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A incolumidade moral do indiciado, em virtude do princípio constitucional da inocência presumida

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Agenda 01/02/2002 às 01:00

1 INTRODUÇÃO

A recepção de algumas garantias constitucionais ainda na fase inicial de uma demanda criminal, naquilo que for possível e adequado à sua natureza e finalidade, constitui-se numa verdadeira garantia do indivíduo.

Os direitos fundamentais enquanto valores constitucionais não são absolutos, sendo necessária uma concordância com os outros direitos protegidos. É certo que a intimidade é um direito fundamental. A ela contrapõe-se outro direito constitucional, que é o direito de informação. Como poderia ser resolvido esse conflito de preceitos constitucionais?

A consideração do indiciado como culpado, na investigação policial, leva à supressão das garantias, indicando um ressurgir da Inquisição, por vezes repudiada pelas sociedades democráticas.

A presente abordagem procura destacar certos aspectos do instituto do Inquérito Policial na sua dialetização com as garantias e direitos fundamentais do cidadão.

Dos princípios que informam o Estado Democrático de Direito inseridos na Carta Magna Brasileira são extraídos os elementos de política criminal, que está centrada em propósitos de não restringir a esfera da liberdade do cidadão além do absolutamente indispensável.

Entretanto, acusações são feitas sem comprovação, inquéritos começam por onde deviam terminar e a "sentença" é lavrada antes que o suposto crime venha a ser investigado.

O problema mostra-se grave, pois não atinge apenas criminosos da exposição na imprensa e, consequentemente, à toda a sociedade, mas também de inocentes que, diante de uma denúncia infundada, será apresentado como culpado para o mundo, vindo a ser desrespeitado no seu direito fundamental da presunção da inocência, sem ao menos ter a possibilidade de apresentar a o mais leve e oportuno esboço de defesa.

Isso ocorre, pois na fase do inquérito policial, o investigado é apenas suspeito de uma eventual prática delituosa, não gozando de algumas garantias existentes na fase processual, e acaba sendo, muitas vezes, objeto de abuso por parte do órgão encarregado da investigação.

Portanto, cumpre analisar a condição do indiciado durante a investigação criminal, face a inexistência dos princípios basilares do processo penal, no que tange à defesa, e ainda, demonstrar as garantias que lhe são ofertadas.

Esta, então, é a questão que se coloca neste estudo: verificar até que ponto os preceitos constitucionais devem ser aplicados aos indiciados, e analisar se os direitos constantes na Constituição Brasileira tornaram-se meras normas programáticas, autênticos aconselhamentos, ou se vêm sendo respeitados e aplicados. Essa é a questão. Como é evidente, não basta a existência da norma. É imprescindível a sua real aplicação.


2 INQUÉRITO POLICIAL

2.1 A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO NO DIREITO PÁTRIO

Utilizando os ensinamentos do doutrinador Adilson Mehmeri[1], pode ser aduzido que o surgimento do instituto do inquérito somente foi introduzido no Brasil depois da sua emancipação política.

Após o rompimento do vínculo legislativo com Portugal, em 1841, foi promulgada lei disciplinadora dos procedimentos de investigação policial dos crimes, suas circunstâncias e seus autores. Como segundo momento desta linha evolutiva, na década de 70, deve ser citado o Decreto n.° 4.824, o qual regulamentou a Lei n.° 2.033, criando definitivamente o inquérito policial.

A supracitada lei não teve aceitação perante os juristas da época, e na década seguinte, procederam a elaboração do projeto de nova estrutura administrativa da Justiça. Um reflexo do repúdio ao procedimento investigatório instituído, era o disposto no artigo 18 do projeto, onde o relator era Cons. Aquino e Castro, onde constava: "Art. 18. Ficam abolidos os Inquéritos Policiais".

A grande preocupação dos juristas era com a situação do indiciado, que estaria exposto ao arbítrio do Estado, num procedimento onde não lhe era possibilitada a defesa.

