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A ilegalidade das multas aplicadas em decorrência dos instrumentos de medição de velocidade de operação autônoma

Agenda 01/02/2002 às 01:00

"É considerável o resultado positivo alcançado pela constante fiscalização que tais máquinas produzem sobre as vias onde estão instaladas, sendo notório que pelo poder coercitivo, moral e psicológico que exercem sobre os motoristas, acabam reduzindo sensivelmente do número de acidentes. Mas o próprio Código Nacional de Trânsito fornece-nos de sobra subsídios para identificar a forma inadequada como a Administração Pública têm interpretado a Lei para atender apenas aos seus interesses particulares que no presente caso são os de arrecadar dinheiro com a aplicação indiscriminada de multas de trânsito através dos Instrumentos Eletrônicos de Operação Autônoma."

Virou mania nacional a instalação nas vias públicas dos chamados RADARES, também conhecidos vulgarmente como "pardais" ou "lombadas eletrônicas", cujo nome mais adequado é Instrumento de Medição de Velocidade de Operação Autônoma.

É considerável o resultado positivo alcançado pela constante fiscalização que tais máquinas produzem sobre as vias onde estão instaladas, sendo notório que pelo poder coercitivo, moral e psicológico que exercem sobre os motoristas, acabam reduzindo sensivelmente do número de acidentes.

Entretanto, ao arrepio da lei, tais equipamentos, ao passo que trazem de uma certa forma um benefício social, têm seu lado negro por estarem sendo utilizados sem o mínimo respaldo legal conforme ficará demonstrado adiante, e, muito pior que isso, acabam tendo como objetivo principal a arrecadação ilícita de dinheiro através da aplicação irregular de multas de trânsito.

Veremos no desenrolar deste texto que o próprio Código Nacional de Trânsito fornece-nos de sobra subsídios para identificar a forma inadequada como a Administração Pública têm interpretado a Lei para atender apenas aos seus interesses particulares que no presente caso são os de arrecadar dinheiro com a aplicação indiscriminada de multas de trânsito através dos Instrumentos Eletrônicos de Operação Autônoma.

Os Autos de Infração de Trânsito lavrados pelos Instrumentos Eletrônicos de Medição de Velocidade de Operação Autônoma são totalmente ilegais, senão vejamos:

Primeiramente porque os instrumentos eletrônicos de medição de velocidade de operação autônoma, não são competentes para lavratura de Auto de Infração de Trânsito.

A competência para lavrar auto de infração de trânsito é exclusiva de servidor civil, estatutário ou celetista, ou, ainda, policial militar, conforme determina o art. 280, Parágrafo 4º do Código Nacional de Transito, in verbis:

"§ 4º - O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência." (grifamos)

Assim sendo, um equipamento eletrônico não pode lavrar auto de infração porque não é considerado como "agente".

Conforme Novo Dicionário Aurélio da Editora Nova Fronteira, a expressão agente significa "procurador, delegado, administrador", e, é justamente por isso que o Código Nacional de Trânsito, no § 4º do art. 280, define expressamente que será considerado como agente o servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar.

Deste modo, considerar os equipamentos eletrônicos como "agentes", a contra-senso, seria chegar ao cúmulo de se atribuir personalidade humana às máquinas.

Tendo em mente que referidos equipamentos de fiscalização não podem ser e não são agentes de trânsito, fica fácil demonstrar a forma ilegal como estão a utiliza-los.

Por exemplo, veja bem, se referidas máquinas não são agentes de trânsito, as mesmas não podem lavrar auto de infração em flagrante porque não possuem competência para tal atividade, mas, também, não podem relatar as ocorrências para que uma autoridade competente venha posteriormente e lavre o auto de infração, tendo em vista que a investidura para esta função pertence exclusivamente também aos "agentes de trânsito", vejamos o que diz o § 3º do art. 280 do Código Nacional de Trânsito:

"§ 3º - Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte." (grifamos)

Destarte, nem de uma forma (art. 280, § 4º do CNT), nem de outra (§ 3º do art. 280 do CNT) estes equipamentos podem ser utilizados para aplicação de multas aos motoristas.

