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Mérito: análise das principais teorias de delimitação

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Agenda 15/04/2014 às 09:45

4. ANÁLISE DAS PRINCIPAIS TEORIAS DIFUNDIDAS NO BRASIL ACERCA DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO LITIGIOSO DO PROCESSO

Para se justificar a posição a ser adotada por este trabalho, especialmente no que se refere ao conceito do objeto litigioso do processo, é mister analisar as teorias de delimitação. É do que se cuida a partir de agora.

4.1. Análise das teorias que delimitam o objeto litigioso do processo pelo pedido (e causa de pedir)

Estas teorias não oferecem parâmetros suficientes para a individualização do objeto litigioso do processo, em especial, para contextualizá-lo ao mundo dos fatos. Não há premissas seguras à sua identificação, quando a delimitação ocorre exclusivamente pelo pedido (apesar de ser possível em algumas oportunidades, como no caso das ações autodeterminadas).

Tanto é insuficiente a simples formulação de pedido para delimitar o objeto litigioso do processo, que o inciso I do parágrafo único do artigo 295 do Código de Processo Civil coloca como motivo de indeferimento petição inicial, por inépcia, a apresentação de pedido desacompanhado da causa de pedir. E a razão é justamente a deficiência na individualização.

Se prevalecesse a teoria da delimitação do objeto litigioso do processo exclusivamente pelo pedido, não se admitiria, por exemplo, que determinado valor fosse cobrado, entre as mesmas partes, em oportunidades distintas, apesar de possuir diferentes causas de pedir. Haveria injustificado alongamento do limite objetivo da coisa julgada.

Necessário, assim, refutar a teoria respectiva de delimitação.

Surge, então, a segunda teoria, de acordo com a qual o objeto litigioso se delimitaria pelo pedido e estaria identificado pela causa de pedir. Essa teoria recebe forte influência das disposições do Código de Processo Civil, que colocam, como requisito da petição inicial, além do pedido, a causa de pedir. Nas palavras de seus defensores, a colocação da causa de pedir, como elemento identificador do pedido, tem o mérito de vencer o problema da individualização.

Por sua vez, os defensores das teorias que delimitam o objeto litigioso do processo apenas pelo pedido criticam as teorias que associam a causa de pedir se apegando à premissa de que os limites objetivos da coisa julgada estariam adstringidos ao elemento declarativo do dispositivo da sentença. E, sendo (ou devendo ser) o dispositivo da sentença uma resposta aos pedidos formulados pelas partes, não teria sentido incluir a causa de pedir como elemento identificador do objeto litigioso. Ela, ao lado das partes, serviria para identificar a demanda, mas não para delimitar o objeto litigioso.

Contra ambas as teorias, que têm o pedido como elemento comum, pesam críticas conjuntas, sendo uma das mais pujantes aquela segundo a qual a concepção de delimitação do objeto litigioso do processo pelos pedidos formulados pelas partes atrairia ao processo a aptidão de servir apenas ao autor24. Seria o “processo civil do autor”.

Acontece que o processo não é mais concebido para tutelar unicamente o autor. Hoje, vê-se embutida em todo processo, no mínimo, “uma ação declaratória negativa do direito invocado pelo autor, que traz para o réu, na hipótese de improcedência da demanda, sentença declaratória negativa neste sentido”25. Coloca-se, assim, em situação de equivalência, autor e réu.

E não poderia ser diverso, porque não há distinções substanciais entre as partes, principalmente, em termos processuais. O que as diferencia, basicamente, é a inauguração na provocação da atividade jurisdicional. Nos mais variados aspectos, não há diferenças, mormente porque, pelo texto constitucional, tem-se a consagração da garantia da isonomia como direito fundamental.

Em termos processuais, não haveria de ser diferente por conta, exclusivamente, do peticionamento inicial26. O fator que distingue não tem legitimidade de proporcionar tratamento diferenciado, inclusive processual, entre autor e réu (a diferença entre o direito de ação e o direito de defesa “é mais cronológica, do que ontológica”27). Sem contar, em acréscimo, que admitir a diferenciação entre autor e réu, logo (e a partir de) quando inaugurada a prestação jurisdicional, enseja a prática de conduta desprovida legitimidade, pois, ainda, não há definição do direito. Muitas vezes, no momento postulatório da fase de conhecimento, o juiz está diante, apenas, de afirmações trazidas pelas partes. Não poderia ele realizar distinções.

Outra crítica, que pesa contra a utilização do pedido como elemento de delimitação do objeto litigioso do processo, relaciona-se à contrariedade da garantia da eficiência. Se o objeto litigioso se adstringir aos pedidos, ter-se-ia uma atividade jurisdicional voltada, como antes posto, apenas à solução do pedido do autor. Estar-se-ia impondo ao réu o ônus de provocar nova prestação jurisdicional para discutir a mesma questão que foi levada à solução jurisdicional pelo autor, simplesmente, porque não formulou pedido.

Não sendo suficiente, a delimitação do objeto litigioso do processo pelo pedido, na medida em que impõe ao réu o ônus de provocar a atividade jurisdicional através de nova ação, possibilita a existência de decisões conflitantes28 (a despeito de o sistema processual prezar pela harmonia, que é uma exigência fática), o que compromete a segurança jurídica, aspirada por uma sociedade que aderiu à intolerância sobre o tratamento diferenciado daqueles que se encontram em posições idênticas.

As teorias, aqui analisadas, revelam apego a uma ideologia de exacerbada preocupação na formulação de pedido para oferta de prestação jurisdicional, olvidando que ela pode contemplar (e mesmo beneficiar) quem não pediu. A sentença de improcedência pode ter serventia maior do que a simples declaração negativa do direito afirmado29. Pode até certificar direito à prestação em favor do réu.

Essa situação de tutela em favor do réu é comum (mas não exclusiva) quando se afirma a existência de direito que tenha natureza dúplice por contraditoriedade, no qual o “não ser” para uma das partes significa “ser” para a outra. Calmon de Passos (1960, p. 74-75) traz exemplo que contraria as teorias que colocam o pedido como delimitador do objeto litigioso do processo, ao se referir à ação declaratória negativa que, mesmo correndo à revelia, foi julgada improcedente:

Nela, porque o réu revel em todo o seu curso, só existe o pedido do autor, pedido de que se negue a existência de relação jurídica entre êle e o réu. Repelindo a demanda, o juiz, necessàriamente, vai afirmar a existência da relação jurídica, atribuir ao réu a titularidade de um direito que o autor lhe contestava. E se a sentença declaratória passada em julgado, vale como preceito, o réu, mesmo contumaz, sofrendo os efeitos da coisa julgada e dêles se beneficiando, tem certificada, com a sentença, sua situação jurídica, vale dizer, a titularidade de um direito subjetivo, tal como êle obteria se houvesse promovido uma ação declaratória positiva.

É verdade que algumas defesas devem vir acompanhadas de pedido30. Isso ratificaria as teorias que o utiliza como delimitador do objeto litigioso. Mas, esta regra não é absoluta, porque, em determinadas situações, é possível que a defesa, independentemente da formulação de pedido, justifique a oferta de prestação jurisdicional em favor do réu. Até quando ausente o réu, pode lhe ser ofertada tutela jurisdicional favorável. As ações dúplices são bons, mas não os únicos, exemplos que confirmam esta conclusão.

A delimitação do objeto litigioso do processo, a partir do pedido, assim, não atende às exigências práticas do cotidiano31. Se admitida, situação como a encimada, apesar de ensejar o oferecimento de prestação jurisdicional em favor do réu, não teria sustentação teórica. Não se explicaria como o objeto litigioso do processo, que é também utilizado para delimitar a atividade jurisdicional, estaria adstringido ao pedido e, na situação exemplificada, poder-se-ia ofertar jurisdição em favor do réu que não o formulou.

