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Pena de morte em voo:

Viabilidade da “lei do abate” frente à Constituição Federal e outros ordenamentos nacionais

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Agenda 13/03/2014 às 19:49

4 PROCEDIMENTOS QUE ENVOLVEM A INTERCEPTAÇÃO

Para evitar equívocos, e não derrubar uma aeronave por engano, foram criados diversos procedimentos[38] que devem ser seguidos pelas autoridades aeronáuticas. Veremos que, após todos eles, a possibilidade de um erro é muito difícil:

Estes dois primeiros procedimentos podem ser realizados sem que a aeronave interceptada tome conhecimento das aeronaves da Força Aérea, pois estas se aproximam por trás e por baixo, isto é, no ponto cego do suspeito. Se a matrícula e o proprietário estiverem corretos e a rota for considerada usual, a aeronave militar vai embora sem que a interceptada tome conhecimento do procedimento.

FIGURA 6 – AT-27[40] VISTA FRONTAL COMPLACA DE FREQÜÊNCIA.

FONTE: ARQUIVO PESSOAL; 2007.

FIGURA 7 – AT-27 VISTA FRONTAL COM PLACA DE FREQÜÊNCIA.

FONTE: ARQUIVO PESSOAL; 2007.

Nesta fase os pilotos suspeitos apresentam diferentes comportamentos:

- manobras evasivas, buscando retornar ao país de origem ou para pista clandestina de difícil acesso;

- manobras ofensivas, guiando a aeronave em direção da aeronave da Força Aérea, objetivando que ela desista da perseguição;

- atitudes ofensivas, que pode representar desde “simples” gestos obscenos até atirar com uma arma de fogo contra a aeronave interceptadora; e

- indiferença, esta atitude normalmente ocorre quando o tráfego ilícito tem a proa de outro país, que como nós tem dificuldade de localizar e identificar uma aeronave de pequeno porte a baixa altura adentrando suas fronteiras. Esta situação é comum em toda América do Sul. Neste último caso, o piloto simplesmente ignora ou, em alguns casos, fecha a cortina da janela para não ser importunado pelo “incomodo intruso”.

Transcrição de uma interceptação, na qual um avião Cessna 210 carregado de cocaína, que sobrevoa os céus do estado do Mato Grosso, proveniente do Paraguai e com destino a Jataí, Goiânia (GO), foi interceptado por um aeronave T-27 Tucano, da Base Aérea de Porto Velho. Eram 10h30 do dia 10 de julho de 2002. A aeronave é detectada pelos radares do Primeiro Centro Integrado de Defesa Aérea de Tráfego Aéreo (Cindacta I),que, sem conseguirem identificar o intruso, acionam a defesa aérea. Seguindo as normas internacionais de tráfego aéreo, o piloto do Tucano inicia o interrogatório da aeronave. Dentro do avião intruso, trava-se o seguinte diálogo telefônico entre o piloto e alguém que, provavelmente, é o seu chefe imediato[41]:

-(piloto): O avião pegou nóis, pai! O avião vai pegar nóis aqui! Está aqui do lado!

-(voz): Abaixa o viro e joga fora! Abaixa o vidro e joga fora!

-(piloto): Eu estou a 1000 pés (330 metros), ta quase chegando no chão e o avião está aqui do lado...

-(voz): Segura e joga fora!

-(piloto): Joga tudo fora?

-(voz): Joga tudo fora! Segura e joga tudo fora!

-(piloto): Eu sei, vamos ver quanto tempo eles vão andar mais, e qualquer cosa eu jogo fora.

Após alguns minutos...

-(piloto): estão seguindo nóis, estão seguindo. Nós vamos raspando e estão seguindo nós...

-(voz): Vocês jogaram tudo fora?

-(piloto): É um Tucano.

-(voz): Pois é, mas vem embora! Não vai derrubar. Eles não derruba. Vem embora direto que eles não derrubam.

Mais algum tempo:

-(voz): Tá tudo bom? Tudo beleza?

-(piloto): Tá, mas o Tio ta chorando aqui já...

-(voz): Eles foram embora?

-(piloto): Negativo.

-(voz): Não jogou fora não, né?

-(piloto): estão tirando foto.

-(voz): Deixa tira foto. Eles só tiram foto. Qualquer coisa me liga.

-(piloto): Quem falou que só tira foto?

-(voz): Eu sei ... Mas não vou jogar fora não, viu?

-(piloto): Tudo bem.

Isso demonstra o desrespeito destes criminosos com a Força Aérea e com o Estado Brasileiro constituído. A partir de então tem início as medidas de intervenção, com determinações explícitas.

Se todos estes procedimentos não produzirem efeito, configura-se um desrespeito latente a soberania aeroespacial brasileira, sendo todos estes procedimentos acompanhados pelo radar, fonia e vídeo (para as aeronaves de interceptação que tiverem câmeras). Por tudo isto, e pelo perigo que o tráfico de armas e de drogas representa ao estado constituído, esta aeronave é considerada hostil, estando sujeita a Tiros de Destruição.

Esta medida não é aplicada automaticamente, possui regras muito rígidas para a sua execução. A aeronave interceptadora deve estar sob o controle operacional do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (COMBABRA). Isto significa que os controladores têm ambas as aeronaves na tela e contato rádio contínuo com a aeronave interceptadora. Portanto, o piloto militar está sob a autoridade da Defesa Aérea todo o tempo. Tudo será gravado para posterior avaliação, inclusive pela mídia e justiça.

É importante salientar que esta medida nãos será empregada em áreas densamente povoadas e locais que sirvam de rota para a aviação comercial[42].

Pela lei, o presidente, ou autoridade determinada por ele, pode autorizar a destruição. Um decreto presidencial[43] autoriza o Comandante da Aeronáutica a dar esta ordem, permitindo que a decisão tenha a agilidade necessária, sem descuidar da segurança e confiabilidade que a decisão exige.

A finalidade desta medida é demonstrar que o Brasil tem intenção e meios (parciais) para manter a integridade de nosso espaço aéreo.

Como sabemos, essa lei pode ter importantes repercussões internacionais, a seguir veremos pontos de vista internacionais sobre a interceptação de aeronaves e a defesa dos direitos humanos.