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Falta, por conseguinte, previsão legal para sua utilização como agente de trânsito, o que repita-se: é impossível.

Verifica-se que mesmo com o advento do novo Código Nacional de Trânsito (Lei 9.503/97) nunca houve a regularização destes aparelhos para utilização da forma como vem sendo feita, ou seja, atuando sozinhos e tomando o lugar dos seres humanos.

Admitir o contrário seria afrontar a própria Constituição Federal que garante aos trabalhadores - no caso em tela aos agentes de trânsito - a proteção contra a sua substituição por máquinas, in verbis:

"Art. 7º São direitos dos trabalhadores..."

"XXVII – Proteção em face da automação..."

Em outras palavras, estes equipamentos não têm a investidura para substituir profissionais treinados para atuação no trânsito, mesmo porque, falta-lhes o poder de raciocínio e discernimento peculiar aos seres humanos.

Mas então, qual a finalidade dos equipamentos de fiscalização eletrônica?

A finalidade dos equipamentos eletrônicos de fiscalização de trânsito é tão somente a de provar a existência de supostas infrações, conforme determina o § 2º do art. 280 do Código nacional de Trânsito:

§ 2º - A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN.

(grifamos)

Em interpretação mais apurada do texto legal, verifica-se sem maiores dificuldades que o legislador procurou estabelecer uma parceria entre os Agentes de trânsito e as máquinas, servindo estas últimas apenas e tão somente como meio de produção de prova, objetivando comprovar a existência das infrações constatadas, tornando, por conseguinte, os autos de infrações mais confiáveis e menos suscetíveis de terem sua nulidade reconhecida em uma eventual Ação Anulatória.

Na hipótese do § 2º do art. 280, vislumbra-se a situação em que o agente de trânsito no exercício de seu ofício presencia determinada infração e utiliza-se do aparelho eletrônico como meio de produzir comprovação para dar maior subsistência ao auto de infração que por ventura vir a lavrar.

Um exemplo típico de situação prática em perfeita comunhão com o texto da Lei ocorre geralmente na blitz policial, quando o agente utiliza-se de instrumento de medição de velocidade operado manualmente - por ele próprio, e, ao constatar alguma irregularidade autua o infrator de imediato, ou, caso não seja possível, relata o acontecimento para a autoridade de trânsito no próprio auto de infração, a qual posteriormente notificará o proprietário do veículo. Outra situação semelhante ocorre com o uso do bafômetro.

Portanto, torna-se nítido que não há embasamento para utilização dos equipamentos eletrônicos autônomos (que se auto-operam ou que funcionam sozinhos), mas existe previsão legal – ainda que de forma não expressa – apenas dos equipamentos eletrônicos operados pelo homem. Isso porque, sem a parceria dos agentes de trânsito estas acabam ganhando a dimensão de verdadeiras "armadilhas" com efeitos exclusivamente arrecadadores, não se encaixando nos dispositivos contidos nas entrelinhas do CNT.

Ademais disso, sabe-se que qualquer máquina por mais sofisticada que seja, está sujeita a sofrer interferências pelo calor, chuvas, ruídos, frio, vibrações, etc, levando-nos a insurgir o seguinte tema para reflexão: É confiável que tais equipamentos operem sozinhos e soberanamente na fiscalização do trânsito e na lavratura de autos de infração?

Por certo que não.

Mas então, de onde vem toda a discussão quanto à utilização dos instrumentos eletrônicos de medição de velocidade de operação autônoma?

O problema passou a existir porque o novo Código Nacional de Trânsito estabeleceu no § 2º do art. 280 que as infrações obrigatoriamente serão comprovadas por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, sendo necessário que haja a prévia regulamentação pelo CONTRAN.

O CNT não autoriza que o CONTRAN "legalize" a utilização de instrumentos eletrônicos de medição de velocidade de operação autônoma com a finalidade de substituir as funções e o trabalho dos agentes de trânsito. Como já exaustivamente argumentado, o que foi previsto, foi a possibilidade de utilização das máquinas de um modo geral única e exclusivamente para produção de provas, por outro lado, nunca houve permissão para aparelhos eletrônicos lavrarem Autos de Infração, muito menos para aplicarem penalidades aos motoristas, bem como não existe consentimento para referidos equipamentos relatarem a ocorrência das infrações para as autoridades competentes efetivarem posteriormente a lavratura dos autos de infração de trânsito.

