O art. 38 do Código de Processo Civil, alterado pela Lei n.º 8.952, de 13 de dezembro de 1994, possui hoje a seguinte redação, verbis:
"A procuração geral para o foro, conferida por instrumento público, ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso."
Tratando do instrumento de mandato (procuração), estabeleceu o Código duas espécies bem distintas de poderes aptos a serem conferidos aos procuradores: aqueles para o foro em geral (antigamente conhecidos e tachados de "cláusula ad judicia") referidos na parte inicial do dispositivo; e os poderes especiais, em número de nove, pormenorizadamente descritos na parte final da norma.
A alteração promovida pela Lei n.º 8.952/94, na verdade, apenas dispensou o reconhecimento de firma no instrumento do mandato, eis que retirou do texto a expressão "estando com firma reconhecida".
No entanto, por manifesto equívoco redacional, acabou o legislador dizendo menos do que queria, ou, por assim dizer, nada falando sobre o que deveria deixar claro. Refiro-me à questão da (des)necessidade do reconhecimento de firma quando há outorga de poderes especiais, pois de há muito se sedimentou que "a exigência de reconhecimento de firma na procuração ou no substabelecimento ‘ad judicia’, constante da redação primitiva do CPC, foi cancelada pela Lei 8.952, de 13.12.94" (Informativo do STF, n.º 202, de 11.09.2000, pág. 1).
Inicialmente, perfilharam os Tribunais nacionais, inclusive os Superiores, tese no sentido de que somente as procurações que concediam poderes para o foro em geral estariam dispensadas do reconhecimento de firma, restando incólume a redação original do Código de Processo Civil de 1939 no que toca aos poderes especiais, exigindo-se quanto a eles, pois, o ato cartorário. Veja-se, a propósito, a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça: "Para a prática de atos processuais em geral, é dispensável o reconhecimento de firma no instrumento de procuração. Já para a validade das cláusulas com poderes especiais contidos no mandato, necessário que se faça o reconhecimento de firma" (REsp 154.304-RS, rel. Min. Felix Fischer, j. 21.05.1998, unânime, DJ de 29.06.1998, pág. 266).
No entanto, o entendimento supra parece não estar em consonância com os princípios orientadores do processo, consistindo a exigência do reconhecimento de firma mais um entrave à prestação jurisdicional do que uma garantia (à parte? ao juiz? à sociedade?).
Atento a esta situação, o mesmo Superior Tribunal de Justiça, em julgamento recentíssimo, acabou por modificar sobremaneira sua interpretação sobre a norma (art. 38 do CPC), passando a adotar entendimento que dispensa o reconhecimento de firma inclusive quando há outorga de poderes especiais. Vejamos: "Consoante entendimento assentado na Corte Superior deste STJ, concedida procuração a advogado para utilização tão-somente no âmbito judicial, mostra-se descabida a exigência de reconhecimento de firma do outorgante, seja na hipótese de poderes gerais para o foro, seja quando conferidos poderes especiais" (REsp 247887/PR, rel. Min. Gilson Dipp, j. 11.09.2001, unânime, DJ de 15.10.2001, pág. 280.
Destarte, quando a procuração for concedida para atuação judicial é dispensada a produção do ato cartorário, ainda que sejam outorgados poderes especiais ao patrono. Caso o instrumento de mandato tenha sido conferido para a prática de atos fora do juízo, imperioso se torna o reconhecimento de firma no que tange aos poderes especiais.
Vê-se, pois, que no alvorecer deste novo milênio, não há mais lugar para formalismos e regras processuais que verdadeiramente obstaculizam o ingresso das partes ao Judiciário, mormente quando é tão fortemente debatido o acesso a esse Poder. O magistrado moderno deve desatar-se das amarras procedimentais introduzidas no sistema há mais de meio século. Deve, por imposição legal, aplicar a norma de acordo com os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (art. 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil).