7 DEFESA
Embora ainda não utilizada, a Lei do Abate já apresentou resultados positivos. De acordo com a Comissão Parlamentar de Inquérito[78] que investigou o tráfico de armas no Brasil, os contrabandistas já procuram rotas alternativas, em vista dos riscos que envolvem o transporte aéreo.
Como solução, os contrabandistas trazem as armas e drogas do Paraguai e Bolívia em veículos picapes de pequeno porte, por via terrestre, pelas fronteiras do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia, e então procuram pequenos aeroportos, como o de Ponta Porã (MS), para transporte até os grandes centros. Por ser um vôo doméstico a fiscalização é muito menor. Este tipo de transporte é chamado pela polícia de “Formiguinha”, por ser em pequenas porções.
Outros pontos importante para a entrada de armamentos são o Uruguai e Argentina. Todavia nestes casos sempre foi empregado a via terrestre.
O armamento é comumente trocado por drogas. Assim sendo, um tráfico alimenta o outro.
De acordo com o próprio Comandante da Aeronáutica[79], o número de vôos irregulares, em espaço aéreo brasileiro, diminui até 60% desde a entrada em vigor da lei. A efetividade da lei, para o fim que se destina é indiscutível, enquanto a pena de morte apresenta resultados contraditórios.
Para muitos críticos, como o Deputado Fernando Gabeira, esta medida foi patrocinada pelos Estados Unidos[80]. Quanto a isto podemos afirmar que a influência americana, no caso brasileiro, é questionável, visto que, até os ataques de 11 de setembro, o Congresso Americano vinha exigindo de suas agências de inteligência que abandonassem estas medidas[81]. Além disso, no Brasil, os aviões radares empregados são da própria Força Aérea Brasileira e não existe participação americana.
Alguns afirmam que os pilotos são apenas “mulas”, o que é uma visão extremamente simplista, pois não são apenas os chefes que são traficantes, os pilotos são também grandes traficantes de armas e drogas, pela quantidade que conseguem transportar, mesmo uma aeronave de pequeno porte tem capacidade de 300 quilos, que podem representar milhões de reais nas ruas. As armas e as drogas também vão matar muitas pessoas, isso não é probabilidade, é uma certeza.
Muitos críticos afirmam que o piloto que obedecer às ordens e derrubar a aeronave interceptada deve ser levado à júri popular. Podemos discutir a responsabilidade da autoridade que deu a ordem ou do Congresso Nacional. Não podemos punir um funcionário que cumpra uma lei expressa e as ordens de seu superior hierárquico, desde que os procedimentos previstos no Decreto 5144, de 2004, sejam seguidos[82] .
Como podemos observar, quando citamos as legislações de outros países, os procedimentos não são exclusividade brasileira, são padrões utilizados internacionalmente, exceto a parte do Tiro de Destruição, que é uma decisão particular de cada estado soberano.
Vale ressaltar, novamente, que o estado brasileiro não pretende matar ninguém. Seu objetivo é realizar a identificação e averiguação das aeronaves não identificadas e prender em flagrante os responsáveis, caso esteja ocorrendo um crime.
Autoridades de todo o mundo vem buscando, sem sucesso, senão acabar, pelo menos reduzir o tráfico de armas e drogas. A situação das armas é mais antiga, diversos órgãos internacionais procuram limitar o comércio de armas, especialmente na África e na Ásia. Mas sabemos que criminosos de todo o mundo não têm dificuldade para conseguir armas. Este segmento é especialmente problemático pelo fato da indústria bélica ser muito lucrativa e protegida por inúmeros estados.
Para as drogas o consenso é quase unânime, nem por isso conseguiram melhores resultados. O consumo está disseminado, não para de crescer, autoridades em diversos níveis foram corrompidas. Parece-nos claro que esta batalha não será vencida até convencermos os usuários a abandonar o vício, outra opção é tornar o preço inviável ao consumidor. Uma ação coordenada de ambos os meios provavelmente terá um resultados mais efetivo.
A nova lei obrigará o transporte terrestre, que torna mais fácil e seguro o combate. Além disso, mais caro e demorado.
Outro ponto importante é a soberania, pois ela também se estende ao espaço aéreo. Inicialmente, estendia-se até trezentos metros, o que alcançava as mais altas construções humanas. De trezentos a mil e quinhentos metros era proibido o vôo devido a espionagem. Acima era livre, mas o estado podia conservar com o fim de manter o interesse econômico e a segurança[83]. O espaço aéreo precisa ser controlado, ele pode ser utilizado para atividades com sérias repercussões nos estados.
Muitos autores defendem a passagem inofensiva, de acordo com Celso Albuquerque de Mello[84]. A Convenção de Chicago uniformizou uma série de regras, que foram discriminadas anteriormente. Com a derrubada da aeronave coreana na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1984, a Organização da aviação Civil Internacional (OACI) determinou que os estados devem evitar o uso de armas contra as aeronaves civis. É claro que com os atentados de 11 de setembro esta realidade mudou bastante.
