5. O STF E A SUA ARGUMENTAÇÃO ECONÔMICA, POLÍTICA E SOCIAL DIANTE DO JULGAMENTO DA ADI 3.105/DF PROPOSTA CONTRA O ART. 4° DA EC N° 41/03 (A QUAL ESTIPULOU CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS INATIVOS BEM COMO DOS PENSIONISTAS).
A emenda constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003, conhecida também como a segunda reforma da Previdência Social, trouxe uma enorme celeuma entre os meios jurídicos, uma vez que a mesma instituiu a cobrança previdenciária dos servidores públicos inativos, bem como dos seus pensionistas.
Com a possibilidade de tal cobrança foi ajuizada perante o STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade de n° 3.105/DF pela CONAMP – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, onde em síntese, entre outras, alegavam que a EC n° 41/03 na parte onde era permitida a cobrança, mais precisamente no seu art. 4°, ofendia o instituto do direito adquirido e do ato jurídico perfeito esculpidos na CR/88 em seu art. 5°, inciso XXXVI, in verbis: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” eis que os aposentados e pensionistas já se encontravam amparados por estes institutos legais.
A Lei de Introdução ao Código Civil – LICC em seu art. 6° (com redação dada pela Lei n° 3.238, de 1º.8.1957) nos traz a noção do que se entende por esses institutos legais acima citados, in verbis:
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.
§ 3º Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso. (Grifos nossos).
Sem maiores digressões a respeito do tema já que a lei é bastante clara e didática quanto aos conceitos de direito adquirido e ato jurídico perfeito, passaremos a analisar os votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Todavia, antes veremos o teor do famigerado art. 4° da EC n° 41/ 03, o qual ensejou a ADI 3.105/ DF, in verbis:
Art. 4º Os servidores inativos e os pensionistas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, em gozo de benefícios na data de publicação desta Emenda, bem como os alcançados pelo disposto no seu art. 3º, contribuirão para o custeio do regime de que trata o art. 40. da Constituição Federal com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.
Parágrafo único. A contribuição previdenciária a que se refere o caput incidirá apenas sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere:
I - cinqüenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II - sessenta por cento do limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201. da Constituição Federal, para os servidores inativos e os pensionistas da União. (Grifos nossos).
Segundo Lima, A. (2006) em excelente tese monográfica onde o mesmo sintetiza de forma bastante objetiva os votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que votaram na ADI 3.105/DF, a começar pela relatora, a Min. Ellen Gracie:
Em suma, diz a ministra: “admitir a permanência desta norma corresponderia a permitir fosse onerado alguém que cumprira tudo o quanto lhe era exigido ao tempo em que entrou em gozo do benefício” 10 . Assim, ela vota pela inconstitucionalidade da EC nº 41/03 não por essa ter ferido propriamente o direito adquirido, mas por tributar bis in idem o ex-contribuinte. A norma fere a garantia individual que veda ao Estado a bitributação (art.154, I), instituindo também um tributo sem causa, rompendo o equilíbrio atuarial (art. 195, § 5º). (Lima, A. 2006, p.19). (Grifos nossos).
De acordo com Lima, A. (2006, p.20- 21, grifos nossos) o Min. Joaquim Barbosa, em seu voto faz, dentre outras, as seguintes considerações:
[...] é insensato conceber que o constituinte originário possa criar aquilo que o professor Canotilho qualifica como uma ‘constituição imorredoira e universal’ [CANOTILHO, J.J. direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998. p.937]. A evolução do pacto constitucional deve ser regra, sob pena de se criar um choque de gerações, que pode até mesmo conduzir à esclerose do texto constitucional e do pacto político que ele materializa” 11
Sobre o direito adquirido, diz:
A tese da exacerbação do direito adquirido protegido por cláusulas pétreas, no presente caso, é também absolutamente desarrazoada e antijurídica. Em primeiro lugar, porque não faz sentido sustentar, em um estado democrático e social, que alguém possa adquirir o direito de não pagar tributos. (...) Por outro lado, trata-se de uma concepção não razoável porque não faz sentido não querer isentar de contribuição previdenciária solidária os milhares de pessoas que se aproveitaram de um sistema iníquo de privilégios, de normas frouxas e excessivamente generosas que permitiram a jubilação precoce de pessoas no ápice de sua capacidade produtiva (...) 12 .
