3. CONVENCIONALISMO – PRAGMATISMO – REALISMO JURÍDICO NORTE-AMERICANO
3.1. Convencionalismo
O convencionalismo (positivismo jurídico) de forma sucinta estabelece que os juízes ao aplicarem o direito no caso concreto deverão observar as convenções do passado, convenções estas elaboradas pelo legislador, e na falta de lei que se ajuste a um determinado caso concreto, ou seja, quando houver uma lacuna na lei, deverá o juiz discricionariamente aplicar o direito de forma que lhe parecer mais justa. Dworkin (2007, p.141- 142- 143). de forma clara e elucidativa nos explica sobre as principais características do convencionalismo, senão vejamos:
O direito é o direito. Não é o que os juízes pensam ser, mas aquilo que realmente é. Sua tarefa é aplicá-lo, não modificá-lo para adequá-lo à sua própria ética ou política. [...]... dois aspectos. Primeiro, o convencionalismo explica de que maneira o conteúdo de decisões políticas do passado pode tornar-se explícito e incontestável. Faz o direito depender de convenções sociais distintas que ele designa de convenções jurídicas; em particular, de convenções sobre quais instituições deveriam ter o poder de elaborar as leis, e como. Toda comunidade política complexa, insiste o convencionalismo, possui tais convenções. [...] Segundo, o convencionalismo corrige a opinião popular do leigo, para quem sempre existe um direito a ser aplicado. O direito por convenção nunca é completo, pois constantemente surgem novos problemas que ainda não haviam sido resolvidos de nenhuma maneira pelas instituições que dispõem da autoridade convencional para resolvê-los2. Assim, os convencionalistas acrescentam essa condição a sua descrição da prática jurídica. Os juízes devem decidir esses casos novos da melhor maneira possível, mas por definição nenhuma parte tem nenhum direito a obter ganho de causa em virtude de decisões coletivas precedentes – nenhuma parte tem a pretensão juridicamente tutelada de vencer -, pois que os únicos direitos dessa natureza são aqueles estabelecidos por convenção. Portanto, a decisão que um juiz deve tomar nos casos difíceis é discricionária no sentido forte do termo: é deixada em aberto, via correto entendimento de decisões passadas. O juiz deve encontrar algum outro tipo de justificativa além da garantia do direito, além de qualquer exigência de consistência com decisões tomadas no passado, que venha apoiar o que fará em seguida (Isso poderia pertencer à esfera da justiça abstrata, ou do interesse geral, ou de alguma outra justificativa voltada para o futuro.) É evidente que a convenção pode converter decisões inéditas em pretensões juridicamente tuteladas para o futuro.
O autor esclarece ainda que:
[...] ‘O objetivo do convencionalismo não é apenas proteger os litigantes contra a surpresa, mas um objetivo muito mais complexo que inclui este, de conseguir os benefícios sociais da atividade coordenada, tanto privada quanto comercial. As pessoas necessitam de regras para viver e trabalhar juntas com eficiência, e precisam ser protegidas quando confiam em tais regras.. (DWORKIN, 2007, p.176).
O jusfilósofo americano assegura que:
O convencionalismo faz duas afirmações pós-interpretativas e diretivas. A primeira é positiva: os juízes devem respeitar as convenções jurídicas em vigor em sua comunidade, a não ser em raras circunstâncias. [...] A segunda afirmação, que é no mínimo igualmente importante, é negativa. Declara que não existe direito – nenhum direito decorrente de decisões tomadas no passado – a não ser aquele que é extraído de tais decisões por meio de técnicas que são, elas próprias, questões de convenção, e que, portanto, em alguns casos não existe direito algum. (DWORKIN, 2007, p.144- 145).
O autor preleciona também que:
O convencionalismo é uma concepção – uma interpretação – da prática e da tradição jurídicas; seu destino depende de nossa capacidade de ver, em nossa prática, convenções do tipo que ele considera como fundamentos exclusivos do direito. Se não pudermos encontrar as convenções jurídicas especiais que o convencionalismo requer, ele estará derrotado tanto em suas afirmações interpretativas quanto em suas instruções pós-interpretativas, voltadas para o futuro. (DWORKIN, 2007, p.148).
