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A boa fé e os direitos fundamentais laborais como instrumentos limitadores do poder de direção empresarial

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Agenda 27/03/2014 às 16:35

O presente trabalho objetiva analisar a utilização do princípio da boa-fé, bem como da aplicação dos direitos fundamentais do trabalhador, como remédios aptos a limitarem o poder de direção empresarial atribuído ao empregador pelo ordenamento jurídico.

Resumo: O presente trabalho objetiva analisar a utilização do princípio da boa-fé, bem como da aplicação dos direitos fundamentais do trabalhador, como remédios aptos a limitarem o poder de direção empresarial atribuído ao empregador pelo ordenamento jurídico pátrio, inclusive em âmbito constitucional. Para tanto, faz-se uma análise teleológica do regramento legal com o devido auxílio da doutrina majoritária nacional, objetivando, pois, uma conscientização da necessidade de se repensar àquele poder, na medida em que, apesar de legitimado, ele encontra limite no respeito à dignidade humana do empregado revelada especialmente no completo respeito à vida privada, à honra e a imagem e à vida pessoal, de modo a protegê-lo na sua privacidade no local de trabalho com a conseguinte limitação das faculdades de organização, direção e controle do empresário, considerando de modo especial que a lógica contratual da subordinação e a organizacional do empresário conspiram contra o exercício dos direitos fundamentais dentro da empresa.

Palavras-chave: Poder de direção; Direitos fundamentais; Boa fé.

Sumário: Introdução. 1. Empregador e poder diretivo: noções gerais. 1.1. O empregador na relação de emprego. 1.2. O poder do empregador na relação de emprego. 1.2.1. Poder. 1.2.2. Poder direito: conceito e fundamentos. 1.2.3. Poder diretivo e subordinação. 1.2.4. Natureza jurídica do poder diretivo. 1.2.5. Aspectos do poder diretivo. 2. Limites dos poderes empresariais. 2.1. Noções gerais. 2.2. Direito a intimidade. 2.3. Direito a imagem e a honra. 2.4. Direito a liberdade ideológica e religiosa. 2.5. Direito a não discriminação. 3. A boa fé e os direitos fundamentais laborais como instrumentos limitadores do poder diretivo empresarial. 3.1. A boa fé na relação de emprego. 3.1.1. Noções gerais. 3.1.2. A boa fé objetiva e sua aplicação na relação de emprego. 3.2. Os direitos fundamentais laborais e sua aplicação na relação de trabalho. 3.3. Por uma conciliação entre direitos fundamentais do trabalhador, boa fé e poder diretivo. 3.4. Considerações finais. Conclusão. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

A presente pesquisa consiste em abordar e estudar a limitação ao exercício do poder diretivo do empregador no âmbito do contrato de trabalho, especificadamente no que se refere aos direitos fundamentais inerentes ao trabalhador, bem como no que tange ao princípio da boa fé.

O ordenamento jurídico nacional, inclusive em âmbito constitucional, reconhece ao empresário poderes de autotutela privada que lhe permitem defender seu próprio interesse, de forma unilateral e extrajudicial. O empresário, não obstante, deve exercitar esses poderes de forma limitada, não absoluta, sob pena de não o fazendo desta maneira, ver seus atos declarados ilícitos pelo Poder Judiciário, após provocação do afetado, tudo com fulcro nos arts. 12, 187 e 422 do Código Civil, aplicáveis às relações laborais por força do contido nos arts. 8º e 769 da CLT.

Assim, o problema que se vislumbra é a necessidade de que os poderes de direção empresarial, concedidos ao empregador por força do ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, sejam exercitados segundo as exigências da boa-fé e com respeito aos direitos fundamentais do trabalhador e no presente trabalho se passará à discussão e análise destas limitações, através de análise da mais abalizada doutrina sobre o assunto, devidamente reforçada por julgados consagrados sobre a temática prolatados pelas Cortes Pátrias.

E para um melhor estudo e compreensão, dividiu-se a temática em três partes.

No primeiro capítulo, ao estudar o empregador enquanto ente componente da relação de emprego e o poder diretivo atribuído ao mesmo por força do ordenamento jurídico, são mencionados os pontos primordiais para a compreensão deste direito conferido ao empregador/empresário, bem como seus pressupostos essenciais de validade e aspectos principais.

