2. LIMITES DOS PODERES EMPRESARIAIS
2.1. Noções gerais
Destarte, conforme abordado, o empregador detém certos direitos sobre seus empregados, o que se convencionou denominar de poder diretivo ou poder de direção empresarial, direito este legitimado tanto no âmbito constitucional quanto infraconstitucional, e fundamentando, segundo majoritária doutrina, no contrato de trabalho pactuado entre as partes componentes da relação empregatícia.
No entanto, tal poder não é absoluto, de modo que não pode ser exercido ilimitado ao bel prazer de seu detentor. Com efeito, surgem certas limitações a esse poder, visando proteger o trabalhador de eventuais excessos que possam vir a ser cometidos pelo empregador.
Frise-se que, todo e qualquer abuso de direito por parte do empregador deverá ser freado sob pena de este cometer falta grave, ensejando, inclusive eventual reparação por danos materiais e morais, e consequentemente, a extinção do contrato de trabalho por rescisão indireta, com os consectários legais e jurisprudenciais.
Nesse diapasão, a subordinação jurídica oriunda da relação laboral não autoriza o empregador a extrapolar as prerrogativas de controle, fiscalização e direção adentrando na esfera pessoal do empregado. O exercício do poder diretivo está relacionado tão somente ao bom desenvolvimento e a segurança da atividade empresarial. Por essa razão, pode-se afirmar que a direção empresarial será limitada pelo próprio princípio da dignidade da pessoa humana, pelos direitos da personalidade do empregado, ainda que no ambiente do trabalho, pois são indissociáveis da pessoa do trabalhador41.
Assim, os poderes empresariais constituem uma ameaça potencial para os direitos fundamentais do trabalhador, dada à forte implicação da pessoa na execução da prestação laboral. Apesar de esses poderes terem legitimação na própria Constituição e não serem intrinsecamente perversos, a lógica empresarial e da subordinação pode limitar e condicionar o exercício desses direitos. Por isso, os direitos fundamentais se impõem aos poderes empresariais durante o seu exercício, como limitadores primordiais do mesmo, e isso ocorre ainda quando, como entre nós a norma laboral (CLT) não tenha incorporado, pelo menos expressamente, um sistema específico de proteção a esses direitos, embora em certos momentos a eles haja se referido, como por exemplo, no art. 483. Mas, apesar dessa omissão, os direitos fundamentais se impõem de forma automática a partir da Constituição, limitando e controlando o exercício das faculdades empresariais de modo a impedir que o trabalhador possa ter sua dignidade afetada pelo exercício abusivo dos poderes empresariais pelo empregador42.
Como salienta Arion Sayão Romita43, os direitos fundamentais exercem dupla função: limitam o exercício do poder do empregador no curso da relação de emprego e representam barreira oposta à flexibilização das condições de trabalho mediante negociação coletiva. Assevera o mencionado jurista que:
“Os direitos fundamentais dos trabalhadores (portanto, direitos indisponíveis em caráter absoluto, insuscetíveis de renúncia, mesmo em sede coletiva), são os seguintes: direitos da personalidade, liberdade ideológica, liberdade de expressão e de informação, igualdade de oportunidades e de tratamento, não discriminação, idade mínima de admissão no emprego, salário mínimo, saúde e segurança do trabalho, proteção contra a despedida injustificada, direito ao repouso (intervalos, limitação da jornada, repouso semanal remunerado e férias), direito de sindicalização, direito de representação dos trabalhadores e sindical na empresa, direito à negociação coletiva, direito à greve, direito ao ambiente de trabalho saudável”.
Na mesma linha, Márcio Túlio Viana elenca diversos limites constitucionais ao poder diretivo do empregador. Analisando, primeiramente, o art. 5º da Carta Magna, afirma que o patrão não pode discriminar o trabalhador (incisos I e VIII); obrigá-lo a fazer ou não fazer senão em virtude de lei (inciso II); submetê-lo a tortura e a tratamento desumano ou degradante (inciso III); impedir a manifestação do seu pensamento (inciso IV); violar a sua liberdade de consciência e crença (inciso VI); bem como a sua intimidade, honra, imagem e vida privada (inciso X); obrigá-lo a associar-se ou impedi-lo de o fazer (incisos XVI, XVII e XX); obstar o acesso à justiça (incisos XXXIV e XXXV), dentre outros 44.
Há, pois, uma conscientização da necessidade de se repensar os poderes de direção empresarial, na medida em que, apesar de legitimados, inclusive constitucionalmente, eles encontram limite no respeito à dignidade humana do trabalhador revelada especialmente no respeito à vida privada, à honra e imagem, à vida pessoal de modo a protegê-lo na sua privacidade no local de trabalho com a conseguinte limitação das faculdades de organização, direção e controle do empresário, considerando especialmente que a lógica contratual da subordinação e a organizacional do empresário conspiram contra o exercício dos direitos fundamentais dentro da empresa45.
Pelo exposto até aqui, pode-se concluir que o poder de direção empresarial não dá direito à violação dos direitos da personalidade do trabalhador, bem como a inserção do empregado no contexto empresarial não mitiga a eficácia dos seus direitos fundamentais. Podem ser exigidos o respeito à dignidade, à honra, à imagem, à intimidade e à privacidade do empregado. Os direitos da personalidade são direitos inerentes ao ser humano, de ordem extrapatrimonial, inalienáveis, imprescritíveis e irrenunciáveis, que visam assegurar a dignidade da pessoa humana.
Em que pese à escassez de normas na Consolidação das Leis do Trabalho vigente que regulamentam especificamente esses direitos, cite-se o art. 483, alínea "e" que prevê, como causa para a rescisão indireta do contrato, a prática pelo empregador ou por seus prepostos de ato lesivo da honra e boa fama do trabalhador ou de pessoas de sua família, bem como o descumprimento pelo empregador de obrigações contratuais (art. 483, "d"). Um dos principais deveres do empregador é assegurar a dignidade e a integridade física e moral dos trabalhadores, dever este cuja importância transcende ao pacto empregatício.
Ademais, podemos nos remeter ao Código Civil de 2002, que por sua vez, conferiu ampla tutela aos direitos da personalidade no seu capítulo II. Essa disciplina é aplicável subsidiariamente às relações trabalhistas, nos termos do art. 8º da CLT.
Ademais, alheio a limitação do poder de direção pelos direitos fundamentais do trabalhador, De outro lado, apresenta-se também o princípio da boa-fé que, indubitavelmente incide nas relações laborais, na medida em que, como princípio geral (art. 422. do Código Civil) informa todo o ordenamento jurídico, gera deveres recíprocos no contrato de trabalho. A inserção do princípio da boa-fé no Direito do Trabalho na atualidade, parece não mais merecer nenhum reproche ou questionamento, pois o dever de atuar com fidelidade, lealdade e que tem relação direta com os critérios de colaboração e solidariedade das partes, tem implicação no contrato individual de trabalho constituindo um limite ao poder de direção empresarial balizando o atuar empresarial na fase pré-contratual, na execução do contrato e posteriormente ao rompimento deste46.
Com efeito, os trabalhadores e empregadores devem cumprir suas obrigações e exercer suas faculdades, direitos e poderes também de acordo com o princípio da boa-fé, mostrando-se este também como limitador do poder de direção do empregador, na medida em que esta é concebida como norma de comportamento legal e honesto de ambas as partes. Hoje em dia, se exige a boa-fé não só do trabalhador, mas, sobretudo, do empresário. Por isso, a boa-fé pode se converter em um meio eficaz, juntamente com os direitos fundamentais, de limitação e controle dos poderes empresariais fazendo ociosa a referência a outras noções, como o interesse da empresa, como bem assevera Francisco das Chagas Lima Filho47.
Como assevera abalizada doutrina espanhola48, na atualidade, a boa-fé não constitui apenas um instrumento de submissão, mas também de informação, cooperação e adaptação, para responder as necessidades de transparência, diálogo, participação, gestão antecipada das competências e qualificações. Por conseguinte, a boa-fé permite assegurar o dinamismo próprio da vida social e é uma condição de viabilidade da empresa: uma comunidade não pode subsistir se está fundada na deslealdade. É, pois, uma noção prometedora no Direito do Trabalho, constituindo, sem dúvida, um limite ao exercício dos poderes de direção empresarial.
Pelo exposto, conclui-se que, no campo das relações laborais os direitos fundamentais dos trabalhadores apenas poderão ser limitados se, e na medida em que, haja colisão com interesses relevantes da empresa, ligados ao bom funcionamento da mesma e ao correto desenvolvimento das prestações contratuais, e, ainda assim, guardada em qualquer caso, a boa-fé, e sempre em obediência aos critérios de proporcionalidade e de respeito pelo conteúdo mínimo do direito atingido. Por isso, e como mecanismos de limitação ao poder de organização e disciplina empresarial, há todo um arcabouço interno (constitucional e legal) e internacional (tratados e convenções, especialmente as convenções da OIT) de proteção aos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador. Entre os direitos que podem ser afetados no seio da relação de trabalho e antes mesmo que ela tenha início, e que são especialmente protegidos, pode ser citado, exemplificativamente, o direito de proteção à intimidade, à honra, à imagem, bem como o direito do trabalhador de não ser discriminado, conforme se verá nos tópicos seguintes.
2.2. Direito a intimidade
A intimidade é composta de valores internos que são os pensamentos, maneira de viver, desejos, anseios. E, valores externos, que são as pessoas e o meio com o qual o cidadão se relaciona. Intimidade é, portanto, a soma desses valores internos e externos 49.
Nesse diapasão, conceitualmente para Alexandre Angra Belmonte intimidade "(...) é o direito ao segredo pessoal ou de não ter certos aspectos íntimos de sua personalidade conhecidos pelos outros. É a esfera secreta e livre de intromissão estranha" 50.
De acordo com este pensamento, o direito a intimidade, pressupõe, portanto, ingerência na esfera intima da pessoa através de espionagem e divulgação de fatos íntimos obtidos ilicitamente, sendo que, segundo Francisco das Chagas Lima Filho51, seu fundamento é o direito à liberdade de fazer e de não fazer.
Com efeito, pode-se afirmar sem sombra de dúvida, que a intimidade é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si, sem a intromissão e sem nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance de sua vida privativa, na medida em que, por mais isolada que esta seja, é sempre um viver entre os outros em que a comunicação, ainda que reservada, é inevitável.
Para Teixeira Filho52 "a intimidade está relacionada com o que a pessoa faz e vive reservadamente, abrangendo não só o ambiente doméstico, mas também o ambiente laboral”.
O direito à intimidade é, assim, o direito personalíssimo que permite subtrair a pessoa da publicidade ou de outras turbações à vida privada, mas que está limitado pelas necessidades sociais e pelo interesse público53.
Não obstante, muito embora o Direito do Trabalho pátrio não faça menção aos direitos à intimidade e à privacidade, que constituem, por assim dizer, “direitos de personalidade”, consagrados em nível constitucional, esses direitos são sim oponíveis contra o empregador, devendo merecer o devido e inerente respeito, independente da condição onde se encontre o obreiro, ou seja, quer seja dentro do estabelecimento empresarial ou não.
Alice Monteiro de Barros citada por Francisco das Chagas Lima Filho54, assevera, nessa linha, que a inserção do trabalhador no processo produtivo não retirado empregado os direitos de personalidade, cujo exercício pressupõe liberdades civis, na medida em que o contrato de trabalho não pode ser erigido como um título legitimador para a violação de seus direitos como cidadão, mas mais que isso, como ser humano.
Alhures, não há dúvida de que o direito à intimidade permeia as relações laborais, erigindo-se, por conseguinte, em um importante limite da potestade discricionária do empresário, e ao mesmo tempo em garantia do exercício de outros direitos fundamentais. Por isso, de forma expressa e como mera especificação de um direito pré-existente do trabalhador enquanto cidadão, este direito se recolhe entre os direitos básicos dos trabalhadores na Carta Magna de 1988, precisamente em seu artigo 5º, inciso X55.
No mesmo sentido, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, apesar de não ter dado a devida e necessária importância à temática em comento, em seu artigo 48356, contém proibição de ofensa à honra e à boa fama do empregado pelo empregador, pelo que se infere não estar somente protegido o empregado contra delitos de calúnia, injuria ou difamação, mas também perante outros comportamentos capazes de atingir sua dignidade pessoal, visto que tais atos, certamente, são hábeis à atingir sua intimidade.
Nessa perspectiva, assevera Francisco das Chagas Lima Filho57:
“Constitui, pois infração muito grave, a conduta ou ato empresarial que resultar contrário à intimidade e a consideração devida à dignidade do trabalhador. Tanto assim, que o Código Civil (art. 12) autoriza medidas judiciais que visem não apenas a reparação dos danos decorrentes da violação, inclusive danos morais (art. 5º, inciso X, do Texto Maior), mas também, e principalmente, que façam cessar a ameaça a essa espécie de direito (direito da personalidade), valendo anotar que essas medidas tendentes à proteção da dignidade e da intimidade do ser humano, trabalhador ou não, podem ser propostas não apenas pela vítima da agressão ou da ameaça, mas também pelo cônjuge (ou companheiro) sobrevivente ou qualquer parente na linha reta ou colateral até o quarto grau, o que evidencia a importância que o legislador emprestou à tutela dessa espécie de direitos”.