Segundo o autor há dois tipos de convencionalismo jurídico, um o qual ele denomina de estrito e outro de moderado, a saber:
[...]... duas formas ou versões do convencionalismo. A primeira, que poderíamos chamar de convencionalismo “estrito”, restringe a lei de uma comunidade à extensão explícita de suas convenções jurídicas, como a legislação e o precedente. A segunda, que vamos aqui chamar de convencionalismo “moderado”, insiste em que o direito de uma comunidade inclui tudo que estiver dentro da extensão implícita dessas convenções. (DWORKIN, 2007, p.152- 153).
A respeito do convencionalismo estrito, o autor aponta que o mesmo:
[...] fracassa como interpretação de nossa prática jurídica mesmo quando – e sobretudo quando – enfatizamos seu aspecto negativo. E fracassa pela seguinte razão paradoxal: nossos juízes, na verdade, dedicam mais atenção às chamadas fontes convencionais do direito, como as leis e os precedentes, do que lhes permite o convencionalismo. (DWORKIN, 2007, p.159).
Em relação ao direito enquanto integridade o autor nos mostra porque este é melhor do que o convencionalismo, senão vejamos:
Mas o convencionalismo difere do direito como integridade exatamente porque o primeiro rejeita a coerência de princípio como fonte de direitos. O segundo a aceita: o direito como integridade supõe que as pessoas têm direitos – direitos que decorrem de decisões anteriores de instituições políticas, e que, portanto, autorizam a coerção – que extrapolam a extensão explícita das práticas políticas concebidas como convenções. O direito como completude supõe que as pessoas têm direito a uma extensão coerente, e fundada em princípios, das decisões políticas do passado, mesmo quando os juízes divergem profundamente sobre seu significado. Isso é negado pelo convencionalismo: um juiz convencionalista não tem razões para reconhecer a coerência de princípio como uma virtude judicial, ou para examinar minuciosamente leis ambíguas ou precedentes inexatos para tentar alcançá-la. (DWORKIN, 2007, p.164). (Grifos nossos).
3.2. Pragmatismo
O pragmatismo jurídico diferentemente do convencionalismo nega que os juízes tenham que respeitar as convenções elaboradas no passado, uma vez que para os adeptos do pragmatismo os juízes devem ter em mente o lado instrumental do direito sobre as melhores regras voltadas para o futuro da comunidade. Dworkin (2007, p.186) nos ensina sobre o pragmatismo, vejamos:
[...] Enquanto concepção do direito, o pragmatismo não estipula quais, dentre essas diversas noções de uma boa comunidade, são bem fundadas ou atraentes. Estimula os juízes a decidir e a agir segundo seus próprios pontos de vista. Pressupõe que essa prática servirá melhor à comunidade – aproximando-a daquilo que realmente é uma sociedade imparcial, justa e feliz – do que qualquer outro programa alternativo que exija coerência com decisões já tomadas por outros juízes ou pela legislatura. [...] O pragmatismo, ao contrário, nega que as pessoas tenham quaisquer direitos; adota o ponto de vista de que elas nunca terão direito àquilo que seria pior para a comunidade apenas porque alguma legislação assim o estabeleceu, ou porque uma longa fileira de juízes decidiu que outras pessoas tinham tal direito.
Dworkin (2007, p.195) traz-nos ainda mais características desta teoria alegando que:
O pragmatismo é uma concepção cética do direito porque rejeita a existência de pretensões juridicamente tuteladas genuínas, não estratégicas. Não rejeita a moral, nem mesmo as pretensões morais e políticas. Afirma que, para decidir os casos, os juízes devem seguir qualquer método que produza aquilo que acreditam ser a melhor comunidade futura, e ainda que alguns juristas pragmáticos pudessem pensar que isso significa uma comunidade mais rica, mais feliz ou mais poderosa, outros escolheriam uma comunidade com menos injustiças, com uma melhor tradição cultural e com aquilo que chamamos de alta qualidade de vida. O pragmatismo não exclui nenhuma teoria sobre o que torna uma comunidade melhor. Mas também não leva a sério as pretensões juridicamente tuteladas. Rejeita aquilo que outras concepções do direito aceitam: que as pessoas podem claramente ter direitos, que prevalecem sobre aquilo que, de outra forma, asseguraria o melhor futuro à sociedade. Segundo o pragmatismo, aquilo que chamamos de direitos atribuídos a uma pessoa são apenas os auxiliares do melhor futuro: são instrumentos que construímos para esse fim, e não possuem força ou fundamentos independentes.
