8 Arbitragem no Brasil
No Brasil, os mecanismos arbitrais foram incentivados especialmente pelo Prof. Carlos Alberto Dunshee de Abranches, que além de promover a difusão da arbitragem, presidiu a “Interamerican Commercial Arbitration Commision” e fundou o Centro Brasileiro de Arbitragem, com sede no Rio de Janeiro.
Em 1974, o Prof. Abranches palestrava, apontando os seguintes problemas jurídicos da arbitragem, segundo informa Irineu Strenger[71]:
a) a validade do pacto arbitral é questionada em certos países por importar em subtração das partes ao poder jurisdicional do Estado onde uma delas seja domiciliada ou onde o contrato seja firmado, ou ainda o local em que deva ser cumprido, ou onde esteja o objeto da controvérsia. Disposições restritivas de certas legislações no caso de uma das partes não cumprir voluntariamente o pacto obrigam a outra a pedir o reconhecimento e a execução do laudo no país de domicílio do devedor ou da situação da coisa;
b) há países em que a exequibilidade da cláusula compromissória é afetada se não contém todos os elementos exigidos pela legislação doméstica. Em alguns países, a legislação confere ao juiz o poder de suprir essas faltas, mas em outros, apenas prevê condenação em perdas e danos, que é ineficaz;
c) qual o processo arbitral aplicável caso não seja indicada a sede da arbitragem nem tenha sido eleita a legislação aplicável?;
d) qual a lei aplicável para solução do mérito da controvérsia no caso de silêncio do pacto arbitral?
Irineu Strenger propunha duas soluções para superação dessas dificuldades[72]:
a) uniformização ou, pelo menos, harmonização das leis em matéria de comércio ou outras transações internacionais (alternativa tentada, mas com resultados reduzidos);
b) solução dos conflitos mediante a adoção de convenções, de âmbito mundial ou regional, que estabelecem normas básicas em matéria de arbitragem comercial internacional, normas essas que se incorporam ao Direito Interno de cada país, por força da ratificação, aceitação ou aprovação (forma preferida pela maioria dos países).
O legislador brasileiro não estabeleceu regras distintas para a arbitragem nacional e a internacional. A tendência no Direito comparado é tratar distintamente ambas as esferas, consagrando normas mais liberais para a arbitragem internacional.
Ricardo Santos explica que na arbitragem nacional, o fenômeno é apreciado como um todo para efeitos de nulidade, aplicando-se a legislação de um único sistema jurídico[73].
Ricardo Santos comenta o entendimento do Judiciário brasileiro quanto à arbitragem, informando que a cláusula compromissória não tinha, até o advento da Lei nº. 9.307/96, o poder de afastar a competência da jurisdição estatal para decidir os conflitos, prevendo apenas, jurisprudencialmente, algumas exceções[74]:
a) contratos internacionais comerciais pactuados sob a égide da Convenção de Genebra de 1923. Para tanto, as partes deveriam ser nacionais de países que tivessem ratificado a aludida Convenção;
b) na confirmação pelo STF de sentenças estrangeiras que tivessem homologado laudos arbitrais proferidos em seus territórios, quando tenha sido sede da arbitragem o território estrangeiro. O conteúdo da arbitragem deveria versar sobre objeto cuja matéria o Judiciário brasileiro possuísse competência internacional concorrente, conforme previsto no art. 88 do CPC.
Complementa Ricardo Santos que atualmente, poderá ser arguida por qualquer das partes, a exclusão da apreciação do litígio pelo Judiciário Brasileiro. A única exceção está no objeto do litígio: quando a competência for exclusiva (conforme art. 89 do CPC). Caso venha a ser resolvida por arbitragem, não poderá ser executada em território nacional e qualquer das partes poderá pleitear a nulidade do pacto arbitral fundamentado na falta de cumprimento dos preceitos da ordem pública[75].
No Brasil, tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitral, após a Lei 9.307/96, gozam de eficácia, consistente em afastar o Judiciário. Ainda mais, existindo cláusula compromissória e resistindo uma das partes à instituição da arbitragem, a outra pode citá-la para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso. Trata-se de Ação de Execução de Cláusula, prevista no art. 7° da Lei de Arbitragem.