Pelo exposto, conclui-se que em se tratando de relações empregatícias o direito à dignidade e à intimidade do trabalhador atua como uma espécie de blindagem dos dados e do comportamento a seu respeito frente ao empresário, bem como em relação às demais pessoas que operam no meio laboral. E isso, por evidente, entranha proibições e limitações não apenas no curso da execução do contrato, mas também na hora da solicitação do trabalho, proibições estas que se estendem mesmo após o rompimento do vínculo laboral impedindo que o empresário venha fazer considerações ou emitir informações desabonadoras da conduta pessoal do ex-empregado como costuma acontecer, especialmente quando este acede à Justiça do Trabalho em busca de reconhecimento de eventuais direitos violados.
Enfim, é claro que o dever de respeitar a dignidade do trabalhador, aí compreendido também o direito à intimidade, deve ser observado e respeitado não apenas pela empresa empregadora, mas também por todos aqueles que operam no meio laboral, inclusive as agências de contratação e intermediação de mão de obra e as prestadoras de serviços58.
2.3. Direito a imagem e honra
Para José Afonso da Silva59, o direito à preservação da imagem e da honra, como o nome, não caracteriza propriamente um direito à privacidade menos à intimidade. Tanto assim, que a Carta de 1988 reputa-os valores humanos distintos.
Assim, o indivíduo tem a faculdade de decidir que aspectos de sua pessoa deseja preservar da divulgação pública, a fim de garantir um âmbito privativo para o desenvolvimento da personalidade alheia a ingerências externas, o que termina por se projetar em outro direito fundamental, qual seja, o direito à honra aqui entendido como fama, reputação, bom nome 60.
A honra é assim, o conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito aos concidadãos, o bom nome, a reputação. É, pois, o direito fundamental da pessoa de resguardar essas qualidades, de preservar a própria dignidade.
Nesta perspectiva pode-se dizer que o direito de proteção e valorização externa da pessoa é dotado das notas de imanência – a própria estimação –, e de transcendência – o reconhecimento externo da própria dignidade. É, pois, um direito de natureza personalíssimo e, portanto, de titularidade individual que não admite réplica contrária.
Ademais, também na seara das relações empregatícias, vale ressaltar que o trabalhador tem o direito à sua própria imagem que é uma derivação de sua dignidade e que tem por escopo a proteção da dimensão moral de sua pessoa atribuindo-lhe um direito de determinar a informação gráfica gerada pelos seus traços físicos pessoais que pode ter difusão pública, bem como a faculdade para evitar essa difusão incondicionada de seu aspecto físico, na medida em que constitui o primeiro elemento configurador da esfera pessoal de todo indivíduo, enquanto instrumento básico de identificação e projeção exterior e fator imprescindível para seu próprio reconhecimento como sujeito individual.
No âmbito legal, o art. 5º, V, da Lex Fundamentalis, dispõe que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, ao passo que o art. 5º, X, do mesmo diploma, explicita que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Assim, denota-se que a Carta Magna de 1988 inovou significativamente, tanto ao prescrever, já, agora, de modo expresso, o direito à imagem, quanto ao evidenciar que a reparabilidade se não circunscreve tão só à esfera do dano material, mas também ao de compostura moral.
Sobre o tema, arremata Francisco das Chagas Lima Filho61:
“Nessa perspectiva, a violação desse direito pelo empregador ou preposto seu com a divulgação de imagens não autorizadas, de notícias ou comentários desabonadores da honra pessoal ou profissional do trabalhador constitui evidente atentado à dignidade deste implicando no dever de indenização pelos danos morais e materiais causados, inclusive pela eventual perda de nova colação no marcado de trabalho, na forma do previsto no art. 5º, incisos V e X, do Texto Maior combinado com que se encontra expresso nos arts. 11, 12 e 21 do Código Civil”.
