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Os concursos públicos são o pior instituto de ingresso na Administração, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos

Agenda 02/04/2014 às 10:42

Este artigo abordará, sinteticamente, alguns dilemas dos concursos públicos e dos candidatos

1 – Introdução

            O presente trabalho procurará analisar e refletir sobre o instituto do concurso público, especificamente os percalços causados aos candidatos pelas bancas examinadoras (questões fora do edital, questões que deveriam ser anuladas e não são, ausência de gabarito, demoras e atrasos no andamento do concurso em virtude da judicialização). Além disso, tecerá algumas considerações acerca de alguns riscos decorrentes da “onda” de fazer concursos e suas implicações para a Administração e para o próprio profissional.

2 – O concurso público e a história constitucional nacional

            A primeira Constituição brasileira, 1824, não versou expressamente sobre os concursos públicos em si. Contudo, possui uma passagem que pode ser correlacionada ao tema, conforme se depreende do Art. 179, XIV:

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

 XIV. Todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja dos seus talentos, e virtudes.

            A segunda Constituição do país (a primeira do período republicano) também não mencionou expressamente os concursos públicos, mas, da mesma forma que sua antecessora, possui disposições que se correlacionam, de acordo com o Art. 73:

Art 73 - Os cargos públicos civis ou militares são acessíveis a todos os brasileiros, observadas as condições de capacidade especial que a lei estatuir, sendo, porém, vedadas as acumulações remuneradas.

            A Constituição promulgada em 1934 possuía um título (VIII) específico que dispunha sobre os funcionários públicos, sendo possível vislumbrar em seus artigos algumas disposições da atual constituição pátria, guardadas as devidas proporções com relação aos institutos em si e a forma do texto. Especificamente sobre os concursos públicos, dispôs o Art. 169 que

Art 169 - Os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício, só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciária ou mediante processo administrativo, regulado por lei, e, no qual lhes será assegurada plena defesa. 

            O texto constitucional de 1946, no título VIII, possuía disposições acerca dos funcionários públicos e, em seu Art. 186, estatuiu que

Art 186 - A primeira investidura em cargo de carreira e em outros que a lei determinar efetuar-se-á mediante concurso, precedendo inspeção de saúde.

            Já no período do governo militar, a Constituição de 1967, na Seção VII, que trata dos funcionários públicos, dispôs que

 Art 95 - Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, preenchidos os requisitos que a lei estabelecer.

§ 1º - A nomeação para cargo público exige aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos.

§ 2º - Prescinde de concurso a nomeação para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração.

            Deixando de lado a polêmica sobre o fato de a Constituição de 1969 ser realmente uma constituição ou emenda constitucional[1], a Seção VIII versou sobre os funcionários públicos e mencionou que

Art. 97. Os cargos públicos serão acessíveis a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.

§ 1º A primeira investidura em cargo público dependerá de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, salvo os casos indicados em lei.

§ 2º Prescindirá de concurso a nomeação para cargos em comissão, declarados em lei, de livre nomeação e exoneração.

§ 3º Nenhum concurso terá validade por prazo maior de quatro anos contado da homologação. 

            Percebe-se, com isso, que todas as constituições brasileiras tiveram, direta ou indiretamente, alguma menção acerca do acesso aos cargos públicos. Visou-se proporcionar um instrumento justo ou que não tendesse a favorecer determinadas pessoas por conta de eventuais ligações políticas, sociais ou familiares. Apesar de ter sido esse o escopo, a prática demonstrou que o acesso aos cargos públicos não ocorreu da maneira como foi prevista ou idealizada[2].

2.1 – O concurso público e o ordenamento infraconstitucional

            Um grave problema que assola a temática dos concursos públicos é que ainda não há uma lei nacional que dite norteadores mínimos. Há os dispositivos constitucionais, mas eles não são suficientes para garantir um mínimo de ordem. Acaso fossem suficientes, não haveria tantos questionamentos judiciais sobre os mais diversos temas (reserva de vaga para pessoas com deficiência, valor da taxa de inscrição, gabaritos, data das provas...).

            No plano federal, além da Lei 8.112/90[3] e o Decreto 6944/09, é possível verificar que as diversas leis sobre as carreiras de estado, regra geral, possuem alguma disposição acerca da orientação e organização do concurso. Assim, há uma pulverização de “legislações”, o que certamente contribui para que existam problemas. Além disso, o CNJ e o CNMP possuem resoluções detalhando pontos específicos para as carreiras de magistrado e membro de algum Ministério Público.

            É salutar que ambos os órgãos assim procedam em relação a especificidades dos concursos das referidas carreiras, mas, por exemplo, no que tange ao que seria prática jurídica, houve muita controvérsia, especialmente em questionamentos judiciais, gerando turbulência nos concursos e para os candidatos. CNJ e CNMP, em uma tentativa de evitar problemas, baixaram atos administrativos dizendo o que é “prática jurídica”. 

            Contudo, um assunto que muito interessa aos candidatos, as convocações, é algo tormentoso. O entendimento “clássico” era o de que o aprovado, mesmo dentro do número de vagas, não possuía direito subjetivo. Houve, felizmente, uma mudança nesse entendimento. Essa drástica mudança significa e significou um impacto fortíssimo na Administração e para os candidatos. A ausência de uma regra legal gerou toda a temática judicial.