Apesar disso tudo, interpretando a Lei de maneira irreal e ilusória, o CONTRAN aproveitou-se para ir muito além da competência que lhe foi outorgada pelo CNT, e, a pretexto de estar regulamentando o § 2º do art. 280, aprovou e publicou a Resolução de nº 23 de 21 de maio de 1998, com a seguinte finalidade:

"Art. 1º - Definir que Instrumento de medição de velocidade de Operação Autônoma é aquele que registra e disponibiliza as informações de forma adequada, dispensando a presença da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito no local da infração, viabilizando a comprovação da infração" (grifei)

A norma emanada pelo CONTRAN macula diretamente a Carta Magna em seu art. 22, Inciso XI que estabelece competência privativa da União para legislar sobre o trânsito. Desnecessário então, ressaltar a inconstitucionalidade da aludida Resolução.

Melhor esclarecendo, podemos afirmar que o CNT impõe a competência exclusiva para os agentes de trânsito fiscalizarem e lavrarem os autos de infração ou para relatarem as ocorrências à autoridade de trânsito, e, fugindo totalmente das suas atribuições o CONTRAN criou regra nova, passando a permitir que os equipamentos eletrônicos exerçam também as atividades descritas em lei como específicas dos agentes de trânsito.

Não é correto dizer que o § 2º do art. 280 do CNT concede poder para o CONTRAN inovar a Lei de trânsito, sendo certo que foi permitido tão somente a tal ente público regulamentar alguns meios de provas a serem utilizadas pelas autoridades e agentes de trânsito, e, é justamente neste ponto o nascedouro do paradoxo da ilegalidade.

Para maior clareza, observemos na sistematização abaixo, como se materializou a irregularidade perpetrada pelo CONTRAN:

O CNT (Lei 9.503/97) diz que

: O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar... (§ 4º do art. 280).

O CNT (Lei 9.503/97) impõe ainda que:

Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade... (§ 3º do art. 280).

Contrariando totalmente o CNT (Lei 9.503/97), vem a Resolução de nº 23 do CONTRAN e diz que o equipamento eletrônico:

Registra e disponibiliza as informações de forma adequada, dispensando a presença da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito no local da infração... (art. 1º)

O CNT só prevê dois meios para serem lavrados os autos de infração de trânsito, são eles: em flagrante (na presença do motorista e no momento da constatação da infração) ou sem flagrante (na ausência do motorista e no momento da constatação da infração). Claro está que em ambos os caso o auto de infração será lavrado sempre pelo agente de trânsito no momento da constatação da infração.

A ilegalidade acontece quando há a utilização dos aparelhos de fiscalização de operação autônoma porque em tese, quando estão em funcionamento só podem ocorrer duas situações, são elas: ou o equipamento lavrará o auto de infração em flagrante (§ 4º do art. 280), ou relatará o acontecimento da infração para a autoridade competente no próprio corpo do auto de infração (§ 3º do art. 280), entretanto, conforme já demonstrado, em todas as situações a competência para desempenhar este trabalho é exclusiva dos agentes de trânsito que devem ser obrigatoriamente servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar, não havendo espaço para as máquinas nesta definição.

CONCLUINDO, as multas aplicadas aos motoristas pelos Instrumentos de Medição de Velocidade de Operação Autônoma estão eivadas de ilegalidade, oportunizando aos ofendidos buscarem a proteção do judiciário objetivando evitar o pagamento das penalidades imputadas.

Sobre o autor
Mauricio Petraglia

acadêmico de direito, assessor jurídico da empresa Rosch Administradora

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETRAGLIA, Mauricio. A ilegalidade das multas aplicadas em decorrência dos instrumentos de medição de velocidade de operação autônoma. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2660. Acesso em: 22 dez. 2024.

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