A possibilidade de conversão em perdas e danos, durante o curso do processo, é outro indicativo de que o objeto deve estar delimitado por elemento que antecede à formulação do pedido, pois, embora não haja, na postulação inicial, pleito indenizatório, a determinação de indenização pode ser conseguida. Se o objeto litigioso estivesse delimitado pelo pedido, como não foi formulado o de indenização em início, esta não poderia ser alcançada na eventualidade da superveniente mudança do cenário fático. Não é o que acontece, contudo.

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Assim, a identificação do objeto litigioso do processo a partir do pedido é insuficiente para explicar situações de ordem prática. Mostra-se falível. O foco de análise, então, precisa adotar outro espectro, que anteceda a própria formulação do pedido.

4.2. Análise das teorias que delimitam o objeto litigioso do processo pela lide

Pesam sobre as teorias que delimitam o objeto litigioso do processo pela lide o fato de que ela é um fenômeno social e não processual. Não haveria, por esta razão, compromisso com a técnica. Acrescenta a doutrina, contrária à delimitação pelo fenômeno social, que:

O juiz sempre julga algo que lhe é apresentado e o autor, ao pedir uma tutela, não está apresentando uma lide a ser resolvida. Se fosse assim, então deveria o demandante, na petição inicial, narrar os fatos e pedir que aquele conflito fosse resolvido como determina a lei. O pedido seria o pleito de resolução da lide e nada mais32.

Não se está a ratificar as teorias antecedentes, que delimitam o objeto litigioso pelo pedido, mas a mostrar que a simples apresentação da lide é insuficiente a tal propósito. E se fosse sempre necessária a formulação de pedido para a oferta de prestação jurisdicional favorável (como sugere a lição doutrinária posta acima), a delimitação pela lide quedar-se-ia, também, frente às críticas emprestadas anteriormente33.

Pontue-se, em acréscimo, que a lide, apesar de iniciada ou completada a relação processual, poderia sequer existir, pelo que não haveria delimitação do objeto litigioso. Isso leva a constatar que a própria nomenclatura “objeto litigioso do processo”, consagrada pela doutrina, não é a que melhor contempla a ideia representativa do fenômeno processual.

Logo, é insuficiente e inadequada a delimitação do objeto litigioso do processo pela lide.

4.3. Análise das teorias que delimitam o objeto litigioso do processo pela ação de direito material (e defesa e/ou exceção apresentadas pelo réu)

Pesam, igualmente, críticas sobre as teorias que delimitam o objeto litigioso do processo a partir da adoção da ação de direito material. Como explica Roberto P. Campos Gouveia (2012, p. 15), se a delimitação ocorresse a partir da ação de direito material, a sua duplicidade ou multiplicidade não ensejaria, propriamente, o fenômeno da litispendência, já que aquela é única. A duplicidade ou multiplicidade a justificar a litispendência seria de ações processuais, haja vista elas significarem a afirmação, por mais de uma vez, da mesma ação material.

Ademais, não se pode delimitar o objeto litigioso do processo pela ação de direito material porque, em caso de julgamento de improcedência, lembra Pedro Henrique Pedrosa Nogueira (2008, p. 20), ela não existiria. Não faria sentido delimitar o fenômeno processual em análise a partir de um instituto que, diante de sua inexistência, não pode sequer expandir seus reflexos no plano dos fatos.

4.4. Análise das teorias que delimitam o objeto litigioso do processo pela ação processual

Analisam-se, agora, as teorias que delimitam o objeto litigioso do processo pelas afirmações da existência de direito apresentadas pelas partes.

A partir dessa delimitação, as questões de ordem prática, mencionadas anteriormente (colocadas como ponto de refutação das teorias que utilizam o pedido como fator de delimitação), são resolvidas, sem se descuidar da necessária e suficiente explicação teórica. Além disso, o parâmetro de delimitação tem quatro grandes vantagens em relação aos demais, apresentados precedentemente. São elas:

1ª) dotar de orden y fluidez el debate procesal; 2ª) evitar situaciones de desvantaja para cualquiera de las partes; 3ª) evitar la innecesaria repetición de demandas en las que se pretenda entra los mismos sujetos la misma tutela jurisdiccional; y 4ª) evitar el riesgo de procesos com sentencias contradictorias o redundantes.34

Sendo as afirmações de existência de direito, formuladas pelas partes consideradas o elemento identificador do objeto litigioso do processo, ambas as partes poderiam ser amparadas pela solução decorrente da atividade jurisdicional, independentemente, da propositura de ação pelo réu. Afirmar-se-ia a eficiência do processo, a se evitar contradições (ou redundâncias) entre pronunciamentos jurisdicionais. Até porque, repita-se

[...] toda demanda tem uma certa carga dupla, na medida em que traz consigo sempre uma ação declaratória negativa do direito invocado pelo autor, apta a gerar para o réu sentença declaratória de igual teor na hipótese de improcedência daquela, independentemente de sua participação da relação jurídica processual.35

Às vezes, por conta desta carga dupla, vai-se além da simples declaração negativa do direito, afirmado pelo autor. Delimitado o objeto litigioso do processo pelas afirmações da existência de direito, apresentadas pelas partes que compõem a relação processual, a prestação jurisdicional servirá àquelas, independentemente de quem tenha formulado o pedido. A prestação jurisdicional não se adstringirá a responder “sim” ou “não” ao pedido, ela julgará as afirmações de existência de direito, pelo que servirá a ambas as partes, podendo justificar, até mesmo, nalgumas oportunidades, execução em favor de quem não formulou pedido na fase de predominância cognitiva.

Por conta desse parâmetro de delimitação do objeto litigioso, a parte que faz afirmação da existência de um direito (ou contradireito), a qual pode ser procedente ou improcedente, é o autor (da afirmação). Pode acontecer de tanto a afirmação do direito e do contradireito serem procedentes, situação em que o primeiro pode ser extinto ou neutralizado pelo último.

A exceção substancial seria uma espécie de contradireito36, que, nas lições de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1970, p. 10), “no negar, não nega a existência, nem a validade, nem desfaz, nem co-elimina atos de realização da pretensão (compensação), – só encobre a eficácia do direito, pretensão, ação ou exceção”.

Ao excepcionar, diz Miguel Mesquita (2009, pp. 49-50), estar-se-ia, a parte, “a exercer o poder processual de exigir”. Por isso, “uma vez deduzida a excepção, sobre o juiz recai o dever de sobre ela se pronunciar, um dever análogo ao de julgar o pedido deduzido através da acção”.

Contudo, Miguel Mesquita (2009, p. 51) adota posição contrária àquela que é defendida por este trabalho (que delimita o objeto litigioso do processo pelas afirmações da existência de direito, apresentadas pelas partes), por defender que as exceções seriam apreciadas apenas incidenter tantum, e concluir que a coisa julgada “não se alarga à decisão das excepções materiais, a não ser que haja um pedido expresso de alguma das partes nesse sentido ou que a lei imponha claramente o alargamento”.

O professor português justifica sua posição ao argumento de que a parte ré teria natural dificuldade em prever os efeitos resultantes dos contradireitos subjacentes às exceções, além do que sofreria, diferentemente da parte autora, da dificuldade, decorrente da pressão do prazo estabelecido para a apresentação de sua defesa.

Estas ponderações são repelidas. A uma, por aqui se considerar que os efeitos resultantes dos contradireitos (inclusive porque objeto de análise judicial com possibilidade de efetivo contraditório) seriam os mesmos decorrentes dos direitos. A duas, por se entender que não haveria qualquer pressão relacionada ao prazo de sua apresentação, pois é o mesmo para a apresentação da defesa direta (no art. 297. do Código de Processo Civil), que a prática forense tem mostrado ser suficiente.