Dworkin (2007, p.203, grifos nossos). em síntese apresenta porque o direito como integridade deve ser preferido em relação ao pragmatismo, preleciona:
Será útil dividir as exigências da integridade em dois outros princípios mais práticos. O primeiro é o princípio da integridade na legislação, que pede aos que criam o direito por legislação que o mantenham coerente quanto aos princípios. O segundo é o princípio de integridade no julgamento: pede aos responsáveis por decidir o que é a lei, que a vejam e façam cumprir como sendo coerente nesse sentido. O segundo princípio explica como e por que se deve atribuir ao passado um poder especial próprio no tribunal, contrariando o que diz o pragmatismo, isto é, que não se deve conferir tal poder. Explica por que os juízes devem conceber o corpo do direito que administram como um todo, e não como uma série de decisões distintas que eles são livres para tomar ou emendar uma por uma, com nada além de um interesse estratégico pelo restante.
3.3. Realismo Jurídico Norte-Americano
O realismo jurídico foi uma corrente de pensamento jusfilosófico (RIBEIRO; CAVALCANTE, s.d) dominante nos Estados Unidos da América, no passar das décadas de 1920, 1930, 1940 e 1950 (GODOY, 2007).
Segundo nos aponta Godoy (2007):
O realismo jurídico norte-americano desenvolveu-se a partir de professores que lecionavam em Johns Hopkins, Columbia e Yale, na década de 1920. Surgiu na academia, revolucionando tribunais e bancas de advocacia. Potencializou-se no período entre – guerras, captou material conceitual no intervencionismo do governo Franklin Delano Roosevelt, matizando o plano governamental, o New Deal, perdendo fôlego durante os anos mais problemáticos da luta contra o perigo vermelho, na década de 1950.
Diniz (1994, p.68- 69) assegura que o realismo jurídico leva em consideração apenas a realidade jurídica, ou seja: “[...]... o direito efetivamente existente ou os fatos sociais e históricos que lhe deram origem.” Ela diz também que: “[...] O realismo jurídico busca a realidade a qual se apóia e dimana o direito, não a realidade sonhada ou ideal. Para os realistas, o direito real e efetivo é aquele que o tribunal declara ao tratar do caso concreto.”
Segundo Diniz (1994, p.69), para os realistas jurídicos norte-americanos: [...] A norma só é jurídica após sua interpretação e aplicação pelo magistrado, depois de incorporada à sentença. O legislador só emite palavras que apenas entram em ação efetiva mediante as sentenças judiciais.
Desse modo, infere-se que para os realistas: “[...]... todo direito efetivo é direito elaborado pelo Poder Judiciário.”. (DINIZ, 1994, p.69).
Pode-se dizer, outrossim, que o realismo jurídico foi uma teoria diametralmente oposta ao positivismo jurídico, o qual entende que o direito é aquele estabelecido nas normas jurídicas elaboradas pelo legislador. Vale ressaltar que tirando os excessos que gravitaram em torno de sua teoria o realismo foi um grande avanço para o estudo do direito no que diz respeito a questão da superação do dogmatismo exacerbado de Kelsen, tentando buscar na sociedade qual seria a melhor interpretação para o direito. Surgindo dessa forma a idéia da eficácia e da legitimidade do direito.
4. A TEORIA DO DIREITO EM RONALD DWORKIN: UMA SAÍDA ÀS CONCEPÇÕES CONVENCIONALISTAS E PRAGMATISTAS
4.1. A Integridade
Para Dworkin, a integridade se traduz pela prática interpretativa direcionada pelos princípios de uma certa comunidade (DMITRUK, 2008). E também diz: “[...] Para nós, a integridade é uma virtude ao lado da justiça, da equidade e do devido processo legal, [...]”. (DWORKIN, 2007, p.261).
Sustenta o autor:
[...]... uma comunidade de princípios, que vê a integridade como parte fundamental de sua política, apresenta uma melhor defesa da legitimidade política do que os outros modelos. Assimila as obrigações políticas à categoria geral das obrigações associativas, e defende-as dessa maneira. Essa defesa é possível em tal comunidade porque um compromisso geral com a integridade expressa o interesse de cada um por tudo que é suficientemente especial, pessoal, abrangente e igualitário para fundamentar as obrigações comunitárias segundo as normas de obrigação comunitária que aceitamos em outros contextos. (DWORKIN, 2007, p.260).