5 ABORDAGEM INTERNACIONAL

5.1 Legislação Internacional

A Convenção sobre Aviação Civil Internacional[44] é, provavelmente, um dos documentos internacionais mais importantes para o tema em questão. Ela foi promulgada no Brasil através do Decreto nº 21.713 de 1946 e, logo no seu preâmbulo, afirma de forma muito clara: “a aviação civil internacional pode contribuir poderosamente para criar e conservar a amizade e a compreensão entre as nações e os povos do mundo, mas que seu abuso pode transformar-se em ameaça ou perigo para a segurança geral”. Demonstrando a preocupação do mundo com a utilização das aeronaves, em especial, após a Segunda Guerra Mundial.

Logo no primeiro artigo desta convenção, fica evidente a soberania dos estados: “Os estados contratantes reconhecem ter cada estado a soberania exclusiva sobre o espaço aéreo sobre seu território”. Deixando claro que as aeronaves devem cumprir as determinações dos estados soberanos, como as de mudança de rota e pouso para averiguações. É importante salientas que esta norma não se aplica a aeronaves governamentais, militares ou não, como descrito no artigo 3º .

A questão da liberdade das aeronaves civis, não regulares, de sobrevoar os países contratantes, é novamente abordada no artigo 5º. Aqui diz que essas aeronaves não precisam de autorização prévia. Todavia, o estado no qual ocorrer o sobrevôo, pode exigir a aterrissagem desses aviões para averiguação, novamente resguardando a soberania dos estados. Os vôos comerciais regulares exigem acordos comerciais e políticos. As aeronaves governamentais exigem autorização especial para cada vôoo e em todos os países por onde passar. As aeronaves militares podem possuir equipamentos de varredura do espectro eletromagnético, determinando a freqüência e a localização dos radares utilizados, informação muito valiosa em tempo de guerra. Além disso, os militares podem instalar câmeras fotográficas e de vídeo, fazendo imagens de locais importantes à segurança nacional. Estes são os motivos para a restrição maior a vôos de aviões governamentais, em especial os militares, eles podem ser importantes meios de espionagem.

O artigo 13º determina que passageiros e tripulação devem conhecer e respeitar regulamentos sobre imigração e alfândega dos países por onde passar.

O artigo 16º estipula: “As autoridades competentes de cada um dos estados contratantes, terão direito de busca nas aeronaves dos demais estados contratantes, por ocasião de sua entrada e saída, sem causar demora desnecessária, e de examinar os certificados e outros documentos prescritos por esta Convenção”. É claro aqui a preocupação dos contratantes com a utilização das aeronaves para atividades ilícitas.

O capítulo V é dedicado especificamente as medidas para facilitar a navegação aérea. Novamente observamos a intenção de tornar a movimentação aérea livre. Os representantes estavam atentos ao importante papel da aviação para a integração das nações e a compreensão mútua, incentivando este meio de transporte. Tudo isto sem descuidar da responsabilidade e segurança interna das nações, observadas em ressalvas existentes em todos os artigos do capítulo.

O artigo 35, alínea a, restringe especificamente o transporte aéreo internacional de munições e apetrechos de guerra. A própria norma lembra que esta é uma questão de ordem pública e segurança de cada estado.

O artigo 36 também restringe a utilização de aparelhos fotográficos evitando a espionagem, como descrito anteriormente. Informações importantes no conflito entre as nações. Não é relevante para o tema da dissertação.

O artigo 68 determina que os contratantes podem designar rotas dentro de seu território e os aeroportos que devem ser utilizados.

Como podemos observar, o texto traz mais obrigações que direitos aos aeronautas internacionais, deixando evidente o direito dos estados e a sua soberania aérea.

Nesse sentido, a Lei do Abate brasileira não infringe nenhum dispositivo da Convenção. Procedimentos de mudança de rota e pouso obrigatório estão previstos nesta legislação. O que fazer se as determinações claras e soberanas não forem cumpridas? Qual a alternativa a esta demonstração de desrespeito?

Para adaptar a Convenção a realidade contemporânea, foi realizada uma emenda em 1984, na cidade de Montreal. Ela foi resultados da derrubada do avião coreano pela URSS. Esta norma adquire força no Brasil com o Decreto 3032 de 1999. Percebe-se que mesmo normas de caráter técnico e específico demoram mais de uma década para serem aprovadas pelo nosso legislativo.

Essa emenda se inicia relembrando a completa e exclusiva soberania que cada estado exerce sobre seu espaço aéreo, de acordo com a Convenção de Chicago de 1944. A alteração ocorre através do artigo 3° bis e das alíneas a, b, c e d da Convenção da década de 1940.

Na alínea “a”, os estados comprometem-se em não utilizar armas contra aeronaves civis em vôo, colocando em perigo a vida de pessoas. Levando-se em conta apenas este trecho, podemos acreditar que esta alteração aboliu medidas extremas. Não é o que veremos a seguir.

Ainda na alínea “a”, os representantes complementam afirmando que essa disposição, de modo algum, altera direitos e obrigações dos estados.

A alínea “b” já traz de maneira clara o que já estava previsto na norma internacional, o direito de exigir o pouso de aeronaves civis em aeroportos designados. Esta exigência deve ser dirigida às aeronaves voando sem autorização ou sobre o qual se tem razões fundamentadas de realizar práticas incompatíveis com os objetivos da Convenção de Chicago.

A alínea “c” determina que toda aeronave deve acatar as ordens da autoridade aeronáutica local. Exigindo-se que os estados criem e divulguem os regulamentos que tratam dos procedimentos de interceptação. Recomendando que os estados adotem medidas apropriadas para as violações, e que estes atos criminosos sejam punidos com sanções severas.

E na alínea “d”, finalmente, orienta que os estados contratantes devem tomar todas as medidas apropriadas para que as aeronaves de um operador oriundo de seu território, não sejam empregadas para fins incompatíveis com a convenção.