A posição refratária à ampliação da coisa julgada constitui capricho. A “vontade das partes”, em resolver a situação apresentada, está contida no pedido de prestação jurisdicional formulado pelo autor da afirmação da existência do direito. A adstrição do comando sentencial a um “sim” ou “não”, que adota como ponto de referência o pedido formulado pelo autor, além da emprestar um inaceitável tom privatista, despreza a serventia do serviço (de elevado custo e conduzido sob as garantias constitucionais) ofertado pelo Estado. A sentença definitiva pode, de fato, resolver mais do que o pedido (conquanto se reconheça que ele é o ponto de partida, sendo necessária sua formulação pelo menos na petição inicial)37.

Outros que se subvertem contra a delimitação do objeto litigioso pelas afirmações da existência de direitos, apresentadas pelas partes, não fazem resistência direta. Defendem, apenas, que o pedido deveria ser utilizado como fator de delimitação em face das disposições dos artigos 2º, 128 e 460, segundo as quais a atividade jurisdicional só deveria ser ofertada quando houvesse (e na medida da) provocação. Assim, o objeto litigioso do processo deveria ficar adstringido ao pedido (identificado, para alguns, pela causa de pedir).

Entretanto, não há qualquer incompatibilidade entre a ideia apregoada por este trabalho e os dispositivos legais referidos.

O pedido inicial é corolário processual da afirmação da situação material. É justamente porque se afirma ter direito que se pede, inicialmente, a prestação jurisdicional ao Estado. O pedido, constante na petição inicial, é a decorrência necessária e lógica da afirmação, como reconhece o artigo 295, parágrafo único, inciso II, do Código de Processo Civil. Afirma-se para pedir porque não se pode pedir sem afirmar. Não se está aqui a dizer que não se deve formular pedido por conta da proposta delimitação do objeto litigioso defendida, e sim que ele (o pedido) é decorrência lógica da afirmação jurídica material contida na petição inicial.

Poder-se-ia indagar, em contra-ataque, como é que se defende, sem paradoxo, que o pedido é decorrência da afirmação da existência de direito e, ao mesmo tempo, ser possível a oferta de prestação jurisdicional em favor do réu, mesmo que ele não tenha formulado pedido.

Como o pedido não delimita o objeto litigioso do processo (apesar de ele decorrer das afirmações da existência de direito, relacionadas à determinada situação jurídica, onde se manifestou a vontade de ver resolvida a problemática associada), pode-se ofertar prestação jurisdicional em favor do réu.

Embora o pedido seja consequência da afirmação da existência de direito formulada, é esta, e não aquele, que delimita o objeto litigioso do processo, razão por que a parte, mesmo sem pedir, pode ser beneficiada com a prestação jurisdicional, que incidirá sobre a situação jurídica a que está envolvida.

E mesmo diante de uma simples interpretação, literal que seja, dos dispositivos transcritos, já se poderia superar a velha concepção que junge o objeto litigioso ao pedido.

Pela redação do artigo 2º do Código de Processo Civil, “Nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais”. Não se pode dizer que as afirmações da existência de direitos apresentadas por pelo menos uma das partes não tragam pedido de oferta de prestação jurisdicional. Ao afirmar em juízo a existência de direito, pelo menos uma das partes pede, como consequência, oferta de prestação jurisdicional. E assim o fazem na forma estabelecida pela lei, especialmente, porque a garantia constitucional da isonomia impede a restrição dos efeitos de um pronunciamento jurisdicional, exclusivamente, a quem tenha apresentado o pedido.

Quanto ao artigo 128 do Código de Processo Civil, ele preconiza que “O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”. A expressão “decidirá a lide nos limites em que ela foi proposta” é empregada sem repulsa à concepção adotada por este trabalho em torno do objeto litigioso do processo, porque são as afirmações de situações jurídicas que apresentarão a “lide” (ou o mérito, para ser mais preciso). Ao se referir às “questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”, o dispositivo também não afasta a concepção de objeto litigioso, porque a existência de uma “questão”38 ampara-se nas afirmações da existência de direito apresentadas pelas partes.

