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O porquê da Filosofia do Direito

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Agenda 20/03/2014 às 17:07

A Filosofia do Direito serve para pôr a prova os conceitos do direito positivo no jogo entre o pensar e o conhecer.

A coerência dessa disciplina nos remete a dois defeitos ou duas carências muito peculiares dos cursos jurídicos, num primeiro momento por conta da apresentação atomística do fenômeno jurídico e, depois pela prevalência da técnica sobre a ética.

Traz a Filosofia do Direito[1] uma visão panorâmica e contextualizada do fenômeno jurídico. Enxerga-se não só o direito pátrio ou o direito internacional, nem só o direito positivo ou direito natural. Examina-se o direito como um todo, como um conjunto cujo composto goza de artificiais e didáticas divisões.

A visão filosófica nos exige uma reflexão principalmente no contraste inevitável existente entre o direito ideal e direito vigente. Não se pode sufocar a necessidade de uma crítica permanente do direito positivo.

Não podemos aceitar a mera análise apenas factual da realidade do Direito, como se fosse um dado que não precisa ter explicação e nem justificativa. Também através da viagem das ideias reconhece-se no fenômeno jurídico sua natureza histórica.

Como podemos realmente entender o princípio da separação dos poderes, que sempre fora objeto de estudo de pensadores como Platão, Aristóteles, Locke, Montaigne entre outros que culminaram no modelo tripartite presente no art. 2º da Constituição Federal Brasileira de 1988, também utilizado pela maioria das democracias ocidentais e, ainda, consagrado no art. 16 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789?

O modelo tripartite[2] consiste em atribuir aos três órgãos independentes e harmônicos entre si as funções legislativa, executiva e judiciária.

Como entender todo o ardor e efervescência revolucionária sem a compreensão de uma evolução social que percorreu toda a Idade Média europeia? É exatamente esse caráter histórico do Direito que é importante para a compreensão dos direitos humanos.

A vida social brasileira desenvolveu-se durante quatro séculos ou mais, fundada na escravidão, e isso sempre nos pareceu algo natural até o final do século XIX.

Mesmo as grandes corporações eclesiásticas, as grandes ordens religiosas eram proprietárias de fazendas e exploravam a mão-de-obra escrava, sem que suscitasse nenhum problema moral.

Afora isso, havia a visão de que a mulher[3] foi considerada inferior ao homem, e ainda, a crença esdrúxula da superioridade de uma etnia sobre as demais.

Como afinal se processou a luta extraordinária e talvez a mais relevante de todas pela igualdade de gênero? Como será que devemos reconhecer em razão da evolução biológica, há uma inegável evolução de ordem ética?

A visão excessivamente técnica do Direito que é mero instrumento, sendo neutra quanto aos valores, que pode servir à vida como também servir à morte.

É impossível reduzir o Direito a uma mera técnica, desprovido de debate ético assim como os juízes, que, ao julgarem contra a sua consciência[4], refugiam-se no fato de que sejam meros servidores da lei.

Repise-se que o juiz não é legislador[5] e, portanto, decide fundamentadamente apontando explicitamente as razões de fato e as razões de direito.

O Direito é parte integrante da ética, e mais precisamente de uma ética positivada, o que nos faz buscar uma detida análise das fontes da ciência jurídica[6].

O Direito tem sua fonte exclusivamente no poder, ou tem apoio necessariamente no poder, e tem apoio na consciência social, de índole coletiva. E, neste caso, qual destas fontes deve prevalecer?

Mesmo nesse contexto, o estudo dos direitos humanos[7] que noz traz respostas a essas questões. Que traz a lume o aviltamento da pessoa humana no Direito penal, Direito Civil, no Direito Constitucional e demais ramos jurídicos. E o que representou na evolução histórica, no choque entre a consciência social e o direito imposto pelo poder.

É a Filosofia do Direito que nos força refletir sobre a relação constante entre a moral e o direito[8] tão simplesmente resolvida pelo positivismo jurídico[9].

O grande problema é frequentemente omitindo nos cursos jurídicos: a contraposição entre a justiça e o realismo. Todos nós, que somos vitimados pelo tempo, que é inexorável a decadência própria da idade, tendemos mais para o realismo, muitas vezes com o sacrifício da justiça.