Como vimos, não mudou praticamente nada. A aviação civil deve ser respeitada. No entanto, a soberania e o controle do espaço aéreo se sobrepõem. Na alínea “c” é empregado, inclusive, o termo “sanção severa” (com múltiplas interpretações) para o desrespeito as leis e regulamentos aeronáuticos.

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Não existe uma autorização expressa ao Tiro de Destruição, mas a autodeterminação dos estados é citada em todos os momentos. Na seqüência estudaremos como uma lei que permitia a destruição de aeronaves foi considerada na Alemanha.

5.2 Lei Anti-Terror na Alemanha

Em uma decisão impressionante, a Corte Constitucional Federal da Alemanha decidiu que é inconstitucional a nova Lei Antiterrorismo da Alemanha[45].

Essa lei é resultado dos ataques de 11 de setembro de 2001, que aumentaram consideravelmente a severidade do ordenamento, restringindo liberdades individuais que há décadas vinham ampliando-se e consolidando-se. É claro que este assunto vem sendo discutido pelos doutrinadores e, como regra, as garantias individuais vêm se sobrepondo. No entanto, todos reconhecem a obrigação estatal de garantir segurança individual e coletiva. A pergunta que deve ser feita é qual o preço que estamos dispostos a pagar pelo direito a segurança de toda a coletividade?

A nova lei, chamada de ATO DE SEGURANÇA DO TRANSPORTE AÉREO, entrou em vigor no dia 15 de janeiro de 2005. No momento da assinatura, o presidente apresentou dúvidas quanto à constitucionalidade da norma, sugerindo que ela fosse avaliada pela Corte Suprema.

É claro que esta lei traz novas atribuições às agências de segurança. Esta norma dá poderes ao Ministro da Defesa para autorizar o Tiro de Destruição contra aeronaves de passageiros, quando representarem um perigo imediato a outras pessoas.

Tudo para prevenir ataques semelhantes aos ocorridos em Nova York em 11 de setembro de 2001. Segundo a lei, a autorização do Tiro de Destruição também pode vir do Comandante da Força Aérea.

A discussão é se uma norma legalmente constituída pode sacrificar pessoas inocentes sob o pretexto de garantir a segurança da coletividade. É dever do Estado proteger seus cidadãos, mas como essa afirmação deve ser interpretada. Em 15 de fevereiro de 2006, a Suprema Corte Alemã declarou que o dispositivo normativo é inconstitucional: “A morte deliberada de pessoas inocentes em aviões pelo Tiro de Destruição viola o Direito Fundamental, à Vida[46] ”.

Na Alemanha, como no Brasil e Estados Unidos, a federação tem um número determinado de atribuições. As Forças Armadas Germânicas só podem ser empregadas nas situações previstas na lei maior. A federação pode derrubar aeronaves na situação de combate aéreo, no caso específico de defesa do estado. Os defensores da nova lei procuram afirmar que ela representa um ato de defesa do estado e que a lei permite o emprego doméstico das forças armadas, mesmo porque os entes federados, normalmente, não têm meios para derrubar uma aeronave. A federação tem estes meios e pode empregá-los como meio de defesa. É claro que para podermos utilizar a nova lei nesse contexto, precisamos ampliar a interpretação do termo “defesa”, o que, para muitos, não é a solução correta.

Outro fundamento em favor da norma do transporte aéreo foi o de que um ente federado poderia receber apoio de outro ente ou então da federação, desde que requisitado por quem necessita de auxílio, devido a um desastre natural ou em caso de grave acidente. A Suprema Corte Alemã[47] diz que este dispositivo não concede poderes adicionais ao governo federal, e este ainda se mantém subordinado ao império da lei e as mesmas regras que são subordinadas às forças policiais dos entes federados. Além disso, a Constituição não permite a utilização das forças armadas para fins domésticos.

Segundo a Corte, a lei maior só permite assistência técnica e o empréstimo de pessoal.

Novamente a Lei de Segurança do Transporte Aéreo é criticada, afirmando que as atribuições que ela concede ao Ministro da Defesa, são restritas às autoridades do ente federal, sendo que os militares só devem ser empregados em situação de combate. A interpretação da Corte, mais uma vez, reafirma a limitação aos poderes militares da federação. Essa restrição é claramente um reflexo da Segunda Guerra Mundial.

A Corte, em sua decisão, considerou direitos fundamentais os previstos constitucionalmente. Segundo ela, a nova lei viola estes direitos e garantias, mostra desrespeito as vidas de pessoas inocentes à bordo do avião, considerando os seres humanos apenas uma parte da aeronave. Sob o pretexto de evitar um grande perigo, o estado abandonou essas vidas. A Corte afirma que essa forma de pensar não considera o valor constitucional da pessoa e seus direitos inalienáveis. A norma acaba tornando as pessoas meros objetos. A Corte acentua que o seu entendimento seria diferente se não houvesse inocentes a bordo da aeronave[48]. De acordo com este entendimento da Suprema Corte Alemã, podemos concluir que se existirem apenas terroristas, o estado poderia derrubar a aeronave. Colabora com nossa ideia de que essas pessoas não são beneficiadas pelo Direito à Vida. Elas não têm este direito, pois se colocaram nessa situação intencionalmente. Elas podem e devem ser responsabilizadas pelo seu comportamento.

Na seqüência, a Corte informa que a Constituição garante a dignidade humana, no entanto, não deve ser invocada levianamente, afinal, toda violação de dignidade se configura inconstitucional. Nenhuma nova norma pode limitar esta garantia constitucional. A exceção a esta regra, permite a limitação do Direito à Vida, se for plenamente justificado, para proteger outro bem constitucional superior anterior, utilizando-se do princípio da proporcionalidade.

Todavia, constitucionalmente, muitos direitos fundamentais utilizam o sistema de tudo ou nada, confirmando uma irrestrita proteção. A dignidade humana é um dos direitos que limitam inclusive a atividade parlamentar em sua área de abrangência. A Corte Constitucional vem buscando realizar uma composição de direito fundamentais, procurando estabelecer um núcleo duro (inviolável) de cada garantia.