No segundo capítulo, aborda-se de forma ampla o estudo dos limites dos poderes empresariais, mediante análise conceitual da matéria, tudo através das mais abalizadas doutrinas e decisões jurisprudenciais sobre o assunto.

No terceiro capítulo, especificadamente, demonstra-se de forma abrangente e clara a necessidade de observância dos direitos fundamentais laborais e do princípio da boa-fé no âmbito do contrato de trabalho/relação de emprego, e, ainda como estes se apresentam como instrumentos hábeis a limitar o poder de direção empresarial, mediante uma necessária conciliação entre direitos fundamentais, boa fé e poder de direção do labor.


1. EMPREGADOR E PODER DIRETIVO: NOÇÕES GERAIS

1.1 O empregador na relação de emprego

Empregador, para efeito da relação de emprego, define-se como a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado que contrata a uma pessoa física a prestação de seus serviços, efetuados com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e sob sua subordinação1.

Como se infere, a noção jurídica do termo “empregador” é essencialmente relacional à de “empregado”, ou seja, existindo esta última figura no vinculo laboral pactuado por um tomador de serviços, este assumirá, automaticamente, o caráter de empregador na relação jurídica consubstanciada.

O art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho define empregador como:

"(...) a empresa individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. Parágrafo primeiro: Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados".

No entanto, como bem assevera a majoritária e moderna doutrina2, o enunciado do caput celetista é, tecnicamente, falho, sendo também falho de igual maneira o parágrafo único do mesmo artigo, por traduzir-se como claramente tautológico.

É que, de início e atendo-se ao caput do dispositivo supracitado, a expressão “empresa” enquanto definidora do termo empregador é alvo de muitas (merecidas) críticas, visto que, na verdade, empregador não é a empresa – ente que não configura, obviamente, sujeito de direitos na ordem jurídica brasileira. Empregador, assim, deve ser entendido, como qualquer pessoa física, jurídica ou ente despersonificado que seja titular da empresa ou do estabelecimento3.

Para Maurício Godinho Delgado4:

“A eleição do termo empresa, pela CLT, para desfigurar a figura do empregador apenas denuncia, mais uma vez, a forte influência institucionalista e da teoria da relação de trabalho que se fez presente no contexto histórico de elaboração desse diploma justrabalhista. A propósito, o Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214, de 1963) e a Lei do Trabalho Rural (n. 5.889, de 1973), ambos construídos em período histórico em que já não vigorava significativa influência dessas velhas correntes teóricas trabalhistas, não definem empregador rural como empresa, porém como pessoa física ou jurídica (caput do art. 3º da Lei n. 4.214/1963 e caput do art. 3º da Lei n. 5.889, de 1973)”.

Na verdade, como se denota, o legislador pretendeu realçar a estreiteza do vínculo entre o empregado e a organização produtiva, quando propôs a sinonímia entre empregador e empresa. Cedeu à tentação de cunhar uma metáfora, bem se pôde perceber5.

Ademais, ainda em sede de críticas ao dispositivo celetista acima descrito, especificadamente agora quanto ao seu parágrafo único, cabe observar que não existe, do ponto de vista rigorosamente técnico, empregador por equiparação. Na verdade, as entidades especificadas no referido parágrafo efetivamente configuram-se como empregadores típicos e não empregadores por equiparação ou extensão legal. Destarte, são entes sem fins lucrativos sim, mas esse aspecto não é relevante à configuração do tipo legal do empregador, por não se constituir em seu elemento fático-jurídico específico.

Alhures, não há, portanto, uma qualidade especial deferida por lei a pessoas físicas ou jurídicas para emergirem como empregadores, bastando, tão somente, que de fato se utilizem de força de trabalho empregaticiamente contratada. A presença do empregador, então, identifica-se pela simples verificação da presença de empregados a seus serviços, e não pela qualidade do sujeito contratante de tais serviços6.

Dessa forma, não existindo na ordem jurídica vigente qualificação específica para que uma entidade seja considerada empregadora (ao contrário do que ocorre com o empregado: pessoa física única e exclusivamente), disso resulta que até mesmo entes juridicamente despersonificados podem surgir, no plano jurídico, como empregadores, desde que se valendo ao trabalho empregatício, como ocorre, por exemplificação com o espólio ou massa falida.

Ademais, cumpre ressaltar ainda o processo de caracterização da figura do empregador na relação de emprego, processo este distinto flagrantemente daquela verificação fático-jurídicos dos cinco elementos (pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade) inerentes à identificação e caracterização da figura do empregado.

Tratando-se de conceito estritamente relacional, a caracterização da figura do empregador importa na simples apreensão e identificação dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego, aduzindo-se que o tipo legal do empregador está cumprido por aquele que se postar no polo passivo da relação empregatícia formada, inexistindo, por assim dizer, elementos específicos inerentes a tal figura, exceto um único: a apreensão por um sujeito de direito qualquer de prestação de serviço empregatícia, ou seja, verifica-se apenas o sujeito jurídico que tomou os serviços empregatícios, sendo este, a princípio, caracterizado como empregador.

Para Maurício Godinho Delgado7, configurada a relação de emprego, e, consequentemente, a existência de um empregador, a ordem justrabalhistas determina a ocorrência de alguns efeitos jurídicos universais sobre a figura do empregador, sendo, a teoria justrabalhista os arrola como aspectos característicos dessa figura tipificada. São dois esses efeitos (ou características): de um lado, a sua despersonalização, para fins justrabalhistas; de outro lado, sua assunção dos riscos do empreendimento e do próprio trabalho contratado.

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Inicialmente, quanto à despersonalização da figura do empregador, mencione-se que esta característica consiste na circunstância de autorizar a ordem justrabalhista a plena modificação do sujeito passivo da relação de emprego (o empregador), sem prejuízo da preservação completa do contrato empregatício com o novo titular.

Com efeito, essa despersonalização é um dos métodos fundamentais utilizados no Direito do Trabalho para obter determinados efeitos práticos importantes: permitir a viabilização do princípio da continuidade (inalterabilidade para o empregado, caso seja modificado o empregador) e proibir alterações prejudiciais ao contrato do empregado.

A despersonalização da figura do empregador encontra respaldo jurídico principalmente no artigo 10 da CLT, que dispõe que “qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados” e no artigo 448 da mesma Lei, que determina que “a mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados”.

Quanto à segunda característica, assunção dos riscos (também chamada de alteridade), mencione-se que esta consiste na circunstancia de impor a ordem justrabalhista à exclusiva responsabilidade do empregador, em contraponto aos interesses obreiros oriundos do contrato pactuado, os ônus decorrentes de sua atividade empresarial ou até mesmo do contrato de emprego celebrado. Por tal característica, em suma, o empregador assume os chamados riscos da empresa, do estabelecimento e do próprio contrato de trabalho e de sua execução.

O texto da CLT parece limitar a alteridade apenas aos riscos tipicamente empresariais – e não aos riscos decorrentes da própria existência do contrato de trabalho e de seu cumprimento. É que o art. 2º, caput, do diploma consolidado fala em riscos da atividade econômica, no mesmo preceito em que define o empregador como empresa. Não obstante essa aparência, a interpretação lógico-sistemática e teleológica da ordem juristrabalhista indica que se impõem, juridicamente, ao empregador, também, os riscos do trabalho prestado, ainda que este não tenha intuito econômico para seu tomador (caso do trabalho doméstico)8.

Tal posicionamento, entretanto, não é pacífico. Há o posicionamento de que a figura do empregador assume somente o risco daqueles que desempenham atividade lucrativa, que o risco não se estende a todo e qualquer empregador, como o doméstico, por exemplo. Nesse sentido, Octávio Bueno Magano9 afirma que:

No conceito de empregador não é essencial a ideia de assunção de riscos, porque nele se compreendem tanto os entes que se dedicam ao exercício de atividades econômicas quanto os que deixam de o fazer, dedicando-se, ao revés, a atividades não lucrativas, como é o caso das instituições de beneficência e das associações recreativas”.

Contrario sensu, Maurício Godinho Delgado10, defende que o que está expresso no art. 2º não é a intenção do legislador, que sua intenção foi responsabilizar o empregador por seu empreendimento econômico, bem como pelos custos e resultados do trabalho ao qual o empregado se prestou. Sendo assim, a alteridade é aplicada a qualquer tipo de empregador, independente se este exerça alguma atividade lucrativa ou não.

1.2. O poder do empregador na relação de emprego

1.2.1. Poder

Genericamente, para se falar em poder, necessariamente se fala no homem, no ser humano. Com efeito, o homem, enquanto ente que vive em sociedade e sujeito de relações sociais, relações estas, especificadamente, que fundamentam o termo poder: dos pais em relação ao filho, econômico, da justiça, do empregador em relação ao empregado, do professor em relação ao aluno, de Deus e tantos outros que se pode identificar no dia-a-dia.

De acordo com o pensamento sociológico de Max Weber11, poder é "a possibilidade de que um homem, ou um grupo de homens realize sua vontade própria numa ação comunitária, até mesmo contra a resistência de outros que participam da ação".

Com efeito, percebe-se que o termo e a caracterização de poder se encerra em dois pólos: de quem o exerce e de quem a ele se sujeita. Noutras palavras, poder é relacional (exercido por alguém em relação à outra pessoa), pressupõe alteridade e é inerente a qualquer relação jurídica.

No âmbito empregatício, tal assertiva não seria diferente, ou seja, não se estabeleceria o contrato de trabalho sem a presença do poder, que é, no caso, característica do empregador. Significa dizer que o empregado é que se sujeita à possibilidade de agir, de produzir efeitos desejados pelo seu empregador.

Nessa perspectiva, Maurício Godinho Delgado12, assevera amplamente que poder empregatício é o conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica e tendencialmente concentradas na figura do empregador, para o exercício no contexto da relação de emprego. Pode ser conceituado, ainda, como o conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente a prestação de serviços.

1.2.2. Poder diretivo: conceito e fundamentos

O empresário é ao mesmo tempo titular da organização em que os trabalhadores a seu serviço prestam a atividade laboral e parte do contrato de trabalho que celebra com cada trabalhador. Em virtude de ambos os títulos jurídicos, o mesmo exerce uma série de direitos, poderes, faculdades de modo a dirigir a empresa e a força de trabalho que nela se insere. A esse conjunto de direitos, poderes e faculdades conferidos ao empresário para dirigir a empresa e a força de trabalho que nela se insere, denomina-se poder diretivo empresarial13.

Nesse diapasão, como bem assevera o brilhante Maurício Godinho Delgado14, o poder de direção empresarial pode ser conceituado como o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas na pessoa do empregador dirigidas à organização da estrutura e espaços empresariais internos, incluindo neste poder potestativo, o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa, com a especificação e orientação cotidianas no que tange à regular prestação de serviços.

No mesmo sentir, Rodrigo Garcia Schwarz15 assevera que:

“(...) compete, portanto, ao empregador decidir como utilizar a força de trabalho que o empregado coloca à sua disposição. Pode, nesse contexto, organizar o seu empreendimento, decidindo a atividade que será nele desenvolvida, o número de empregados que serão admitidos e o local e o horário de trabalho, por exemplo, inclusive editando o regulamento da empresa. No exercício do poder de direção, o empregador define como serão desenvolvidas as atividades do empregado”.

Nesta perspectiva, pode-se afirmar que o poder de direção empresarial, em sentido amplo, é a capacidade, oriundo do seu direito subjetivo, ou então da organização empresarial, para determinar a estrutura técnica e econômica da empresa e dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das finalidades daquela16.

Alhures, se por uma vertente, como titular da organização da empresa, da liberdade da mesma e, também, do direito de propriedade dos meios de produção, o empregador tem a seu dispor um rol de instrumentos jurídicos/legais que lhe permitem conduzir a totalidade da empresa, por outro prisma, pode-se afirmar que as faculdades de direção dos trabalhadores abrangidos devem ser consentidas expressamente por estes mediante regular contrato de trabalho.

Pelo exposto até aqui, é coberta de acerto a assertiva doutrinária de que é no poder de direção e no correspondente dever de obediência que se encontra o núcleo central da subordinação laboral17. Trata-se, então, de um poder jurídico de tipologia obrigacional, ao passo que a submissão do trabalhador frente ao empregador, evidencia que no mundo do trabalho o empresário não apenas detém um direito como credor, como no campo obrigacional, mas também um direito de poder, de caráter essencialmente jurídico pessoal.