            O assunto “convocações” é apenas um dentre outros. Podemos citar o valor das taxas de inscrição, os famigerados cadastros de reserva, a divulgação de uma bibliografia orientadora... A Jurisprudência passou a ter um papel de definição sobre o que pode ou não, o que é certo e o que é errado. Ainda que se louvem determinados entendimentos, deixar apenas para os juízes e tribunais “ditarem” as regras do jogo é grave. Não é de sua incumbência serem administradores de regras de concursos.

            Encontra-se em tramitação o PLS 74/2010, conhecido como a Lei Geral dos Concursos, em que diversos pontos fundamentais para ambos os lados são regulados e definidos com maior precisão. Urge que tal projeto caminhe o mais depressa possível, embora ele não tenha caráter nacional. Diversos estados, inclusive o DF, possuem decretos ou leis que também balizam os concursos públicos. Tais medidas são louváveis e reforçam a confiabilidade no instituto e também demonstram a boa-fé e a proteção da confiança, noções que devem sempre estar presentes nas decisões que afetem os administrados.

3 – O concurso público e os atuais dispositivos constitucionais

            A atual Constituição dedicou farta atenção para com a Administração Pública e os servidores, o que é salutar e demonstra o denodo que os constituintes tiveram para com, entre outros, perfectibilizar o acesso aos cargos públicos. O Art. 37 e seus incisos dispõem sobre inúmeros assuntos acerca dos cargos públicos que, por ser o atual texto em vigor e diante da explosão de interessados em obter sucesso para o acesso a um cargo público, não serão transcritos neste trabalho.

            A CRFB, ao tratar das carreiras que gravitam em torno do Judiciário, também versa sobre o acesso através de concurso público, mais uma vez demonstrando o bom espírito republicano. O Art. 206, V, acaba por ser um truísmo, pois dispõe que o acesso aos profissionais da rede pública escolar terão (ou deveriam) ter ingresso exclusivo por meio de concurso público de provas e títulos. Por razões diversas, persistem em vários municípios e estados professores lecionando na rede pública por outros meios, que não o concurso público.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas.

            Um ponto de grande turbulência legal é a questão dos notários, visto que historicamente o acesso não era feito por meio de concurso público e, apesar de diversas resistências e interpretações propositalmente dúbias ou de ocasião, de modo a por fim (ou tentar) às controvérsias, o texto constitucional foi de uma clareza ímpar:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.

§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.

            As intervenções do CNJ têm sido salutares, pois o referido órgão estabeleceu balizadores para os interessados nesses concursos, embora sejam recorrentes as matérias jornalísticas mostrando designações suspeitas para determinadas serventias (geralmente as mais rentáveis), familiares que formam uma verdadeira oligarquia em determinada região... Nem sempre o óbvio constitucional é respeitado e os fatos rebelam-se contra o Direito.

            O ADCT também possui inúmeras disposições acerca de servidores e concursos públicos. Deve ser frisado que são questões pontuais e que foram uma resposta ao momento político da época da Assembleia Constituinte. É possível verificar menção a concurso público nos Arts. 18; 19, §1º; 21 e 53,I.

Art. 18. Ficam extintos os efeitos jurídicos de qualquer ato legislativo ou administrativo, lavrado a partir da instalação da Assembléia Nacional Constituinte, que tenha por objeto a concessão de estabilidade a servidor admitido sem concurso público, da administração direta ou indireta, inclusive das fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

§ 1º - O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.

Art. 21. Os juízes togados de investidura limitada no tempo, admitidos mediante concurso público de provas e títulos e que estejam em exercício na data da promulgação da Constituição, adquirem estabilidade, observado o estágio probatório, e passam a compor quadro em extinção, mantidas as competências, prerrogativas e restrições da legislação a que se achavam submetidos, salvo as inerentes à transitoriedade da investidura.

Art. 53. Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei nº 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos:

I - aproveitamento no serviço público, sem a exigência de concurso, com estabilidade;

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3.1 Exceções constitucionais ao concurso público

            O acesso aos cargos através de concurso é a regra e, por tal razão, as exceções a ela devem possuir uma forma interpretativa restritiva, de modo a não tornar a exceção um caminho para burlar o acesso igualitário à Administração Pública.

            Uma primeira exceção são os cargos eminentemente políticos, haja vista que seu acesso é feito através de sufrágio universal[4]. Por razões óbvias, não se exige concurso público para Presidente, Deputado Federal, Deputados Estaduais, Senadores, Governadores, Prefeitos e vereadores. O mesmo também deverá ocorrer com os juízes de paz que, apesar de integrarem o Poder Judiciário, possuem previsão de serem eleitos.

            A segunda exceção pode ser vislumbrada com os membros que ascendem aos tribunais através do chamado “quinto constitucional”, advindos dos integrantes da advocacia e Ministério Público. Os demais membros dos tribunais serão escolhidos mediante promoção por antiguidade ou merecimento dentre os integrantes que prestaram concurso público para a magistratura[5].

            No que tange aos tribunais, a questão merece uma análise mais pormenorizada. Os membros do TCU são integrados por pessoas oriundas de nomeação direta do Presidente da República e do Congresso Nacional e, por simetria, o referido modelo deve ser seguido, no que couber, pelas cortes de contas estaduais e municipais. O acesso ao STF e demais tribunais superiores também não ocorre por intermédio de concurso, sendo que cada tribunal superior possui regras específicas de acesso e que não serão mencionadas neste trabalho por fugirem ao seu propósito.

            A quarta exceção (que possui um exaurimento natural por conta do critério temporal e cuja aplicabilidade é reduzida) pode ser verificada no Art. 53, I, ADCT:

Art. 53. Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, nos termos da Lei nº 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos:

 I - aproveitamento no serviço público, sem a exigência de concurso, com estabilidade;

            Encontra-se a quinta exceção para o provimento dos cargos em comissão e dos empregos em comissão (ou de confiança) das empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado.

            A Lei 8.745/93[6] estatui uma sexta exceção ao concurso público em seu Art. 3º:

Art. 3º O recrutamento do pessoal a ser contratado, nos termos desta Lei, será feito mediante processo seletivo simplificado sujeito a ampla divulgação, inclusive através do Diário Oficial da União, prescindindo de concurso público.

            Outra exceção prevista constitucionalmente é a do Art. 198, §4º. O artigo menciona que a contratação de agentes comunitários de saúde e de controle de endemias poderá ser feita através de processo seletivo público. A Lei 11.350/06, no Art. 9º, estranhamente, aduz que o referido processo seletivo público deverá ser de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo, além de obedecer aos princípios reitores da Administração Pública previstos no Art. 37, CRFB.

§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação.

Art. 9o  A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

            O artigo constitucional, cuja redação foi dada pela EC 51/06, talvez tenha pretendido instituir um “concurso público” diferenciado ou mais simples. Contudo, ilogicamente, a legislação que o regulamentou praticamente copiou as disposições constitucionais acerca do concurso público. Tal forma de proceder, atécnica, só contribui para suscitar dúvidas no já complicado cipoal de normas administrativas existentes em todas as esferas governamentais. Por ser uma temática que envolve, além de expressivas cifras, saúde dos cidadãos, interesse de milhares de candidatos e a uniformidade administrativa, o tratamento dispensado pelos legisladores deve ser mais técnico, de modo a evitar pendengas jurídicas e judiciais por conta de questiúnculas.

4 – Os concursos públicos e seu gradativo interesse

            Assiste-se a cada ano um aumento expressivo de pessoas que procuram fazer concursos públicos. Inúmeras reportagens são feitas mostrando a grande quantidade de interessados que se matriculam em cursos preparatórios e conciliam vida pessoal, profissional e de estudos em busca de um cargo público.

Além das reportagens, certamente cada pessoa tem conhecimento de alguém que esteja “estudando para concurso”. Mais certamente ainda é o fato de que inúmeras pessoas são verdadeiras “metralhadoras” concursísticas, ou seja, prestam concursos para defensorias, procuradorias, ministérios públicos, tribunais (servidor ou magistratura), órgãos do executivo... As opções são muitas e os salários costumam ser melhores que os pagos na iniciativa privada.

O salário maior, a chance de uma carga horária de trabalho adequada e a possibilidade de uma previsibilidade financeira (e, em alguns cargos, a tão sonhada estabilidade[7]) são algum dos atrativos para que milhares e milhares de pessoas prestem concursos públicos. Na Internet há sites, blogs e fóruns cujo eixo gravitacional são os concursos públicos (ou algum concurso específico). Pululam sites que disponibilizam questões, informativos, apostilas, ebooks, depoimentos de aprovados, “gurus” de concursos, material de autoajuda, métodos mnemônicos, quadros de estudos...

Iniciativa que vem ganhando expressiva força recentemente são as comissões de aprovados, especialmente das carreiras jurídicas. Geralmente alguns membros são “eleitos” e ficam responsáveis em esquadrinhas diários oficiais (a fim de localizar vacâncias, prorrogação do concurso...), organizar viagens para conversar com os dirigentes do órgão ou com congressistas... Como se vê, há todo um campo de atuação no ramo dos concursos públicos e as possibilidades são imensas.

Em que pese o concurso público ser um poderoso instrumento para diminuir o patrimonialismo e clientelismo na Administração Pública, ele apresenta diversas falhas decorrentes de si mesmo e por eventos externos. Frise-se que a crítica ao instituto ou a algum ponto do mesmo não significa dizer que se deve destruir ou inutilizar total ou parcialmente a sistemática dos concursos, mas sim usar tais pontos alvejados como meio de aperfeiçoamento. Os “defeitos” que serão explicitados neste trabalho não são taxativos, visto que é humanamente impossível prever todas as possibilidades de problemas que existem e que possam vir a existir.

4.1 – As avaliações

            Talvez o maior campo para haver problemas sejam as avaliações impostas aos candidatos. Evidentemente, por ser o único meio de acesso (não há concursos apenas de títulos, consistindo apenas em uma pontuação posterior aprovação), as chances de ocorrerem situações problemáticas são gigantes.

