese, relaciona-se à regra do bonorum possessio ventris nomine pela qual assegurava-se à genitora utilizar-se de forças da herança para garantir-lhe alimentos e o necessário ao nascituro. Conclui dizendo que: “se os direitos sucessórios dependiam do nascimento com vida, a mesma afirmação não é válida para outros direitos que dele eram independentes, sendo concedidos ao nascituro pelo simples fato de estar concebido”.[12]

 Idade Média

O Direito medieval teve grande influência da Igreja a qual dizia que o indivíduo, antes de pertencer ao grupo familiar, social ou político, pertencia à eclésia. Sendo assim sofreu grande influência do Direito Canônico.

O Direito Canônico, corroborando toda a tradição da Igreja, considerava o nascituro pessoa, desde a concepção porque desde então, o embrião possuía alma. Com efeito, para o pensamento eclesiástico, a vida humana tida como algo sagrado, revela que a mão criadora de Deus esteve presente no momento da concepção, permitindo, autorizando ou criando a vida.

Todavia para Santo Agostinho e São Jerônimo, “o feto passaria a possuir alma apenas quando tomasse forma humana”.[13] Para esses pensadores, o momento da concepção não era considerado, para efeito de se considerar pessoa o nascituro, mas o momento em que o feto adquiria alma, ou seja, forma humana.

Assim, submetia-se às penas canônicas apenas o aborto realizado em feto formado, com aspecto humano, dada a existência da alma e as penas eram cominadas ao homicídio.


III - CONCEITOS FUNDAMENTAIS

Nascituro, Concepturo e Natimorto

 O nascituro tem sido objeto de muitas discussões para o Direito, pois este se preocupa com aquele que há de nascer, reconhecendo-lhe direitos que algumas vezes não dependem do nascimento. Vale advertir que nascituro não se confunde com concepturo e o natimorto. O concepturo é também chamado de prole eventual, é aquele que nem concebido foi. Já o natimorto é o nascido morto que deverá ser registrado em livro próprio do Cartório de Pessoas Naturais (ver enunciado nº 1 da Primeira Jornada de Direito Civil).

No tocante ao nascituro a regra está literalmente esculpida no artigo 2° do Código Civil Brasileiro.  Reza o artigo 2° do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.

  Segundo tal disposição, a lei garante e resguarda os direitos do nascituro desde a concepção, concedendo-lhe direitos, aproximando-se da teoria concepcionista ao mesmo tempo que afirma que a personalidade jurídica inicia-se com o nascimento com vida, filiando-se também à teoria natalista.

   Invocando a origem latina do vocábulo, a palavra nascituro, de nasciturus, particípio passado de nasci, expressa: “aquele que há de nascer”[14]. Portanto, diz respeito a seres já gerados ou concebidos - conceptus, mas que ainda não nasceram, ou seja, cujo nascimento ainda não se consumou[15]. No dizer de Paulo Carneiro Maia, a palavra designa: “o embrião (venter, embrio, foetus) que vem sendo gerado ou concebido, não tendo surgido ainda à luz como ente apto (vitalis)”.[16]

  Limongi França, com apoio na etimologia do vocábulo, conceituou o nascituro como: “pessoa que está por nascer, já concebida no ventre materno” [17]. Adequamo-nos, portanto, a esse conceito, tendo em vista que ele se refere ao nascituro como pessoa, tendo esse, então, personalidade jurídica desde a concepção. Há que se falar também da expressão: “está por nascer, concebida no ventre materno”, pois ressalta que o nascituro se diferencia das pessoas já nascidas e da prole eventual quando diz que já foi concebida no ventre materno.

Personalidade Jurídica, Capacidade e Pessoa

Após a exclusão dos ordenamentos jurídicos do ignóbil instituto da escravidão e da morte civil, a regra do artigo 1° do Código Civil é plena: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.[18]

Personalidade, segundo Clóvis Beviláqua, é “o conjunto dos direitos atuais ou possíveis, das faculdades jurídicas atribuídas a um ser, sendo certo que somente é pessoa o que pode ser sujeito de direitos e obrigações”.[19] Para Caio Mario da Silva Pereira “personalidade é a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações”.[20]

Para Washington de Barros Monteiro, na acepção jurídica, “pessoa é o ente físico ou moral suscetível de direitos e obrigações”.[21] Então, no aspecto jurídico, a personalidade é atributo reconhecido pela razão humana, sendo possível, no Direito hodierno, a atribuição de personalidade aos entes morais, as pessoas jurídicas.  Assim sendo, há que se falar que o direito é constituído hominum causa, ou seja, ele não existe a não ser entre o homem, excluindo os animais. Portanto, de acordo com o artigo 1° do Código Civil Brasileiro, a noção de capacidade se engrena com a de personalidade e a de pessoa.