O art. 8° da Lei 9.307 declara a autonomia da cláusula compromissória, estabelecendo expressamente que caberá ao árbitro a decisão sobre a validade e a eficácia da convenção de arbitragem e do contrato em que estiver inserida a cláusula arbitral.
As partes podem nomear um ou mais árbitros, sempre em número ímpar. Os árbitros são equiparados aos funcionários públicos, para efeitos de legislação penal. Os honorários do árbitro (ou dos árbitros), uma vez fixados no compromisso arbitral, constituem título executivo extrajudicial.
Esther Engelberg explica que a obediência aos prazos convencionados, em virtude de sua natureza contratual, é condição de validade da sentença arbitral. Porém, nada impede que as “partes possam encurtar prazos, estabelecer procedimentos especiais, em resumo, estipular no contrato um completo código de processo civil ad hoc, ou podem deixar que os árbitros assim o façam”[76].
Esther Engelberg aponta os seguintes aspectos quanto ao procedimento arbitral no Brasil:
A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, ou, caso queiram, as partes poderão delegar ao árbitro ou ao tribunal arbitral o regulamento do procedimento. No procedimento arbitral, serão sempre respeitados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. As partes poderão postular por intermédio de advogado, mas também por outro representante. A exigência de imparcialidade do árbitro e a faculdade de se fazer representar por advogado denotam que os árbitros são neutros. A conciliação das partes também é tarefa do árbitro no início do procedimento.
O árbitro ou tribunal arbitral poderá tomar depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício. Não poderão, no entanto, empregar medidas coercitivas ou cautelares, devendo o árbitro ou o tribunal arbitral, se as considerar necessárias, solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria originalmente, competente para julgar a causa. O pedido é feito por escrito assemelhado à carta precatória.
A sentença será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.
Sobrevindo no curso da arbitragem controvérsia acerca de direitos indisponíveis, suspende-se o procedimento arbitral até que a questão prejudicial seja resolvida pela autoridade do Poder Judiciário competente.
A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.[77]
O pedido de medidas cautelares que garantam a eficácia da sentença arbitral ou de obtenção de provas (colher testemunho que se nega a testemunhar no juízo arbitral, por exemplo) poderá ser formulado pelo árbitro ao juiz de direito depois de instaurado o procedimento arbitral.
Para ter eficácia no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita à homologação do Superior Tribunal de Justiça, que passou a ter tal competência (que anteriormente era do Supremo Tribunal Federal) com a Emenda Constitucional n°. 45, de 8 de dezembro de 2004 (art. 105, I, i da Constituição Federal). A homologação não ocorrerá se o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem, ou no caso em que a decisão arbitral ofender a ordem pública nacional. Não será considerada ofensa à ordem pública a forma extrínseca dos atos jurídicos, como por exemplo, a citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, de acordo com a lei processual do país onde se realizou a arbitragem, visto que estes devem obedecer à forma acolhida no local onde se realizaram. A homologação pelo STJ é importante porque evita discussões acerca da ordem pública no momento da execução da sentença na Justiça Comum, o que fatalmente geraria recursos até a questão chegar ao Tribunal Superior.
A questão da homologação da sentença arbitral foi uma grande inovação da nova legislação. Antes da Lei 9.307/96, havia a exigência de dupla homologação: o laudo arbitral proferido no exterior deveria ser, previamente, homologado por uma corte judiciária na localidade onde havia sido pronunciado (o que era um problema, já que a maioria dos países não tinha a prática de homologar as sentenças nele proferidas, impossibilitando a homologação e consequente execução no Brasil). Depois disso, seguia para o Supremo Tribunal Federal, onde seriam analisados os aspectos formais pertinentes ao laudo e à sentença estrangeira que o homologava. Nesse processo não seria discutido o mérito da decisão, apenas se essa violasse a soberania nacional, os bons costumes e a ordem pública.
