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Comentários sobre o instituto da decadência na lei 9.099/95

Com o advento da Lei 9.099/95 e a instalação dos Juizados Especiais Criminais, objetivou-se implantar um novo modelo de Justiça Criminal no país orientado, segundo o art.2º da referida legislação, pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a prestação jurisdicional com a possibilidade da conciliação e transação.

No que se refere à formalização da notitia criminis, o objetivo igualmente foi de simplificação, materializado no Termo Circunstanciado de Ocorrência.

Não obstante as diretrizes ideológicas da Lei 9.099/95 e seus inegáveis avanços, a viabilização prática desse novo modelo de justiça vem sofrendo alguns percalços.

A grande demanda de TCOs que foram remetidos aos Juizados Especiais resultou em, muitas vezes por insuficiência estrutural, audiências preliminares designadas para prazos superiores a 06(seis) meses da data do fato. Isto dificultou sobremaneira a aplicação do art.70, da Lei 9.099/95, que determina a realização imediata da audiência preliminar ou em data próxima.

Tais ocorrências geraram uma controvérsia no que concerne ao início da contagem do prazo decadencial para o oferecimento da representação, quando tal condição de procedibilidade é exigida para os delitos de menor potencial ofensivo.

O debate vem dando ensejo a dois entendimentos:

1 – O prazo decadencial para o oferecimento da representação está inserto no art.38 do CPP, não trazendo a Lei 9.099/95 qualquer alteração a respeito.

Deste entendimento, ou seja, da incidência do art.38 do CPP, surgem desdobramentos com conseqüências diametralmente opostas.

1.1 – Um, no sentido de que é representação a simples lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência por solicitação da vítima, não se operando a extinção da punibilidade pela ocorrência da decadência se não oferecida formalmente no prazo de 6 (seis) meses a contar da data em que o ofendido teve conhecimento da autoria do fato, independentemente da data da realização da audiência preliminar.

Assim considerado, o Ministério Público estaria obrigado, se preenchidos os requisitos legais, a fazer proposta de transação penal, mesmo sem a presença da vítima, e a oferecer denúncia, se ausente o autor do fato.

Ocorre que a prática demonstra, na quase totalidade dos casos, que a vítima deixa de comparecer à audiência preliminar quando não tem interesse em representar, por já ter transigido com o autor do fato, perdoado-o, etc. Da mesma forma, o autor do fato deixa de comparecer à audiência preliminar em razão de acordo eventualmente entabulado com o ofendido.

Por isto, a se considerar como representação a simples lavratura do TCO, estar-se-ia impingindo ao autor do fato a transação penal ou dando início à ação penal pública condicionada, sem que a vítima, titular da condição de procedibilidade, pretendesse tal conseqüência.

Este entendimento tem, ainda, o inconveniente de estimular a ausência do ofendido na audiência preliminar, tornando este ato judicial inócuo, descaracterizando a finalidade da lei que é a composição entre sujeitos do ato infracional.

Há ainda quem entenda que a elaboração do TCO já é representação, só que necessita ser ratificada por ocasião da audiência preliminar.

O argumento visa tão-somente "achar" uma maneira de evitar que se opere a decadência, sem nenhum compromisso com as regras de hermenêutica, pois a legislação em momento algum fala em ratificação da representação.

Ademais, se a representação necessita ser ratificada, é discutível sua validade. O que é válido não necessita de ratificação, e o que não é, não produz efeito, ensejando, no caso, a decadência.

1.2 – O outro desdobramento é oposto, no sentido de que se opera a extinção da punibilidade, implacavelmente, após passados 6(seis) meses da data em que a vítima tomou conhecimento da autoria do fato, sem que tivesse oferecido a representação, mesmo que tenha solicitado a lavratura de Termo Circunstanciado de Ocorrência.

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Vale ressaltar que este posicionamento gera impunidade e cria um sentimento de injustiça, não só na vítima, mas também em toda a sociedade, quando toma ciência que, por ineficiência da máquina judiciária, o ofendido fica privado de exercer seu direito de buscar a punição de seu agressor.

Este entendimento, não considerando a lavratura do TCO como representação, obriga a vítima a oferecê-la formalmente, contrariando orientação jurisprudencial absoluta a respeito da informalidade deste ato, e torna inócua a audiência preliminar, dada a possibilidade da vítima oferecer representação antes da realização daquele ato processual.

2 – Outra corrente é no sentido de que a Lei 9.099/95 excepcionou a regra contida no Código de Processo Penal, disciplinando o momento para se oferecer representação.

Tal ilação, não só é a mais correta do ponto de vista gramatical, como também sob o prisma da interpretação teleológica.

O art.75 da Lei 9.099/95 estabelece expressamente ser a audiência preliminar o momento para o oferecimento da representação, in verbis: "Não obtida a composição dos danos civis, será dada imediatamente ao ofendido a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzida a termo."