4.1.1 – Questões não contempladas pelo conteúdo do edital

            É cediço que o ato administrativo EDITAL DO CONCURSO é a “lei” que regerá o certame e, por tal razão, além de vincular os candidatos aos termos previamente publicados em diário oficial, vincula também a própria Administração. Com isso, afigura-se uma obviedade que as questões da prova deveriam abarcar apenas o conteúdo expresso no edital. Porém, nota-se que em diversos concursos os candidatos reclamam acerca de questões que não estão abarcadas pelo conteúdo constante no edital.

            O concurso público mexe com o lado emocional e financeiro dos candidatos (não são raros os casos de pessoas que saem dos atuais empregos e abdicam até de contato familiar em busca da aprovação). Por tal razão, não é de se estranhar que haja interpretações por parte dos candidatos em questões que erraram no sentido de “forçar” uma anulação sob a alegação de conteúdo “fora do edital”. Para se constatar referido argumento, basta consultar os inúmeros fóruns de debate imediatamente após a realização das provas. Tópicos e postagens sobre “anulação da questão X” por conta de estarem fora do edital são constantes (e, rotineiramente, acalorados).

            Claro que é salutar o questionamento dos candidatos e os mesmos também possuem suas razões. Editais dúbios podem contribuir muito para isso e, evidentemente, o interesse humano em ganhar pontos (e colocações) falará mais alto. Porém, há casos que o edital dispõe adequadamente sobre o conteúdo e uma ou alguma questões versam sobre um assunto não constante na “lei” do certame.

            Em alguns casos a organizadora do certame, corretamente, anula a questão defeituosa e concede os pontos para todos os participantes. Porém, e exemplos no Judiciário não faltam, há casos em que, ainda que salte aos olhos o fato de a questão estar fora do edital, a organizadora ignora os recursos dos candidatos e a própria legalidade e mantém a “validade” da mesma.

            Ora, uma ou algumas questões podem significar a aprovação ou reprovação da pessoa. Assim, não restando solução na via administrativa, cabe ao candidato procurar o Judiciário para tentar anular a questão. Nesse singelo caminho é possível verificar alguns problemas importantes.

            O primeiro deles é o próprio desinteresse do órgão que realizou o concurso público, pois não fiscalizou ou acompanhou o desenrolar do mesmo, incluindo as questões propostas pela organizadora. Pode-se alegar que se alguém do órgão tomasse conhecimento antecipado das questões, haveria margem para possíveis favorecimentos. O argumento tem seu grau de validade, mas a situação é plenamente contornável: basta que alguém do órgão, após a realização da ou das provas, verifique o gabarito apresentado pela organizadora e apontasse as questões que estão fora do edital.

            O segundo problema está na própria banca, isto é, demonstra sua desídia na elaboração e seleção das questões e dos gabaritos. Deve-se ter em mente que o candidato do concurso possui suas ansiedades e expectativas e, por uma questão de Justiça, não é razoável que o mesmo seja feito de joguete entre a banca organizadora, o órgão e o Judiciário. Além do desgaste emocional natural em uma prova e a espera do seu gabarito, caso o candidato precise recorrer ao Judiciário, o desgaste é ainda maior.

            O terceiro problema facilmente vislumbrado decorre do segundo, ou seja, ao ser necessário trilhar o caminho do Judiciário, mais uma ou algumas ações irão ser analisadas pelos magistrados. Ainda que existam ações temerárias e notoriamente infundadas, as legítimas irão contribuir para o maior atravancamento das varas, isto é, o magistrado terá que “perder tempo” analisando uma demanda que poderia ser facilmente resolvido na via administrativa (bastaria o órgão e a banca organizadora realizarem tratativas e anular as questões fora do edital).

            Essa judicialização não é salutar, visto que invariavelmente ocorre a suspensão do concurso ou a participação nas fases seguintes através de tutelas antecipadas e, ainda que o Direito esteja com o candidato, sempre pairará um grau de incerteza e angústia. Além da suspensão do certame, a intervenção do Judiciário pode vir a contribuir na demora do concurso e, com isso, haverá repercussão em todos os interessados.  

4.1.2 – Questões cujo gabarito é equivocado

            Além do problema apontado no item acima, outro também recorrente são os gabaritos definitivos equivocados. É compreensível que o gabarito preliminar possa vir com erros e, para sanar tal problema, os candidatos dispõem de recursos, podendo apontar as incongruências legislativas, doutrinárias ou jurisprudenciais.

            É certo que as bancas anulam as questões equivocadas. Entretanto, também é costumeiro no Judiciário ações que buscam a anulação de uma ou várias questões erradas. As possibilidades de erro são inúmeras e seria inviável e temerário enumerar uma a uma. Contudo, há aquelas que são mais que evidentes, especialmente nas provas objetivas, visto que é mais fácil averiguar a disposição legal ou constitucional em face da questão.

            Apesar de estranho e surreal, inúmeras bancas organizadoras mantêm válidas questões que colidem com disposição legal, sumular ou constitucional. É uma inversão total da famosa pirâmide de Kelsen, pois o gabarito definitivo encontra-se acima da CRFB, isto é, uma revolução no Direito Constitucional...

            Quando a banca mantém-se impassível e não anula a questão errada, novamente a solução é buscar o Judiciário, podendo gerar os mesmos problemas enumerados no item 4.1.1. Não é raro os candidatos procurarem o Ministério Público ou a Defensoria Pública e, com isso, toda a engrenagem judiciária é mexida por conta de assuntos singelos e que seriam facilmente solucionados se houvesse um maior cuidado por parte da banca e do próprio órgão. Suspensões de concursos, listagem com pessoas aprovadas por meio de “liminares” são um tormento, pois geram maior carga de trabalho para os responsáveis pelo concurso e, o que é pior, podem acarretar prejuízos para o administrado.

            Basta pensar em um concurso para, por exemplo, policiais. O prejuízo para a segurança pública e para os próprios servidores é notório, pois haverá menos gente para investigar e patrulhar e, além disso, não haverá reforço do quadro de pessoal e sobrecarregando os que laboram na unidade de lotação. Além disso, a própria situação angustiante é ruim para o candidato, pois sempre existirá o risco de não lograr êxito na demanda ou demorar muito para obter a solução definitiva.

4.1.3 – A ausência de gabarito

            Apesar de a publicidade e moralidade serem princípios constitucionais importantíssimos e fundamentais para o bom andamento do país e que devem ser seguidos por toda a Administração e seus inúmeros órgãos, há casos de concursos públicos que não têm gabarito. Ou quando existem gabaritos, os candidatos não têm acesso aos mesmos.

            É uma situação totalmente surreal e teratológica a inexistência ou não acesso ao gabarito. Como os candidatos reprovados (e até mesmo os aprovados) poderão saber os erros e acertos? Como os candidatos poderão exercer o direito de recurso administrativo em sua plenitude se inexiste parâmetro para recorrer? O direito de recorrer, seja administrativa ou judicialmente, não é um mero detalhe legal ou constitucional, mas uma decorrência explícita da moralidade e legalidade e, por isso, deve ser exercido em sua plenitude. De nada adianta garantir o direito de recurso em termos meramente formais se o seu cunho substantivo é inexistente.

            O recurso é uma irresignação humana contra algo ou alguém e, por isso, para que seja exercido em sua plenitude, deve obedecer aos aspectos formais e substanciais, isto é, não adianta apenas garantir o fim, é preciso que os meios sejam adequados e razoáveis. É um verdadeiro “tiro no escuro” impedir o acesso aos gabaritos e obrigar o candidato a elaborar suas razões sem saber os motivos do erro total ou parcial de uma determinada questão. É preciso ser respeitado o “devido processo legal do concurso público”.

            Além de ser uma total afronta ao candidato, a ausência de gabarito certamente gerará suspeitas, visto que é natural imaginar que algo feito nas sombras não obedece aos ditames escorreitos. Possibilidade de favorecimento a determinados candidatos, atribuição de pontuação elevada para algum ou alguns em certas questões, falta de parâmetro para concessão de pontuação... As suspeitas são inúmeras e, logicamente, seria leviandade e temeridade falar que nos concursos em que não exista gabarita ou seu acesso seja negado houve alguma fraude. Mas, os concursos devem ser e os candidatos e a sociedade exigem que os mesmos sejam como a mulher de César, ou seja, além de serem honestos, devem transparecer honestidade.

            Especialmente nos concursos para as carreiras jurídicas previstas constitucionalmente é que esse aspecto deve ser vislumbrado, considerando-se a própria dignidade constitucional do cargo e a sua repercussão na sociedade. É um transtorno social enorme que um juiz, promotor ou defensor tenha ascendido ao cargo por meios obscuros.

Os concursos federais, regra geral, possuem um espelho de resposta, isto é, parâmetros de resposta (embora haja casos em que os referidos espelhos estejam com alguns erros). No entanto, nos concursos estaduais e municipais, há discrepância. No caso do estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é de conhecimento geral que os concursos para defensores públicos não possuem gabarito das provas discursivas (ou, ao menos, o mesmo não se encontra no site da instituição).

4.1.4 – O conteúdo das questões

Há anos denuncio a indústria que se formou alrededor dos concursos públicos. Venho dizendo, com a maior explicitude possível, que parcela considerável dos concursos públicos se transformou em quiz show, como se fosse um conjunto de pegadinhas para responder coisas que só assumem relevância porque são ditas pelos professores de cursos de preparação para ingresso nas diferentes carreiras do serviço público (mormente na área jurídica).

É um círculo vicioso e não virtuoso. Os concursos repetem o que se diz nos cursinhos, um conjunto de professores produz obras que são indicadas/utilizadas nos cursos de preparação, que por sua vez servem de guia para elaborar as questões que são feitas por aqueles que são responsáveis pela elaboração das provas (terceirizados — indústria que movimenta bilhões e os próprios órgãos da administração pública).       [8]

Nota-se que os concursos públicos possuem uma concorrência considerável e, por conta disso, as provas adquiriram um grau de dificuldade instigante. Contudo, surge um questionamento: as questões da prova avaliam satisfatoriamente ou são uma mera “decoreba” de súmulas, leis, decisões jurisprudenciais[9]?