Afirma Lima, A. (2006, p.22) que o Min. Joaquim Barbosa vota pela improcedência da ação, eis que o Min. entendeu que a solidariedade deve prevalecer sobre o egoísmo.
Lima, A. (2006, p.22- 23, grifos nossos), sumariando o voto do Min. Carlos Britto, assegura-nos:
Para o ministro, segundo o art. 40, caput, cabe ao Poder Público, enquanto único arrecadador e gestor de verbas, fazer render o fundo previdenciário de modo a assegurar a continuidade vitalícia dos benefícios do sistema, “estabelecendo, para tanto, uma política de funcionários, fixação de base de cálculo e percentual de descontos previdenciários o bastante para o alcance perene daquele patamar de auto-suficiência financeira”. 13
Diz que a questão da previdência, quando se fala de déficit, utilizando um trocadilho, é na verdade uma questão de “providência” (providência gerencial do Poder Público), pois é coisa que concerne à responsabilidade do gerente, não do servidor.
Lima, A. (2006, p.23- 24, grifos nossos) afirma-nos também:
Disso tudo, conclui o ministro que os proventos e eventuais pensões se constituem em direito subjetivo do servidor público (ou seu dependente), desde que preenchidos os requisitos constitucionais. A partir do momento em que tiver cumprido todas condições de gozo do benefício, o servidor público já não poderá ser compelido a contribuir para o sistema previdenciário nem por determinação legal, nem por Emenda Constitucional. Se fosse possível às emendas desrespeitarem os direitos adquiridos e as cláusulas pétreas, abrir se caminho para situações grotescas.
Aponta-nos Lima, A. (2006, p.25) que ao final o Min. Carlos Britto acompanhou o voto da relatora.
Segundo Lima, A. (2006, p.29- 30) o Min. Cezar Peluso, em síntese, votou:
“Este inquietante quadro social, econômico e político, em que, sob o juízo isento e desapaixonado, não se pode deixar de situar o país, interessa ao Direito, porque subjaz como fonte da razão normativas (ratio iuris) á aprovação da EC nº 41/2003, que estendeu aos servidores públicos inativos o ônus de compartilhar o custeio do sistema previdenciário. [grifamos]”14
Disso conclui-se que, em seu voto, o ministro leva, sim, em conta o fator econômico do problema no julgamento desta ação direta de inconstitucionalidade. Ao dizer que o conjunto de razões extrajurídicas – diríamos: especialmente a econômica – “interessa ao Direito”, o ministro parece admitir, no seu processo decisório, outros critérios que não os estritamente técnico-jurídicos. (Grifos nossos).
A ofensa ao direito adquirido e a irredutibilidade de proventos, argüidos pelas requerentes, não seriam argumentos fortes, uma vez que refletem o “cunho eminentemente capitalizador e contributivo” da premissa que adotam, considerando a relação previdenciária tal qual “relação jurídica de direito privado, de perfil negocial ou contratual”15. De outro lado, contra estes argumentos, apresenta os princípios ou objetivos do sistema de seguridade social presentes no art. 194, § único, art.195, caput e §5º, e art. 40, caput (na forma rescrita pela EC nº 41/2003), revelam a existência, segundo o ministro - subtende-se -, de um caráter solidário, de cunho social e atuante no interesse público e coletivo, predominando sobre o interesse privado.
Apontando o art. 195. da CF/88, que prescreve que a seguridade social será custeada por toda a sociedade, de forma direta e indireta o ministro diz que aí está o princípio estruturante da solidariedade 16.
De acordo com Lima, A. (2006, p.31) o Min. Cezar Peluso “[...]... vota pela parcial procedência da ação, ou seja, pela inconstitucionalidade apenas no tocante à distinção no inciso II do art. 4° da EC n° 41/ 03, em razão do princípio da isonomia.” 17
Lima, A. (2006, p.32, grifos nossos) também nos mostra em síntese o voto do Min. Eros Grau, vejamos:
Para o ministro, o problema trazido pela emenda se refere não ao art. 60, § 4º, IV (“art. 60. (...) § 4º - não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV- os direitos e garantias individuais”), mas ao art. 5º, inciso XXXVI (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”), que consta no rol de direitos e garantias protegidos pelo art. 60, § 4º, IV. Isso porque a EC nº 41/03 não visa à abolição de um direito ou garantia individual, apenas a viola.