A antropologia filosófica[10] que comprova o Direito seja uma ciência social aplicada. Sendo ainda uma ciência humana que trabalha com a natureza humana.

E, então, nos deparamos com a seguinte indagação: A partir de que momento há uma situação em que percebemos que as exigências de ordem moral já se tornaram exigências jurídicas?[11]

A consideração direitos humanos é fundamental para a compreensão do Direito e dos rumos da civilização atual. E é nessa teoria fundamental dos direitos humanos que se funda a validade do Direito.

O verdadeiro curso de Direito não é uma simples preparação ao exercício profissional. É uma preparação para a vida. Mas principalmente porque a Filosofia do Direito se revela como ciência da disciplina da convivência humana pelas primeiras causas.

As causas representam o prelúdio inevitável de todo conhecimento científico. Lembrando que certas causas são suscetíveis de serem reveladas pela experiência, enquanto que outras não se encontram no plano de sensibilidade, só podendo ser descobertas pela inteligência humana.

As ciências das causas experimentais ou de causas segundas que são chamadas ciências da natureza; e a ciência das causas intelectuais (as ciências das primeiras causas) como é a Filosofia.

Cumpre reafirmar, porém, que a Filosofia, como sistema de conhecimentos demonstrados é ciência; é, de fato, a “ciência das ciências”, por ser aquela cujo conhecimento das outras causas depende.

É evidente que, o objeto da Filosofia não deve ser considerado um objeto particular desta. Por quê? Porque todos os objetos particulares das outras ciências são objeto da Filosofia. Só a Filosofia cuida de todo o real.

A diferença entre a Filosofia e a ciência[12] da natureza não é, propriamente, uma diferença de domínios, mas de pontos de vista. Posto que a Filosofia dependa da experiência sensível, como a ideia depende das sensações. Define-se a Filosofia como a ciência de todas as causas pelas suas primeiras causas conforme bem conceituou Aristóteles. É uma concepção de universo, uma ciência da Unidade do mundo embora feita da diversidade das coisas.

O jurista autêntico mantem-se preocupado com os problemas da ordem. E, o pensamento da ordem se inclui no pensamento da cultura. A cultura que se nutre da ordem mental, da ordem das ideias, nas operações da inteligência.

E significa também, disposição humana das coisas, em razão da ordem das ideias. Tanto é cultura[13] o conjunto ordenado de concepções, num conhecimento da ciência, como é cultura o sistema de valores que caracterizam a mentalidade e os códigos de uma determinada civilização ou de um determinado grupo humano. Toda cultura[14] representa um aperfeiçoamento que naturalmente é resultado de uma ordenação.

Buscar a definição da Filosofia do Direito significa compreender a distinção que Kant[15] faz entre o pensar (que é preocupado na busca do significado) e o conhecer (que é ocupado com o rigor da cognição). Não se trata de uma dicotomia excludente posto que efetivamente “penso” a partir daquilo que conheço e, “conheço” levando em conta aquilo que penso.

E conhecer em Direito significa conhecer o direito positivo, é a dimensão técnica que confronta os interesses filosóficos diante dos problemas colocados pelo direito positivo.

Por isso, segundo Bobbio[16] a Filosofia do Direito é obra dos juristas e não de filósofos stricto sensu. É uma filosofia da experiência jurídica numa época como a nossa de universais fugidios, a única base para testar os conceitos é a própria experiência.

Lembremos que a experiência resulta da interação entre o sujeito que conhece e o objeto que é conhecido. Tem a função de pôr à prova, de ensaiar e de testar.

Serve a Filosofia do Direito para pôr a prova os conceitos do direito positivo no jogo entre o pensar e o conhecer. Nesse particular é muito relevante o tridimensionalismo jurídico de Miguel Reale[17] considerado como nosso grande mestre de Filosofia do Direito.

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Reale afirmou que é impossível lidar com a experiência jurídica sem lidar simultaneamente com os fatos sociais, com os valores e normas.

A interdependência de fato, valor e norma nos permite pensar o Direito pelo ângulo interno e externo. A tridimensionalidade veio conferir status epistemológico a experiência jurídica, e aos procedimentos que se valem os juristas para aplicar, conciliar e comprovar normas de direito positivo.