O art. 34 da Lei 9.307 consagra a superioridade dos tratados internacionais sobre a legislação interna no que se refere ao reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras, o que é importante pelo fato do Brasil ser parte dos tratados internacionais que estabelecem como requisito suficiente para instauração do juízo arbitral a existência da cláusula arbitral (independentemente da existência de compromisso arbitral).
A arguição da nulidade de uma sentença arbitral poderá ocorrer nos casos previstos no art. 32 da Lei 9.307, devendo ser feita perante o Poder Judiciário em até 90 dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento. A nulidade também poderá ser arguida através de embargos à execução, caso o executado tenha obtido provas que tornem a sentença nula depois do prazo de 90 dias descrito no art. 33 da Lei.
A sentença arbitral é nula quando (art. 32 da Lei 9.307/96):
I - for nulo o compromisso;
II - emanou de quem não podia ser árbitro;
III - não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei;
IV - for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem;
V - não decidir todo o litígio submetido à arbitragem;
VI - comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva;
VII - proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, inciso III, desta Lei; e
VIII - forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2º, desta Lei.
As inovações trazidas pela Lei 9.307/96 certamente serviram para conferir maior segurança jurídica ao instituto da arbitragem.
Nos contratos administrativos, a arbitragem é admissível, apesar de alguns entendimentos contrários, que consideravam impossível conciliar a indisponibilidade do interesse público com o instituto. O art. 1º da referida lei é inequívoco ao afirmar que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, o que abrange as pessoas jurídicas.
Explica Hely Lopes Meirelles, que a satisfação dos interesses públicos secundários (que são instrumentais, ou seja, é a utilização dos meios capazes de permitir a realização dos interesses públicos primários, que são a meta, o objetivo a ser atingido pela Administração no atendimento das necessidades sociais) concretiza-se sob a égide do Direito Privado e se resolve em relações patrimoniais. Relações patrimoniais que, por estarem no campo da liberdade contratual da Administração, são direitos disponíveis[78].
Para justificar sua posição, o autor cita Caio Tácito:
Na medida em que é permitido à Administração Pública, em seus diversos órgãos e organizações, pactuar relações com terceiros, especialmente mediante estipulação de cláusulas financeiras, a solução amigável é fórmula substitutiva do dever primário de cumprimento da obrigação assumida. Assim como é lícita, nos termos do contrato, a execução espontânea da obrigação, a negociação – e, por via de consequência, a convenção da arbitragem - será o meio adequado de tornar efetivo o cumprimento obrigacional quando compatível com a disponibilidade de bens.[79]
Assim, não resta dúvida de que nos contratos celebrados pela Administração há sempre um campo de interesses patrimoniais disponíveis, que podem ser objeto de arbitragem.
Destaque-se que nos contratos de concessão e permissão de serviço público, a inserção de cláusula que disponha expressamente sobre o foro e sobre o modo amigável de solução das divergências contratuais é obrigatória. (Lei 8.987/95, art. 23, XV). A Lei 11.079/2004, que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada/PPP, expressamente autorizou que o contrato de PPP pode prever “o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em Língua Portuguesa, nos termos da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato” (art. 11, III). A Lei 11.196/2005, que alterou a Lei de Concessões (Lei 8.987/95), incluiu o novo art. 23-A, com redação idêntica à da Lei de PPP’s, para o mesmo fim de autorizar o emprego da arbitragem nos contratos de concessão comum.
Hely Lopes Meirelles acrescenta que em 2002, o Governo Federal fez publicar, para receber sugestões, Anteprojeto de Lei Geral de Contratações Administrativas no qual contempla a admissibilidade do juízo arbitral nas pendências contratuais: “Os contratos da Administração podem prever meios para solução extrajudicial de conflitos, inclusive por juízo arbitral” (art. 136, §2°) – o que indica uma tendência de se admitir expressamente esse modo amigável de solução de conflitos, provavelmente para fugir da enorme morosidade do processo judicial comum, que, se, por um lado, pode beneficiar o Poder Público, por outro, o prejudica bastante em relação às previsões orçamentárias, criando débitos assombrosos em virtude da correção monetária e da incidência de juros moratórios e compensatórios[80].