Quanto ao fundamento18 do poder diretivo, pode-se subdividir-se a análise em duas dimensões: a legal e a doutrinária. A primeira, como óbvio, investiga os textos legais vigentes que conferem título e substrato jurídicos ao fenômeno do poder em comento. A dimensão doutrinária de pesquisa, por seu turno, busca a efetiva fundamentação do poder, isto é, a causa ou fator que confere título e substrato à própria existência do fenômeno e que permite sua incorporação pelo universo normativo vigorante.

Em se falando de dimensão legal, precipuamente, o pode de direção do empregador, tem por fundamento primeiro a própria Constituição Federal, na medida em que este diploma adota o sistema econômico de produção capitalista, estabelecendo, por conseguinte, a liberdade de iniciativa19 e de empresa no âmbito das relações de trabalho e o direito de propriedade, muito embora subordinada a sua função social, consoante disposições insculpidas no artigo 5º, incisos XII, XXII e XXIII c.c artigo 170, incisos II e III, todos da Carta Magna.

Ainda no campo dimensional legal, em segundo lugar, na seara infraconstitucional, o art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT garante ao empregador o poder de, assumindo os riscos da atividade econômica, admitir, assalariar e dirigir a prestação pessoal de serviços incorporando assim, e de forma expressa, o poder de direção empresarial como um dos elementos tipificadores da figura do empregador, autorizando, inclusive, a despedida do trabalhador por justa causa (art. 482), quando deixar de obedecer às ordens daquele.

Com efeito, como se pode perceber, tratando-se do fundamento legal do poder de direção empresarial, pode-se afirmar que, no ordenamento jurídico pátrio, este encontra justificação e embasamento jurídico tanto no texto da Lex Fundamentalis como nas próprias disposições insculpidas na Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.

Na seara da dimensão doutrinária do fundamento do poder diretivo empresarial, registre-se que diversas teorias têm sido incansavelmente formuladas para justificar tal fenômeno20. Todavia, tem prevalecido majoritariamente a tese contratualista, de que o poder de direção tem por fundamento precípuo o contrato de trabalho. Isso decorre, por assim dizer, da assimetria do contrato de trabalho, em que um dos contratantes – o empregador – detém superioridade jurídica, com extenso e profundo conjunto de prerrogativas, com elevado poder de conformação do contrato, podendo alterar as condições do labor, inclusive unilateralmente, desde que obedecidas às gradações legais.

Nesse sentido, a concepção contratualista é a exata expressão da autonomia da vontade das partes, pelo que o referido poder emerge do pacto empregatício que assegura ao empregador um leque de prerrogativas, dentre elas, a administração, a gestão e a organização da atividade empreendida, de modo que, vinculando-se o trabalhador a este instrumento, atrai para si a obrigação/dever de acatar as determinações do empregador, desde que manifestamente legais.

Sobre o tema, opina Maurício Godinho Delgado21 que:

“As concepções que atribuem a existência e reprodução jurídicas do poder intra-empresarial ao contrato empregatício consistem naquelas que melhor traduzem o fundamento jurídico desse fenômeno. Trata-se das concepções que melhor revelam o título e substrato jurídicos do poder empregatício e melhor explicam a razão de ser jurídica desse fenômeno. É o contrato, de fato, o elemento que melhor confere suporte à origem e reprodução jurídica de tal fenômeno de poder. Efetivamente o pacto de vontades (expresso ou tácito), que dá origem à relação de emprego, importa em um conjunto complexo de direitos e deveres interagentes de ambas as partes, em que se integra o poder empresarial interno”.

São adeptos da teoria contratualista de fundamentação do poder empregatício, no Brasil, os renomados autores Délio Maranhão, Nélio Reis, Arion Sayão Romita e inúmeros outros22.

Destarte, é praticamente unânime e acertada, em nosso sentir, a posição doutrinária de considerar que o poder de direção empresarial emana do próprio contrato de trabalho pactuado entre as partes que compõe a relação empregatícia, ou, mais especificadamente, da obrigação do obreiro de submeter-se àquele instrumento, ainda quando na configuração do mesmo deve ter-se em conta também a posição que o empresário ostenta na organização, ou seja, a titularidade da liberdade de empresa, pois juridicamente não pode se articular de forma diversa.

Nessa seara, o contrato, enquanto instrumento de consentimento, apresenta-se como pressuposto necessário para o exercício do poder de direção, mas pode ser entendido ainda como algo mais, além de mero pressuposto, por consistir também no título que legitima a própria existência do poder de direção empresarial, entendido como poder de direção da prestação laboral do trabalhador concreto, e não como mera faculdade organizativa destinada à ordenação e direção da empresa, em especial, em matéria pessoal. Alhures, a própria estrutura do contrato, sua causa, seu conteúdo e seus perfis, por assim dizer, fazem do mesmo a razão técnica do poder diretivo23.

Desse modo, o ajuste que dá origem à relação de emprego implica também no reconhecimento da existência de um complexo de direitos e deveres entre os contratantes, e uma das formas como esses direitos e deveres se revelam é exatamente no poder de direção empresarial24.

1.2.3. Poder diretivo e subordinação

Ao confrontarmos os artigos 2º e 3º da CLT25, uma das principais conclusões a que se chega é a existência de subordinação na relação empregatícia. Como já asseverado no item anterior, a dependência do empregado em relação ao empregador constitui um dos traços diferenciadores do contrato de trabalho em relação aos demais contratos concebíveis no convívio em sociedade.

Quanto ao tema, o Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho26 assevera que, conceitualmente, podemos compreender a subordinação como a sujeição ao poder de comando do empregador e então temos os dois extremos dessa linha que une os sujeitos da relação empregatícia: a subordinação e o poder de comando. O sentido entre aquela e este é o da complementaridade (são dois lados de uma só moeda).

No mesmo sentido, Maurício Godinho Delgado27:

A subordinação corresponde ao polo antiético e combinado do pode de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços”.

E continua:

“(...) no direito do trabalho a subordinação é encarada sob um prisma objetivo: ela atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador. É, portanto, incorreta, do ponto de vista jurídico, a visão subjetiva do fenômeno, isto é, que se compreende a subordinação como atuante sobre a pessoa do trabalhador, criando-lhe certo estado de sujeição (status subjectiones). Não obstante essa situação de sujeição possa concretamente ocorrer, inclusive com inaceitável frequência, ela não explica, do ponto de vista sociojurídico, o conceito e a dinâmica essencial da relação de subordinação. Observe-se que a visão subjetiva, por exemplo, é incapaz de captar a presença de subordinação na hipótese de trabalhadores intelectuais e altos funcionários”.

Por conseguinte, a concepção subjetiva do fenômeno da subordinação, que segundo moderna doutrina encontra-se superada, se expressa com maior latência pela palavra “dependência” (sendo que, a propósito, esta é o verbete utilizado pelo próprio diploma normativo, em seu artigo 3º, para referir-se a subordinação na relação empregatícia).

Não obstante, efetivamente, alvitre-se que a expressão retromencionada acentua o vínculo pessoal entre as partes componentes da relação de emprego, correspondendo a uma fase eminentemente teórica em que não se havia ainda firmado a noção essencialmente jurídica do fenômeno da subordinação.

De qualquer modo, mencione-se, hoje a compreensão dominante acerca da dualidade poder de direção versus subordinação não mais autoriza o recurso àquela matriz subjetivista no tratamento dessa temática. Por essa razão, interpreta-se tal elemento sob a ótica essencialmente objetiva. Isto é, considera-se, mais além, que a intenção da lei é se referir à ideia de subordinação quando utiliza o verbete dependência na definição celetista de empregado28.

Quanto à natureza jurídica do fenômeno da subordinação, registre-se que, hoje, a temática já se encontra pacificada no âmbito justrabalhista, na medida em que a subordinação classifica-se, inquestionavelmente, como um fenômeno jurídico, derivado do contrato de trabalho estabelecido entre empregado e empregador, pelo qual o primeiro acolhe o direcionamento objetivo do segundo sobre a forma de efetuação da prestação laboral.

Como observa Alice Monteiro de Barros29, os partidários dessa teoria consideram que da relação contratual surge para o empregado o estado de subordinação e, para o empregador, o poder hierárquico. Empregado e empregador contratam nestes termos porque de outro modo não dariam curso à relação de emprego, que estão a instituir mediante o contrato assim celebrado.