Dessa forma, podemos perceber uma crescente flexibilidade da definição de dignidade, procurando aliviar o conceito de tudo ou nada. No entanto, é cada vez mais difícil estabelecer a combinação em novos e atuais problemas como biotecnologia, genética e eutanásia. Embora venham alterar os limites de alguns Direitos Fundamentais é essencial que o estado regulamente estas áreas e evite proteções absolutas. A pergunta a ser resolvida é até que ponto os direitos à vida e dignidade humana estão conectados? Aparentemente, através dessa decisão, não há uma relação direta entre duas garantias fundamentais, dignidade e vida.

É claro que o Direito à Vida, quando alegado, pode ser utilizado também como argumento pelos defensores da nova lei, visto que o sacrifício de inocentes embarcados na aeronave, pode representar a proteção de um número indeterminado de pessoas no chão, que seriam vítimas dos terroristas. As autoridades devem avaliar e decidir qual será menos prejudicial, pois o estado deve proteger as pessoas que estão voando, mas também as que estão no chão. Sob este prisma, o Direito à Vida tem dupla interpretação.

A Corte Suprema Alemã afirma que o parlamento não pode fazer a escolha anteriormente descrita. Para o tribunal, a lei não pode alcançar todos os elementos dessa complexa situação, e reduzir-se a um cálculo das possíveis mortes. A Corte, na disputa entre as garantias individuais e a segurança coletiva, tomou posição em defesa da primeira. Esta atitude se contrapõe a ênfase dada à segurança coletiva após os ataques dos Estados Unidos.

Muitos defendem o princípio da proporcionalidade, normalmente utilizado em questões envolvendo garantias fundamentais ou direitos civis. O parlamento alemão, logicamente, esperava aumentar a segurança coletiva com a aplicação da lei. Todavia, é difícil as autoridades avaliarem qual a real situação no interior da aeronave e quias as intenções dos terroristas. O máximo que conseguiram foi que a aeronave da Força Aérea Alemã acompanhasse a aeronave seqüestrada. O Ministro da Defesa deveria tomar sua decisão com base nessas informações incompletas. Seria uma decisão baseada em proposições.

A Corte considerava tudo isto temeroso e um atentado aos direitos civis. Um exemplo comum são as freqüentes perdas de contato entre aeronaves e controladores, o que pode gerar uma situação de perigo. Como esta falha de comunicação, existem várias outras situações parecidas no tráfego aéreo cotidiano.

Mais uma vez, a Corte diz que a justificativa de derrubar para salvar vidas é mera especulação, visto que as autoridades não terão informações suficientes. Os críticos afirmam que a lei não é exeqüível, pois os procedimentos envolvidos, até que o Ministro da Defesa tome conhecimento de todos os elementos, demorariam aproximadamente 30 (trinta) minutos. Considerando que uma aeronave de passageiros demoraria, aproximadamente 60 (sessenta) minutos para atravessar o território alemão, antes que a autoridade governamental tenha condições de decidir o avião já atingiu seu objetivo. Assim sendo, esta lei apresenta mais um caráter simbólico, resposta do legislador aos atentados de 11 de setembro.

Como podemos observar, a Corte Maior Alemã não se sensibilizou com as piores hipóteses no caso de um ataque terrorista.

A discussão alemã foi muito produtiva e nos ajudou a entender melhor este tema tão complexo. No entanto, os objetivos brasileiros e alemães são diferentes. No país europeu busca-se evitar ataques terroristas, já, em nosso país, buscamos evitar o tráfico de drogas e armas. Aqui no Brasil, nossa lei não aceita a morte de pessoas inocentes, como os reféns ou menores de idade. No entanto, se estiver a bordo apenas funcionários do tráfico, esta aeronave pode sim ser destruída, quando não respeitar as determinações dos órgãos de controle e da aeronave da Força Aérea.

Colaborando neste sentido, os procedimentos previstos nas leis brasileiras tornam a possibilidade de um erro muito pequena, pelas inúmeras possibilidades de diálogo que existem. Além disso, a aeronave interceptadora pode se aproximar lateralmente, possibilitando o contato visual dos pilotos.

Mas como reage os Estados Unidos, maior potência mundial, a invasões em seu espaço aéreo? É o que veremos a seguir.

5.3 Procedimentos de Interceptação nos Estados Unidos

Os Estados Unidos, pela liderança natural que representa, também é importante para o nosso estudo. Não significa que devemos seguí-l os, mas seus procedimentos podem nos ajudar a estabelecer parâmetros. Estes procedimentos serão analisados em seguida:

Todas as aeronaves que entram no espaço aéreo americano devem se identificar em pontos de controle fora do território americano, em espaço aéreo internacional, chamados Zona de identificação de Defesa Aérea.

Em vôos por instrumento ou visuais, o plano de vôo deve ser obrigatoriamente preenchido em repartições aeronáuticas, nos seguintes casos[49]:

# Normalmente, todas as aeronaves que entrarem em uma Zona de Identificação de Defesa Aérea;

# Para vôos que saiam, entrem, operem dentro ou, simplesmente cruzem o espaço aéreo americano; e

# Antes das decolagens de solo americano, exceto das ocorridas no Alasca, quando não houver repartição aeronáutica. Neste último caso, o piloto deve informar as suas características e situação, aos órgãos de controle aéreo, assim que sair do solo.

Também são exigidos dois rádios, sendo um de reserva, caso ocorra pane do principal. Isto para evitar que o piloto não consiga falar com o controle, e vice-versa.

É exigido “transponder” em todos os vôos em território americano. Deve ser equipado com o modo C, que além de identificar a aeronave permite ao controlador saber a altitude da aeronave. O equipamento deve estar ligado no código determinado pelas autoridades aeronáuticas. Recentemente, com o acidente da GOL[50], podemos observar qual o perigo de se deixar o “transplander” desligado.

Todos os pilotos devem ter conseguido as freqüências de todos os órgãos de controle, durante toas as fases do vôo.

5.3.1 Procedimentos de Interceptação

  1. Generalidades

Inicialmente, a norma[51] nos lembra que a interceptação em momentos de paz é diferente dos momentos de prontidão. Exceto se houver determinação específica, as missões de interceptação são apenas de identificação. As demais interceptações devem seguir estritamente as ordens recebidas. Durante a noite ou mau tempo, nas quais é difícil o contato visual entre as aeronaves, somente existiriam missões de reconhecimento. Todos estes procedimentos são utilizados em tempo de paz.