Isso ficou evidenciado na Exposição de Motivos do projeto posto para a modificação da referida lei, em que o relator denuncia: "...o que os Inquéritos Policiais fizeram foi facilitar o abuso da autoridade e dificultar mais ainda a defesa do Indiciado".

A instauração do modelo político republicano, trouxe mudanças para o setor judiciário, e levou a restauração da peça inquisitória.

Na década de 30, houve novamente tentativa de suprimir o inquérito, desta vez com o chamado "juizado de instrução".

Por fim, com o advento do Decreto-Lei n.° 3.689, de 03/10/1941, o qual disciplinou o Código de Processo Penal vigente, houve a recepção do instituto com manutenção das características primordiais que lhe foram conferidas.

Ainda hoje existe discussão acerca da melhor forma de atuação da Polícia Judiciária na investigação criminal, seja no modelo de inquérito policial ou de juízo de instrução, não cumprindo realizar aqui um posicionamento a respeito desta discussão.

O objeto desta pesquisa se baseará no direito posto, sem o questionamento sobre suas imperfeições, pois seu objeto é a conjugação do instituto com os princípios fundamentais que lhe são compatíveis, visando a integridade moral do indiciado.

2.3 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS

Concluído breve relato histórico, cumpre estabelecer a conceituação do instituto atualmente, com a verificação de suas características mais relevantes.

O inquérito policial pode ser conceituado como procedimento de natureza administrativa, com caráter sigiloso, inquisitivo e discricionário, realizado pela Polícia Judiciária, objetivando a investigação prévia de uma infração penal, para evidenciar os indícios de autoria e possível materialidade, bem como as circunstância que envolveram o fato.

Tal procedimento é desencadeado com a notícia de fato delituoso, feita ou conhecida pelo Delegado, que procede o início das investigações, com a finalidade de elucidação prévia do fato das circunstâncias que envolveram o suposto delito.

Esta notitia criminis, como já mencionado, pode ser por conhecimento próprio ou através de terceiros, devendo analisar a mesma sobre a ótica dos requisitos de instauração da ação penal, que sejam indícios de autoria e materialidade, bem como os pressupostos genéricos e específicos da ação penal, decidindo pela instauração ou não do Inquérito Policial. Essas medidas pré-instauradoras efetuadas para avaliar a viabilidade, são necessárias porque em certos casos pode se tratar de denunciação caluniosa, ou comunicação falsa de crime, e nestes casos a autoridade policial deve proceder na forma prevista no Código Penal.

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Temos primeiramente, que se trata de um procedimento administrativo, isso porque não há interferência do Poder Judiciário na fase investigatória. A sua natureza é de processo preliminar da ação penal, como disposto na Exposição de Motivos do Ministro Francisco Campos.

Pode ser extraído do conceito apresentado a característica de sigilosidade, isto quer dizer que o sigilo do inquérito se deve a investigações que poderiam ser frustradas se as suas diligências chegassem ao conhecimento de terceiros. A garantia do sigilo na investigação está disciplinada no artigo 20 do Código de Processo Penal, cito: "Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade".

Muitos doutrinadores consideram que o sigilo disposto no artigo supracitado se refere também a pessoa do investigado. Inobstante isto, não pode ser admitida tal interpretação; o legislador ao elaborar tal norma desejou a proteção ao indivíduo e não um retorno a Idade da Trevas, onde havia formação de comissões de inquisição em que o investigado não tinha sequer o conhecimento que era objeto de tal "procedimento".

A melhor interpretação deste dispositivo é no sentido de não chegar ao conhecimento de terceiros estranhos aos fatos o conteúdo das investigações, afastando, assim, a publicidade. Sobre o fundamento do sigilo Adilson Mehmeri[2] transcreve o posicionamento de Délio Magalhães: " O processo do inquérito policial deve ser relativamente secreto, para que a autoridade policial tenha a máxima liberdade para agir no desempenho das suas funções, o mais completo possível, e não veja a sua ação burlada pela publicidade e tolhida pela intervenção de estranhos (A polícia judiciária e o novo Código de Processo Penal, Ed. Guaíra, 1945)".

Com opinião divergente expõe o Doutrinador Fauzi Hassan Chouke[3] : " Uma regra que nasceu praticamente morta com o código de Processo Penal foi a do sigilo do inquérito, estipulada no art. 20 do mencionado diploma legal, ao dispor que a "autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade". O cotidiano da preparação da ação penal de há muito sepultou a regra a cima, tendo transformado a investigação criminal em verdadeiro palco para o estrelato de agente policiais e alimentando toda uma indústria jornalística que vive em torno do tema. Falar de sigilo da investigação nesse quadro é cair no abismo entre a realidade dos fatos e o direito positivo. Mas, não somente por essa insuperável situação deve a investigação ser aberta ao conhecimento público. Sobretudo porque dentro de um Estado democrático não há sentido em se falar de "investigações secretas", até porque, na construção do quadro garantidor e na nova ordem processual acusatória, deve o investigado ser alertado sobre o procedimento instaurado. Nesse ponto, a norma do art. 5°, LX, embora diga respeito aos processos, pode muito bem ser invocada, para colocar a publicidade como regra e o sigilo para situações excepcionais, dependentes de motivação adequada e sempre, atendendo à guarida do também constitucional princípio da intimidade."

Não merece acatamento tal posicionamento, pois invoca o princípio da publicidade e afasta o sigilo, defendendo, praticamente, que se deve expor o indiciado, pois a "realidade dos fatos" demonstra que a existência da previsão do sigilo para o inquérito não está sendo observado. E ainda, como já mencionado, o sigilo não refere-se ao investigado e sim a terceiros estranhos ao procedimento.

Atualmente o sigilo está abalado pelo assédio da imprensa sensacionalista, que com o pretexto de comunicar à população, as ocorrências policiais e índices e criminalidade, expõem indiscriminadamente informações sobre as investigações, muitas vezes por iniciativa da autoridade que as preside.

Não cabe aqui, o princípio da publicidade, que deve ser observado nos processos, como aliás, está expressamente disposto na Constituição Federal, dentre as garantias fundamentais: "Art.5°.... LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social exigirem" (grifo nosso).

Existe discussão sobre a constitucionalidade deste sigilo, vez que a publicidade é expressamente exigida no referido artigo.

No tocante a este posicionamento, não há como se alegar a inconstitucionalidade do sigilo, vez que o citado inciso trata de "atos processuais", e o inquérito não guarda semelhança com processo.

E ainda, se em juízo, onde é constitucionalmente exigida a publicidade ela eventualmente pode sofrer restrições, não há possibilidade de ser afastada a característica de sigilo na fase do inquérito policial, fase em que se colhem as primeiras informações, os primeiros elementos de convicção a respeito da existência da infração penal e sua autoria, e ainda, pela absoluta necessidade e conveniência da instrução penal e pelo interesse do Estado na preservação da ordem social.

Evidente que não é absoluto, e em certos casos torna-se necessário o afastamento do sigilo, como pondera Fernando da Costa Tourinho Filho[4]: "Em certos casos, torna-se necessária a publicação da fotografia do criminoso em jornais e até mesmo sua retransmissão pela televisão, com a divulgação do fato. Os jornais, rádio e televisão passam, então, a contar o que houve e quem teria sido o autor do crime, permitindo, assim, que os bons cidadãos possam, de qualquer modo, colaborar com as autoridades. Sem embargo disso, a regra ainda é a sigilação."

É certo que o sigilo deve estar direcionado a pessoa do investigado, no sentido de resguardar seus direitos fundamentais, neste sentido Fernando Capez [5] se pronunciou com muita propriedade: "Não é demais afirmar, ainda, que o sigilo no inquérito policial deverá ser observado como forma de garantia da intimidade do investigado, resguardando-se, assim, seu estado de inocência".

Passando a análise de outra característica, a inquisitoriedade é de grande importância, por ser aquela que embasa todo estudo proposto.