O trecho do artigo de autoria do genial Lênio Streck é ilustrativo da situação de inúmeros concursos. Questões que são feitas mais para “derrubar” candidatos “desavisados” ou que não foram “domesticados” para determinado tipo de questão, questões que privilegiam muito mais a mera “decoreba” do que um mínimo de raciocínio[10].

Com isso, os concursos acabam por privilegiar as pessoas que possuem a maior aptidão para os concursos públicos, e não os que possuem uma efetiva aptidão para o cargo em si. Pode-se alegar que para cargos “mais subalternos” (sem nenhum demérito, refere-se apenas, em um escalonamento hierárquico) é mais complicado avaliar as aptidões para o cargo através de uma prova. Pode-se alegar também que até mesmo para os cargos “intermediários” ou mais superiores a prova também não é o método mais adequado de seleção dos mais aptos.

As duas alegações são verdadeiras e não deveriam causar estranheza a ninguém. Uma prova é incapaz de avaliar caráter, dedicação, preparo físico ou intelectual, controle emocional, humildade (especialmente para os cargos mais elevados)... Contudo, ainda que não seja o método mais adequado, não é racional que esse mesmo método seja posto em prática em termos muito abaixo da mediocridade. Ainda que o cargo almejado seja para funções simples e não demande formação educacional elevada, é possível fazer questões que exijam um mínimo de raciocínio da pessoa.

Afinal, ser servidor público é um ofício que atuará direta ou indiretamente com os cidadãos/contribuintes e, por isso, deve(ria) ser exigido que os profissionais públicos sejam minimamente seres pensantes, e não meros papagaios de leis ou súmulas.

4.1.4.1 – Provas Orais

            Determinados concursos, especialmente para os cargos jurídicos mais elevados, além da fase de provas objetivas e/ou escritas, realizam a arguição oral dos candidatos. Além do natural sentimento de ansiedade e nervosismo inerente a uma arguição oral, especialmente quando a partir dela decorre o significativo estágio de “ser aprovado e praticamente mudar de vida”, a forma de avaliar é algo que também pode ser problemático. Ou não...

            Se houver prévia indicação de bibliografia ou dos temas possíveis de serem arguidos, demonstra-se certo grau de transparência e boa-fé. Além disso, se houver um “espelho” de resposta, isto é, os parâmetros de avaliação e o que a banca examinadora entendeu como relevante para a pontuação, melhor ainda, pois se permite mais transparência e diminuem-se consideravelmente as chances de possíveis favorecimentos.

            Alguns concursos chegam a gravar (vídeo e som ou apenas som) a arguição, o que é uma medida louvável, pois praticamente espanca qualquer chance de favorecimento ou subjetivismo. Assim, se para um determinado candidato foi indagado acerca de algum artigo do código penal da Macedônia, não é salutar e isonômico que para outro candidato, arguido no mesmo dia ou período, seja indagado se a consumação do homicídio ocorre com a morte...

            Uma prova oral, por mais que se tente, sempre possuirá um grau de subjetivismo, pois o candidato também será avaliado na sua postura, modo de trajar-se, linguajar... Porém, ainda que essa parte da avaliação seja praticamente impossível de ser despida de algum subjetivismo, a avaliação do conteúdo é mais facilmente balizável.

            Uma situação recorrente entre os candidatos que estão na fase oral dos concursos é saber quem é a banca de determinada matéria. Divulgam-se os nomes dos integrantes e os candidatos buscam artigos e livros dos membros, de modo a “ficarem craques” no modo de entender de determinado ou determinados avaliadores. É natural que se faça isso. Contudo, o que não deve ser “natural” é o ou os examinadores considerarem apenas o próprio posicionamento como correto ou o mais correto, deixando de lado eventual entendimento adotado pelo arguido.

            O examinador pode ter todos os méritos profissionais e intelectuais acerca de uma dada teoria ou entendimento “predominante”, mas não é coerente que o mesmo se torne verdade suprema. A beleza do Direito é justamente a divergência saudável, de modo a dinamizar as relações jurídicas.

            Assim, em uma pergunta sobre improbidade, não é pelo fato de o examinador ter escrito um livro ou artigo defendendo que determinada conduta não se coaduna como ímproba que, caso o avaliado mencione que é possível enquadrá-la como improbidade e justifique adequadamente, a pontuação deverá ser ruim. Obviamente que a argumentação do candidato deva guardar uma coerência e coesão, ou seja, não pode ser um mero “chute”. Deve ser embasada com doutrina, decisões judiciais e conexões razoáveis.

            Apesar de haver muita vaidade acadêmica e profissional no meio jurídico, tais filigranas pessoais não podem servir como uma incubadora de “mundinhos” de entendimento em certos órgãos, especialmente tribunais. Mais grave é quando tais filigranas impedem o acesso de pessoas preparadas e adequadas ao cargo, mas que não “estudaram” pelo doutrinador “correto” ou não adotam o posicionamento jurídico prevalente (entre os examinadores ou no órgão).