Por conseguinte, esse direito que acompanha a pessoa desde o nascimento, por toda a vida e, mesmo após a morte, como se viu, tem por escopo tutelar a reputação do ser humano no seio da coletividade e a preservação da própria dignidade humana. E por óbvias razões, incide também e com muito maior ênfase, nas relações laborais, onde a lógica da subordinação e da dependência do emprego torna o trabalhador mais vulnerável à violação de seus direitos fundamentais, entre o quais se inscreve o direito a honra, ao bom nome e a boa fama como, aliás, a velha, mas, sempre lembrada CLT previu no art. 483, já citado.
2.4. Direito a liberdade ideológica e religiosa
Quanto ao direito a liberdade ideológica e religiosa, de acordo com o inciso V do art. 5º da Lex Fundamentalis 62 , é inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o inciso VIII63 do mesmo dispositivo, por sua vez, que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa, bem como de convicção filosófica ou política.
Destarte, denota-se que a Carta Magna garante a liberdade ideológica, religiosa e de culto aos indivíduos e às comunidades sem mais limitação, em suas manifestações.
No campo laboral, como bem assevera Francisco das Chagas Lima Filho64, por força da garantia antes delineada, o trabalhador tem direito de não ser discriminado para o emprego, ou uma vez já empregado, por razões de “crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”, direito esse que também se recolhe na Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela ONU em 1948, em seu artigo XVIII, in verbis:
“Artigo XVIII. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular”.
Nessa perspectiva, vale dizer que o direito de liberdade ideológica, religiosa e de culto, bem como o direito de não declarar sobre sua ideologia, crença ou religião, ambos direitos intimamente ligados à dignidade e a intimidade da pessoa do trabalhador, no que se tange ao âmbito laboral, permitem ao empregado decidir livremente sobre suas ideias, suas opções vitais ou suas convicções de tipo religioso, sindical ou político, e lhe protege frente a possíveis indagações ou medidas de represália por conta da mesma65.
2.5. Direito a não discriminação
Discriminação é a conduta pela qual se nega à pessoa, em face de critério injustamente desqualificante, tratamento compatível com o padrão jurídico assentado para a situação concreta por ela vivenciada66.
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que a discriminação constitui a diferenciação de tratamento sem que haja motivos lógicos para tanto, como decorrência de algum tipo de preconceito em face de determinado atributo pessoal do discriminado como sexo, orientação sexual, cor, etnia, etc67.
Sobre o tema, o destaque de Maurício Godinho Delgado68:
“O combate à discriminação é uma das mais importantes áreas de avanço do Direito característico das modernas democracias ocidentais. Afinal, a sociedade democrática distingue-se por ser uma sociedade suscetível a processos de inclusão social, em contraponto às antigas sociedades, que se caracterizavam por serem reinos fortemente impermeáveis, marcados pela exclusão social e individual. Também o Direito do Trabalho tem absorvido essa moderna vertente de evolução da cultura e prática jurídicas. No caso brasileiro, essa absorção ampliou-se, de modo significativo, apenas após o advento da mais democrática carta de direitos já insculpida na história política do país, a Constituição da República de 1988”.
Registre-se, no âmbito internacional da proteção de direitos, o art. VII da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que expressamente assevera: “Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.
Ainda no campo internacional da proteção, cite-se, corroborando com o exposto, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, ratificada pelo Brasil e, por assim dizer, integrante do ordenamento jurídico nacional, ao definir discriminação como:
“Qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha o propósito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em outro qualquer da vida pública.”
Como se já não bastasse, a própria Organização Internacional do Trabalho – OIT, por meio da Convenção 11169, assevera que integram o conceito de discriminação qualquer distinção, exclusão ou preferência fundada em cor, raça, sexo, religião etc, ou qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que altere a igualdade no tratamento de oportunidades no emprego.
No âmbito do ordenamento jurídico nacional encontra-se uma infinidade de dispositivos normativos que permeiam a proteção discriminatória, merecendo menção especial o dispositivo lançado no título magno da Lex Fundamentalis que fixa os “Princípios Fundamentais” da república no país:
“Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
No âmbito da relação empregatícia, as proteções jurídicas contra discriminações apresentam-se, segundo Maurício Godinho Delgado70, bipartidas: de um lado, há as proteções jurídicas contra discriminações em geral, que envolvem tipos diversos e variados de empregados ou tipos diversos de situações contratuais; e de outro lado, há as proteções que envolvem especificadamente discriminações com direta e principal repercussão na temática salarial, como o caso da equiparação salarial.