A OACI (Organização da Aviação Civil Internacional) sempre teve muita preocupação com seqüestros (hijacking ou skyjackin), exigindo que os estados punam com severidade os criminosos que pratiquem estes atos, mesmo porque o avião pode virar um instrumento letal com alto poder de destruição.
A Lei do Abate tem justificativas importantes e mostrou-se efetiva, mesmo não sendo aplicada na prática.
Como dito anteriormente, é aceitável colocar a vida do piloto em risco com o Tiro de Destruição, pois ele tem consciência da ilicitude de seu ato e assumiu o risco por uma retribuição financeira considerável. Os pilotos, antes da lei, ignoravam as aeronaves da Força Aérea. Todavia, se algum refém ou menor de idade estiver envolvido, não parece aceitável destruir a aeronave, pois elas não aceitaram aquela situação. Pode ser que no futuro a realidade exija estas medidas, mas agora não parece necessário e justificável. O próprio Ministro da Defesa entendeu nesse sentido[85].
A Assessoria Jurídica do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República produziu um parecer que procura mostrar a legalidade da norma aqui debatida[86].
O texto começa apontando que, de acordo com Tratados Internacionais, os estados procuram não utilizar armas contra aeronaves civis, todavia, reservam-se ao direito dos estados de exigir o pouso. O estado tem o direito de defender a soberania do espaço aéreo em especial nas situações que possam afetar suas instituições.
Segundo a assessoria, o desrespeito á ordem da autoridade competente a legítima justifica o emprego de procedimentos legais. No caso de conflitos de normas, os compromissos constitucionais e o conceito de soberania devem prevalecer. O texto cita Canotilho[87]. Este diz que o conflito entre normas constitucionais deve ser solucionado com princípios, tais como os da unidade e da concordância prática.
A medida extrema, que é o Tiro de Destruição, só será empregada como “última ratio”, se as medidas de averiguação, intervenção e persuasão tiverem falhado.
A Convenção de Chicago, mesmo com a atualização de 1977, não prevê o problema do narcotráfico nem a relevância que ele atingiu.
A Convenção sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas[88], em seu artigo 14, determina que todos os estados devem tomar as medidas apropriadas para eliminar ou reduzir a ilícita demanda pelas drogas, com vistas a diminuir o sofrimento humano e eliminar os incentivos financeiros ao tráfico.
Mas não é apenas esta Convenção que obriga o estado brasileiro a lutar contra o narcotráfico, também a Polícia Nacional Antidrogas, resultado da Declaração Conjunta dos Chefes de Estado, na Sessão Especial das Nações Unidas, de 1988, que foi para tratar do “Problema Mundial das Drogas”.
Estas foram as ponderações da Doutora Ana Paula Aguiar Calhau, Assessora Jurídica do Gabinete de Segurança Institucional, sendo favorável a constitucionalidade e juridicidade da lei.
Como podemos observar, o tráfico governamental era dar uma resposta efetiva ao tráfico internacional de drogas e armas, não vendo nenhuma irregularidade na lei, sendo apoiada por dispositivos internacionais e constitucionais. Busca-se diminuir o sofrimento e aumentar a segurança coletiva. Nosso problema é agravado pela proximidade de nosso país com grandes produtores mundiais
Realizando uma avaliação todos estes argumentos, a lei se torna necessária em vista da situação contemporânea, cumprindo seu objetivo sem ferir seriamente dispositivos constitucionais.
8 CONCLUSÃO
Durante o desenvolvimento do trabalho pudemos observar o importante papel desenvolvido pela Força Aérea Brasileira, proteger o espaço aéreo brasileiro.
Pudemos observar as dificuldades envolvidas no cumprimento desta missão. Mesmo assim, várias aeronaves, não identificadas, são interceptadas, desde antes da lei 9614 de 1998. Todavia, a Força Aérea não tinha poder fático para obrigar as “aeronaves hostis” a cumprirem suas determinações.
Foram apresentadas as aeronaves utilizadas durante as missões de interceptação, e que algumas, como a ALX e o R-99, foram adquiridas com a implantação do projeto SIVAM.
Pudemos também acompanhar o processo legislativo de produção da lei. Observamos que todos os pontos citados pelos críticos foram discutidos pelos parlamentares brasileiros. O Direito à Vida foi considerado. A maior preocupação dos legisladores foi a possibilidade de que aviões de grande porte, transportando passageiros, fossem alvo do Tiro de Destruição. Esta preocupação se mostrou infundada, visto que estas aeronaves têm plano de vôo e possuem autorizações administrativas de ambos os estados soberanos. Essas aeronaves e suas rotas são conhecidas por todos os órgãos de controle. A aprovação da lei não apresentou nenhum grande movimento contrário, nem no Congresso Nacional, nem na sociedade civil.
A lei apenas autorizava o Tiro de Destruição, os procedimentos que deveriam ser seguidos até a medida extrema foram discriminados no Decreto 5144 de 2004. Os passos dão segurança e confiabilidade ao Tiro de Destruição, impedindo a morte de inocentes por erro ou arbitrariedade da autoridade estatal.