Daí, a sua importância para o entendimento da hermenêutica jurídica como sendo um dos campos de investigação da Filosofia do Direito que é o aperfeiçoamento do método da interpretação.

A interpretação tem sido alvo mais frequente e conturbado de reflexão do direito. E, por isso, nos colocam diante de problemas complexos e concretos suscitados pelo próprio direito positivo[18].

O que nos leva a debater os principais gerais constitucionais, porém recorde-se que os princípios são genéricos em contraste com as regras que são específicas. E, são ambos dotados de normatividade. E, é exatamente na interpretação e exegese da aplicação dos princípios constitucionais que não têm especificidade das regras que os grandes temas da Filosofia do Direito se colocam e que veem sendo elaborados em função dos problemas colocados para os juristas à luz da experiência jurídica contemporânea.

Nesse sentido os princípios gerais teriam conforme bem lecionou Bobbio, uma função de expansão não apenas lógica, mas axiológica do Direito (o que prestigia tanto a analogia e os princípios gerais de Direito).

É o procedimento de subsunção[19] de um caso particular a um princípio geral. No caso dos princípios gerais de Direito, é um caso de subsunção direta. Já no caso da analogia[20] ocorre a chamada subsunção indireta por meio da semelhança relevante com outra situação jurídica que permita a construção de um princípio geral.

Daí a distinção pelos antigos juristas entre a analogia juris (a dos princípios gerais) e a analogia legis (analogia stricto sensu).

Kelsen apontava que a analogia situa-se no campo do provável. A analogia juris e a analogia legis tinham função integrativa e interpretativa do ordenamento jurídico. Assim se consolidaram os princípios tais como o pacta sunt servanda, o respeito aos direitos adquiridos, o da prescrição liberatória, o da reparação do dano, o do respeito à coisa julgada, princípio da preservação da dignidade da pessoa humana, o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, o princípio da continuidade do Estado independentemente da mudança dos governos, a regra do esgotamento dos recursos internos, antes de recorrer a outras instâncias superiores.

A grande discussão contemporânea sobre os princípios gerais desempenham a função de expansão não apenas da lógica jurídica, mas principalmente da axiologia do Direito. É o caso da Constituição Federal de 1988 que, como outras constituições modernas, possuem grande densidade material que se exprime particularmente por meio dos princípios[21].

Os princípios não se caracterizam por serem mutuamente excludentes[22] no plano abstrato, plano em que são compatíveis, surgem, então, as antinomias em casos concretos, são solucionáveis pelos critérios clássicos tais como lei posterior, lei superior e lei especial. Resolver esse busilis é um dos temas que se ocupa a Filosofia do Direito.

Fruto da relação entre o pensar e o conhecer, no art. 4º da CF/1988 que estabeleceu os princípios constitucionais como marco normativo que rege as relações internacionais do Brasil. E que possuem a função de proibir e limitar como também de promover e estimular o espaço de atuação.

Os princípios, conforme alude Robert Alexy[23], são mandados de otimização [24]e positivam valores. E, os valores conforme explica Reale têm entre suas características a realizabilidade, que é o suporte que tem na realidade e a inexauribilidade que aponta para seu significado de dever ser.

Por conta disso, os princípios são preceitos de intensidade modulável a serem aplicados na medida do possível, e com diferentes graus de efetivação.

A sua aplicação é uma atividade, leva em conta as circunstâncias (o ângulo externo) e requer a convivência e conciliação dos princípios, num jogo de complementações e restrições recíprocas (o ângulo interno). Tem como ponto de partida para a elucidação do sentido, o texto e ao mesmo tempo é o texto o limite da atividade hermenêutica.

Concluímos que a Constituição Federal de 1988, em contraste com as anteriores, fez uma significativa ampliação ratione materiae dos princípios que regem as relações públicas e privadas.

Já no preâmbulo da Constituição vigente há o compromisso, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias, que é relevante na interpretação do art. 4º que estipula que a República Federativa do Brasil rege-se, nas suas relações internacionais, pelos seguintes princípios: o da independência nacional, a prevalência dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos, da não-intervenção, da igualdade entre os Estados, da defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e a concessão de asilo político.

E aduz ainda seu parágrafo único que se buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. É a semente do conhecido Mercosul[25].