Para Lima, A. (2006, p.32):
[...]... o ministro parece olvidar que a cláusula pétrea protege não somente contra a “abolição” de um direito tutelado, mas qualquer medida “tendente a abolir”. A nosso ver, o ferimento ao direito é um desrespeito que, levado às últimas conseqüências, ameaça a própria existência do bem jurídico que se pretende resguardar no art. 60, § 4º, IV, sinalizando possível abolição ou abrindo caminho para isso.
Lima, A. (2006, p.33, grifos nossos) assegura-nos também que:
Argumenta o ministro também que, mesmo que fosse admitido a existência de sinalagma nestas relações, o ato jurídico perfeito, em razão das circunstâncias de fatos presentes – provável desequilíbrio econômico entre as partes (o Estado e o contribuinte/beneficiário)-, poderia ser revisado. Lembrando o voto do ministro Paulo Brossard na ADI 493, diz que o “ato jurídico perfeito cederia à teoria da imprevisão”.
Esse ponto é importante pois revela, mais uma vez, a real possibilidade de, no STF, a quem cabe a guarda da Lei Maior, suprimir-se direitos – individuais, inclusive, a princípio protegidos pelo art. 60, § 4º, IV da CF/88 – por motivos eminentemente econômicos.
Desse modo, segundo Lima, A. (2006, p.34) o Min. Eros Grau “Vota pela parcial improcedência da ação, considerando inconstitucionais apenas os incisos do art. 4° da EC n° 41/03.”
Em síntese Lima, A. (2006, p.35- 36, grifos nossos) afirma e nos mostra o voto do Min. Gilmar Mendes, a saber:
De acordo com o ministro, da expressão “equilíbrio financeiro e atuarial” se extrai a legitimidade de se tributar servidores inativos: para o alcance do equilíbrio financeiro (receitas no mínimo equivalentes aos gastos) é preciso respeitar o equilíbrio atuarial (correlação entre contribuição e benefícios que os segurados receberão futuramente). Portanto, para a cobertura de uma receita ideal para o custeio das despesas, há um limite factual e normativo para a contribuição dos servidores em atividade: esta não pode assumir valores exorbitantes, que tornem insustentável as suas vidas financeiras, nem pode ser do valor que não justifique, relacionalmente, o valor lhe será pago em benefício futuramente. Assim diz o ministro:
“(...) Destarte, evidencia-se a importância de que todos os beneficiários do regime de previdência social do servidor público, inclusive os servidores inativos, concorram para a solidez e manutenção do sistema previdenciário, assegurando-lhe tanto o equilíbrio financeiro entre receitas e despesas quanto o equilíbrio atuarial entre contribuições e benefícios.” 18.
De acordo com Lima, A. (2006, p.37) o Min. Gilmar Mendes em seu voto diz que: “[...]..., o compromisso do contribuinte inativo ou pensionista, ao pagar esse tributo, é com sistema como um todo, e não apenas com sua conta junto ao órgão previdenciário”. Lima, A. (2006, p.37) também afirma que o referido Min. “Vota pela improcedência da ação, mas declara inconstitucionalidade dos incisos do art. 4° da EC n° 41/03.”
Assegura-nos Lima, A. (2006, p.38, grifos nossos) que o Min. Marco Aurélio em seu voto comenta sobre a emenda: “[...]... um pesadelo, em si, para aqueles que, nos seus respectivos lares, pensavam que o Estado preservaria a conjuntura existente”. Desse modo, fica fácil perceber a posição do Min., segundo Lima, A. (2006, p.40, grifos nossos) o Min. Marco Aurélio vota: “[...]..., pela EC n° 41/03 ferir cláusula pétrea ao transgredir o direito adquirido, vota pela inconstitucionalidade total do art. 4° da mesma.”
Lima, A. (2006, p.40), afirma que o Min. Carlos Velloso em seu voto diz: “[...]... ‘o financiamento da seguridade social tem uma marca, o da solidariedade: toda a sociedade participa desse financiamento’.” 19.