Sobre o tema, arremata Maurício Godinho Delgado30:

“A natureza jurídica do fenômeno da subordinação é hoje, portanto, entendimento hegemônico entre os estudiosos do Direito do Trabalho. A subordinação que deriva do contrato de trabalho é de caráter jurídico, ainda que tendo suporte e fundamento originário a assimetria social característica da moderna sociedade capitalista. A subordinação jurídica é o polo reflexo e combinado do poder de direção empresarial, também de matriz jurídica. Ambos resultam da natureza da relação de emprego, da qualidade que lhe é ínsita e distintiva perante as demais formas de utilização do trabalho humano que já foram hegemônicas em períodos anteriores da história da humanidade: a escravidão e a servidão”.

No entanto, tais ordens do empregador ao empregado (reflexo da subordinação) não são ilimitadas, pois a este cabe tão somente a capacidade de dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das finalidades da empresa, ou seja, trata-se de capacidade limitada, devendo ser exercida na medida de sua finalidade, estando esta certamente ligada à sustentabilidade da empresa.

1.2.4. Natureza jurídica do poder diretivo

A pesquisa acerca da natureza jurídica do poder diretivo31 (e empregatício) tem gerado algumas concepções distintas e inconciliáveis atualmente na moderna doutrina. Entre elas destacam-se quatro vertentes tradicionalmente mencionadas pelos autores: a concepção de poder como direito potestativo; poder como direito função; poder como direito subjetivo; poder como fenômeno de caráter senhorial/hierárquico.

Examinando o poder como um direito potestativo, é possível afirmar que o empregador pode, de forma unilateral, adentrar na esfera jurídica do empregado e modificar a situação até então existente. Esse tipo de intervenção pode ser verificado na revogação de um mandato ou uma despedida sem justa causa de empregado não estável.

Segundo Delgado32 poder como um direito potestativo é uma:

“(...) prerrogativa assegurada pela ordem jurídica a seu titular de alcançar efeitos jurídicos de seu interesse mediante o exclusivo exercício de sua própria vontade. O poder, em suma de influir sobre situações jurídicas de modo próprio, unilateral e automático”.

O que retira do empregador o direito de agir de forma unilateral, impondo a sua única e exclusiva vontade, é a existência de direitos inalienáveis, imprescritíveis, fundamentais dos empregados, como assevera o retromencionado autor:

“O contraponto do direito potestativo é a existência de um dever sobre a titularidade da parte contrária ou da comunidade em geral. Como se sabe, o dever se constitui na indução jurídica a uma certa conduta em beneficio do interesse de outrem - o que mostra a força e extensão individualista do direito potestativo”.

Nesse diapasão, pode-se considerar que embora haja a sujeição do empregado em relação ao empregador, assim como existe a sujeição do quem sofre os efeitos do exercício do direito potestativo, essas sujeições são diferentes. No caso do contrato de trabalho, a sujeição tem se afigurado como construção ampla da doutrina, e quem define o poder diretivo como direito potestativo tem a ideia de que o empregador atua de forma a constituir as obrigações do trabalhador, e não apenas especificá-las.

Com efeito, realmente, a ideia de direito potestativo não comporta toda a estrutura do poder diretivo do empregador e de sua relação com o empregado porque este se obriga a trabalhar nos moldes que forem exigidos e preenchidos pelo poder diretivo. Não é uma obrigação de trabalhar qualquer, genérica ou abstrata e até mesmo inexequível, mas de acordo com o especificado pelo empregador.

Destarte, outros doutrinadores entendem que o poder diretivo é um direito-função, ou seja, um "direito com fins altruístas, que deve ser cumprido segundo a sua finalidade, da maneira mais útil possível pela pessoa habilitada” 33 .

Para Maurício Godinho Delgado34:

“Direito-função constitui o poder atribuído ao titular para agir em tutela de interesse alheio, e não de estrito interesse próprio. A potestade inerente ao direito-função não se esgotaria na prerrogativa favorável ao titular, importando também na existência correlata de um dever a ele atribuído. O empregador exerceria, desse modo, seu direito-função não em seu exclusivo interesse, mas tendo em vista o interesse da comunidade dos trabalhadores contratados”.