4.1.5 – Aptidão humana para o cargo e a desigualdade social provocada pelos concursos (ainda que não conscientemente)

Um tema decorrente das questões de concursos é que são comuns os casos de pessoas, especialmente os mais jovens, lograrem aprovação em diversos cargos. Há inúmeros casos de pessoas que exerceram inúmeros cargos e foram galgando aprovações até chegarem ao mais desejado ou com maiorstatus. Querer chegar a um determinado cargo pelo fato de o mesmo possuir “mais status” é uma demonstração total da pobreza de espírito e, de plano, já se vislumbra a ausência de preparo humano, intelectual e emocional para a função almejada.

Indo além do status, outra prova de demonstração de pobreza de espírito e de ausência de preparo intelectual, emocional e humano é utilizar as seguidas aprovações em concursos públicos como atestado de superioridade intelectual frente aos outros (incluindo até mesmo entre os outros aprovados no concurso que não lograram sucessivas aprovações). A atitude do parágrafo acima e deste podem gerar doses cavalares de “juizites”, “promotorites”, “defensorites”...

Os referidos profissionais acometidos de tais “patologias” podem até ter seus méritos e as aprovações devem ser louvadas, mas daí a ostentar como superioridade ou atestado moral e intelectual decorre uma longa diferença... Além disso, tais pessoas são de difícil trato, gerando temores em todos os que vão lidar com o mesmo, direta ou indiretamente. Outro problema é que, especialmente nos mais imaturos (não importando a faixa etária), podem incorrer no erro de achar que o órgão ou a sua atuação é sempre a mais correta, a mais adequada ou que o posicionamento é o mais o escorreito e os demais são “errados”.

Os concursos públicos mais disputados (maiores salários) acabam por manter ou tornar visível um triste aspecto da realidade nacional: a desigualdade social. A sociedade brasileira, ainda que venha apresentando algumas melhoras, possui uma distribuição de renda muito discrepante e isso também é refletido no acesso ao ensino, especialmente superior.

As universidades públicas eram (são) consideradas praticamente uma extensão das escolas particulares, isto é, as classes com maior renda estudavam e estudam em instituições privadas até o término do ensino médio. Após (ou durante), podem custear cursos preparatórios ou professores particulares para lograrem êxito nos concorridos vestibulares das universidades públicas.

Um verdadeiro paradoxo, pois se deixa a base de ensino sucateada (e os desprovidos de renda estão majoritariamente inseridos na sucata) e o ápice possui enorme valor (e os desprovidos de renda, majoritariamente, não são inseridos nesse “ápice”). Ainda que o panorama das universidades públicas venha sofrendo alterações, em decorrência das cotas sociais e/ou raciais, pré-vestibulares comunitários e a própria avaliação em si, é mais “fácil” para os que sempre tiveram alguma condição financeira poderem ter acesso aos bancos universitários públicos.

A explanação acima serve para demonstrar que o “acesso” aos concursos acaba por refletir tais desigualdades. São inúmeros os candidatos que não precisam trabalhar (podem ser sustentados pelos pais, outros parentes, namoradas) e podem apenas estudar até obter a aprovação em um cargo específico. Podem custear cursos caros e comprar material, frequentar bibliotecas a qualquer hora do dia.

Obviamente que não se deve criticar as pessoas que estão inseridas nessa situação, pois não são “culpadas” pela desigualdade nacional e tampouco por poderem usufruir desses benefícios. Porém, candidatos que apenas estudam para os cargos mais elevados (magistratura, ministério público, procuradorias...), especialmente quando jovens, acabam por não adquirir experiência de vida e profissional. [11] Essa experiência de vida é fundamental para o exercício de cargos públicos que envolvem o destino de recursos públicos e inúmeras pessoas.

4.1.6 – “O cargo X paga um salário de YY reais e é por isso que eu vou estudar para ele”

            O título é praticamente autoexplicativo, mas, ainda assim, cabe uma explanação. Devido ao fato de os vencimentos pagos na área pública serem superiores aos da iniciativa privada, a procura pelos cargos aumentou. É natural que o ser humano queira ganhar mais e não há nada de condenável nisso. A busca, desde que respeitado os limites éticos, pelo lucro é aceitável e salutar.

            O grande problema é quando o salário é o único motivo para que a pessoa preste o concurso. A pessoa seduz-se pelo canto da sereia de um contracheque gordo e não procura saber (ou procura saber de maneira bem rasa) as atribuições do cargo no cotidiano, a estrutura do órgão, a possibilidade de remoção... São inúmeras variáveis que cada cargo possui. Assim, o candidato torna-se um fazedor de provas multifuncional, isto é, faz concurso para defensor, promotor, juiz, procurador de estado, advogado da União...

            Diversos candidatos nem param para pensar o que poderia ser mais adequado ao seu perfil ou qual a sua inclinação pessoal. É quase uma operação aritmética: verificar o salário mais alto + estudar pelos livros ou cursos “adequados” = aprovação. Essa aritmética pode ser benéfica para a aprovação, mas é extremamente macabra em outros pontos.