E, no que concerne ao artigo 460 do Código de Processo Civil, ele estabelece que “É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. A natureza da sentença pedida não rebate a ideia aqui defendida em torno da delimitação do objeto litigioso do processo. Da mesma maneira, a quantidade em que o réu será eventualmente condenado. E, quando faz menção ao objeto demandado, ele é delimitado pelas afirmações apresentadas pelo seu autor. Afastada, assim, a concepção que junge o objeto litigioso do processo ao pedido, a disposição legal não objeta a sua delimitação pelas afirmações de direito, apresentadas pelas partes.

Os dispositivos legais mencionados não podem fechar a concepção do objeto litigioso à necessária inclusão do pedido, sob pena de albergar concepção estática do sistema jurídico brasileiro com perene apego às concepções positivistas39, que impedem o juiz de criar para atender às necessidades hodiernas.

A norma que se extrai de um texto legal tem variantes temporais associadas ao seu meio40. O texto, em sua expressão literal, deixou de ser uma “fórmula sagrada”41. A abertura do sistema para aderir à contextualização atual é razão suficiente para que o intérprete dê à lei “novos conteúdos a seus preceitos, na medida em que o tempo e as necessidades sociais o exijam”.42

A delimitação do objeto litigioso do processo às afirmações da existência de direito, apresentadas pelas partes, a bem da verdade, não causa qualquer consequência que guarde incompatibilidade às mais variadas teorias sobre a coisa julgada, nomeadamente porque não haverá modificação da concepção dos limites objetivos da coisa julgada.

Existe quem defenda que o art. 293. do Código de Processo Civil, segundo o qual “Os pedidos são interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais”, imporia a delimitação do objeto litigioso pelo pedido. Não é isso que dita o dispositivo legal transcrito. Ele trata apenas da interpretação do pedido, que, como antes dito, deve sim ser formulado por uma das partes, pelo menos, a justificar a saída do estado de inércia, mas não significa que a oferta de jurisdição esteja a depender da formulação, nem muito menos favorecer apenas a quem formulou o pedido, inclusive se implícito for. A dizer de outra forma, é necessária a formulação de pedido, mas não é ele que delimita o objeto litigioso do processo e, por conseguinte, a oferta da prestação jurisdicional meritória.

Logo, nenhum dos dispositivos mencionados representa objeção à delimitação do objeto litigioso do processo, defendida por este trabalho.

Alguns outros dispositivos do próprio Código de Processo Civil induzem à conclusão de que o objeto litigioso não se restringe ao pedido43 e está relacionado às afirmações de existência de direito, formuladas pelas partes. É o caso do artigo 462. Na verificação de fatos novos, por exemplo, eles não poderiam influenciar na formação do objeto litigioso do processo, se delimitado pelo pedido44.

Dispositivos outros do Código de Processo Civil poderiam ser invocados para ratificar a opção pela delimitação do objeto litigioso a partir das afirmações da existência de direito. Dentre eles, podem ser citados os artigos 103 (que em sua essência visa a evitar a desarmonia entre julgados, mesmo quando os pedidos formulados são distintos) e § 1º do art. 461. (que admite a conversão de obrigação outra em perdas e danos, ainda que não formulado pedido de indenização na petição inicial).

Portanto, além de o Código de Processo Civil não objetar a delimitação do objeto litigioso do processo às afirmações de existência de direito, feitas pelas partes, em algumas passagens, ele reafirma tal concepção.