Lima, A. (2006, p.40) também assegura que o Min. Carlos Velloso em seu voto comenta:
Dessa forma, não há formas de escusas, porque não há direito de não ser tributado, com exceção de imunidades daqueles que têm imunidade tributária. No caso dos servidores – ativos e inativos -, não há imunidade tributária. Essas, quanto à contribuição da seguridade social, são aquelas previstas nos art. 195, § 7º e 195, II, que, respectivamente, isentam entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências da lei e os aposentados e pensionistas do regime geral de previdência social.
Lima, A. (2006, p.42, grifos nossos) sustenta ainda em referência ao voto do Min. Carlos Velloso que:
Destarte, amargando déficit, a Previdência deve contar com a colaboração de todos que dela fazem parte, inclusive dos inativos e pensionistas, já que seus proventos são financiados por toda a sociedade, ainda que esteja o sistema em crise. Aliás, financiada, por meio indireto, pelo trabalhador que ganha um salário-mínimo, inclusive, quando ele compra o seu “cigarro miserável” (incidência do IPI e ICMS).
Declara constitucionalidade da contribuição, mas considera o § único e incisos ofensivos ao princípio isonômico, declarando a inconstitucionalidade destes.
Lima, A. (2006, p.42, grifos nossos) nos mostra em síntese o voto do Min. Celso de Mello, vejamos:
O ministro diz que, embora seja evidente a gravidade atual do sistema previdenciário, que ameaça colapso não só comprometimento para as futuras gerações, mas sério risco de colapso atual, as reformas não podem ser efetivadas sem estrito respeito os valores delineados e limites impostos pela Constituição da República. O Supremo Tribunal Federal, cúpula do Judiciário, não poderia se deixar levar simplesmente por “argumentos de necessidade”, “por mais respeitáveis que possam ser” 20 . Razões de Estado, evocadas pragmaticamente para frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, não podem sobrepujar valores e princípios essências do nosso Direito Constitucional Positivo 21.
Assegura-nos Lima, A. (2006, p.43, grifos nossos) que o Min. Celso de Mello diz também que o: “[...]... poder de reforma não tem a mesma força do poder originário, que impõe limites quanto ao alcance, ao conteúdo e a forma de atuação deste poder derivado.”.
Lima, A. (2006, p.43- 44, grifos nossos) afirma também em referência ao voto do Min. Celso de Mello:
Para o ministro, direito adquirido é matéria que o poder constituinte derivado não poderia vulnerar. A EC nº 41/03, em seu art. 4º, altera de forma gravosa o regime daqueles que já incorporaram, aos seus respectivos patrimônios jurídicos, o direito de não mais contribuírem. Diz o ministro:
“Atingir ou suprimir as conseqüências que se irradiam, por efeito causal, da aposentadoria adquirida em momento que precedeu a promulgação da EC nº 41/2003 significa reconhecer a inadmissível possibilidade de o Poder Público, mediante ato estatal superveniente, atingir, modificar ou suprimir a própria causa (a cuja noção se ajusta ao ato de aposentação), fazendo instaurar, com a modificação gravosa a desvalorização lesiva das posições jurídicas preexistentes e definitivamente consolidadas, a inaceitável ocorrência do fenômeno da retroatividade, ainda que em seu grau mínimo, violando-se princípio, que, ao amparar o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, confere-lhes um círculo indevassável de proteção” 22.
Assevera Lima, A. (2006, p.44- 45):
Por outro lado, Celso de Mello afirma que a preservação do direito adquirido não representaria a consagração de privilégios, mas sim uma tutela no sentido de proteger aqueles cujas situações jurídicas foram definitivamente consolidadas contra o arbítrio do Estado23.
Outra razão de inconstitucionalidade e o desrespeito ao equilíbrio atuarial, pois a cobrança do tributo não preserva a correlação entre custo e benefício. “(...) o regime contributivo, por sua natureza mesma, há de ser essencialmente retributivo, qualificando-se como constitucionalmente ilegítima (...) a instituição de contribuição sem o correspondente oferecimento de nova retribuição (...)”. Assim, o tributo estaria despojado de causa suficiente.