Ainda no tocante à personalidade jurídica e à capacidade, essas se distinguem, tendo em vista que enquanto a segunda diz respeito à aptidão de alguém exercer por si os atos da vida civil, a primeira consiste na aptidão para adquirir direitos e exercê-los por si ou por outrem.

Para Limongi França, citado por Silmara J.A. Chinelato e Almeida, em seu livro Tutela Civil do Nascituro, “a personalidade é a qualidade do ente que se considera pessoa, possuindo-a desde o início até o fim da existência. Sendo assim, ela se diferencia de capacidade, pois enquanto esta pode sofrer modificações e até deixar de existir, aquela perdura até a morte do indivíduo”.[22]

De acordo com o entendimento do mestre acima citado, iniciada a personalidade natural, com ela passa a relacionar-se uma série de atributos, ou seja, um conjunto de situações de significado jurídico que passa a dizer-lhe respeito. Assim, em Direito, “atributo de personalidade é toda característica, situação ou condição suscetível de ser assumida pela personalidade e que seja capaz de ocasionar uma repercussão jurídica”. Assim sendo, são atributos fundamentais da personalidade: o estado, a capacidade, os direitos da personalidade e a sede jurídica.

No Direito Romano a noção de status correspondia a de estado, lá se conheciam  três estados fundamentais: status libertatis, status civilitatis e status familiae . O primeiro estado nada mais era do que o modo de existir da pessoa livre em desigualdade com o escravo.

Já no Direito moderno, os estados são: estado político que se subdivide em estado nacional (brasileiro nato ou naturalizado) e estado estrangeiro; estado profissional (o de funcionário público, o de empregador, de empregado, de profissional liberal, de trabalhador autônomo, de militar etc); estado familiar (o de casado, de solteiro, de filho legítimo, de viúvo, de divorciado etc); estado individual ou físico (a esse correspondem vários estados especiais relativos à capacidade de fato ou de exercício)

Limongi França classifica a capacidade em duas partes, ou seja, uma quanto à natureza e outra quanto à extensão. A primeira (quanto à natureza) pode ser “de fato e de direito, ou seja, a capacidade de direito ou de gozo é aquela essencial a todo homem em virtude exclusiva de sua condição, conforme deriva do artigo 1° do Código Civil”.[23]

Para o mestre acima citado, a personalidade é pressuposto da capacidade, não se confundindo, então, uma com a outra, pois enquanto a personalidade jurídica é ampla e abrange todo o âmbito geral da vida do direito, a capacidade de direito é limitada, constituindo uma peculiaridade da pessoa diante dos direitos particularmente considerados. Um exemplo disso é o caso do deficiente mental, que é incapaz tanto de fato, quanto de direito para pleitear perante a Justiça um determinado direito, necessitando de curador para ingressar na esfera jurídica. Entretanto, ele tem personalidade jurídica.

 Capacidade de fato ou de exercício, de acordo com o mestre, é a faculdade que tem a pessoa, por si mesma, de levar a efeito o uso e gozo dos diversos direitos.

 Para Limongi há distinção entre a capacidade absoluta e a relativa. Consoante seu entendimento, se a capacidade é a aptidão para adquirir direitos e obrigações, a incapacidade é, portanto, a inaptidão.

A incapacidade absoluta é a de fato ou de exercício, uma vez que a personalidade implica um mínimo de capacidade de direito. Segundo Limongi incapacidade absoluta é o impedimento total para o exercício dos atos da vida civil. Impedimento de exercício pessoal, porque, se devidamente representados, os absolutamente incapazes, arrolados no artigo 3° do Código Civil, podem adquirir direitos e contrair obrigações.

Portanto, pode-se dizer que enquanto a incapacidade absoluta é sempre de fato, a relativa pode ser de fato ou de direito, consoante o artigo 4° do Código Civil, que, por sua vez, o reconhece quando trata dos relativamente incapazes, podendo-se dizer que assim são considerados “relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer”, conforme Limongi, citado por Silmara A. J. Chinelato e Almeida.