Concernentemente à causa de pedir, aqui se defende que o objeto litigioso não é delimitado por ela, ainda que em composição com o pedido. Ela só tem razão de ser, se associada ao pedido. Se o objeto litigioso não é delimitado pelo pedido, não tem sentido o acompanhamento da causa de pedir. Além disso, a causa socorre, a quem pede, a manifestar, da mesma forma que o pedido, a aptidão de servir apenas a quem a apresenta. Não é porque deixou de ser apresentada causa excipiendi pela parte adversa que lhe será negada a justa oferta de prestação jurisdicional.

Não se está a dizer que a causa de pedir é dispensável como elemento da demanda ou que ela não compõe o âmbito da análise judicial. Defende-se, apenas, que, seja próxima ou remota, não delimita, com exclusividade, o objeto litigioso do processo.

Poder-se-ia indagar, ainda, se as alegações constantes na defesa direta do mérito comporiam o objeto litigioso do processo. Entende-se que é desnecessária tal inclusão, porque ela é afirmação contraditória àquela da existência de direito realizada pelo autor. O “não ser” da afirmação do autor significa “poder ser” e, às vezes, até “ser”, por contraditoriedade. Quando a afirmação da existência é improcedente, declarando que não existe o direito afirmado pelo autor, “pode ser” (e às vezes “é”, caso haja certificação suficiente), reconhecida a existência de direito outro em favor do réu.

E vai-se mais longe, considerando mesmo as situações em que o réu não apresente resistência direta. A improcedência da afirmação da existência de direito pela parte autora significa reconhecimento de situação jurídica favorável à sua pessoa. Portanto, a extensão do objeto litigioso às defesas diretas é desnecessária.

Por fim, deve-se ressaltar que, a despeito de se ter, até agora, falado em existência, a afirmação da parte pode ser de inexistência de direito. Tal sói ocorrer com as afirmações que são apresentadas pela parte autora nas ações declaratórias negativas e com as afirmações que são usualmente apresentadas pela parte ré em suas respostas na forma de resistência direta. Roberto P. Campos Gouveia Filho (2012, p. 16), a respeito destas afirmações de inexistência de direito, defende que

A inexistência de uma situação jurídica é afirmação que compõe a afirmação da ação declaratória negativa. Não se deve confundir, todavia, o objeto declarável (no caso, o inexistente) com a situação jurídica declarativa (no caso, a ação). Quando tal afirmação parte do réu, revela-se aquilo que estamos por debater: a duplicidade por contraditoriedade, ou seja, a afirmação de existência da ação por parte do autor contém, implicitamente, a processualização da afirmação de inexistência, a contradição lógica. É de ressaltar, todavia, que, para a processualização da contradição independe do réu, cuja atitude defensiva é apenas reveladora, e não constitutiva.

A afirmação de inexistência seria a afirmação de existência de uma não existência. “Existir” e “não existir” é apenas uma questão de sinal (“positivo” ou “negativo”) em relação ao autor ou ao réu das afirmações. “Não existir” seria um sinal “negativo”, que pode decorrer de uma afirmação de existência (sinal “positivo”) em relação a uma inexistência (sinal “negativo”), o que ensejaria, como fruto desta operação, uma sinal “negativo” (afirmação de “não existir”).

Logo, é despiciendo falar em afirmação de inexistência de direito, quando ela equivale à afirmação de existência de uma não existência. A concepção que delimita o objeto litigioso do processo às afirmações apenas de existência de direito, apresentadas pelas partes, atende às exigências práticas e gozam de suficiente explicação teórica. Quando se referir a objeto litigioso do processo, compreenda-se por delimitado pelas afirmações de existência de direito formuladas pelas partes.

Caso real, que foi posto à análise do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do recurso especial, registrado sob o nº 1.261.888/RS, cuja relatoria coube ao ministro Mauro Campbell Marques, além de ratificar, ilustra a posição, aqui adotada, acerca do objeto litigioso do processo. Do relatório que compõe o voto condutor, consta que, originariamente, o consumidor de uma concessionária de energia elétrica propôs uma ação declaratória negativa por conta de um débito que lhe estaria sendo atribuído a título de recuperação de consumo.

