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A teoria do Direito em Ronald Dworkin: uma saída às concepções convencionalistas e pragmatistas.

Um estudo a partir da atuação do Supremo Tribunal Federal: entre Civil Law e Common Law

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Agenda 15/04/2014 às 15:47

6. EXISTE UMA RELAÇÃO ADEQUADA ENTRE OS DOIS SISTEMAS CIVIL LAW E COMMON LAW? LEGITIMIDADE – ACEITABILIDADE RACIONAL X SEGURANÇA JURÍDICA

Desde já esclarecemos que não há uma relação adequada entre os sistemas jurídicos da Civil Law e da Common Law, conforme se observou no capítulo 1 deste trabalho, apesar de ambos serem oriundos do mundo ocidental, eles são bastante distintos em suas formas, regras e maneiras de aplicar e estudar o direito. Não obstante, terem muitos pontos em comum não há que se afirmar que os mesmos estejam se tornando iguais. Dentre esses pontos, podemos mencionar o fato do Brasil ter adotado em nosso ordenamento jurídico o instituto da súmula vinculante, o que por seu turno guarda grande relação com o sistema norte-americano no aspecto da vinculação de decisões de casos semelhantes. (VIEIRA, 2007, p. 215. e 265).

Mesmo diante das inúmeras diferenças entre os sistemas jurídicos em comento nota-se que o Direito Pátrio vem sofrendo uma forte crise de identidade, em decorrência das decisões do STF, especialmente a comentada no capítulo 4.

Haja vista, sermos filiados ao sistema da Civil Law os Tribunais (no caso deste trabalho a nossa corte suprema), devem respeitar a legislação codificada. No entanto, o que se constata no cenário nacional é um STF julgando inexoravelmente para além do direito, chegando a normatizar questões, sendo que muitas destas se não todas são de conteúdo político, beneficiando obviamente o governante. No entanto, esse ativismo judicial exacerbado acaba nos aproximando da teoria do realismo jurídico norte-americano que já não vige mais neste país há muitos anos (GODOY, 2007), conforme estudamos no capítulo 2. Vale lembrar que esta teoria sucintamente entende que o direito é aquele prolatado pelos Tribunais e não o que foi elaborado pelo legislador. (DINIZ, 1994, p. 68- 69).

Pois bem, esta teoria é considerada muito radical para um país que se pretende ter uma democracia sólida, transparente, deliberativa e participativa onde os indivíduos sabem exatamente quais são os seus direitos e a garantia de que os mesmos serão preservados pelo judiciário.

Destaque-se também que o convencionalismo (positivismo jurídico) o qual o nosso Direito é filiado, é um risco para a democracia, uma vez que quando não houver respostas dentro do quadro de molduras hipotético criado por Kelsen, deverá o juiz buscar a solução fora deste quadro o que por si só gera uma grande incerteza e insegurança jurídica para os indivíduos, eis que os mesmos não saberão quais direitos realmente possuem. Além é claro de munir os juízes de um poder discricionário imenso. (MOREIRA, 2001).

Por isso, deve os nossos juízes diante do caso concreto optar pela teoria de Dworkin, escolhendo o direito como integridade para melhor satisfazer a nossa prática jurídica, amoldando a decisão com uma justificação racional coerente com os princípios, ou seja, a decisão deve ser fundada em argumentos de princípios, e não em argumentos de política. A decisão deve em primeiro plano visar à garantia dos direitos individuais. (DMITRUK, 2008).

Destaque-se a lição de Calsamiglia (2008): “A garantia dos direitos individuais é a função mais importante do sistema jurídico. O direito não é mais que um dispositivo que tem como finalidade garantir os direitos dos indivíduos frente às agressões da maioria e do governo.”

No que se refere a legitimidade de um Estado Dworkin (2007, p.232) esclarece que: “Um Estado é legítimo se sua estrutura e suas práticas constitucionais forem tais que seus cidadãos tenham uma obrigação geral de obedecer às decisões políticas que pretendem impor-lhes deveres”.

Agora como se pode aceitar que uma decisão seja legítima se a mesma tenha extrapolado os limites constitucionais que lhe foram impostos, dando-nos a idéia de que ela não adveio de um órgão que fosse competente para tanto. Além de insegurança jurídica decisões iguais a essa apresentada no capítulo 4 gera muita perplexidade nos indivíduos.