Todas as aeronaves operando nos Estados Unidos, se possível, devem manter a escuta das freqüências de emergência, VHF 121,5 ou UHF 243. Os pilotos têm a obrigação de saber como proceder em caso de interceptação, prestar atenção a todas as orientações do controle e responder imediatamente quando for chamado. O não cumprimento destas orientações pode resultar no uso da força.

b ) Fase de Aproximação

Em tempos de paz a aproximação é feita por trás. Normalmente, são empregadas 2 (duas) aeronaves, sendo que ambas mantém contato entre si e com os órgãos de controle. À noite e em condições instrumento as aeronaves seguem em fila a aeronave interceptada com ajuda do radar. Nas demais situações, as aeronaves vão lado a lado. Em ambos os casos, são mantidas distâncias de segurança entre todas as aeronaves, a fim de evitar acidentes com o movimento brusco de uma delas.

c ) Fase de Identificação

Em condições visuais a aeronave interceptada, provavelmente, poderá ver uma das aeronaves interceptadas. Uma das aeronaves se aproxima a uma distância que permita a troca de informações. O interceptador pode determinar o fim da interceptação se ele achar que não tem condições de manter com segurança os procedimentos.

d ) Fase de Pós – Interceptação

Com a identificação completa, as aeronaves interceptadoras se afastam da interceptada, se tudo for resolvido a contento. A aeronave interceptada deve:

# Seguir as instruções dadas pela aeronave interceptada, interpretando e respondendo aos sinais visuais;

# Responder, se possível, ao controle de tráfego aéreo correto;

# Tentar estabelecer comunicação com a aeronave interceptadora ou com o órgão correto. Caso não seja possível, tentar utilizar as freqüências de emergência UHF 243 ou VHF 121,5, informando a identificação, posição e natureza do vôo; e

# Colocar o “transplander” no Código 7700, isto significa que a aeronave está em emergência (7500, significa seqüestro, e 7600, falha de comunicações). Se houver conflito entre as informações dos órgãos de controle e da aeronave interceptadora, deve pedir explicações sobre qual a determinação deve ser seguida.

FIGURA 8 – MOVIMENTAÇÃO DAS AERONAVES INTERCEPTADORAS

DURANTE O PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO.

FONTE: SECTION 6. NATIONAL SECURITY AND INTERCEPTION PROCEDURES[52]

Procedimentos empregados nos Estados Unidos, idênticos aos brasileiros, são padronizados internacionalmente:

SÉRIE

SINAIS DA AERONAVE

INTERCEPTADORA

SIGNIFICADO

RESPOSTA DA

AERONAVE

INTERCEPTADA

SIGNIFICADO

1

DIA – Balançar asas de uma

posição ligeiramente acima, à

frente e normalmente à

esquerda da aeronave

interceptada e, após receber resposta, efetuar uma curva lenta, normalmente à esquerda, para o rumo desejado.

NOITE – O mesmo e, em

Adição, piscar as luzes de navegação a intervalos irregulares.

NOTA 1 – As condições meteorológicas ou do terreno podem obrigar a aeronave interceptadora a tomar uma posição ligeiramente acima, à interceptada e efetuar a curva subseqüente à direita.

NOTA 2 – Se a aeronave interceptada não puder manter a velocidade da aeronave interceptadora, esta última efetuará uma série de esperas em hipódromo e balançará asas cada vez que passar pela aeronave interceptada.

Você está sendo interceptado.

Siga-me.

AVIÕES

DIA – Balançar asas e seguir a aeronave interceptadora.

NOITE – O mesmo e, em adição, piscar luzes de navegação a intervalos irregulares.

HELICÓPTEROS:

DIA ou NOITE – Balançar a aeronave, piscar luzes de navegação a intervalos irregulares e seguir a aeronave interceptadora.

Entendido.

Cumprirei.

Continuação:

SÉRIE

SINAIS DA AERONAVE

INTERCEPTADORA

SIGNIFICADO

RESPOSTA DA

AERONAVE

INTERCEPTADA

SIGNIFICADO

2

DIA E NOITE – Afastar-se bruscamente da aeronave interceptada fazendo uma curva ascendente de 90º ou mais, sem cruzar a linha de vôo da aeronave interceptada.

Você pode prosseguir.

AVIÕES:

DIA ou NOITE – Balançar asas.

HELICÓPTEROS:

DIA ou NOITE – Balançar a aeronave.

Entendido.

Cumprirei.

3

DIA – Circular o aeródromo, baixar o trem de pouso e sobrevoar a pista na direção de pouso ou, se a aeronave interceptada for um helicóptero, sobrevoar área do pouso de helicóptero.

NOITE – O mesmo e, em adição, manter ligados os faróis de pouso.

Pouso neste aeródromo.

AVIÕES:

DIA – Baixar o trem de pouso, seguir a aeronave interceptadora e, se após sobrevoar a pista de pouso considerar segura, proceder ao pouso.

NOITE – O mesmo e, em adição, manter ligados os faróis de pouso (se possuir).

HELICÓPTEROS:

DIA ou NOITE – Seguir a aeronave interceptadora e proceder ao pouso, mantendo ligados os faróis de pouso (se possuir).

Sinais da interceptada à interceptadora:

SÉRIE

SINAIS DA AERONAVE

INTERCEPTADORA

SIGNIFICADO

RESPOSTA DA

AERONAVE

INTERCEPTADA

SIGNIFICADO

4

AVIÕES:

DIA – Recolher o trem de pouso ao passar sobre a pista pouso a uma altura entre 1000 pés (330 metros) e 2000 pés (660 metros) acima do nível do aeródromo. Se impossibilitado de piscar faróis de pouso, acionar outras luzes disponíveis.

O aeródromo indicado é inadequado.