IV - TEORIAS SOBRE O INÍCIO DA PERSONALIDADE

O início da personalidade encontra, há tempos, divergências entre estudiosos do direito, podendo-se afirmar que, em decorrência disso, temos entre nós a formação de correntes de pensamento diversas acerca do tema.

Segundo a professora Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida, tais divergências se dão em razão “da redação incerta e ambígua do artigo 2° do Código Civil, ao regrar que embora a personalidade da pessoa comece com o nascimento com vida, a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.[24]

Essa é também a opinião de Caio Mário. Para o mestre, “o direito moderno assenta a regra do início da personalidade no sistema romano, mas difunde outras que, às vezes, complicam e assombram a necessária exatidão dos conceitos”.[25]

De qualquer forma, a primeira corrente sustenta que a personalidade começa com o nascimento com vida, é chamada teoria natalista, da qual são expoentes os juristas Pontes de Miranda, Eduardo Espínola, Caio Mario da Silva Pereira, o professor Silvio Rodrigues, acompanhados de Vicente Ráo e outros.

Para essa corrente, antes do nascimento não há personalidade. Com efeito, segundo Caio Mário, o nascituro não é ainda pessoa, visto que os direitos que lhe são reconhecidos permanecem em estado potencial e a prova de sua existência no mundo jurídico é que se não vier a nascer com vida, os direitos que lhe seriam outorgados sequer chegam a constituir-se.

Realmente, para a teoria natalista, a lei civil reserva ao nascituro mera expectativa de direitos, trata-se na expressão de Eduardo Espínola, “benignidade da lei”, posto que, como num juízo de probabilidade nascerá com vida, o ordenamento jurídico põe a salvo seus direitos. Citando Chironi e Abello, ensina o notável mestre que: “O ser humano, não separado do ventre materno, não tem existência própria e, por consequência, não tem personalidade, porém, excepcionalmente, por benignidade de lei, é considerado como se já fosse nascido”.[26]

É a lição de Pontes de Miranda:

[...] uma vez que os homens não adivinham e é de presumir-se que nasçam com vida os já concebidos, o sistema jurídico ressalva, desde a concepção os direitos do nascituro. Entre presumir-se que nasça morto e presumir-se que nasça vivo, todo - cálculo de probabilidade, política legislativa, equidade – aconselha a ter-se por mais provável o nascimento com vida[27]

Para Silvio Rodrigues a personalidade só é conferida pela lei ao nascimento com vida. O professor ensina que nascituro é o ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno. A lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com vida. Mas, como provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico, desde logo, preserva seus interesses futuros.

Nesse sentido é a lição de Vicente Ráo:

A proteção dispensada ao nascituro não importa reconhecimento nem atribuição de personalidade, mas equivale, apenas, a uma situação jurídica de expectativa, de pendência, situação ou fato em virtude do qual certas ações podem ser propostas ou ao qual se reportam, retroativamente, os efeitos de determinados atos futuros. [28]

Sustentam os adeptos dessa doutrina que se o nascituro fosse pessoa, seria, para além de sujeito de direitos, sujeito também de obrigação na ordem civil. Aduzem que o Direito Penal, conquanto puna o aborto, não eleva o nascituro ao status de pessoa, posto que a pena para tal crime é inferior à cominada para os casos de homicídio. Não bastasse, argumentam que a lei tolera o aborto terapêutico e humanitário, em detrimento da vida do nascituro, declarando, dessa feita, no primeiro a desigualdade entre o nascituro e a pessoa nascida e, no segundo, a desigualdade em relação ao sentimento de repulsa da mulher vítima de estupro.

Trazem ainda, à colação, outros argumentos. Elegem uma interpretação sistemática do Código Civil Brasileiro para evidenciar que, quando a lei privada cuida dos direitos do nascituro, faz de maneira taxativa, sendo certo que, se fosse considerado pessoa, todos os direitos subjetivos lhe seriam conferidos, sem necessidade de qualquer rol legal.  

Em suma, para a teoria natalista, o nascituro, esperança de pessoa, tem, desde logo, resguardados direitos, futuros e prováveis, que pelo nascimento com vida converter-se-ão em definitivos, retroagindo ao momento da concepção.

Entretanto, outras escolas existiram no direito pátrio, que teorizaram acerca da natureza jurídica do nascituro, entre elas a da teoria da personalidade condicional. Para esta, o nascimento com vida, ainda que por um momento de possível constatação científica, é condição para a aquisição de personalidade e, em consequência, de direitos.

