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Poderes instrutórios do juiz no processo de conhecimento

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Agenda 05/04/2014 às 08:23

4    PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ

4.1 EVOLUÇÃO DOS PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUIZ

 No direito antigo a iniciativa probatória do juiz estava adstrita às regras das Ordenações. O magistrado devia julgar “segundo o que achar provado de uma e de outra parte, ainda que lhe a consciência dite outra coisa, e  ele saiba a verdade ser em contrário do que no feito foi provado.”[67]

 Havia poucas exceções à iniciativa probatória do juiz, que lhe permitiam agir de modo meramente supletivo à iniciativa das partes, vez que vigorava no processo brasileiro o princípio de disposição das partes. [68]

 Segundo José Roberto dos Santos Bedaque “No Século XIX, o processo era concebido como meio pelo qual se asseguravam os direitos subjetivos das pessoas, não sendo escopo da atividade jurisdicional a defesa do direito objetivo e do interesse público.”[69]

 Como se vê, naquela época  imperava a visão privatista do  processo que acabava por legitimar a atuação inerte do juiz no andamento do processo, o qual  figurava como mero espectador da iniciativa das partes.

 Não obstante, no quartel do século XX, ocorreram  movimentos políticos  na Áustria, na Alemanha e na Hungria, os quais ocasionaram reformas processuais, cujos ensinamentos influenciaram os doutrinadores brasileiros. [70]

 A propagação de tais ensinamentos inicialmente ocorreu entre 1922 e 1924 na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, tendo como expoente Aureliano de Gusmão que teceu críticas ao imobilismo judicial no campo probatório:

(...) se é certo serem as partes litigantes as mais direta e imediatamente interessadas nessa operação,  não é menos certo ser do máximo interesse para a comunhão social que a tutela dos direitos individuais a todos seja plenamente assegurada e conseguintemente que a justiça, nas decisões das controvérsias sobre as múltiplas e variadas relações de direito privado, se realize, quanto possível, do modo o mais perfeito e integral; o que a experiência tem demonstrado muitas vezes falhar, no vetusto sistema das provas por iniciativa única e exclusiva das partes.

O juiz, órgão atuante do direito, não pode ser uma pura máquina, uma figura inerte e sem iniciativa própria, na marcha e andamento dos processos, só agindo por provocação, requerimento ou insistência das partes.[71]

 A partir daí concebeu-se no direito brasileiro a ideia  da existência de  interesse social no processo,  o que acarretou o desmantelamento da  visão privatista de outrora e, em contrapartida,  o fortalecimento da figura do juiz no processo, sobretudo na formação do conjunto probatório.

 O  Ministro Francisco Campos, inspirado nas ideias de Aureliano Gusmão, assim asseverou na Exposição de Motivos do Código de Processo Civil   de 1939:

A direção do processo deve caber ao juiz; a este não compete apenas o papel de zelar pela observância formal das regras processuais por parte dos litigantes, mas também de intervir no processo de maneira que este atinja, pelos meios adequados, o objetivo da investigação dos fatos e descoberta da verdade. Daí  a largueza com  que lhe são conferidos poderes, que o processo antigo, cingido pelo rigor de princípios privatísticos, hesitava em reconhecer. Quer na direção do processo,  quer na formação do material submetido a julgamento, a regra que prevalece, embora temperada e compensada como manda a prudência, é a de que o juiz ordenará quanto for necessário ao conhecimento da verdade.

Prevaleceu – se o Código, nesse ponto, dos benefícios que trouxe ao moderno direito processual a chamada concepção publicística do processo.

 Nessa legislação processual,  os poderes instrutórios do juiz estavam previsto no artigo 117, o qual  rezava que “a requerimento, ou ex officio, em despacho motivado, ordenar as diligências necessárias à instrução do processo e indeferir as inúteis em relação ao seu objeto, ou requeridas com propósito manifestamente protelatório.”