DIA ou NOITE – Se é desejado que a aeronave interceptada siga a aeronave interceptadora até um aeródromo de alternativa, a aeronave interceptadora recolhe o trem de pouso e utiliza os sinais da série 1, previstos para as aeronaves interceptadoras. Se for decidido liberar a aeronave interceptada, a aeronave interceptadora utilizará os sinais da série 2, previstos para as aeronaves interceptadoras.

Entendido, siga-me.

Entendido, prossiga.

5

AVIÕES:

DIA e NOITE – Acender e apagar repetidamente todas as luzes disponíveis a intervalos regulares, mas de maneira que distinga das luzes lampejadoras.

Impossível cumprir.

DIA ou NOITE – Utilize os sinais da série 2, previstos para as aeronaves interceptadoras.

Entendido.

SÉRIE

SINAIS DA AERONAVE

INTERCEPTADORA

SIGNIFICADO

RESPOSTA DA

AERONAVE

INTERCEPTADA

SIGNIFICADO

6

AVIÕES:

DIA ou NOITE – Piscar todas as luzes disponíveis a intervalos irregulares.

HELICÓPTEROS:

DIA ou NOITE – Piscar todas as luzes disponíveis a intervalos irregulares.

Em perigo.

DIA ou NOITE – Utilize os sinais da série 2, previstos para as aeronaves interceptadoras.

Entendido.

Existem muitas similaridades entre os procedimentos americanos e os brasileiros, existindo também para os norte-americanos uma possibilidade de empregar a força, mesmo em momentos de paz. Uma diferença importante é que normalmente, no Brasil, empregamos apenas uma aeronave, podendo ser utilizadas duas aeronaves. Com certeza as autoridades americanas têm dispensado muita atenção a este tema no século XXI, isto é resultado dos atentados de 11 de setembro de 2001, no qual aeronaves comerciais acertaram o World Trade Center e o Pentágono, sem que nenhuma aeronave interceptadora conseguisse impedi-las.

A seguir, abordaremos a preocupação de alguns estudiosos dos direitos humanos. Eles questionam os rumos destes direitos em momentos de conflito, já que cada vez mais estes direitos são ameaçados em nome da segurança coletiva. Se observarmos as vítimas, podemos considerar a situação de nossas grandes cidades como de conflito[53].

5.4 Direitos Humanos Versus Conflitos Internacionais

O texto do professor Djamchid Montaz[54], “Os Direitos Humanos Mínimos em Situações de Conflitos Internos”, pode nos ser muito útil. A questão é especialmente relevante na atualidade ao verificarmos que os conflitos se mantêm restritos a fronteira dos estados, mas podem ser tão devastadores quanto guerras declaradas entre estados.

Ele inicia seu texto nos lembrando que a maioria dos estados passaram ou estão passando por conflitos internos. Os revoltosos podem lutar contra o estado constituído e suas forças oficiais ou contra outro grupo de revoltosos. No Brasil, podemos observar uma ação de quadrilhas contra o estado ou contra outros criminosos em busca de território, que significa mais pontos de venda de drogas e, portanto, mais dinheiro e poder. Neste contexto, podemos observar diferentes tipos de conflitos internos. A nossa situação, como não é difícil perceber, é muito diferente do que é encontrado no Oriente Médio. Conflitos diferentes exigem meios de solução diferentes, mas possuem um elo em comum, que é a busca de um poder estatal forte. Percebemos a utilização em grande escala da força policial e, por vezes, até das forças armadas.

Este movimento traz como resultado o enfraquecimento dos direitos humanos, afinal todo o sistema jurídico busca fortalecer o estado, com o objetivo de combater os criminosos, mas pode facilmente ser utilizado contra a população de forma genérica. Embora existam direitos inalienáveis, em uma situação de conflito os parâmetros não são mais claros, neste ponto torna-se fundamental a atuação de normas e organizações internacionais.

O estado pode determinar situações de emergência, nas quais poderão ser empregadas as medidas de segurança. Em estados democráticos, temos como diferencial os parâmetros que permitem a utilização, normalmente, previstos na constituição. A Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos tem se preocupado com o tema[55]. Recomenda que estas medidas “the only means of safeguarding in a essential interest (...) against a grave and eminent peril”. Dessa forma, só podem ser utilizadas as medidas de segurança em situações muito sérias, quando o perigo é grave e eminente. O ordenamento precisa ter, de forma clara, estabelecido em sua legislação os parâmetros de utilização, sem excessos, das medidas de segurança, esta foi inclusive a sugestão de um seminário internacional sobre direitos humanos, na África do Sul[56].

Os direitos, aceitos pela maioria dos países, são [57]: direito à vida, a proibição da escravidão, tratamento desumano, cruel e degradante, proibição de tortura e a não retroatividade das leis penais. Estas proteções já estão previstas na legislação de muitos países. Também são freqüentemente recomendados pela Corte Internacional de Justiça. Existem também as “garantias processuais penais”: de ser ouvido por um tribunal independente e imparcial, o direito de se defender e de saber do que é acusado.

Embora as regras sejam uma grande evolução, a sua aplicação prática em regiões de conflito é difícil, dependem de grande empenho do Judiciário. Para a supressão dos direitos, o argumento freqüente é o da segurança. Nos encontros internacionais os estados são resistentes as regras internacionais para conflitos internos, visto que elas podem ser utilizadas como forma de prejudicar a sua atuação contra forças rebeldes. Isto embora os órgãos internacionais afirmarem que tais direitos não prejudicam o combate a forças revolucionárias.

Nas “General Principles of Humanitarian Law”[58], está previsto que não podem ser aplicadas sentenças e execuções sem o devido processo legal.

A intenção de muitos estudiosos é criar um grupo de normas, contendo o núcleo dos direitos humanos, núcleo este que deve ser empregado por todos os povos. Existe a intenção de utilizar estas regras estabelecidas em legislação internacional no Tribunal Penal Internacional, procurando punir as pessoas responsáveis por violação, dando uma resposta a impunidade tão comum nesses crimes.

Outro ponto de vista importante é dos professores Tom Hadden e Dr. Colin J. Harvey, da Universidade de Belfast[59]. Eles começam apontando o paradoxo existente entre os Direitos Humanos e o direito dos conflitos armados.