Tidos em abstrato, os princípios em tese são todos conciliáveis, tanto os nacionais como os internacionais. Assim na seara principiológica há interpenetração e complementariedade constante e a necessidade de relacioná-los com os outros dispositivos constitucionais.

O princípio da prevalência dos direitos humanos[26] conjugado com o segundo parágrafo do art. 5º aduz que: direitos e garantias expressas na Constituição não excluem outros decorrentes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, o que se conclui por ser uma política do direito.

Existe uma intensa conexão entre o pensamento e a realidade. Para perceber qual é a característica de determinado pensamento e, portanto, qual seriam a linha filosófica e as bases ideológicas adotadas por este ou aquele pensador, jamais podemos desconsiderar a própria realidade onde se vive nas dimensões reais da sua própria existência.

Por isso, existem múltiplas filosofias e múltiplos pontos de vista. Ao analisarmos a sociedade humana, constatamos que é um conjunto de relações sociais, relações entre homens. Mas nem sempre são relações intersubjetivas ou interpessoais não são somente vínculos entre as pessoas.

Existem também relações sociais entre pessoas, porém mediadas existem no mundo. Os homens também se relacionam entre si mediante bens, mediante coisas, objetos.

Tais relações de grupos de pessoas mediadas por bens, especialmente bens de produção, são as chamadas de relações estruturais.

Desta forma, não existem apenas relações sociais calcadas nos vínculos intersubjetivos de ética, da amizade, do amor, do companheirismo e da vizinhança. Essas relações interpessoais são relações importantes especialmente para a saúde mental.

Mas estas não são suficientes para caracterizar a produção da vida social, especialmente a produção da vida material da sociedade. Os homens estabelecem relações entre si mediante os bens de produção, mediante estruturas de produção.

Tal distinção fica clara, quando se diferencia direito posto e direito pressuposto. E, lança o pensamento e a sua visão sobre a sociedade civil onde se situam exatamente os confrontos, os conflitos, enfim, as contradições sociais.

Na concepção tradicional e funcionalista parece que a realidade das relações sociais que se mostram essencialmente de forma harmônica. As coisas, os entes e os processos se complementam uns aos outros, como os órgãos ou os processos do corpo humano.

No entanto, na realidade, a sociedade parece não funcionar assim. Nesta, existem contradições entre as forças sociais, onde existem antagonismos entre grupos sociais, visto que, não raro perseguem interesses opostos.

Metaforicamente, o estômago trava um duelo com o coração, que por sua vez duela também com o pulmão, e este com o cérebro e, assim, o processo social é muito mais complexo do que orgânico. Não são as mesmas leis, proveniente da biologia[27] e que são válidas para a sociedade.

Observando a estrutura social verificamos que as relações humanas guardam entre si por meio dos bens de produção (relações estruturais) são importantíssimas para caracterizar não só o caracterizar não só o processo, de produção da vida material da sociedade, mas também para diferenciar os grupos sociais distintos, as classes sociais.

Isto porque alguns controlam tais bens, decidindo o que produzir, outros apenas obedecem, sem condições de decidir sobre o como utilizar aqueles mesmos bens de produção.

Tais relações estruturais vão marcar fundamentalmente a vida social e os valores sociais. E influenciam expressivamente na maneira de pensar, na maneira pela qual a elite e o povo compreendem e realizam a cultura.

O pensamento filosófico, pois, como manifestação dessa compreensão e cultura, está enraizado no processo histórico-social e reflete, inevitavelmente, os conflitos dos valores e dos interesses hegemônicos com os das parcelas dominadas da sociedade.

Concluímos que o modo como a vida social é reproduzida e dos embates sociais emergentes de determinados períodos históricos. Estes embates também se refletem no modo de conceber os problemas e questões humanas.

A concepção funcionalista da sociedade contrapõe-se à sua concepção histórico-dialética, expressando aquela polarização de concepções do mundo social não apenas diferenciadas mais inclusive antagônicas.

A estrutura feudal, por exemplo, condiciona uma forma de relacionamento entre os homens, calcada numa simplicidade produtiva, na produção artesanal.

Por isso, é claro, ali não há desenvolvimento da tecnologia e da ciência, como acontece em nosso sistema, um sistema mercantil capitalista.

Esse sistema é dinâmico, mas não a-histórico. É um sistema historicamente definido, ou seja, terá um fim. Como teve um começo, terá um fim. E isso, influi profundamente na visão do Direito e da Filosofia do Direito, na visão do mundo e na ética das ações.