Lima, A. (2006, p.45, grifos nossos) em alusão ao posicionamento do Min. Celso de Mello em seu voto assegura-nos:
O ministro Celso de Mello fala ainda de um outro parâmetro de controle que justifica a inconstitucionalidade da EC nº 41/03: princípio da proibição do retrocesso. Este princípio protege direitos fundamentais de caráter social que, uma vez alcançados determinado nível de concretização (como as situações dos inativos e pensionistas antes da emenda), não poderiam ter as suas situações garantidoras desconstituídas, a não ser que políticas compensatórias sejam implementadas.
Vota, como o Min. Marco Aurélio, pela integral inconstitucionalidade do art. 4º da EC nº 41/03.
No que concerne ao voto do Min. Sepúlveda pertence, Lima, A. (2006, p.48, grifos nossos) afirma:
Vota pela procedência parcial da ADI 3105, apenas no tocante ao parágrafo único da EC nº 41/03. Apesar do voto nesse sentido, diz o ministro que reconhece o impacto que isso causará no âmbito do orçamento doméstico de milhares de famílias. No entanto, diz implicitamente, essa solidariedade não é suficiente para por cobro ao problema da previdência, marcada pela “taxa imoral de inadimplência dos grandes devedores da Previdência Social, cevada pela inépcia, quando não pela corrupção sistêmica, do seu aparelho administrativo” 24.
Quanto ao voto do Min. Nelson Jobim, assegura-nos Lima, A. (2006, p.49):
Para ele, os direitos adquiridos não podem ser considerados a partir da visão dos séculos XIX e XVIII, quando os direitos fundamentais eram os direitos civis e políticos, absolutos e negativos, que exigiam apenas uma postura omitiva do Estado no sentido de não desrespeitá-los – portanto, direitos sem custos. Porém, com o século XX, com a introdução do “welfare state”, teve-se o surgimento dos chamados direitos econômicos-sociais, que representam custos, para o Estado (toda a sociedade).
Como, no caso, o direito adquirido protege direitos sociais, como pretendem as requerentes, o ministro quer dizer que, em razão desses custos que eles representam, tanto os direitos sociais como o direito adquirido a eles devem ser interpretados por uma óptica crítica.
Lima, A. (2006, p.50, grifos nossos) ainda nos afirma:
Assim, segundo a interpretação puramente gramatical, a emenda constitucional poderia desrespeitar o direito adquirido, já que emenda não é lei em sentido estrito. Porém, a extensão deste raciocínio leva a conclusões como a que ensejou a perplexa pergunta do Min. Carlos Ayres Britto:
“O SR. MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO – (...) Se apenas a lei não pode ferir o direito adquirido e a emenda, por conseqüência, poderia fazê-lo, concluiremos: então, a emenda pode também ferir o ato jurídico perfeito e até a coisa julgada.
O SR. MINISTRO NELSON JOBIM (PRESIDENTE) – Ministro, vamos tratar daquilo que eu disse. Não vamos estender esse debate, porque não resolve. Refiro-me, exclusivamente, à lei.”.
Para Lima, A. (2006, p.50- 51):
É evidente, aí, a inconsistência do argumento do Min. Nelson Jobim. Como se infere da pergunta pertinente do Min. Carlos Britto, a interpretação puramente gramatical é extremamente perigosa e deveria ser dita com mais cautela por um ministro do STF. A falta de disposição por parte do Min. Nelson Jobim em responder a pergunta revela a própria inconseqüência do seu argumento, admitida, implicitamente, por ele mesmo, ao se furtar a responder.
(...)
Vota pela improcedência da ação, considerando constitucional o art. 4º da EC nº 41/03.
Este julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2005) terminou em 7 votos a favor da contribuição previdenciária em comento e 4 votos contra. Segue abaixo a ementa do Acórdão:
1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento.
2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações.
3. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional (EC nº 41/2003, art. 4º, § únic, I e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões "cinquenta por cento do" e "sessenta por cento do", constante do art. 4º, § único, I e II, da EC nº 41/2003. Aplicação dos arts. 145, § 1º, e 150, II, cc. art. 5º, caput e § 1º, e 60, § 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões "cinqüenta por cento do" e "sessenta por cento do", constantes do § único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda.
ADI 3105 / DF, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Julgamento: 18/08/2004, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, DJ 18-02-2005 PP-00004 EMENT VOL-02180-02 PP-00123, RTJ VOL-00193-01 PP-00137, RDDT n. 140, 2007, p. 202-203