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O dano na responsabilidade civil sob o prisma kantiano

Agenda 03/04/2014 às 22:46

O presente trabalho tem como escopo a análise da teoria sobre o dano na responsabilidade civil a partir de uma perspectiva filosófica montada sobre as teorias do prussiano Immanuel Kant.

DA DIGNIDADE HUMANA EM KANT

No século XIX, o filósofo prussiano Immanuel Kant, para embasamento de suas teorias, tratou, inicialmente de três ideias opostas e discriminatórias para a compreensão do princípio da moralidade.

A primeira ideia seria a do motivo, relacionada diretamente à moralidade. O motivo para uma ação poderá ser, segundo o pensamento kantiano, uma inclinação pessoal ou o dever por si mesmo. A inclinação pessoal estará presente quando fizermos escolhas com o objetivo de satisfazer um desejo ou preferência pessoal. Neste sentido, deveremos agir utilizando nossa capacidade de, ao menos, procurar se colocar acima dos interesses pessoais, e agir pelo que é racionalmente correto.

A segunda ideia seria a da determinação da vontade, associada à liberdade, ou seja, espontaneidade e voluntariedade da ação. A partir deste pensamento, a determinação de um indivíduo diante de sua própria conduta poderia ser autônoma (espontânea e voluntária) ou heterônoma, ou seja, imposta por terceiros. Neste último caso não haveria liberdade. Dessa forma, o indivíduo deverá agir segundo o dever por si mesmo, conforme o que é racionalmente correto, porém espontaneamente, de forma que assim é determinada a liberdade, na capacidade de determinar autonomamente a própria vontade.

Neste sentido, a determinação da vontade deverá partir da razão individual, sendo esta a única maneira de se agir independentemente de vontades alheias. A razão, por sua vez, é determinada a partir de um imperativo, que seria a terceira ideia da sequência. Os imperativos comandam a razão hipoteticamente ou categoricamente. Hipoteticamente quando a ação será boa apenas como meio de conseguir algo mais, e categoricamente quando boa em si mesma.

Logo, temos como correto agir sob o motivo do dever por si próprio, de forma autônoma, o que nos guia a determinar nossa razão categoricamente, e não para o bem de outras ações.

Dessa forma, para a determinação categórica de nossa razão, ou seja, para que o imperativo de nossa razão seja categórico, Kant elaborou algumas fórmulas que servirão como ferramentas para identificar o imperativo de nossa ação, fórmulas estas que traduzem o conceito do imperativo categórico.

A primeira seria a fórmula através da qual se imaginaria aquele imperativo, ou seja, aquele princípio para determinação da vontade como lei universal. Assevera em sua obra “Crítica à Razão Prática” (1788):

 

Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se simultaneamente, por tua vontade, lei universal da natureza. (KANT, 1788.)

Mormente tal fórmula, deverá o ser racional agir fazendo, anteriormente, a análise da possibilidade de universalização daquela conduta. Ou seja, observar se a ação será certa ou errada a partir de seu extremo, extremo esse no qual aquela ação fosse corriqueira. Desse modo, porém, não se estaria refletindo sobre as consequências da ação, mas apenas avaliando sua retidão através de uma perspectiva mais extrema, e, por conseguinte, mais fácil de se visualizar.

Um outra forma é a conhecida como fórmula da humanidade, publicada na sua obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes” (1785), a qual ficou exposta através da seguinte passagem:

Supondo que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha um valor absoluto e que, como fim em si mesma, possa ser o fundamento de determinadas leis, nessa coisa, e somente nela, é que estará o fundamento de um possível imperativo categórico, quer dizer, de uma lei prática. (KANT, 1785.)

Nesse sentido, chega à conclusão que o homem, como ser racional, existe como um “fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade”, de forma que não deverá nunca ser considerado um mero meio para satisfação de outra vontade, mas sempre deverá ser tratado também como um fim.

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Logo, Kant elabora um conceito que seria o carro chefe da luta pelos direitos humanos, concluindo, ainda na mesma obra, que:

"No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode ser substituída por algo equivalente; por outro lado, a coisa que se acha acima de todo preço, e por isso não admite qualquer equivalência, compreende uma dignidade”. (KANT, 1785)

Desse modo, podemos concluir que todo ser humano deve ser respeitado em sua existência, por sua essência. É esta dignidade violada no momento em que um ser humano é tratado não como ser humano, mas como objeto, ocorrendo assim a coisificação do ser humano. A coisificação está presente quando um ser é utilizado por outro como um instrumento de satisfação da própria vontade, para cumprir seus propósitos individuais. Ou seja, o ser humano existe para os próprios fins, e nunca para servir como instrumento para fins alheios, pois, segundo o filósofo:

“Todos os seres racionais estão, pois, submetidos a essa lei que ordena que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si”. (KANT, 1786)

 

 

Nasceu, portanto, o princípio central de toda teoria neoconstitucionalista, e que consta como princípio geral de nossa Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade humana. Tal princípio, conforme a doutrina contemporânea, poderá ainda se subdividir em quatro subprincípios: liberdade, solidariedade, integridade psicofísica e igualdade (MORAES, 2003), subdivisões estas menos abstratas e que poderão servir como meio para a concretude do principal.

Na teoria da responsabilidade civil, o dano ou prejuízo é classificado, contemporaneamente em seis espécies: patrimoniais, morais subjetivos, morais coletivos, estéticos, sociais e perda de uma chance.

CONCLUSÃO

Na distinção clássica entre danos patrimoniais e danos morais (subjetivos ou coletivos) observa-se uma forte influência kantiana, no sentido de que é dano patrimonial tudo aquilo que puder ser indenizável (do latim, in dene, devolver ao estado anteorior, retirar o dano) e dano moral tudo aquilo que não puder ser restituído, devendo ser, por tanto, compensado.

Neste sentido, uma vez atingidas coisas que tenham preço, a vítima deverá ser indenizada por danos patrimoniais, e uma vez atingida a dignidade de certo indivíduo, por ser esta coisa imensurável, que não mais terá volta e nunca será devolvida ao estado anterior, o dano será moral, e poderá unicamente ser passível de uma tentativa de compensação, nunca ressarcido. Poder-se-á apenas tentar anestesiar os efeitos do dano, mas este nunca poderá ser recuperado, uma vez infligido (MORAES, 2003).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo: Martin Claret, 2002.

KANT, Immanuel. Kritik der praktischen Vernunft. Munique: Beck`sche Reihe, 2012.

KANT, Immanuel. Critique of pratical reason. (Edited by Mary Gregor). Cambridge: Cambridge University Press, 2010.

FOOT, Philippa. Morality as a System of Hypothetical Imperatives. The Philosophical Review, Vol. 81, No. 3,1972. pp. 305-316.

SANDEL, Michael J. Justiça o que é fazer a coisa certa. 6ª Edição, Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2012.

MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. São Paulo: Renovar, 2003.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 7. Ed. ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

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