1. Introdução
Muitas dúvidas surgem quando se busca definir quem deve ressarcir o prejudicado, no caso de danos decorrentes de atos praticados em nome de pessoa falecida. A questão central consiste em saber se o patrimônio deixado pelo falecido responde pelos prejuízos causados às vítimas.
Nesse contexto, o presente estudo se propõe a averiguar como se resolve a questão da responsabilidade patrimonial em tais hipóteses.
2. Responsabilidade civil por ato ilícito
Atualmente, onde um elevado número de operações são realizadas virtualmente, dispensando a presença física das pessoas, não são raros os casos em que atos são praticados após o falecimento de uma pessoa, mas em nome dela.
Como exemplos dessa situação temos a hipótese em que compras são feitas pela internet com dados do de cujus, a contratação de serviço em nome do falecido e o recebimento de benefício previdenciário depositado em conta corrente do segurado após o seu óbito.
Em todos esses casos o ato praticado em nome do falecido gerou prejuízos ou a particulares ou ao erário público, gerando, portanto, o direito de ressarcimento. Assim, a indagação a ser esclarecida é se a obrigação de ressarcir os prejudicados por atos praticados em nome do falecido poderia ser suportada pela herança deixada pelo falecido, já que muitas vezes os autores desses atos são herdeiros do de cujus.
Nesse contexto, primeiramente, se torna necessário perquirir se tal obrigação pode ser considerada dívida do espólio ou dos herdeiros do falecido.
Sob esse aspecto, o artigo 1.997 do Código Civil é claro ao estabelecer que a herança responde apenas pelas dívidas do falecido, não abrangendo aquelas constituídas após o óbito, verbis:
Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube.
Na hipótese aqui aventada, não se tem qualquer dívida do falecido, uma vez que os atos foram praticados após seu óbito. Dessa forma, não é possível tratar-se o presente caso como sendo uma hipótese de responsabilidade por sucessão, a fim de buscar-se, independentemente de qualquer indício de quem tenha praticado o ato, o ressarcimento do espólio ou dos herdeiros, indistintamente.
Tal conclusão constitui decorrência lógica do fato de que, se os atos não constituem dívida deixada pelo falecido, a cobrança não pode ser automaticamente dirigida ao espólio ou aos herdeiros. Isso porque se está, na verdade, diante de hipótese de responsabilidade própria daquele que praticou o ato.
Sendo assim, não há que se falar da aplicação, na situação em questão, de ensinamentos ou dispositivos que regem a responsabilidade intra vires hereditatis, mas sim de responsabilidade civil daquele que causou o prejuízo, nos termos do disposto nos arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Segundo a legislação pátria, portanto, toda pessoa que praticar ato ilícito, causando dano para alguém, está obrigada a reparar os prejuízos suportados pela vítima. Essa é, sem dúvida, a situação de quem praticou ato em nome do falecido, após seu óbito.
Sendo assim, claro está, que para que se obtenha êxito na busca de ressarcimento em hipóteses como as aqui citadas, é necessária a identificação daquele que praticou o ato ilícito.
Sendo impossível a identificação do responsável pelo ato, em um primeiro momento, torna-se inviável qualquer ação de cobrança ou indenizatória, já que não haverá parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda.
Exceções a essa regra são os casos em que é possível imputar-se responsabilidade a determinado sujeito por ter ele o dever de evitar o ato ilícito ou o dano (responsabilidade civil indireta). No entanto, nessa situação, também será necessário identificar-se quem possuía a obrigação de impedir o prejuízo e apurar a existência de culpa de tal agente ou se ele pode ser responsabilizado objetivamente pelo dano causado por terceiro.
Não sendo encontrada nenhuma pessoa a quem a responsabilidade pelo dano possa ser imputada, não haverá outra solução: o prejudicado terá de suportar o prejuízo, o que gera, sem dúvida, uma sensação de impunidade.
Contudo, conforme bem destacam GAGLIANO E PAMPLONA FILHO[i], “a natureza jurídica da responsabilidade civil será sempre sancionadora, independentemente de se materializar como pena, indenização ou compensação pecuniária”. Sendo, portanto, uma forma de sanção não há como atribuir-se obrigação de ressarcimento a pessoa que não seja direta ou indiretamente responsável pelo ato.
3. Considerações Finais
Com o avanço tecnológico, o qual permitiu que atividades que antes eram realizadas pessoalmente passassem a ser praticadas virtualmente, houve um aumento dos casos em que o nome ou os dados de pessoas falecidas são utilizados indevidamente, causando prejuízos a terceiros.
Em tais hipóteses, a pessoa prejudicada, muitas vezes, não sabe quem praticou o ato, o que a faz crer na possibilidade de buscar ressarcimento no patrimônio deixado pelo falecido.
Tal possibilidade, contudo, não encontra qualquer respaldo legal.
Assim, o único caminho para que haja efetiva responsabilidade patrimonial em situações como as analisadas é a identificação do sujeito que praticou o ato ou de pessoa que tenha responsabilidade civil por ato de terceiro, pois não havendo pessoa a quem se imputar a responsabilidade pelo ato ilícito não haverá ressarcimento.
NOTA
[i] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, v. III: responsabilidade civil. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 20.