Com efeito, embora haja um avanço, especialmente se considerados os paradigmas do dirigismo contratual hodierno, a existência da valorização da dignidade da pessoa humana e de cláusulas gerais como a boa-fé objetiva, a função social dos contratos, ainda assim essa concepção não consegue absorver o tema porque o interesse que existe no âmbito empresarial não é supra-individual ou superior, não está atrelado a terceiros, mas à própria organização de tal atividade empresarial.

Quanto àqueles que consideram o poder diretivo um direito subjetivo, mencione-se a conceituação de Maurício Godinho Delgado35, para quem:

“Direito subjetivo é a prerrogativa conferida pela ordem jurídica ao titular no sentido de agir para satisfação de interesse próprio em estrita conformidade com a norma ou cláusula contratual por esta protegida. Contrapõe-se a uma obrigação”.

A principal das críticas feitas à concepção do poder diretivo como direito subjetivo pode ser verificada na correspondência entre direito subjetivo e a atuação da autonomia privada, aquele como manifestação desta. Como assevera Carlos Alberto da Mota Pinto36, direito subjetivo é sinônimo de liberdade de atuação e poderes, assim entendidos os poderes-deveres ou poderes funcionais, que não englobam tal liberdade de atuação, por que:

"(...) não podem ser exercidos se o seu titular quiser e como queira, mas devem ser exercidos pelo modo exigido pela função do direito. Se não forem exercidos quando deviam sê-lo, ou forem exercidos de outro modo, o seu titular infringe um dever jurídico e é passível de sanções."

Por derradeiro, de menor aplicação, mencione-se a corrente que concebe o poder como fenômeno de natureza hierárquica, uma relação senhorial/hierárquico. A presente concepção constrói-se a partir de duas perspectivas teóricas: ou considera a natureza hierárquica inerente à estrutura diferenciada da empresa ou a considera decorrência necessária do contrato de emprego celebrado.

Ainda, por fim, necessário se apresenta relembrar Maurício Godinho Delgado37, que, criticando as teorias expostas quanto ao direito potestativo e direito subjetivo, define o poder intra-empresarial como uma relação jurídica complexa, pois não se separam os diferentes momentos pelos quais a relação de emprego passou na história, justamente porque as diferentes características de cada momento não são estanques e isoladas, vão sendo sucessivamente modificadas. Diz o autor que o poder é relacional e se adapta, ou seja, detém uma plasticidade de configuração que varia também com a assimetria de seus pólos componentes (empregado e empregador).

1.2.5. Aspectos do poder diretivo

Com efeito, questão que surge corresponde à assertiva de como se manifesta este poder de direção titularizado pelo empregador e proveniente do contrato de trabalho? Manifesta-se, essencialmente38, através do poder de organização 1, do poder diretivo stricto sensu 2 e do poder disciplinar 3. Vamos relevar, logo, qualquer dissensão doutrinária39 a propósito da divisão do poder diretivo patronal e adotar logo essa setorização tripartite, proposta por Márcio Túlio Viana40, que conceitua as ramificações do poder diretivo da seguinte forma:

Poder de organização é a capacidade do empresário de determinar a estrutura técnica e econômica da empresa bem como a estratégia tendente à realização dos objetivos desta. Poder diretivo stricto sensu é a capacidade atribuída ao empregador de dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das finalidades da empresa. Poder disciplinar é o complemento do poder diretivo, mediante o qual se atualiza a coercibilidade das normas e ordens derivadas do exercício do último”.

Ademais, é claro que o poder de direção empresarial, manifestado pelas ramificações acima, tem limites derivados do seu próprio conteúdo e dos direitos dos trabalhadores, ou seja, o trabalhador não deve obediência ao empregador sempre que as ordens ou instruções se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias, especialmente aquelas ligadas aos direitos fundamentais ou quando alheias às obrigações assumidas por força do contrato de trabalho ou, ainda, quando atentem contra o princípio da boa-fé, conforme adiante explicitado.

Sobre o autor
Pablo Saldívar da Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/MS. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Especialista em Direitos Humanos e Cidadania pela Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/MS. Advogado.

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