Caso ocorra do judiciário em não observar a lei diante do caso concreto acaba que ele intervém no legislativo gerando um colapso entre os 3 poderes, uma vez que a competência de um foi usurpada por outro, e isto é extremamente perigoso para a democracia. Além de ficar em clarividência que ao judiciário coube a “nobre missão de ser um mero subserviente” do executivo.


7. CONCLUSÃO

Ante as teorias expostas chegamos a conclusão de que o Direito como Integridade proposto por Ronald Dworkin é melhor do que as teorias convencionalistas, pragmatistas e realista norte-americana, vez que aquela primeira teoria parte do pressuposto de que os juízes devem embasar suas decisões em argumentos de princípios e não de política. Ou seja, os direitos e garantias individuais devem prevalecer diante dos direitos da coletividade. Além disso, o Direito como Integridade exige que as decisões judiciais e as leis sejam coerentes com o resto do ordenamento jurídico. Vale frisar, que tanto a atividade jurisdicional quanto a legislativa devem nortear-se pelos princípios.

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Em relação a nossa corte suprema se percebe nas suas decisões, que a mesma adota a teoria da ponderação de princípios de Robert Alexy, ou seja, o STF pondera sobre os princípios contidos no caso concreto de modo a balancear sobre qual terá o maior peso na decisão. O problema é que Alexy defende que os princípios podem ser equiparados a valores, e isto não é correto sob a óptica jurídica, pois ao equiparar princípios com valores acaba que a decisão judicial poderá afetar um determinado grupo da comunidade, vez que vivemos na era da pós-modernidade, com vários grupos sociais, raciais, etnias e outras formas de identificação dentro da sociedade.

Vimos que os sistemas jurídicos da Civil Law e da Common Law são muito distintos, não podendo afirmar que estamos nos filiando ao segundo, porém é inegável que passamos por um momento delicado do qual não raras vezes o nosso Direito se torna semelhante à Common Law em vários aspectos, em especial, sobre a “criação” do direito, uma vez que os Ministros do STF julgam para além do direito, eles agem com certa freqüência como se legisladores fossem, é um ativismo judicial sem tamanho. Os indivíduos passam por uma grande incerteza e insegurança jurídica, pois não se sabe se os seus direitos serão assegurados por quem cabe dar a palavra final.

A codificação (a lei escrita) não é respeitada nem mesmo os direitos e garantias fundamentais descritos na CR/88, na decisão da ADI 3.105/DF proferida pelo STF constatamos uma afronta gritante ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, ao argumento de que ninguém está imune a tributação, e desse modo não há direito adquirido contra tributos em nosso ordenamento jurídico, mas discordamos completamente dessa decisão, a final o direito adquirido está imune sim a qualquer tipo de discricionariedade, muito mais quando está se reveste de interesses políticos como foi no caso apresentado.

Ademais, esta decisão aproximou-nos da teoria do realismo jurídico norte-americano, a qual entende que o direito será aquele prolatado nos Tribunais e não o que está estabelecido nos Códigos, no entanto como vimos esta teoria já não vige nos Estados Unidos da América há décadas.

Vale acrescentar que uma decisão será legítima se provier de um órgão competente para tanto, e desde que os indivíduos vêem como legitimo o órgão do qual a decisão foi emanada. Pois bem, o judiciário ao não observar a lei diante do caso concreto acaba intervindo no legislativo gerando um colapso entre os 3 poderes, uma vez que a competência de um foi usurpada por outro, e isto é extremamente perigoso para a democracia. Principalmente para um país igual ao Brasil onde até pouco tempo atrás estávamos sob uma forma de governo ditatorial. E que tem uma Carta Política com apenas 20 anos.

Por isso o judiciário quando no exercício do controle de constitucionalidade das leis, deve declarar a inconstitucionalidade dela quando houver em prol da manutenção do princípio da separação e independência dos poderes.


REFERÊNCIAS

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VIEIRA, Andréia Costa. Civil Law e Common Law: os dois grandes sistemas legais comparados. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2007.

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Monografia apresentada à Unidade Acadêmica de Ensino de Direito – UEDI, UNIFEMM - Centro Universitário de Sete Lagoas, Fundação Educacional Monsenhor Messias, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito, que se deu no final do ano de 2008. Orientador: Prof. Giuliano Fernandes.

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