A linha inicial para se entender tal dinâmica seria justamente ver a diferença entre o conhecimento objetivo, científico e o conhecimento filosófico. A ciência tem sua apuração calcada na perspectiva da observação e da experiência.

A ciência deve permanecer nos limites do empírico. A filosofia parte da experiência, mas transcende a experiência, podendo cair para o lado metafísico, ao lado das entidades fantasmagóricas, das entidades coisificadas não comprovadas por nenhuma forma de experiência, ou pode cair para o outro lado que é o lado diferenciado da crítica epistemológica ou linguística de reflexão sobre os valores que envolvem a experiência como um ideal, como expressão de vida ética.

A questão ética, entretanto, também não escapa à dimensão objetiva da realidade objetiva e concreta. Também está muito definida em função dessa mesma realidade. Não é possível pensar a ética sem a estrutura social, sem a estrutura objetiva que nós enfrentamos no correr da vida.

Dentro da concepção conflitiva da sociedade, a ética deve também incorporar criticamente as contradições e os fatores de conflito que existem na sociedade. E, em última instância, os conflitos entre classes sociais.

A distribuição de riquezas numa sociedade não é algo: é um processo eminentemente social e político, sujeito às decisões públicas e privadas. E tal fato vai influir na maneira como as pessoas se integram, se articulando e enfrentam o mundo, as forças tradicionais e conservadoras e, inclusive, como procuram transformar o mundo.

Porém existem pessoas que não querem transformar nada, realmente não desejam mudança social. Apenas almejam a manutenção dos privilégios vigentes e a sua amplidão com a redução do sistema. Mas existem as pessoas que querem a mudança para escapar da tragédia social.

Apesar desses conflitos, nota-se um grande esforço das sociedades pela busca da paz, o que implicitamente significa que existem forças políticas que querem a guerra. É o caso dos russos com relação à Ucrânia[28]. Há, portanto, nítida oposição entre essas forças.

Mas por que desejam a guerra, será porque sejam realmente maus? Não me parece que assim o seja. Não basta a ética para decifrar o mote dos conflitos. É preciso enxergá-los pela ótica das necessidades estruturais de determinada sociedade e, são estas que conduzem as pessoas à guerra e ao comportamento violento.

Por que os EUA participaram e ainda participam ativamente de várias guerras, tais como Iraque, Irã, Armênia e tantas outras? A resposta está no sistema social que comando os EUA que requer que tragam a energia para sobreviver. O país mais forte do mundo não prescinde de energia que, fatalidade natural, não possui em seu território.

É necessário tê-la de algum modo para dar continuidade, com segurança e certeza, à reprodução da vida material mantida por aquela sociedade... A mais valia na sociedade norte-americana é tão impositiva que ser chamado de loser (que significa perdedor em português) é uma injúria gravíssima e que pode justificar assassinatos cruéis e reações violentas sem precedentes.

Então hoje lutar pela paz, pelo diálogo sem violência, significa justamente enfrentar e contrariar aquela poderosa economia, aqueles interesses poderosos e que lucram absurdamente com as mortes, feridos e danos patrimoniais catastróficos.

E, isso influi inevitavelmente sobre a maneira de pensar a dignidade da pessoa humana, sobre o refletir filosoficamente sobre o homem, a humanidade e suas necessidades e condutas.

São questões essenciais que não são resolvidas com a mera lógica posto que tal compreensão calcada em valores, nos sentimentos e na ética, não se resuma, contudo, à pura razão instrumental.

Há de se distinguir a fria lógica científica da lógica da representação intelectiva que envolve critérios de verdade e falsidade, outra é o saber da prudência, da vontade dirigida por valores, valores próprios da dignidade humana, da práxis humanista.

Desta forma, a lógica racional deve ceder lugar à lógica do razoável, que é a lógica do sentimento, do afeto, da busca de valor.

Mas cumpre ressaltar que ceder lugar, não significa substituir e, sim dar margem às novas formas de manifestação do espírito. Outra lógica ainda é da ação, da atividade, da vontade e da decisão.

Portanto para ampliar o conceito de razão não podemos no contentar com sua feição monológica e solitária, estritamente formal, de caráter preciso e único, razão rigorosa que lida com o necessário e com o universal.