A legislação confere caráter inquisitorial aos trabalhos investigatórios, onde a autoridade policial promove, por iniciativa própria ou mediante requisição, as investigações necessárias à elucidação do ilícito penal. Reunidos os primeiros elementos, realiza uma espécie de instrumento preliminar, em que ouve as partes, as testemunhas e ainda determina, quando possível, vistorias, exames periciais e outros.

Todos os trabalhos policiais serão devidamente registrados, em fórmulas processuais apropriadas, de modo que elas passem a constituir um todo, que recebe o nome de Inquérito Policial. Este, portanto, nada mais é do que um conjunto relacionado de informações sobre ocorrências criminosas e o instrumento pelo qual a Polícia fornece ao Ministério Público a base da provocação de manifestação do Poder Judiciário.

As medidas, de iniciativa da autoridade policial, além de serem expressamente orientadas pelo legislador, limitam-se a ser reunidas, reduzidas a escrito e encaminhadas à Justiça como peça de base para deflagração da ação penal.

Baseado na inquisitoriedade, tem-se que o dever do Delegado é de alcançar os elementos mínimos de autoria delitiva e materialidade. Assim, não há dever da autoridade permitir a contraprova dos elementos de convicção, que ele vai adquirindo durante o desenrolar das pesquisas. Entretanto a presença de advogados e membros do Ministério Público é facultada, tão somente como objetivo de fiscalizar a coleta da prova precária, como também evitar abusos na inquisição.

Ao inquérito é negado o caráter de contraditório, isto significa que ele não pode investir-se de peça de acusação, e, em conseqüência não cabe qualquer defesa.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, inciso LV, exclui o inquérito policial das peças contraditórias: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

No entanto há argumentação de alguns doutrinadores no sentido de, com base nesse dispositivo, mesmo na fase do inquérito, a defesa deve ser plena.

O citado inciso trata de "acusados em geral" excluindo, assim, o indiciado, posto que no inquérito policial não há ainda acusação, mas tão-somente apuração de indícios, o suspeito denominado indiciado, e não acusado, ficando esta denominação restrita ao uso nos processos contraditórios.

A intenção do legislador, e o que realmente dispõe o texto legal, é que em juízo, isto é, iniciado o processo penal, defesa e acusação devem situar-se no mesmo plano, com os mesmos direitos.

Se houvesse a ampla defesa na fase inquisitorial o inquérito se transformaria em instrução, afastando a agilidade que deve imperar.

Concluindo a explanação sobre esta característica, cumpre citar palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho[6]: "Seria perfeito contra-senso admitir-se o contraditório em atos processuais inquisitivos, que traduzem mera atividade administrativo-investigatória fora da relação processual, conforme ensina Massari. Não teria sentido admitir-se o contraditório na primeira fase da persecutio criminis, em que o cidadão-indiciado é apenas objeto de investigação e não um sujeito de direito de um procedimento jurisdicionalmente garantido, como diz Birkemayer".

Além de peça inquisitorial, o inquérito policial também se reveste de outras características.

A discricionariedade significa que o gerente do inquérito, procede, ou exerce, sem restrições e sem condições predefinidas, seus objetivos, devendo limitar-se nesta liberdade, em respeito aos princípios constitucionais de direitos e garantia do suspeito, bem como aos dispositivos legais, que limitam suas atribuições, não podendo ser arbitrário.

É formal, porque exige que todas as suas peças sejam reduzidas a termo e rubricadas pela autoridade que o preside.

Pode ser destacado o caráter sistemático, pois estabelece à seqüência lógica dos atos e trâmites, embora a ordem das peças possa sofrer alterações, ditadas pelas circunstâncias. No entanto, nada impede que após sua apresentação, sobretudo quando o Ministério Público requer diligências, ou o juiz as determina de ofício, novas diligências se efetuem. Nestes casos, contudo, impõe-se a elaboração de um relatório suplementar para falar das apurações posteriores, se as houver.