Dworkin (2007, p.213) leva em consideração dois princípios de integridade política, a saber:
Temos dois princípios de integridade política: um princípio legislativo, que pede aos legisladores que tentem tornar o conjunto de leis moralmente coerente, e um princípio jurisdicional, que demanda que a lei, tanto quanto possível, seja vista como coerente nesse sentido.
Dworkin (2007, p.256- 257) também defende que uma comunidade tão pluralista quanto a que vivemos deve ser pautada em princípios, uma vez que: “O modelo de princípios satisfaz todas as nossas condições, pelo menos tão bem quanto qualquer modelo poderia fazê-lo numa sociedade moralmente pluralista”.
Segundo o autor, para se saber se os juízes decidiram de acordo com argumentos de princípio ou de política deve-se ter em mente a seguinte indagação, vejamos:
[...] Assim, um governo comprometido com a concepção utilitária visa a estratégias legislativas que, em conjunto e a longo prazo, aumentem o bem-estar médio mais do que fariam quaisquer outras estratégias; um governo comprometido com a igualdade material adota programas que tornam segmentos e classes mais iguais em termos de riqueza material enquanto grupos, e assim por diante. As decisões em busca dessas estratégias, julgadas uma por uma, são questões de política e não de princípio; para testá-las, devemos perguntar se fazem avançar o objetivo geral, e não se concedem a cada cidadão aquilo a que tem direito enquanto indivíduo. (DWORKIN, 2007, p.267- 268). (Grifos nossos).
4.1.1. Direito como Integridade
Enquanto direito como integridade Dworkin (2007, p.271) nos expõe:
[...] O direito como integridade nega que as manifestações do direito sejam relatos factuais do convencionalismo, voltados para o passado, ou programas instrumentais do pragmatismo jurídico, voltados para o futuro. Insiste em que as afirmações jurídicas são opiniões interpretativas que, por esse motivo, combinam elementos que se voltam tanto para o passado quanto para o futuro; interpretam a prática jurídica contemporânea como uma política em processo de desenvolvimento. Assim, o direito como integridade rejeita, por considerar inútil, a questão de se os juízes descobrem ou inventam o direito; sugere que só entendemos o raciocínio jurídico tendo em vista que os juízes fazem as duas coisas e nenhuma delas.
Dworkin (2007, p.271- 272) assevera ainda:
O princípio judiciário de integridade instrui os juízes a identificar direitos e deveres legais, até onde for possível, a partir do pressuposto de que foram todos criados por um único autor – a comunidade personificada -, expressando uma concepção coerente de justiça e equidade. [...] Segundo o direito como integridade, as proposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou se derivam, dos princípios de justiça, equidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade.
Dworkin (2007, p.272- 273) faz em síntese as distinções entre o convencionalismo, pragmatismo e o direito como integridade e aponta-nos porque este último é melhor do que os dois primeiros para uma certa comunidade, senão vejamos:
O direito como integridade é, portanto, mais inflexivelmente interpretativo do que o convencionalismo ou o pragmatismo. Essas últimas teorias se oferecem como interpretações. São concepções de direito que pretendem mostrar nossas práticas jurídicas sob sua melhor luz, e recomendam, em suas conclusões pós-interpretativas, estilos ou programas diferentes de deliberação judicial. Mas os programas que recomendam não são, em si, programas de interpretação; não pedem aos juízes encarregados da decisão de casos difíceis que façam novos exames, essencialmente interpretativos, da doutrina jurídica. O convencionalismo exige que os juízes estudem os repertórios jurídicos e os registros parlamentares para descobrir que decisões foram tomadas pelas instituições às quais convencionalmente se atribui poder legislativo. É evidente que vão surgir problemas interpretativos ao longo desse processo: por exemplo, pode ser necessário interpretar um texto para decidir que lei nossas convenções jurídicas constroem a partir dele. Uma vez, porém, que um juiz tenha aceito o convencionalismo como guia, não terá novas ocasiões de interpretar o registro legislativo como um todo, ao tomar decisões sobre casos específicos. O pragmatismo exige que os juízes pensem de modo instrumental sobre as melhores regras para o futuro. Esse exercício pode pedir a interpretação de alguma coisa que extrapola a matéria jurídica: um pragmático utilitarista talvez precise preocupar-se com a melhor maneira de entender a idéia de bem-estar comunitário, por exemplo. Uma vez mais, porém, um juiz que aceite o pragmatismo não mais poderá interpretar a prática jurídica em sua totalidade.