            O primeiro ponto é que as chances de frustração pessoal e profissional são imensas. O candidato idealizou ou superestimou a função e, ao chegar à unidade de lotação, percebe que a realidade é bem diferente (ou não é como imaginava). O profissional frustrado, ainda que receba bons vencimentos, possui grande propensão a tornar-se um “reclamão”, reclamando de tudo no órgão (estrutura de trabalho, membros de outras instituições...). Com o tempo acaba por “notar” que o outrora “gordo” vencimento já não é tão mais gordo assim e também passa a criticar seus “parcos” ganhos.

            O segundo ponto, e talvez mais fundamental, é que a pessoa “obstinada” por um determinado cargo acaba por abdicar, total ou parcialmente, do contato social (família, amigos, companheiros) ou deixar de “curtir” a vida por conta de ficar “enfurnado” nos livros. O sonho da aprovação no cargo X torna-se um verdadeiro monstro que dissipa a teia social do candidato.

5 – Conclusão

            O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar todo o assunto que envolve as falhas dos concursos públicos. Embora seja um instituto salutar e necessário para romper com tradições patrimonialistas e imorais que assolaram (e ainda assolam) as engrenagens nacionais, não se pode, hipocritamente, fechar os olhos e estabilizar-se na omissão oportunista.

            Os “concurseiros” e aprovados são os principais conhecedores dos percalços enfrentados até a aprovação no cargo almejado. O autor deste artigo prestou inúmeros concursos e obteve mais reprovações que aprovações, tendo enfrentado alguns problemas no tortuoso caminho dos êxitos. Deve-se defender cada vez mais os concursos no país, mas nem por isso devemos deixar de lado as fissuras existentes, sob a alegação de, por já termos logrado êxito e ter a mentalidade fácil de “não é problema meu”, deixar que outro apresente solução. O problema vai ser de todos, mais cedo ou mais tarde...


[1] Para este trabalho adotou-se o termo “Constituição” apenas para facilitar a explanação histórica.

[2] Guardadas as devidas proporções, ainda que atualmente o acesso aos cargos públicos via concurso seja uma regra, o instituto sempre estará sujeito a fraudes, subjetividades dos examinadores... Além disso, os cargos comissionados continuam sendo moeda política para a governabilidade e, regra geral, são preenchidos mais por critérios fisiológicos do que por competência ou experiência profissional singulares.

[3] Apesar de ser o estatuto jurídico dos servidores públicos federais, possui alguns trechos que se imiscui na organização e dinâmica do concurso, no período que o antecede e no que o precede.

[4] Neste trabalho não se procurará debater quais são ou não os cargos políticos, tendo-se apenas adotado o critério “eminentemente político” para designar os cargos do Poder Legislativo submetidos ao escrutínio popular periodicamente.

[5] Os juízes eleitorais não ascendem ao cargo diretamente através de concurso público.

[6] Dispõe sobre a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

[7] Apesar do que o senso comum e o “conhecimento popular” apregoam, a estabilidade não é (e não deve ser vista como) uma parede para acomodados, preguiçosos ou agentes que exercem suas funções sem uma qualidade mínima. Há possibilidades constitucionais de demissão por ineficiência e por questões financeiras. Contudo, a possibilidade de demissão por ineficiência não teve seu tratamento realizado com dignidade, o que ajuda a contribuir para a noção popular de a estabilidade ser uma “parede”. Por ser um assunto delicado e que certamente mexerá com um expressivo número de servidores (especialmente os mais desidiosos), ainda não se vê uma atuação ou movimentação no sentido de dar mais vigor ao dispositivo constitucional que trata da eficiência. As iniciativas nesse sentido são isoladas e/ou “pequenas” diante do tamanho da máquina pública nacional.

[8]  STRECK, Lênio. “Concursos públicos: é só não fazer perguntas imbecis!”. CONJUR. Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-fev-28/senso-incomum-concursos-publicos-nao-perguntas-imbecis. Acesso em 21/01/2014

[9] Em muitos casos, a questão se baseia em um ou outro entendimento isolado de determinado tribunal e, ainda assim, ganha contornos de “Jurisprudência pacífica, Jurisprudência remansosa, Jurisprudência dominante...”

[10] Um mnemônico muito comum nos cursos preparatórios e entre os “concurseiros” é o SO-CI-DI-VA-PLU. Para facilitar a “decoreba” dos fundamentos da República, utiliza-se o SO (SOberania), CI (CIdadania), DI (DIgnidade da pessoa humana), VA (VAlores sociais do trabalho e da livre iniciativa) e, finalmente, PLU (PLUralismo político).

[11] Um meio usual de contornar a exigência da prática jurídica de três anos (concursos para juiz e ministério público fazem referida exigência) é o candidato apenas assinar petições com algum parente advogado ou amigo. É forçoso demais concluir que esses anos de assinatura concedem experiência de vida a alguém, muito menos prática jurídica adequada.

Sobre o autor
Rodrigo Moura Duarte

Aprovado nos vestibulares de Bacharelado em Direito na Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), tendo se graduado nesta última.<br><br>Foi técnico judiciário no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; técnico administrativo no Ministério Público da União, lotado na Procuradoria Regional do Trabalho da 1ª Região e também Oficial de Justiça e Avaliador Federal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região

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