Explicita-a o professor Washington de Barros, citado por Silmara A. J. Chinelato e Almeida, “denominando de condição suspensiva e, portanto, evento futuro e incerto, o nascimento com vida para aquisição da personalidade, e adotando doutrina de Planiol, aponta-a como antecipação de personalidade”.[29]

Para o civilista Miguel Serpa Lopes também citado por Silmara J. A Chinelato e Almeida, o fundamento da tutela ao nascituro é a possibilidade do nascimento e seus objetos são direitos eventuais e futuros e não atuais. Assim doutrina o civilista pátrio:

De fato, a aquisição de tais direitos, segundo o sistema do nosso Código Civil, fica submetido à condição de que o feto venha a ter existência; se tal se sucede, dá-se a aquisição; mas, ao contrário, se não houver o nascimento com vida, ou por ter ocorrido um aborto ou por ter o feto nascido morto, não há perda ou transmissão de direito, como deverá de suceder, se ao nascituro fosse reconhecida uma ficta personalidade. Em casos tais, não se dá aquisição de direitos[30].

Essa corrente é muito criticada pelo civilista Caio Mário da Silva Pereira, que ao divagar sobre a inexatidão da doutrina da personalidade jurídica do nascituro, diz que a corrente que defende a personalidade condicional é inexata, uma vez que “o direito condicional não deixa, por ser condicional, de ter sujeito, e o problema está precisamente no fato de se não admitir a existência do direito sem sujeito”.[31]

Assim, de tudo quanto foi exposto, vê-se que não se pode falar em personalidade condicional, posto que personalidade não se confunde com capacidade. Com efeito, a personalidade do nascituro não está condicionada ao nascimento com vida, mas apenas aos direitos patrimoniais, como herança. Nisso reside o equívoco dessa teoria.

Por fim, há que se fazer referência à doutrina que reconhece personalidade ao nascituro desde a concepção, a teoria concepcionista. Para essa há uma coincidência entre a vida física e a jurídica e dela são expoentes, entre outros, Teixeira de Freitas, André Franco Montoro, Antônio Chaves, Limongi França, Silmara Juny de Abreu Chinelato e Almeida e outros respeitáveis autores.

Com efeito, essa corrente pauta-se pela ideia de que os direitos do nascituro, salvo os eminentemente patrimoniais, não estão condicionados ao nascimento com vida. Assim, o direito à vida, que se confunde, no caso específico, com o direito de nascer, é assegurado em sua plenitude. Com essa concepção, Teixeira de Freitas, citado por Sérgio Abdalla Semião, assim fez constar de seu “Esboço”: “desde a concepção no ventre materno começa a existência das pessoas naturais e, antes do nascimento, elas podem adquirir alguns direitos como se já tivessem nascidas” ( artigo 221).[32]

Para Limongi França, citado por Silmara Juny A. Chinelato e Almeida, “a condição do nascimento não é para que a personalidade exista, pois essa já existe desde a concepção, mas apenas para que consolide sua capacidade jurídica. Isso prova, irrecusavelmente, que já existe personalidade”.[33]

 Se admitirmos que o nascituro tem direitos, estamos, então, reconhecendo-lhe a qualidade de pessoa, porque, no ordenamento jurídico, todo titular de direito é pessoa, podendo-se dizer que essa é exatamente o sujeito ou titular de qualquer direito.

Como bem exposto pelo Ilustre Professor Wellington José Tristão, se “se admitir que o nascituro tem direitos, estar-se-á, então, afirmando que ele é sujeito de direitos e, portanto, pessoa”.[34]

Para os adeptos da teoria concepcionista, os direitos do nascituro não estão sempre condicionados ao nascimento com vida que, por sua vez, está relacionado aos direitos patrimoniais. Então, pode-se dizer que antes do nascimento o direito de nascer e a proteção jurídica da personalidade do nascituro já existem.

Assegura ainda o Ilustre Mestre que os partidários da doutrina concepcionista afirmam que não há como explicar que o nascituro não seja considerado pessoa, sendo que tem o direito de estado de filho (artigo 1.597 do Código Civil), direito à curatela (artigo 1.779 do Código Civil), à representação (artigos 1.779 c.c 1.634, inciso V do Código Civil e ainda artigo 22 da Lei 8.069/90 e artigo 439 da CLT), direito de posse em seu nome (artigos 877 e 878 do Código de Processo Civil), direito de adquirir por testamento (artigos 1.798 do Código Civil) e outros.