O direito como integridade é diferente: é tanto o produto da interpretação abrangente da prática jurídica quanto sua fonte de inspiração. O programa que apresenta aos juízes que decidem casos difíceis é essencialmente, não apenas contingentemente, interpretativo; o direito como integridade pede-lhes que continuem interpretando o mesmo material que ele próprio afirma ter interpretado com sucesso. Oferece-se como a continuidade – e como origem – das interpretações mais detalhadas que recomenda.
Dworkin (2007, p.274) também afirma: “O direito como integridade, portanto, começa no presente e só se volta para o passado na medida em que seu enfoque contemporâneo assim o determine.”.
O autor diz também:
[...] Uma interpretação tem por finalidade mostrar o que é interpretado em sua melhor luz possível, e uma interpretação de qualquer parte de nosso direito deve, portanto, levar em consideração não somente a substância das decisões tomadas por autoridades anteriores, mas também o modo como essas decisões foram tomadas: por quais autoridades e em que circunstâncias. (DWORKIN, 2007, p.292).
O autor nos aponta:
[...] Os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem casos difíceis tentando encontrar, em algum conjunto coerente de princípios sobre os direitos e deveres das pessoas, a melhor interpretação da estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade. Tentam fazer o melhor possível essa estrutura e esse repositório complexos. (DWORKIN, 2007, p.305).
Sustenta o autor ainda que:
[...] Os casos muito difíceis vão forçá-lo a desenvolver, lado a lado, sua concepção do direito e sua moral política, de tal modo que ambas se dêem sustentação mútua. Não obstante, é possível que um juiz enfrente problemas novos e desafiadores como uma questão de princípio, e é isso que dele exige o direito como integridade. (DWORKIN, 2007, p.308).
Para o autor:
[...] “Os casos difíceis são difíceis porque diferentes grupos de princípios se ajustam suficientemente bem a decisões do passado para serem considerados como interpretações aceitáveis deles. Advogados e juízes vão divergir sobre qual deles é mais eqüitativo ou mais justo, mas nenhuma das partes pode estar ‘realmente’ certa, pois não existem padrões objetivos de equidade e justiça que um observador neutro pudesse utilizar para decidir-se por um deles.”. (DWORKIN, 2007, p.317).
4.2.Princípios São Valores? Dworkin X Alexy
Calsamiglia (2008), em seu Ensaio Sobre Dworkin, com tradução de Patrícia Sampaio nos traz a noção de princípios, em síntese:
[...] Os princípios fazem referência à justiça e à equidade (fairness). Enquanto as normas se aplicam ou não se aplicam, os princípios dão razões para decidir em um sentido determinado, mas, diferindo das normas, seu enunciado não determina as condições de sua aplicação. O conteúdo material do princípio – seu peso específico – é o que determina quando deve ser aplicado em uma situação determinada.
Os princípios – ademais – informam as normas jurídicas concretas, de tal forma que a literalidade da norma pode ser desatendida pelo juiz quando viola um princípio que neste caso específico se considera importante.
Calsamiglia (2008) diz também que:
Os juízes, nos casos difíceis, devem acudir aos princípios. Porém, como não há uma hierarquia preestabelecida de princípios, é possível que estes possam fundamentar decisões distintas. Dworkin sustenta que os princípios são dinâmicos, modificam-se com grande rapidez, e que toda tentativa de canonizá-los está condenada ao fracasso. Por esta razão, a aplicação dos princípios não é automática, mas exige a argumentação judicial e a integração da argumentação em uma teoria. O juiz ante um caso difícil deve balancear os princípios e decidir-se pelo que tem mais peso. O reconstrutivismo conduz a busca incessante de critérios objetivos.
Assegura Calsamiglia (2008) ainda que:
[...] Dworkin reconhece que os conflitos entre princípios podem acontecer. Entretanto, Dworkin sustenta que quando existe um conflito não se pode deixar o tema nas mãos da discricionariedade do juiz. Este deve dar vitória ao princípio que tenha maior força de convicção. A tarefa do juiz será a justificação racional do princípio eleito.