Não há como se contentar com a razão clássica traçada por Platão e Aristóteles.  Este último, entretanto, abre, em sua Retórica e em sua Dialética, novas possibilidades e formas de entender e aplicar uma lógica diferente, alógica da argumentação, a lógica do diálogo, que não teve maiores avanços a não ser no final do século XVIII e, depois na segunda metade do século XX.

Assim se amplia o plano da racionalidade, que compreende o contingente, o verossímil, o provável que correspondem aos valores que são os mais apropriados para os assuntos humanos.

Deixa de ser uma razão solitariamente racional, razão pura, da ciência, monológica, mas a razão em que caiba em sua dimensão o afetivo[29] e outras dimensões diferentes das representações intelectivas cujos critérios são apenas a falsidade e a verdade.

Precisamos ponderar as razões, os motivos e as consequências. A consciência é determinada pelo ser social. É este que em última instância, traça o perfil da consciência.

Por essa razão, a Filosofia, expressão da autoconsciência, está condicionada não só pelo passado, mas também pela vida presente, pelo modo que se produz social e material no presente.

A história concreta dos homens se rebela em ser a história dos valores na realidade humana em sua práxis que condiciona as intenções.

Portanto, estudar o próprio homem concreto situado existencialmente articulado segundo a estrutura social hodierna, na qual existem profundos conflitos em torno do lucro, do ganho pessoal, do egocentrismo, que gira em torno do valor de troca, acabamos por deixar de lado o valor de uso social, o valor das necessidades sociais.

Então o valor de troca dimensiona as formas sociais predominantes. No Brasil temos baixa capacidade e baixo poder de troca. Consequentemente, existem pessoas marginalizadas da sociedade, não participam do mercado, não têm o que comer e nem como beber água limpa, saneamento básico posto que não tenham meios de acesso à saúde, à educação, à segurança e a lazer, enfim, ao mínimo existencial.

Isso torna a questão de liberdade uma temática fundamental em Filosofia. Mas ela está muito relacionada com a estrutura social e com o poder econômico dos indivíduos.  

Como podemos admitir que a pessoa seja livre, se não tem acesso às bases vitais para sua existência? Quanto menos tem, mais fica adstrita àquela condição de ter quer trabalhar continuamente.

Muitas vezes nem sequer tem trabalho; então, que liberdade pode ter uma pessoa nessas condições?

Há mesmo liberdade de escolha? Mas, não tem liberdade real; em verdade, não tem liberdade alguma na realidade. Isso significa que à medida que cresce o seu patrimônio, maior será a liberdade.

Também se pode ter em conta que as condições materiais da vida refletem-se, decisivamente na liberdade para agir, pensar, avaliar, conhecer e filosofar. A liberdade é enfim um assunto profundamente humano e social.

Para obter a liberdade precisamos não só filosofar, mas também agir para transformar as condições de distribuição das riquezas entre os homens.

Ao cogitar na Filosofia do Direito temos que refletir até que ponto o Direito não tem determinada função exatamente para manter as coisas como estão e, exatamente para manter e consagrar ideologicamente as mesmas linhas de preservação.

Mas o próprio Direito implica também em contradições e conflitos. Principalmente porque só os homens criam o Direito, segundo seus interesses, segundo o sistema em que estão inseridos: um sistema social que é profundamente desigual e injusto.

A questão da justiça não é apenas ideal ou teórica, não concerne apenas a m pensamento abstrato ou neutro. A justiça está imbricada materialmente com as estruturas da sociedade, às condições pelas quais se produz exatamente a vida material da sociedade, porque são tais condições que determinam para todos nós a tranquilidade para refletirmos sobre a Filosofia.

Na vida social é natural que pertencemos a uma classe social fundamentalmente consumidora. É só consumimos os produtos sem que identifiquemos claramente o processo produtivo social, e nem a história.

Também o Direito constata que somos vítimas de ilusões jurídicas coisificadas. E as ilusões refletem mais o resultado do que o processo.

Kelsen, a propósito, cogitou sempre da norma como resultado mais do que propriamente como processo. Mas muitas indagações sobre a norma ainda nos atormenta nos dias de hoje: por que foi feita a norma? Por qual motivo? Qual é o seu fim?