Tanto é verdade que o nascituro é pessoa que há a punição do aborto no nosso Direito Brasileiro, confirmando, ainda, que ele tem personalidade.

Afirmam os adeptos dessa doutrina, segundo o Mestre supracitado, que o aborto está tipificado no Título dos Crimes contra a Pessoa, ao mencionar os delitos contra a vida, ficando, portanto, expressa a proteção jurídica do nascituro como pessoa.    

A personalidade, segundo Limongi França, citado por Silmara J. A. Chinelato e Almeida, “existe desde a concepção, contrariando, portanto, a doutrina da personalidade condicional”.[35]

Afirma o autor supramencionado que a condição do nascimento não é para que a personalidade exista, mas tão-somente para que se consolide a sua capacidade jurídica.

Para os adeptos da teoria natalista, o embrião nem jurídica, nem filosoficamente é pessoa; afirmam ainda que é difícil atribuir capacidade se inexiste pessoa; que a teoria oposta encerra o inconveniente de implicar que a simples alegação infundada de gravidez possa modificar o curso das relações jurídicas.

Segundo Silmara J. A. Chinelato e Almeida, o autor se opõe a tais afirmações com os seguintes argumentos: 

a) é incabível supor que em ciência se possa admitir o valor de qualquer alegação infundada. No caso da gravidez, a alegação supõe a prova por perícia médico-legal. Por outro lado, embora a personalidade comece com a concepção, como vimos, a capacidade jurídica só se consolida com o nascimento;

b) a capacidade realmente supõe a personalidade, e essa, como veremos ao considerarmos o primeiro argumento contrário, existe a partir da concepção, quer filosoficamente, quer do ponto de vista jurídico;

c) o nascituro, com efeito, é pessoa desses dois pontos de vista;

1) Filosoficamente, sem que nos seja necessário o apoio de toda uma corrente respeitabilíssima do pensamento humano (aristotélico-tomista), o nascituro é pessoa porque traz em si o germe de todas as características do ser racional. A sua imaturidade não é essencialmente diversa da dos recém-nascidos, que nada sabem da vida e também não são capazes de se conduzir. O embrião está para a criança como a criança está para o adulto. Pertencem aos vários estágios de desenvolvimento de um mesmo e único ser: o Homem, a Pessoa.

2) Juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro por esse não ser pessoa. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti-lo. Não há nação que preze (até a China) onde não se reconhece a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código Chinês, art. 7°.). Ora, quem diz direitos afirma capacidade. Quem afirma capacidade reconhece personalidade.[36]

 A Professora Silmara J.A. Chinelato e Almeida, defensora contumaz da teoria concepcionista, isto é, aquela que considera o início da personalidade desde a concepção, afirma, com base em métodos lógicos e sistemáticos de hermenêutica, que o artigo 2° do Código Civil Brasileiro consagra a teoria concepcionista e não a natalista, embora esta, erroneamente, tenha sido defendida pela maioria dos autores.

Segundo o entendimento dela, a personalidade, de acordo com a teoria concpcionista, está asseverada desde a concepção e não do nascimento, não dependendo, portanto, de qualquer condição.

Para ela e também para os adeptos dessa teoria, não há meia personalidade ou personalidade parcial, assegurando isso através da seguinte afirmação: “Não há meia personalidade ou personalidade parcial. Mede-se ou quantifica-se a capacidade, não a personalidade. Por isso se afirma que a capacidade é a medida da personalidade. Esta é integral ou não existe.” [37]

 Francisco Amaral, citado por ela, afirma que se pode ser mais ou menos capaz, mas que não se pode ser mais ou menos pessoa.

Como se pôde perceber, a teoria concepcionista é a que está mais adaptada à nossa realidade, ou seja, ao mundo moderno e que aos poucos vem ganhando mais espaço em nossos tribunais, inclusive na própria legislação brasileira, a exemplo da Lei nº 11.804/2008 (Lei dos alimentos gravídicos) e de recentes decisões do STJ que admitiram o dano moral ao nascituro (Resp. 399028 de SP) e até mesmo pagamento de DPVAT pela morte do nascituro (noticiário de 15/05/2011).

 

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. A proteção jurídica do nascituro de acordo com o Código Civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3895, 1 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26501. Acesso em: 22 nov. 2024.

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