É ainda, unidirecional, por se destinar apenas à apuração dos fatos, sem servir de instrumento para a acusação ou para a defesa. Isto significa que deverá apenas buscar a verdade dos acontecimentos, perfazendo uma peça neutra.

2.5 FINALIDADE

Como inicialmente exposto, o Inquérito Policial é uma investigação prévia de infração penal. Isso significa um levantamento circunstanciado do fato supostamente criminoso. Também, a materialidade da conduta humana supostamente delituosa deve resultar comprovada.

Deve ainda, revelar as circunstâncias que envolveram o fato, pois desta demonstração, muitas vezes depende a perfeita elaboração da denúncia ou queixa, pois particularidades do evento, podem qualificar ou privilegiar a conduta do suposto agente do crime.

Ao final da investigação devem restar comprovados os indícios de autoria, que são as circunstâncias conhecidas e provadas, que relacionam o suspeito o fato tido como delituoso, autorizando por indução, a conclusão de ser aquele, o sujeito ativo da conduta. A indução é a operação mental, que consiste em estabelecer uma verdade universal ou uma proposição geral, com base no conhecimento de certo número de dados singulares ou de proposições de menor generalidade. Daí resulta o indiciamento, conclusão da autoridade, pertinente a autoria delitiva e materialidade. Tal conclusão, não é suficiente, para atribuir-se ao suspeito a situação de acusado, e muito menos de criminoso. Para ser acusado, precisa passar pelo crivo do Ministério Público, que poderá concordar total ou parcialmente com o indiciamento feito pelo Delegado de Polícia, ou mesmo discordar. Para ser criminoso, além do crivo do Ministério Público, é exigida a concordância total ou parcial do Poder Judiciário, e ainda o trânsito em julgado da sentença.

De tudo que foi exposto neste tópico, é forçoso concluir que o inquérito não deve ser visto como mero procedimento burocrático, devendo ser levadas em consideração as conseqüências prejudiciais que podem acarretar ao indiciado, apenas um suspeito da prática delituosa, se a autoridade policial não cumprir as suas atribuições de forma responsável e satisfatória. Tais atribuições serão descritas no capítulo posterior.


3 A AUTORIDADE POLICIAL E O INDICIADO

Após a verificação das características e finalidade do Inquérito Policial, cumpre analisar os envolvidos neste procedimento, a saber: a autoridade policial, e o indiciado.

Quando um procedimento é criado, os esforços são para que ele atinja sua finalidade, obedecendo os critérios pré-estabelecidos. Mas, os institutos não se realizam sozinhos, necessitam de pessoas, e estas são passíveis de falhas.

Portanto, é evidente que o sucesso do procedimento investigatório está condicionado à atuação dos indivíduos nele envolvidos, sendo assim, a autoridade policial deve estar ciente da exata medida de seus poderes, bem como o indiciado, de seus direitos.

3.1 ATRIBUIÇÕES DA AUTORIDADE POLICIAL

A Polícia Judiciária a qual se refere a lei, é aquela definida na Constituição Federal, como a Polícia Federal em relação à União, e a Polícia Civil em relação aos Estados Membros.

A Polícia Judiciária ora é propriamente criminal, quando apura o crime e o encaminha para a apreciação e julgamento no Judiciário; ora é correcional, com caráter repressivo, quando aplica seus meios próprios de repressão, autorizados por lei. Para o presente estudo, nos interessa a primeira, qual seja, a função de apurar a infração penal e a sua autoria.

É auxiliar da Justiça, e realiza a coleta de todas as informações, procede às investigações, apura a autoria e envia os autos ao Juízo competente para que o Promotor possa promover a ação penal, através do inquérito policial.

O Doutrinador Coriolano Nogueria Cobra[7], ao tratar do assunto, invoca ensinamento de Pimenta Bueno: "Tem a seu cargo rastrear e descobrir os crimes que não puderam ser prevenidos, colher e transmitir às autoridades competentes os indícios e provas, indagar quais sejam os seus autores e cúmplices, e concorrer eficazmente para que sejam levados aos tribunais".