Discorrendo com toda maestria sobre o tema, temos os apontamentos de Pedron (2005, p.73-74, grifos nossos), a saber:
Dworkin ainda se preocupa em distinguir princípios e políticas (polices), distinção essa que parece ter sido olvidada por Alexy. Sobre tal diferenciação, o princípio é aquele padrão que contém uma exigência de justiça, equidade, devido processo legal ou qualquer outra dimensão de moralidade. Por sua vez, o padrão denominado ‘política’ busca estabelecer um objetivo a ser alcançado, que, geralmente, consiste na melhoria de algum aspecto econômico, político ou social de uma dada comunidade, buscando promover ou assegurar uma situação considerada desejável.
Assim, diferentemente dos princípios – que seguem determinações de universalidade a partir de acordos intersubjetivos realizados ao longo de uma história institucional, o que justifica a exigibilidade destes a todos os membros da sociedade de uma maneira indistinta -, as políticas apresentam uma vinculação a objetivos específicos e, portanto, parecem obedecer a uma lógica contextual conforme os fins (teleológica).
Pedron (2005, p.71) comenta também que Robert Alexy é um jusfilósofo alemão “[...] considerado um dos principais defensores da ponderação de princípios (valores) como metodologia para resolução de casos concretos que envolvam a denominada ‘colisão entre normas’”.3
Segundo nos aponta Pedron (2005, p.71) a distinção entre princípios e regras “[...] se dá em razão da generalidade dos princípios frente às regras. Isto é, compreendem-se os princípios como normas de um grau de generalidade relativamente alto, ao passo que as regras seriam dotadas de menor generalidade”.
No que diz respeito às regras, acertadamente, Pedron (2005, p.71), ensina-nos que: “As regras, diferentemente dos princípios, serão aplicáveis na maneira do ‘tudo ou nada’, all or nothing fashion. Ou seja, se uma regra é válida, deve ser aplicada da maneira como preceitua, nem mais nem menos, conforme um procedimento de subsunção silogístico”.
Leciona Pedron (2005, p.71) ainda que:
[...] os princípios não são determinantes para uma decisão de modo que somente apresentam razões em favor de uma ou de outra posição argumentativa. Por isso Alexy afirma existir uma dimensão de peso entre princípios – que permanece inexistente nas regras -, principalmente nos chamados ‘casos de colisão’, exigindo para sua aplicação um procedimento de ponderação (balanceamento). Destarte, em face de uma colisão entre princípios, o valor decisório será dado àquele que tiver maior peso relativo no caso concreto, sem que isso signifique a invalidação do princípio compreendido como de peso menor. (Grifos nossos).
Afirma Pedron (2005, p.71) também:
Dessa forma, Alexy apresenta a distinção fundamental entre regras e princípios: princípios são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. São, por conseguinte, mandados de otimização que se caracterizam por poderem ser cumpridos em diferentes graus e pela medida de seu cumprimento depender não só das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.
Por outro lado, as regras são normas que exigem um cumprimento pleno e, nessa medida, podem sempre ser somente cumpridas ou não. Se uma regra é válida, então é obrigatório fazer precisamente o que se ordena, nem mais nem menos. As regras contêm por isso determinações no campo do possível fático e jurídico.
Pedron (2005, p.71) nos fala:
Para Alexy, [...]... princípios podem ser equiparados a valores. Uma concepção sobre valores, ou axiológica, segundo ele, traz uma referência não ao nível do dever-ser (deontológico), mas ao nível do que pode ou não ser considerado como bem. Os valores têm como características a possibilidade de qualificação, isto é, permitem que um determinado juízo possa ser classificado, comparado ou medido. Destarte, com a ajuda de conceitos de valor classificatório, pode-se dizer que algo tem um valor positivo, negativo ou neutro; com a ajuda de conceitos de valor comparativo, que um objeto a valorar corresponde a um valor maior ou ao mesmo valor que outro objeto; e, com a ajuda de conceitos de valor métricos, que algo tem um valor de determinada magnitude.