 Depreende-se daí o reconhecimento da iniciativa probatória do juiz. Entretanto, pondera Bedaque, fazendo alusão à Moacyr Amaral Santos, que: “Apesar disso, a doutrina insistia em afirmar que os poderes instrutórios do juiz, previstos no art. 117 do estatuto processual anterior, eram meramente supletivos. E os criticavam, visto que representariam ideias políticas autoritárias no processo.”[72]

 O Código de Processo Civil vigente  trata do assunto de modo similar[73] ao  de 1939, como se pode observar em seu  artigo 130 que assim preceitua: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”

 Além disso, há outros artigos do mencionado diploma legal  que autorizam o juiz  a determinar prova de ofício, tais como:

a) art. 342. O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa;

b) art. 355.  O juiz pode ordenar que a parte exiba documento ou coisa, que se ache em seu poder;

c) art. 382. O juiz pode, de ofício, ordenar à parte a exibição parcial dos livros e documentos, extraindo-se deles a suma que interessar ao litígio, bem como reproduções autenticadas;

d) art. 399. O juiz requisitará às repartições públicas em qualquer tempo ou grau de jurisdição:

I - as certidões necessárias à prova das alegações das partes;

II - os procedimentos administrativos nas causas em que forem interessados a União, o Estado, o Município, ou as respectivas entidades da administração indireta;

e) art. 440. O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa.

 Diante desse contexto, nota-se que os poderes instrutórios do juiz foram incrementados em decorrência da  socialização do direito e da visão publicista do processo, vez que o ativismo judicial  no campo probatório representa o interesse da sociedade na busca da verdade para a justa solução do litígio.

4.2 PODERES INSTRUTÓRIOS  DO JUIZ E ÔNUS DA PROVA

 Como é cediço, o artigo 130 do Código de Processo Civil autoriza a participação do juiz  na formação do conjunto probatório no processo.

 Todavia, diverge a doutrina acerca da aplicação dos poderes instrutórios do juiz no que concerne ao  momento em que ele poderá atuar nesse sentido, bem como também quanto à intensidade de sua participação  nas  causas de direito disponível e de direito indisponível.

  No que tange ao momento de atuação, Arruda Alvim entende que a atuação do juiz no campo probatório se dará somente após a produção de provas realizada pelas partes nos casos  em que acervo probatório restar  insuficiente para a formação do  seu convencimento. É o que se depreende da seguinte  afirmação:

O artigo 130 do CPC somente poderá ser corretamente aplicado pelo juiz às hipóteses em que não opere a teoria do ônus da prova e desde que haja um fato incerto, mas desde que esta incerteza seja emergente da prova já produzida. O art. 130, pois, aplicar – se – á como um posterius à insuficiência da prova produzida, e não tem lugar na teoria do ônus da prova. Nunca deverá o juiz sub – rogar – se no ônus subjetivo da parte inerte ou omissa.[74]

 Já para Sérgio Luís Wetzel de Mattos, o juiz não deve atuar de modo secundário, mas sim  juntamente com as partes:

A iniciativa probatória é assim comum ao juiz e às partes. O juiz e as partes propõem as provas  conjuntamente. A investigação dos fatos é tarefa de todos os sujeitos processuais no sentido do descobrimento da verdade e da realização da justiça. O juiz apenas cumpre sua parte numa tarefa comum. O processo, vale salientar, converte-se numa ordem de colaboração entre o juiz e as partes, desenvolvendo-se em direção à consecução da justiça, intimamente relacionada com a atuação do direito material, segurança, paz social e efetividade. Os fins polarizam o processo. O juiz e as partes, nada obstante os interesses contrapostos dessas últimas desempenham um conjunto harmônico de atividades necessárias à efetivação dos fins do processo.[75]

 E, por fim, para outra parcela da doutrina, o juiz pode determinar prova de ofício  a qualquer momento, independentemente da iniciativa probatória das partes. Nesse sentido, afirma Bedaque:

(...) o juiz pode, a qualquer momento, e de ofício, determinar sejam produzidas provas necessárias ao seu convencimento. Trata – se de atitude não apenas admitida pelo ordenamento, mas desejada por quem concebe o processo como instrumento efetivo de acesso.

 Na mesma linha, é o pensamento de Sérgio Sahione Fadel:

A faculdade de atuação do juiz, na fase probatória, é amplíssima. Quaisquer provas, inclusive depoimentos, requisições de documentos, perícias, etc., podem ser determinadas pelo juiz, a requerimento da parte ou ex officio, em qualquer fase do processo, até a prolação da sentença final. Isso não importa dizer que se está retirando das partes os ônus de trazerem aos autos do processo os elementos de prova que julguem oportuno. A tanto vai o direito das partes.” O que se quer, com o art. 130, é não excluir a faculdade que tem o juiz de tomas as providências e ordenar as diligências que lhe parecerem necessárias ou úteis à decisão da causa e à formação livre de sua convicção.[76]

 No que concerne à  natureza da relação jurídica substancial, Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pelegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco esposam entendimento de que o juiz pode  se contentar com verdade formal produzida pelas partes nas causas que versam sobre  direitos disponíveis, o que, a contrário sensu, não poderá fazer nos casos de direito indisponível. Confira – se  a explanação de tais  autores:

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o campo do processo civil, embora o juiz hoje não mais se limite a assistir inerte à produção das provas, pois em princípio pode e deve assumir a iniciativa destas (CPC;  arts. 130, 342 etc.), na maioria dos casos (direitos disponíveis) pode satisfazer – se com a verdade formal, limitando – se a acolher o que as partes levam ao processo e eventualmente rejeitando a demanda ou a defesa por falta de elementos probatórios.[77]

 Vicente Greco Filho entende que o juiz pode determinar provas de ofício nos casos de interesse público, entretanto, nos demais casos somente poderá assim proceder se o conjunto probatório formado pelas partes restar insuficiente para seu convencimento.[78]

 Afirma Moacyr Amaral dos Santo que a atividade do juiz deve ser excepcional, devendo atuar somente quando se encontrar perplexo ante o conjunto probatório produzido nos autos. Todavia, “dilata-se o poder de iniciativa judicial em matéria de prova quando esta diga respeito a relações de ordem pública (conflito concernentes ao casamento, ao pátrio poder etc.), ou quando se trate de prova do direito estadual, municipal, singular, costumeiro ou estrangeiro (Cód. Proc. Civil, art. 337).”[79]

 Para José Frederico Marques, nos casos relativos a direitos disponíveis, deve  reponderar a atuação das partes no que toca à produção de provas, vez que o juiz não pode  pesquisar de ofício a verdade real. Já nos casos de direitos indisponíveis, pode o juiz atuar no campo probatório, mas de forma comedida e prudente.

Arruda Alvim assim interpreta o artigo 130 do Código de Processo Civil:

O art. 130 do CPC aplica – se a quaisquer processos ou procedimento; e, no que diz com a jurisdição voluntária, há de ser respeitado o alto grau de proximidade entre a verdade formal e a verdade substancial (= verossimilhança) com que deverá ser aferida a prova, como ainda há de se ter especificamente  presente a maior extensão dos poderes do juiz, pois poderá “investigar livremente os fatos e ordenar de ofício a realização de quaisquer provas”(art. 1.107).[80]

 Cândido Rangel Dinamarco, por sua vez, exemplifica as causas que entende que a iniciativa probatória do juiz se faz necessária:

A fórmula do desejável compromisso de equilíbrio entre o modelo dispositivo e o inquisitivo consiste em prosseguir reconhecendo a estática judicial como norma geral mas mandar que o juiz tome iniciativas probatórias em certos casos. (...) Diante da omissão das partes, o juiz deve determinar de ofício a realização de provas em causas associadas ao estado ou capacidade das pessoas, como ações de separação judicial, de divórcio ou conversão daquela neste, investigação de paternidade, interdição, guarda de filhos, suspensão ou destituição do pátrio-poder etc.; também nas ações coletivas, especialmente quando promovidas por associações, as quais nem sempre são patrocinadas adequadamente; idem em ações populares; e em causas de qualquer espécie, quando se aperceber de que a omissão é fruto da pobreza, de deficiências culturais das partes ou da insuficiência do patrocínio que lhes está ao alcance (especialmente, em casos de assistência judiciária) etc. [81]

 Não obstante, Bedaque defende posicionamento de que a iniciativa probatória do juiz deve ser ampla independentemente da natureza da relação jurídica substancial. Confira-se a argumentação de tal doutrinador:

Cabe lembrar, ainda, que o legislador processual não estabeleceu qualquer diferença de tratamento quanto aos poderes do juiz, em função da matéria discutida no processo. A amplitude desses poderes é a mesma, qualquer que seja a natureza da relação jurídica objeto do processo, seja disponível ou não.[82]

 No mesmo sentido, afirma Sidnei Amendoeira Jr. que a atuação de ofício do magistrado não tem qualquer relação com a disponibilidade ou não do direito envolvido, mas sim com a entrega de uma tutela jurisdicional tempestiva, efetiva e justa. [83]

Por influência do publicismo processual, reconheceu-se a existência de interesse público em qualquer processo. Em razão dessa escorreita premissa, deve o juiz atuar ativamente no campo probatório em busca da elucidação dos fatos tanto nas causas que versem sobre direito indisponíveis como nas relativas à direitos disponíveis.

4.3 PRECLUSÃO JUDICIAL

4.3.1 Conceito

 Ao versar sobre o instituto da preclusão, Humberto Theodoro Junior a conceitua como “perda da faculdade de praticar um ato processual, quer porque já foi exercitada a faculdade processual, no momento adequado, quer porque a parte deixou escoar a fase processual própria, sem fazer uso de seu direito.”[84]

  Marcelo Giannico afirma que, na definição de Chiovenda, preclusão consiste na “perda, extinção, ou consumação de uma faculdade processual pelo fato de se haverem alcançados os limites assinalados por lei ao seu exercício.”[85]

 Já na lição de Antônio Alberto Alves Barbosa:

(...)a preclusão é instituto dos mais importantes, no qual repousa a eficiência do processo. É ordem, é disciplina, é lógica. É o imperativo de que decorre a necessidade de serem todos os atos e faculdades exercitados no momento e pela forma adequados, de modo a imperar a ordem e a lógica processuais. É, em suma, o instituto que estabelece um regime de responsabilidade, impondo a prática dos atos processuais no momento exato, pela forma adequada e conforme a lógica.[86]

4.3.2 Natureza Jurídica

  Diverge a doutrina no que concerne à natureza jurídica da preclusão.  Para João Batista Lopes “ a natureza jurídica da preclusão é, pois, a de uma penalidade sui generis, consistente no impedimento da prática de um ato, em virtude do decurso do prazo para fazê-lo ou em razão do exercício de faculdade com ele incompatível.”[87]

  Maurício Giannico  afirma que para João Martins de Oliveira, a preclusão trata-se de uma sanção. O mesmo autor alerta, ainda,  que para Paolo D’ Onofrio e Stefano Riccio, a preclusão é um fato jurídico  processual impeditivo.[88]

 Já para Arruda Alvim, a preclusão é “um verdadeiro princípio da teoria dos prazos porque ela interfere em toda a dinâmica do andamento processual.”[89]

4.3.3 Espécies

  Em sua  classificação comum, a preclusão é dividida em temporal, lógica e consumativa.

 A temporal decorre da inobservância do prazo para prática de um ato, o qual então não poderá mais ser realizado.  A lógica refere-se à impossibilidade de se praticar um ato incompatível com outro já realizado. Finalmente, a  preclusão consumativa ocorre quando um ato após ser realizado, independentemente do seu mau ou bom êxito, não poderá novamente ser praticado.[90]

 Teresa Arruda Alvim Wambier pondera que “a preclusão lógica, sob certo prisma, é também consumativa, embora produza efeitos que transcendam o ato. Isto é, há preclusão para pretensa nova prática do mesmo ato e também de outro incompatível com o que foi praticado.”[91]

 Maurício Giannico aponta, ainda, a preclusão hierárquica que ocorre “quando a perda advier de ato de terceiro, notadamente de decisão proferida por órgão jurisdicional hierarquicamente superior, desde que tenha havido cognição ampla e exauriente da questão decidida.

 4.3.4 Preclusão e  Poderes Instrutórios do Juiz

 Em relação aos atos praticados pelo juiz,  aponta a doutrina[92] a chamada preclusão pro iudicato, a qual está prevista no artigo 471, do Código de Processo Civil que assim dispõe  “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide.”

  Entrementes, alerta Maurício Giannico que, em especial a doutrina brasileira, se equivoca ao relacionar o termo preclusão iudicato à impossibilidade de o juiz rever decisões já decididas, vez que, originalmente, o termo preclusão pro iudicato foi delineado por Redenti para tratar do fenômeno processual relativo à impossibilidade de se repropor uma demanda executiva ou monitório, vez que, segundo o autor, esta não poderia ser atrelada a  coisa julgada material, já que ali não se proferi qualquer sentença de mérito. [93]

 Em virtude disso, o mencionado autor entende que a preclusão pro iudicato, termo comumente adotado pelos doutrinadores brasileiros, nada mais é que preclusão de questões.[94]

 Ressalte-se que o juiz pode redecidir questões de ordem pública ou de direito indisponível, tendo em vista que estas não estão sujeitas à preclusão, conforme se extrai das disposições contidas nos artigos 267, §3  e  471, inciso II, do Código de Processo Civil.

 No que tange ao tema deste trabalho, há de se indagar se a preclusão constitui um óbice  à iniciativa probatória do juiz.

 Em análise a tal indagação, Maurício Giannico explana:

A solução desse aparente impasse é relativamente simples. As regras relativas aos ônus processuais obviamente devem ser respeitadas, mas não podem atingir o juiz em seu dever – poder de perquirir os fatos da melhor forma possível. A preclusão, nesse passo, fulmina o direito das partes de exigir a produção de eventual prova não solicitada tempestivamente, mas não aniquila a prerrogativa do juiz de determinar, de ofício, a realização dessa mesma prova, caso entenda que tal providência possa contribuir para justiça do futuro provimento que por ele será proferido. [95]

 João Batista Lopes leciona que “o que se pode afirmar com segurança, portanto, é que, em matéria probatória, o juiz não está sujeito a preclusões”. [96]

 Seguindo esta linha de raciocínio,  afirma Bedaque que, mesmo que as partes não possam mais produzir provas em razão da preclusão temporal, poderá o juiz determiná – las de ofício se entender que estas são imprescindíveis para formação de seu convencimento.[97]

 No caso apontado acima, não parece que a justificativa para determinar a prova de ofício deve se apoiar somente no poder instrutório do juiz, mas sim  no fundamento de que o juiz não está sujeito à preclusão temporal, posto que “os prazos para a prática de atos do juiz são impróprios, isto é, quando ultrapassados não lhe acarretam perda do poder de realizá -los tardiamente.”[98]

 Entrementes, alerta Humberto Theodoro Junior que:

 O mesmo, porém, não se passa com a preclusão consumativa, de sorte que, quando o juiz enfrenta uma questão incidental e soluciona por meio de decisão interlocutória, não se pode deixar de reconhecer que, por força do art. 471, está formada, também para o órgão judicial, a preclusão pro iudicato, de modo a impedi – lo, fora das vias recursais, de voltar ao reexame e rejulgamento da mesma questão em novos pronunciamentos no processo. Somente não se ocorrerá esse tipo de preclusão  quando afastada por regra legal extraordinária, como se dá, v. g. com as condições da ação e os pressupostos processuais (art. 267, §3º).[99]

 O entendimento externado pela jurisprudência é assente no sentido de que a iniciativa probatória do magistrado não se sujeita à preclusão, vez que este ativismo está afeto ao interesse público de efetividade da Justiça. Confira – se:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – PRECLUSÃO EM MATÉRIA DE PROVA.

1. (...)

2. Não existe preclusão para o juiz quando se trata de matéria probatória em razão da busca pela verdade real. A jurisprudência vem decidindo nesse sentido e, ao decidir que não há necessidade de juntada de mais documentos, o Tribunal decide acerca de provas, razão pela qual não há que se falar em preclusão.Agravo regimental improvido.[100]

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO EXISTENTE. SANEAMENTO. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO EM MATÉRIA DE PROVA.AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 473 DO CPC.

1.(...)

2. (...)

3. A jurisprudência desta Corte é pacífica ao reconhecer que não há preclusão em matéria de provas, pois a iniciativa probatória do magistrado, em busca da veracidade dos fatos alegados, com realização de provas, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça. Precedentes. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos modificativos, para afastar a preclusão decretada, e consequentemente, negar provimento ao Recurso Especial da Fazenda Nacional.[101]

  Teresa Arruda Alvim Wambier entende que o Juiz, amparado pelo princípio do livre convencimento motivado, poderá determinar a produção de uma prova outrora indeferida se se convencer de que  esta será necessária para ele decidir a lide. [102]

A mencionada autora acrescenta:

“(...) nada impede que a parte que viu seu pedido de produção de determinada prova indeferido, entre com um pedido de reconsideração. E o juiz, embora “provocado” por este pedido, pode modificar sua decisão anterior, proferindo outro em seu lugar, não propriamente para atender a esse pedido, mas porque se terá convencido da importância da prova. Desta forma há de fundamentar esta nova decisão, que só poderá ser proferida porque a primeira não terá gerado preclusão, e não propriamente por causa do pedido de reconsideração.”[103]

E conclui seu entendimento explanando que:

Justifica – se esta regra por todas as tendências que se veem esboçadas, no plano do direito positivo no direito processual civil dos nossos dias. Também o desejo humano de fazer com que a verdade formal esteja cada vez mais próxima à verdade material é motivo de significativa relevância para a fixação desta regra.[104]

 A orientação do Superior Tribunal de Justiça é no mesmo sentido:“Prova Pericial. O juiz pode, a qualquer tempo, sob prudente discrição, de ofício  ou a requerimento da parte, determinar a realização de prova pericial, ou reconsiderar anterior decisão que havia dispensado.”[105]

 Fredie Didier levanta questão interessante: “Pode o juiz, a pedido da parte, deferir a produção de dada prova e mais tarde se recusar a produzi- la, porquanto, a seu ver, desnecessária, já que sua convicção está formada?”[106]

 O mencionado autor dá resposta negativa ao seu questionamento, justificando-a que neste caso haverá preclusão para o juiz e que, também, terá a parte  adquirido o direito à produção daquela prova. No entanto, ressalva que se houver fato superveniente àquela decisão que deferiu a produção da prova, como no caso de confissão da parte contrária, poderá o juiz indeferir a produção da prova outrora  deferida.

 Os poderes instrutórios do juiz nas causas em trâmite no juízo a quo não devem se sujeitar ao instituto da preclusão, vez que o esclarecimento dos fatos para o escorreito julgamento do litígio deve prevalecer em relação à técnica processual. No entanto, deve o juiz evitar retrocesso na marcha processual, a fim de não afrontar a garantia constitucional da razoável duração do  processo.

 Em sede recursal, o melhor entendimento é o de que a iniciativa probatória do juiz também não deve se submeter às regras de preclusão. Assim, pode o relator ou a turma julgadora determinar a produção de prova considerada imprescindível para o julgamento do recurso. [107]

 A jurisprudência também caminha nesse sentido. Confira – se:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. CONVERSÃO EM DILIGÊNCIA PELO TRIBUNAL A QUO PARA O JUÍZO MONOCRÁTICO REALIZAR PROVA PERICIAL. ART. 560 DO CPC. POSSIBILIDADE. PRECLUSÃO QUE NÃO SE APLICA, NA HIPÓTESE. MULTA DO ART. 538 DO CPC. AFASTAMENTO.

1. Caso em que o Tribunal a quo entendendo pela necessidade da produção de prova pericial para o efetivo esclarecimento do estado de saúde da autora, determinou, em preliminar, a conversão do julgamento em diligencia para que os autos retornassem à origem exclusivamente para a realização da prova.

2. Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC.

3. A iniciativa probatória do magistrado, em busca da veracidade dos fatos alegados, com realização de provas de ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça.

4. (...)

5. Agravo regimental parcialmente provido, somente para afastar a multa imposta.[108]

 Todavia, os poderes instrutórios do juiz em grau recursal não encontram fundamento apenas na não sujeição ao instituto da preclusão, mas também na autorização do legislador, decorrente da interpretação teleológica da  disposição do artigo 515, § 4º, do Código de Processo Civil, in verbis: “Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.”

 Dessume-se daí que o Tribunal pode determinar a produção de  provas de ofício para melhor compreender a matéria fática que lhe foi devolvida.

4.4 VERDADE REAL  E  VERDADE FORMAL

 No âmbito do processo, a  prova esta intimamente ligada à ideia de verdade, vez que por meio daquela   pretende-se demonstrar a verdade dos fatos.

 A verdade obtida mediante a produção probatória é conhecida tradicionalmente  como verdade formal, a qual se distingue da verdade material que consiste na verdade histórica e empírica.[109]

 Afirma a doutrina tradicional que, nas causas cíveis que versam sobre direitos disponíveis,  o  juiz pode  se contentar com a verdade formal, construída pelo material probatório trazido pelas partes.[110]

 Nesse sentido, afirma Frederico Marques o qual usa a nomenclatura verdade processual como sinônimo de verdade formal.[111]

 Entretanto,  esse entendimento é criticado por Sergio Arenhart o qual afirma que a verdade formal é absolutamente inconsistente  e que, por tal razão, a doutrina moderna não faz mais referência a tal conceito que somente serve para sustentar a inércia do juiz em relação à reconstrução dos fatos.[112]

Depreende-se daí que a ideia de verdade formal decorre da visão privatista do processo que sustentava a exclusividade das partes na formação do conjunto probatório, atribuindo, por conseguinte,  ao juiz o  papel de mero espectador daquelas.

 Sérgio Sahione Fadel entende que o juiz deve ter uma participação ativa para  prolatar suas decisões amparado por “verdades verdadeiras”. Confira-se:

Em verdade, o interesse público melhor estará preservado se os juízes proferirem sentenças fundadas em verdades verdadeiras, mesmo que contra a vontade de uma ou de ambas as partes, do que em meias verdades, ou em falsas verdades, encobertas pelo silêncio intencional ou pelo engodo consentido do litigante aproveitador.   Não é esse - o da meio verdade - o fim que se persegue com o processo, na solução de um caso concreto. Passando por cima de fatos ponderáveis, omitindo circunstâncias relevantes ao deslinde da controvérsia e aproveitando talvez a inércia ou a boa-fé do litigante contrário, a parte poder-se-ia beneficiar se o juiz que a tudo contemplasse, devesse ficar inerte e indiferente a essa tentativa de encontrar a verdade.[113]

Entrementes, alerta Sérgio Cruz Arenhart para a impossibilidade de se conseguir  obter a verdade substancial:

Por todo o visto, conclui-se que o mito da verdade substancial tem servido apenas em desprestígio do processo, alongando-o em nome de uma reconstrução precisa dos fatos que é, na verdade, impossível. Por mais laborioso que tenha sido o trabalho e o empenho do juiz no processo, o resultado nunca será mais que um juízo de verossimilhança, que jamais se confunde com a essência da verdade sobre o fato (se é que podemos afirmar que existe uma verdade sobre um fato pretérito).[114]

A despeito de a verdade substancial ser inalcançável, em virtude da impossibilidade de  reconstrução dos fatos tal qual ocorrem, não deve o juiz se contentar com o acervo probatório produzido pelas partes quando este não for suficiente para formar sua convicção acerca da  existência ou não dos fatos.

Segundo a visão publicista do processo, tem o Estado-juiz interesse no resultado do processo e, sendo assim, imperioso que, quando necessário, o juiz se valha dos seus poderes instrutórios para que possa julgar a causa apoiado num conjunto probatório que acredite retratar o que melhor se aproxima da verdade dos fatos.

4.5 LIMITES AO  PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ

 O ativismo do juiz no campo probatório preocupa os juristas no que tange à  eventuais arbitrariedades que possam ser cometidas pelo magistrado na utilização de tal poder.

 Como se sabe, nenhum poder é absoluto, razão pela qual aponta a doutrina alguns limites à iniciativa probatório do juiz.

 Afirma Cândido Rangel Dinamarco que “se  de um lado no Estado moderno não mais se tolera o juiz passivo e espectador, de outro sua participação ativa encontra limites ditados pelo mesmo sistema de legalidade.”[115]

 Há vozes abalizadas na doutrina que entendem que a lide ou o objeto controvertido constitui um dos limites do poder instrutório do juiz. Segundo Arruda Alvim  “Em face do que dispõe o art. 130 do CPC, a única limitação à atividade do juiz com relação à atividade instrutória é a de que a ele não é dado ir além do tema probatório, ou seja, da lide ou do objeto litigioso, nem infringir o princípio do ônus (subjetivo) da prova.” [116]

 No mesmo sentido, afirma João Batista Lopes: “Cabe advertir, por último, que as iniciativas probatórias do juiz devem limitar-se aos fatos controvertidos do processo, não lhe sendo lícito alterar a causa petendi, introduzindo fatos ou fundamentos novos.”[117]

 Ainda na mesma linha de pensamento, é o entendimento Bedaque:

 Em princípio, pode-se dizer que os elementos objetivos da demanda constituem a primeira limitação. À luz do princípio da correlação ou adstrição, a sentença deve ater-se ao pedido e à causa de pedir (CPC, arts. 128 e 460). Se assim é, não pode o juiz buscar provas relativas a fatos não submetidos ao contraditório.[118]

 Para Fredie Didier, outro limite à iniciativa probatória do juiz consiste na necessidade de  fundamentação do ato judicial que determina a colheita das provas.[119]

  Esse também é o entendimento de Bedaque, o qual afirma que,  ao determinar a prova de ofício, deve o juiz esclarecer os motivos de tal decisão, o que possibilitará às partes apresentar razões de impugnação, bem como ao órgão superior examinar os argumentos favoráveis e contrários à decisão impugnada.[120]

 Antônio Carlos de Araújo Cintra,  Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco explanam que a motivação das decisões judiciais é um importante princípio voltado ao controle popular sobre o exercício da função jurisdicional, o qual possui a finalidade de aferir a imparcialidade do juiz, a legalidade e justiça da decisão no caso concreto. [121]

 Ressalte-se que tal princípio constitui uma garantia constitucional que está expressamente  prevista no  artigo 93, inciso IX, da nossa Carta Magna.

 Parcela da doutrina aduz que  o contraditório também constitui limitação a iniciativa probatória oficial, vez que  as provas colhidas de ofício pelo magistrado deverão se submeter ao  contraditório. Nesse sentido, afirma Bedaque “Constitui o contraditório o tempero e a compensação necessários a evitar que a autoridade do magistrado seja transformada em arbítrio.”[122]

 Acerca do contraditório, explana Nelson Nery Junior que “Ao juiz, como sujeito do processo, compete participação ativa na observância do contraditório, pelo que se pode concluir que os litigantes têm a garantia, o direito ao contraditório, ao passo que o juiz tem o dever de lhes assegurar o contraditório.”[123]

 Assim como a motivação das decisões judiciais, o contraditório é uma garantia constitucional, a qual está prevista expressamente no artigo 5, inciso LV, da  Constituição Federal.

 Segundo alguns doutrinadores, a revelia consiste num limitador ao ativismo do juiz quando os fatos são verossímeis. Nesse sentido, é o escólio de Fredie Didier:

Outro limite há quando ocorre a revelia e, em consequência, sobrevém a incontrovérsia  dos fatos: se os fatos deduzidos pelo autor não forem verossímeis, nada obsta que o magistrado determine que ele produza a prova das suas alegações; se, no entanto, forem verossímeis as suas assertivas, não estará autorizado o julgador a exigir dele que as comprove, porque aí há uma nítida opção do legislador pelo valor efetividade.[124]

 Semelhante é o pensamento de Bedaque:  

Estamos diante de limite técnico e legítimo à iniciativa probatória oficial. Por isso, já concluí em diversas oportunidades pela incidência do disposto nos arts. 319 e 334, III, do CPC, por se tratar de fatos verossímeis e incontroversos.  O sistema não aceita outra alternativa, senão o acolhimento da pretensão inicial. Eventual ausência de prova não impede essa conclusão, pois as regras legais indicam para a possibilidade de a tutela final ser  concedida sem cognição exauriente, bastando a versão verossímil da autora.  Nem seria legítima a iniciativa probatória oficial 9art. 130 do CPC), pois o legislador, em casos como o dos autos, optou pelo valor efetividade, em detrimento da segurança jurídica.[125]

  Como se vê,  os poderes instrutórios do juiz não estão desprovidos de limites,  já que estes estão insertos no próprio ordenamento jurídico.

 Dentre todos os limites apontados pela doutrina, há de se dar destaque  ao da motivação das decisões que está atrelado ao princípio do livre convencimento motivado, expressamente previsto no artigo 131, do Código de Processo Civil, in verbis: “O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.”

Apesar de o juiz decidir  de acordo com o seu  convencimento,  deverá assim o fazer  de modo racional e em consonância com o arcabouço probatório que fora acostado aos autos, vez que não lhe  é permitido  julgar segundo suas emoções.

 Assim, ao apontar os motivos que, à luz dos autos, ensejaram a sua decisão, estará o juiz apresentando também  aos envolvidos e à sociedade  a justificativa que legitimou sua iniciativa probatória.

Sobre a autora
Venícia Pereira da Silva

Especialista em Direito Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Venícia Pereira. Poderes instrutórios do juiz no processo de conhecimento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3930, 5 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27351. Acesso em: 22 dez. 2024.

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