Nota-se que não se trata de derrogação ao art.38 do CPP, e sim de exceção à regra, como já dito, porque o próprio artigo prevê a possibilidade de disciplinamento diferente ao nele consagrado, ao estipular: "Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá do direito de queixa, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contados do dia em que vier a saber quem é o autor do crime,..."(grifamos)

Portanto, o art.75 da Lei 9.099/95, ao disciplinar a audiência preliminar como o momento para o oferecimento da representação, nada mais fez do que excepcionar a contagem inicial do prazo disciplinada, como regra, no art.38 do Código de Processo Penal.

Vale ressaltar que tal regra também foi excepcionada no art.91 da Lei 9.099/95 ao estabelecer prazo decadencial de 30(trinta) dias para os processos em andamento. De igual forma é exceção o prazo para as vítimas de crime contra os costumes, menores de 18(dezoito) anos, oferecerem representação após completarem a idade exigida por lei, bem como o disposto no art. 529 do estatuto processual, que disciplina o prazo decadencial para o oferecimento da queixa nos crimes contra a propriedade imaterial.

A interpretação teleológica também é a que mais se amolda a este raciocínio porque o espírito da Lei 9.099/95, ao estabelecer a realização da audiência preliminar, foi de propiciar a oportunidade para autor do fato e vítima transacionarem e esta ver-se ressarcida.

A se considerar possível o oferecimento da representação antes da audiência preliminar, ou pior, a considerá-la como oferecida pela simples lavratura do TCO por solicitação do ofendido, seria sensivelmente enfraquecida a finalidade conciliatória dessa audiência, porque a vítima estaria menos propensa a comparecer nesse ato estimulada por princípio de emulação, consubstanciada na representação.

Portanto a audiência preliminar é o marco inicial do prazo para o oferecimento da representação.

A partir dessa premissa, não se considera operada a decadência mesmo se transcorridos 06(seis) meses da data do fato sem que se tenha realizado a audiência preliminar e, consequentemente, sem o oferecimento da representação.

Não tendo a vítima possibilidade legal de oferecer representação antes da audiência preliminar e sendo a decadência causa de extinção da punibilidade em razão de sua inércia, inaplicável este instituto ainda que transcorridos mais de 06(seis) meses da data do fato pois, caso contrário, estar-se-ia desvirtuando-o de modo a igualá-lo à prescrição, que decorre, inexoravelmente, de falha estrutural do sistema judiciário.

A jurisprudência da Turma Julgadora Recursal da Comarca de Goiânia já é pacífica nesta direção, impondo-se a citação das ementas:

DANO. LESÃO CORPORAL LEVE.DECADÊNCIA. A contagem do prazo de seis meses para oferecimento da representação, nos crimes de competência dos Juizados Especiais Criminais, tem seu início a partir da audiência preliminar(...)(Turma Julgadora Criminal dos Juizados Especiais – Goiânia-Go, Recurso nº 007/98(12ªVara Criminal)- Relatora : Juíza Maria das Graças Pires de Campos, j. em 16.10.98)

ILEGITIMIDADE RECURSAL DO OFENDIDO. REPRESENTAÇÃO.DECADÊNCIA. I. Negado o direito de representação, sob o fundamento de decurso do prazo decadencial, que no caso inocorre, face à contagem a partir da audiência preliminar, tem o ofendido legitimidade para recorrer, até porque a representação é que torna a ação pública incondicionada.(...)(Turma Julgadora Criminal dos Juizados Especiais – Goiânia-Go, Recurso nº 006/98(5ªVara Criminal)- Relator : Juiz Abrão Rodrigues de Faria, j. em 16.10.98)

"HABEAS CORPUS. PRAZO DECADENCIAL. AUDIÊNCIA PRELIMINAR. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. I - É pacífico o entendimento de que a contagem do prazo decadencial inicia-se a partir da audiência preliminar e não da data em que o ofendido toma conhecimento da autoria do fato. II - No caso, aplica-se a norma especial em prejuízo da norma geral, conforme Princípio da Especialidade. III - Precedentes desta Turma Julgadora. IV - Habeas corpus denegado"(Turma Julgadora Recursal Criminal dos Juizados Especiais- HC nº 007/00 – Relator: Juiz Donizete Martins de Oliveira, DJ n 13501 de 15/03/01 p 10)

Estes julgados vêm ao encontro dos anseios da sociedade, que almeja ter nos organismos judiciais uma ferramenta para a pacificação social e não um instrumento técnico e burocrático, somente preocupado com suas estatísticas de produção. Afinal "O Direito Penal moderno não se restringe a raciocínio de lógica formal. Cumpre considerar o sentido humanístico da norma jurídica. E mais. Toda lei tem significado teleológico."(Resp. nº 112.600/DF, 6ª turma rel. para acórdão, min. Luiz Vicente Cernichiaro, j. 21.05.98, m.v. DJU 17.08.98, p.96.

Sobre os autores
Rodolfo Pereira Lima Júnior

procurador de Justiça em Goiânia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Lauro Machado; LIMA JÚNIOR, Rodolfo Pereira. Comentários sobre o instituto da decadência na lei 9.099/95. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2737. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Artigo já publicado no boletim do IBCCrim em janeiro de 1999.Versão atualizada

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