Esta ação foi julgada parcialmente procedente (consequentemente, houve parcial improcedência da afirmação, trazida pelo autor), por reconhecer que a concessionária teria um crédito no percentual de trinta por cento (30%) do valor a ser pretensamente inexistente. Ao tentar executar a sentença em relação ao referido percentual, a concessionária ficou impossibilitada. Recorreu, em seguida, até o Superior Tribunal de Justiça que, ao analisar o caso, autorizou a execução da sentença pela parte ré da relação processual originária.

A se entender que o objeto litigioso estaria delimitado pelo pedido, não se autorizaria a execução da sentença pela parte ré da relação processual originária, porque, ao negar parte do pedido, a sentença não estaria a reconhecer a existência de direito em favor da parte ré, já que esta não formulou pedido. A negativa de parte do pedido significaria apenas que o autor não poderia ter a totalidade do débito declarada inexistente. Mas, se for compreendido que o objeto litigioso do processo está adstringido à afirmação da existência de direito, formulada pelas partes, possibilitar-se-ia a execução da sentença de improcedência, inclusive, se a parte ré não formular pedido.

No caso do precedente, a afirmação jurídica era: a parte autora é consumidora do serviço prestado pela parte ré e está sendo cobrada indevidamente, pelo que é inexistente o valor respectivo. Ao submeter esta afirmação de existência de direito à solução jurisdicional, sendo ela a res in iudicium deducta, a decisão definitiva (transitada em julgado) pela declaração da existência de parte do valor cobrado transforma-se em res iudicata, possibilitando a execução daquilo que foi certificado.

No caso, reconheceu-se o direito à prestação em favor da parte ré (mesmo sem esta ter formulado pedido) e, em sentido inverso, uma obrigação em detrimento da parte autora.

A resposta afirmativa ou negativa ao pedido não é suficiente a autorizar a execução da sentença de improcedência. Para se alcançar este desiderato, é necessário que o objeto litigioso do processo seja delimitado pelas afirmações da existência de direito, tecidas pelas partes que compõem a relação processual constituída. No caso do precedente do Superior Tribunal de Justiça, se o objeto litigioso estivesse limitado ao pedido, o réu teria de propor nova demanda judicial cognitiva, com a finalidade de ver reconhecido o seu direito de crédito (o que poderia ser frustrado), para só então executar. O mundo dos fatos, a que deve servir a ciência, por ser intolerante às contradições, não se compraz a este tipo de situação.

Sob outro aspecto, não restam dúvidas de que, por exemplo, quando o réu apresenta uma exceção substancial, ele quer, sim, que seja reconhecido (certificado) o direito que pode extinguir ou neutralizar aquele que é afirmado pelo autor. O que o réu não quer, e talvez apenas de imediato, é exigir o direito que afirma, mas isso é uma faculdade que pode ser exercitada futuramente, a dispensar a propositura de outra demanda judicial cognitiva. O contradireito é submetido a contraditório e é alcançado por pronunciamento judicial pelo que faz coisa julgada.

Agora, cabe ao réu, se vencedor, executar ou não a sentença (quando passível de execução). E não por que o direito que ele (réu) apresenta em exceção substancial possa ser objeto de uma “demanda judicial” que o juiz não o possa conhecer, mesmo quando apresentado no trâmite processual, a ponto de constituir coisa julgada. A eficiência roga solução em sentido contrário. O juiz pode conhecer o contradireito, porque apresentado, e julgar a afirmação relacionada, porque submetida a contraditório, de modo a constituir coisa julgada a respeito.

Suficiente e necessária, portanto, a delimitação do objeto litigioso do processo às afirmações da existência de direito, trazidas pelas partes.

Sobre o autor
Rinaldo Mouzalas de Souza e Silva

Mestre em Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Processo Civil pela Universidade Potiguar. Graduado em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal da Paraíba. Membro da ANNEP – Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

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