Também discorremos sobre temas internacionais relacionados. Foi apresentada a Convenção sobre Aviação Civil Internacional[89], e mesmo com sua emenda de 1984[90], não soluciona, em definitivo, eventuais dúvidas de interpretação. Em um momento o texto diz que “os estados comprometem-se em não utilizar armas contra aeronaves civis em vôo [...][91]”. Logo em seguida complementa, “[...] de modo algum, altera direitos e obrigações dos estados[92]”. Mais adiante reafirma o que já estava previsto, o direito dos estados de exigir o pouso de aeronaves civis em aeroportos por ele designados[93]. Por fim, recomenda aos estados que adotem as medidas apropriadas para punir as violações[94]. Podemos observar que existem justificativas para todos os posicionamentos.
Também observamos que recentemente a Alemanha também aprovou uma lei similar[95], e que esta chegou a ser discutida na Suprema Corte daquele país. Podemos perceber uma diferença entre a lei alemã, que se destinava a combater atentados terroristas como o de 11 de setembro de 2001, e alie brasileira, que objetiva combater o tráfico internacional de drogas e armas. A Corte alemã definiu a lei como inconstitucional, mas disse que seria constitucional se não existissem inocentes á bordo. Esta visão é compartilhada pelas autoridades brasileira.
Apresentaremos a legislação americana sobre interceptações aéreas[96], e percebemos que é semelhante à brasileira, em alguns casos idênticas, por força de Acordos Internacionais [97]. Existe na lei dos Estados Unidos disposição expressa que afirma: “O não cumprimento destas orientações pode resultar no uso da força[98]”.
Foi também abordado o tema Direitos Humanos nos conflitos armados, para tanto estudamos os textos do professor Djamchid Montaz, Tom Hadden e do Dr. Colin J. Harvey[99]. Os autores nos lembram que estas garantias são conquistas importantes, mas devem ser consideradas de forma absoluta?
Defendemos que, em situações extremas, alguns Direitos Fundamentais podem ser suprimidos para defender outros, como a soberania e a vida de inúmeras pessoas vítimas da violência.
Com ajuda da Justiça Militar [100], pudemos conhecer o Direito Penal do Inimigo, em especial, a visão de Jacobs Gunter[101]. Este modelo ganhou importância com os atentados de 11 de setembro de 2001 em nova York. Jacobs defende que alguns crimes, em função da sua periculosidade ao estado Democrático de Direito, merecem um tratamento especial no qual alguns Direitos Fundamentais são suprimidos. Esta é uma situação extrema que não se justifica atualmente, todavia, o Brasil encontra-se em uma situação de alerta, existem tantos homicídios aqui quanto em situações de conflito[102].
Complementando estudamos Robert Alexy, estudioso quês e preocupou com os Direitos Fundamentais[103], realizando uma série de considerações importantes, conexas como tema em destaque nesta tese. Ele nos lembra que não pode haver uma subordinação pura e simples a um único dispositivo constitucional,, mas observar o todo e adequá-lo a cada caso concreto. Precisamos reconhecer que as normas, com o passar do tempo, tem cada vez mais dificuldade de dar uma resposta justa as demandas.
No momento seguinte apresentamos as críticas oriundas de diversos pontos do país. Elas afirmam que existe uma proibição constitucional expressa a pena de morte. Também reclamam que o devido processo legal, presunção de inocência, ampla defesa e o princípio da isonomia são abandonados. Outra crítica importante é de que a “lei do abate” desrespeita acordos internacionais[104] dos quais o Brasil faz parte. Todas são importantes e nos fazem refletir sobre a necessidade da lei, impedindo excessos.
Em seguida procuramos apontar nosso ponto de vista, apresentando defesas que se contrapõem as críticas. Lembramos que a lei seguiu o processo legislativo regular, passando, inclusive, pela Comissão de Constituição e Justiça de ambas as casas do Congresso Nacional, sendo considerada constitucional. Segundo os legisladores, como pudemos verificar anteriormente, não afronta o Direito à Vida, previsto no artigo 5º da Constituição Federal.
Os procedimentos seguidos pelas aeronaves de interceptação são seguros, tornando a possibilidade de erro extremamente remota.
As garantias constitucionais são respeitadas, mas a aeronave precisa pousar, do contrário, Direitos Fundamentais de outros cidadãos são violados.
E, como observamos, as convenções internacionais são, por vezes, dúbias, mas nenhuma norma restringe o direito dos estados de exercerem plenamente sua soberania sobre o espaço aéreo.
Além disso, mesmo sem ter derrubado nenhuma aeronave, alei já se mostrou efetiva, reduzindo o tráfego ilícito em 60%[105].
Para concluir, com este trabalho não pretendemos esgotar o assunto, mas apresentar pontos de vista diferentes. A doutrina atual parece acomodada com a ideia de inconstitucionalidade da “Lei do Abate”, sem apresentar nenhuma alternativa viável ao problema.
Sem dúvida é um tema que merece ser mais bem discutido pelos operadores do direito, esperamos que esta monografia venha a contribuir para uma discussão racional e produtiva sobre o tema.