No fundo, o que nos interessa, para obter-se justiça na aplicação do direito, é a norma procurada além de sua estrutura lógica. Além de seu conteúdo preceitual e sancionador. É fundamental conhecer a estrutura da base e origem social das normas para saber os reais motivos e fins da produção normativa e da aplicação jurídica.

A dinâmica da produção normativa é histórica e social, o que nos remete a análise para além do próprio direito positivado, de modo dogmático, porém tão real quanto o direito natural.

O sistema capitalista determinou uma dinâmica extremamente concentradora de riquezas e permitiu nitidamente em seu processo de acumulação, a ampliação da produção e consequentemente a extrema divisão social do trabalho, a inserção e o desenvolvimento tecnológico e das ciências cada vez mais universalizadas, permitindo um gigantesco processo produtivo bem sofisticado, ao ponto de negar sua origem essencial que é a força de trabalho.

O que acarreta grandes consequências na produção do direito positivado, como é o caso da flexibilização jurídico no plano do direito social.

Dos seis bilhões de pessoas que habitam nosso planeta azul praticamente a metade vivencia grandes dificuldades existenciais. Deixando claro que na sociedade de consumo, há o nítido predomínio do valor de troca em face do valor de uso social.

O que forçosamente modifica o próprio direito em razão da estrutura socioeconômica definida. Portanto, qual a maior complexidade das ações e interações humanas, mas o direito deve orientá-las mediante normas e princípios. A exigência da hermenêutica é resultante do processo de transformação do próprio sistema jurídico, em face das alterações das bases socioeconômicas.

A positivação mostra a aceleração do processo de decisão que reflete cada vez mais o processo econômico-social mais dinâmico, mais complexo e mais extenso.

A democracia como expressão política de abrangente consenso das pessoas numa comunidade, influindo diretamente nas decisões políticas, opõe-se a outra força que não propriamente política que são as forças do mercado.

Conforme salientou Eros Grau[30] é necessário que haja um Estado que atue no sentido de tentar condicionar esse mercado também ao valor de uso social. O mercado é seletivo então há de existir uma força compensativa, a fim de proteger e manter ao menos a solidariedade mínima, a alguma forma de integração social de caráter mais ético.

Torna-se necessária a defesa do Estado dentro dos limites do sistema capitalista. A sociedade civil marcada pelos antagonistas resultantes da propriedade privada, dos bens de produção, de sua acumulação e reprodução, apresenta suas forças dominantes atuantes contrariamente às intenções de uma distribuição adequada e ampla da renda produzida.

É pela democracia participativa que podemos até certo ponto, neutralizar as forças perversas do mercado que funcionam cotidianamente.

Não se pode ter absolutamente a visão da dignidade da pessoa humana se não houver a visão crítica da própria sociedade, se não se verificar quem explora quem, quem domina de fato quem.

A ideologia dominante enfim mascara o antagonismo, da miséria e exploração. E, isso é feito também através do Direito. Por isso, o positivismo jurídico sofrera releituras e redimensionamentos e, viemos a conhecer o neopositivismo, o neoprocessualismo e o neoconstitucionalismo.

O que se percebe na busca da definição da Filosofia do Direito é que são várias. Karl Jaspers[31] em seu livro da Introdução à filosofia alude que as perguntas metafísicas são feitas pelos filósofos e pelas crianças.

Há perguntas infantis, porém que são profundas: por que as nuvens não caem no chão? Por que o mar é salgado e não evapora completamente? Por que nossas lágrimas também são salgadas? Enfim, ao perguntador cabe a curiosidade típica de quem ainda não fora subjugado pelo mundo.

E, Jaspers diz que as crianças fazem perguntas metafísicas mas também os filósofos como neuróticos procuram achar a verdade em cada coisa. A diferença expressiva entre o infantil e o neurótico é que este até ensaia uma resposta, mas depois retorna sempre às perguntas cruciais:

Mas, afinal, o que é o Direito? Para que serve? Consegue atingir seus objetivos primaciais?

Somente estudando a Filosofia do Direito estaremos aptos a conhecer as diversas respostas e, analisar atentamente a evolução do direito perante toda humanidade.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. O porquê da Filosofia do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3914, 20 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27002. Acesso em: 18 nov. 2024.

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