Neste ponto talvez reside à maior crítica a ponderação de valores propugnada por Alexy, segundo nos esclarece Martins; Cademartori (2007, grifos nossos) de forma brilhante dizem:
[...] no contexto de uma sociedade democrática, pluralista e multicultural, onde coexistem vários grupos ou comunidades formadas e determinadas por fatores raciais, religiosos ou sexuais, com direitos iguais. Nesse tipo de sociedade todos estão igualmente vinculados a observâncias do ponto de vista jurídico. Ao equiparar princípios e valores, fica o problema de se determinar qual será o valor preponderante e, mais do que isso, seja qual for esse valor, não traduzirá um ‘interesse simétrico’, dada a sua natureza relativa a uma certa comunidade de pessoas. Em outros termos, o problema do aborto ou da união civil homossexual não pode ser resolvido, em termos jurídicos, apelando-se para a primazia de valores morais, o que se explica pelo fato de que esses valores não são universais, mas religiosos, étnicos, racionais ou culturais, sempre circunscritos a certas comunidades.
Martins; Cademartori (2007) arrematam a questão citando os filósofos alemães Jürgen Habermas4 e Klaus Günther5, vejamos:
[...] para Habermas e Günther a idéia de uma equiparação de princípios e valores não é justificável em face do caráter deontológico e universal do direito. Além disso, essa equiparação introduz na argumentação um componente variável e, sobretudo, incontrolável por critérios racionais. Existe, sem dúvida, uma abertura dos princípios às questões morais, o que não implica tratá-los como se fossem valores, já que o modo de tratamento dos princípios há que ser compatível com sua natureza deontológica de norma jurídica, dotada de coação. A idéia de corência (tal como é expressa por Dworkin e referendada por Habermas e Gunther) é o grande critério que orienta a ‘domesticação’ dos valores em sua transposição para as questões de direito. Com isso, se quer repudiar o arbítrio que contém a idéia de princípio enquanto valor. Seja uma regra ou um princípio, tenha a sua linguagem o grau de abstração, vagueza ou ambigüidade que tiver, será sempre uma norma jurídica que, em conseqüência, exige uma justificativa de adequação ao caso. Ela se dará em termos de decisão sobre qual é a única mais adequada (se A ou se B) e por que. Somente assim permanecerá o dever de o julgador justificar integralmente sua decisão em termos racionais e verificáveis.
4.3. Argumentos de Política X Argumentos de Princípios
Dworkin6, citado por Dmitruk (2008, p.146) ensina-nos que:
Dworkin afirma que a prática política brasileira reconhece dois tipos diferentes de argumentos que buscam justificar uma decisão política. Esses argumentos são: a) argumentos de política, os quais traçam um programa, um objetivo voltado para a coletividade; e b) argumentos de princípio, que traçam direitos individuais, particulares, inobstante o interesse da coletividade.
Dmitruk (2008, p.146) em referência a obra de Dworkin7, Levando os Direitos a Sério, diz também que: “Política é um tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral uma melhoria da comunidade. [...] Esses argumentos de política justificam decisões políticas, que fomentam algum objetivo coletivo”.
Dworkin8, citado por Dmitruk (2008, p.146) afirma que:
Princípio, de maneira genérica, é todo padrão que não é regra. Princípio, assim, pode ser entendido como um padrão que deve ser observado por ser uma exigência da justiça ou equidade. Sua repercussão não será, necessariamente, uma melhoria social. [...] Os argumentos de princípio justificam uma decisão política, mostrando que a decisão respeita ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo.
Vera Karam9, citada por Appio (2003, p.84), comenta:
Os argumentos de política justificam, segundo Dworkin, uma decisão mostrando que esta avança ou protege algum objetivo coletivo da comunidade como um todo enquanto que os argumentos de princípio o fazem mostrando que a decisão respeita ou assegura algum direito individual ou de grupo. As decisões judiciais devem ser geradas por princípios e não por políticas.
Dworkin (2005, p.101) afirma que decisões embasadas em argumentos de princípios devem prevalecer sobre decisões fundadas em argumentos de política, senão vejamos:
[...] Minha visão é que o Tribunal deve tomar decisões de princípio, não de política – decisões sobre que direitos as pessoas têm sob nosso sistema constitucional, não decisões sobre como se promove melhor o bem-estar geral -, e que deve tomar essas decisões elaborando e aplicando a teoria substantiva da representação, extraída do princípio básico de que o governo deve tratar as pessoas como iguais.