Tomam parte ou colaboram nos trabalhos para elaboração do Inquérito Policial, cada qual com suas atribuições bem definidas: a autoridade policial, o escrivão, o perito, o policial uniformizado e o investigador de polícia.

3.2 ATITUDES QUE DESABONAM O AGENTE INVESTIGADOR

É importante que a autoridade diante de um suspeito consiga avaliar sua condição, através de habilidade e cautela, a autoridade precisa estar preparada para agir com firmeza, mas, para tanto, deve evitar excessos.

Comenta Nizardo Carneiro de Leão[8], em artigo entitulado "Violência, Vítima e Polícia": "Vindo de mais distante, as estruturas de investigação de crime trazidas do sistema inquisitório, aplicado largamente em Portugal, com os Juízos do Santo Ofício, da inquisição, onde buscar-se a prova, formar-se uma convicção, poderia perpassar pela aplicação de torturas as mais variadas, isto é, o agente do poder atuando contra a pessoas sem qualquer possibilidade de reação. E onde a confissão chegou a ser a probatio probatisima, a rainha das provas, tudo podendo ser feito para sua obtenção".

É o que se vê em muitas delegacias e comissariados: a busca da confissão. Pouco importando a Lei de Abuso de Autoridade, de 1965, a recente lei incriminando como tipo penal a tortura. Sem falar em diplomas internacionais, acolhidos pelo Brasil, ignorados os direitos e garantias fundamentais do cidadão impostos na Constituição Federal, aparecendo seus dispositivos como simples construção retórica.

A ineficácia de tais métodos foi advertida por Cesare Beccaria, na obra clássica "Dos Delitos e das Penas[9]": "Existirá, efetivamente, interrogatório mais sugestivo do que a dor? O criminoso robusto, que pode evitar uma pena longa e rigorosa, pois sofre com coragem as torturas de um momento, guarda obstinado silêncio e se vê absolvido. Contudo, a tortura arranca do homem débil uma confissão, por meio da qual ele se liberta da dor atual, que o afeta mais duramente do que todos os sofrimentos futuros".

O inquérito por si só não constitui constrangimento ilegal. Mas nem por isso poderá a autoridade indiciar alguém sem ter os elementos mínimos e necessários de suspeita. Como também não pode, deixar de apurar a infração, por entender que o indiciado é inocente. Muito menos julgar o mérito ou conveniência da apuração do fato.

Em razão de todos estes problemas, a função da autoridade policial, está complicada e desacreditada tanto na descoberta do criminoso quanto no desvendamento do crime.

Isto se reflete do descrédito de toda uma instituição que termina sendo punida pelos erros de alguns de seus membros. E essa descrença acaba por alcançar o inquérito policial, acarretando a fragilidade das provas, que talvez tenham sido alcançadas através de coação e corrupção, quando se lhe devia emprestar, até prova em contrário, o caráter de veracidade.

Ciente de toda essa problemática que envolve suas atividades, deve procurar revestir o inquérito de todas as cautelas necessárias, seja no aspecto material, seja formal, no sentido de evitar falhas, ainda, e mais descrédito daquele que inspira normalmente. Esse descrédito aumenta na proporção direta dos vícios que o envolvem.

Além do respeito à lei, é preciso que a autoridade, destituindo-se de sua condição hierárquica, respeite também o indiciado, tratando-o com moderação e humanismo, o mínimo que se pode exigir no trato com os seres humanos. Sem prepotência nem humilhação, ouvindo-o pacientemente, quando ele quiser falar, negando-lhe os pedidos, quando estes se mostrarem abusivos, mas justificando a recusa.

Disso se extrai que a atitude moralmente recomendada a autoridade que preside um procedimento investigatório deve ser, fundamentalmente, a proteção integridade, tanto física como moral, do indiciado.

Sobre a autora
Raquel Costa de Souza

acadêmica da Faculdade de Direito de Curitiba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Raquel Costa. A incolumidade moral do indiciado, em virtude do princípio constitucional da inocência presumida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2678. Acesso em: 19 nov. 2024.

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