No texto abaixo, os autores apresentam um quadro no qual comparam as regras dos dois sistemas normativos:

DIREITOS HUMANOS

DIREITOS DOS CONFLITOS ARMADOS

Direito à vida tem alto grau de proteção.

O combatente tem o direito de atirar reconhecido.

O direito deve ter seus direitos protegidos.

Os direitos dos combatentes devem ser mantidos quando ele for detido.

Fazer surgir uma obrigação de que para toda violação dos direitos humanos será instaurado um processo.

Tendência de, uma vez terminado o conflito, anistiar os crimes cometidos.

A responsabilidade primária para garantir os direitos humanos é dos estados.

A responsabilidade por garantir os direitos humanos é compartilhada entre os estados e indivíduos.

FIGURA 9 – DIFERENÇAS ENTRE OS DIREITOS HUMANOS E DOS CONFLITOS ARMADOS.

FONTE: HADDEN, TOM; HARVEY, COLIN; P.2,1999[60]

Com ele podemos observar a necessidade de integração das duas regras, elas devem ser complementares, não excludentes. Procura-se descobrir quais as normas de direitos humanos que são consenso, permanecendo-se imutáveis com o tempo. Além disso, descobrir quais as regras que não representam consenso e alteram-se com o passar

do tempo. Separar os dois tipos de normas pode não ser tarefa fácil, envolvendo discussões acaloradas de doutrinadores e políticos.

Independentemente desta diferença, os autores apresentam a existência de um número determinado de direitos absolutos que devem prevalecer em todas as situações[61], normalmente envolvem a proibição de tratamento desumano, o emprego da tortura e o genocídio. Quanto ao direito à vida, gera dúvidas em vista dos conflitos entre os direitos humanos e o dos conflitos armados. Todavia, a sua solução está no fato de que para muitos o direito à vida não é absoluto, admitindo-se pena de morte em execuções, a morte para defesa própria ou terceiros, no caso dos conflitos armados.

Outro direito pertinente abordado pelos professores é o direito de livre movimento. Todavia este é mais freqüentemente limitado por questões de segurança nacional, segurança pública ou em caso de saúde pública, como recentemente encontrado no caso da gripe aviária. Durante situações de emergência são estabelecidas zonas e horários em que o movimento é permitido. O que se busca evitar durante os conflitos armados, é o deslocamento forçado de civis, inclusive em regiões de combate. Só é aceito movimento com o objetivo de salvar vidas, permitindo o retorno, tão logo quanto possível.

Como repetem os professores, as regras dos direitos humanos são as mais facilmente empregadas em situação de normalidade, situações em que a segurança e ordem são mantidos. Todavia, em situação de conflito, uma ou ambas as partes ( esta última hipótese é mais comum) desrespeita os limites impostos pela legislação interna e internacional.

O que nos falta, segundo os autores, é mais coerência entre teoria, intenção e prática. Precisa haver um consenso entre os defensores das regras dos direitos humanos com os defensores dos conflitos, internos e externos. A Lei do Abate, norma extrema, é justificada pela realidade e pela falta de alternativas, em muitas situações, ou derrubamos ou deixamos a aeronave interceptada ir embora. Os direitos humanos são patrimônio da humanidade, devem ser protegidos, mas também se adequar à realidade.

Na seqüência veremos uma posição extremada, o “ Direito Penal do Inimigo”, no qual tudo é possível contra os inimigos do estado.

5.5 Direito Penal do Inimigo

A Juíza Telma Angelina Figueiredo[62], da Justiça Militar, abordou, o antagonismo dos Princípios que regem o Direito Penal e o “Direito Penal do Inimigo”.

A autora lembra dois princípios importantes para todas as justiças, inclusive para a Lei Maior: legalidade e devido processo legal. O artigo 5º, da Constituição Federal, protege diversos Direitos Fundamentais. De uma forma geral impõe limites ao poder de punir dos estados.

O professor Gunther Jacobs[63] propõe uma diferenciação entre o Direito Penal do Cidadão e do Inimigo. Este modelo recebeu atenção especial, da comunidade internacional, após os atentados de 11 de setembro de 2001. Para os delitos normais é empregado o Direito do Cidadão. Para as pessoas que ponham em risco o ordenamento jurídico deve ser empregado o Direito Penal do Inimigo.

Para Jacobs, alguns crimes, devido a sua periculosidade, merecem medidas efetivas, inclusive, para os atos preparatórios. Esta atitude tem a função de prevenção. Esta pena serve como alerta e devolve o respeito ao ordenamento.

O Direito do Inimigo ignora algumas importantes conquistas históricas, como a da presunção de inocência. É uma visão extremada, uma das possíveis respostas às atuais demonstrações de violência. O que a norma propõe não é ignorarmos nossos Direitos Fundamentais, mas que a aeronave se submeta a fiscalização estatal, para tanto deve responder aos questionamentos e, em alguns casos, pousar.

Outro importante estudioso dos Direitos Fundamentais foi Robert Alexy, ele procurou definir quais são os direitos essenciais, comuns a todos. Observaremos suas considerações adiante.

5.6 Direitos Fundamentais por Robert Alexy

Segundo Karl Larenz: “Ninguém mais pode afirmar seriamente que a aplicação das lei nada mais envolva do que uma inclusão lógica sob conceitos superiores abstratamente formulados[64]”. Este é um dos pontos de consenso entre os juristas. Alexy nos apresenta, desde o princípio, que não existe uma subordinação pura e simples de toda a legislação a um único dispositivo constitucional, mas deve ser observada toda a norma superior, todos os seus dispositivos. Além disso, devem-se respeitar também as necessidades sociais e o momento histórico.

Uma forma sugerida, para dar harmonia a todo o ordenamento, é a utilização dos princípios, eles permitem exceções e a coexistência de regras contraditórias. A argumentação também pode ser utilizada, mas sua eficácia é limitada. Segundo Alexy, ela é utilizada como forma de corrigir as afirmações normativas, adequando-se a realidade do caso concreto. Os argumentos devem possuir limites, expostos de forma clara e objetiva. Estes limites devem ser respeitados pelos operadores do direito e protegidos pelos entes governamentais, tais como o judiciário e legislativo.

O problema é que o julgados pode escolher uma entre várias soluções. Não importa quão clara pareça uma decisão, quase sempre podemos apresentar motivos que ponham em dúvida uma das posições. Existem argumentos para praticamente todos os casos.

Uma forma mais conservadora é verificar a ordem de valores prevista na Constituição. Todavia, perante os casos práticos é difícil convergir opiniões para uma hierarquia ou um modelo único.

A solução proposta por Viehwegth[65]: “é uma teoria da argumentação jurídica como retórica inteiramente desenvolvida e atualizada”. Pois observamos no mundo, e em especial no Brasil, uma legislação defasada que não atende mais as necessidades contemporâneas. A nossa Constituição Federal não é tão antiga, mas foi feita num contexto histórico, que era o fim de um período ditatorial, a segurança pública não era o foco dos políticos, a preocupação destes era emprego, inflação e liberdades públicas.

Muitos criticam o fato da lei tratar os pilotos com uma severidade maior do que a dispensada a outros traficantes, o texto Alexy apresenta 3 regras que podem ajudar a entender melhor como isto ocorre:

1º ) Quem se propõe a tratar pessoa A diferente da pessoa B é obrigado a dar justificação por fazer isso;

2º ) Quem ataca uma afirmação ou norma que não está sujeita a discussão deve apresentar uma razão para isso;

3º ) Quem apresentou um argumento só é obrigado a apresentar outros no caso de surgirem argumentos contrários.

Estes passos foram seguidos por quem propôs a Lei do Abate, foram apresentados argumentos que justificavam a sua aprovação, os argumentos contrários foram propostos e o legislador decidiu pela aprovação da lei. Estes passos nos permitem agir de uma forma mais racional, afastando, um pouco, as visões particulares e ajudando a formar um consenso.

O autor realiza uma importante consideração, relevante para o nosso tema: “O fato de que não haver uma única resposta correta para cada pergunta prática, não significa que o conceito de correção não tenha caráter absoluto em nenhuma visão. Ele tem caráter absoluto como ideia reguladora. A resposta correta única tem muito mais o caráter de objetivo a ser perseguido[66]”.

Aqui devemos fazer analogia com normas constitucionais que devem representar um ideal a ser seguido, mas não impositivo absoluto. Estas normas devem apresentar adequação às necessidades contemporâneas. Neste sentido, sempre vale a pena buscarmos uma solução adequada para cada caso concreto. Assim, duas normas que tratem do mesmo tema, mesmo sendo contraditórias, podem ser corretas, cada uma aplicada a um caso concreto.

Outro tema abordado, quando o autor estuda os limites do discurso jurídico. Alexy considera, com razão, que o processo legislativo apresenta diversas limitações para dar respostas corretas para cada situação correta, mesmo porque a realidade é mutante, colaborando com o que foi dito anteriormente. O que funcionava bem a 10 anos pode não funcionar bem hoje. A probabilidade de inadequação é maior quanto maior o tempo transcorrido desde a publicação da lei.

Em outra obra[67] o autor trata especificamente dos Direitos Fundamentais. Várias teorias foram criadas para determinar os Direitos Fundamentais comuns a todos, uma espécie de direito natural. Mas, a especificação desses direitos é extremamente complexa. A dogmática dos Direitos Fundamentais tentou estabelecê-los de forma racional, quais seriam estes direitos concretamente. A dignidade humana foi um ponto importante de convergência, mas não unânime.

Entre estados vizinhos podem existir grandes discordâncias, o que deve esperar de uma discussão que participem todos os países do mundo. Deixar a definição desses direitos a um único país, como querem alguns, não contribui para a solução do problema. Isto não significa que devemos desistir de buscar um elemento mínimo comum, aceito, senão em todo, pelo menos, na maior parte do globo. A Declaração universal dos Direitos Humanos é um bom exemplo, o problema é que existe muita teoria e pouca prática.

Mais adiante o autor estuda as diferenças existentes entre regras e princípios. O entendimento majoritário é que os princípios admitem contradição, não sendo necessária a exclusão de um deles, caso dois entrarem em conflito num caso concreto específico. Um deles irá prevalecer, e só. As regras, por sua vez, exigem cláusulas de exceções, do contrário uma delas deve ser excluída do ordenamento. Como alternativas temos: lei posterior derroga anterior ou lei especial derroga lei geral. Esta última pode ser empregada no tema em questão.

Ele também afirma que a existência de princípios absolutos seria negar o conceito de princípio. Como vimos anteriormente, os princípios cedem, por vezes, a outros princípios, não existindo uma hierarquia absoluta para todas as situações. O nosso autor cita Friedrick Klein[68] apresentando uma importante visão sobre restrição aos Direitos Fundamentais. Segundo ele, a afirmação “restrição de Direitos Fundamentais” é, inicialmente, ilógica. Afinal, como podemos restringir algo fundamental. Para ele, na verdade, não existiriam restrições desses direitos. Alexy complementa, estas restrições só podem ser constitucionais, dizendo que leis ordinárias só podem ser utilizadas no caso de cláusula expressa que autorize isto. Mas as Leis Ordinárias podem estar protegendo estes Princípios Constitucionais (soberania e segurança coletiva), como resolver este dilema?

Uma afirmação do autor, importante para o nosso tema, é que a violação de um Direito Fundamental se justifica para defender um bem jurídico superior, a valorização dos bens depende do momento. Dessa forma, o núcleo protegido pode variar com o tempo. Para auxiliar é utilizado o princípio da proporcionalidade, ajudando a valorizar os casos e os valores envolvidos.

Como o autor pôde nos demonstrar, a definição do que é fundamental não é fácil, não existe uma regra absoluta e verdadeira para todas as situações. O Direito à Vida é um dos pilares do Estado Democrático, todavia, deve sempre prevalecer, mesmo com o sacrifício de muitas outras vidas? Parece insensato pensar desta forma.

A seguir conheceremos as críticas a esta nova lei, importantes para impedir excessos e nos mostrar outros pontos de vista.

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O ESTUDO EM QUESTÃO FOI RESULTADO DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DE GRADUAÇÃO.

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