Sumário: 1. Introdução – 2. Direito incidindo no comportamento humano – 3. Liberdade à Atividade Cientifica – 4. Manipulação da Genética Humana – 5. Inseminação Humana – 6. Aspectos Éticos e Morais da Pesquisa em Seres Humanos – 7. Clonagem Humana – 8. Visão Legal da Clonagem Humana – 9. Conclusão – 10. Notas – 11. Bibliografia.
1. Introdução
As questões que se discutem no presente estudo de forma alguma pretendem ser contrários aos avanços da ciência. Ocorre que se de um lado as novas tecnologias ligadas à manipulação do DNA (combinação de genes) prometem o alcance a um melhor modo de viver; de outro existem questões não respondidas que nos remetem a medos e inquietações, e por este motivo que várias delas devem ser submetidas a tratamento jurídico, para, ao menos, oferecer segurança social face às conseqüências que podem causar.
Essa questão nos remete à necessidade de monitoramento e reflexão a respeito da chegada da engenharia genética, para que seja minimizar os riscos das gerações futuras. Tal monitoramento deve ser efetivado através de uma ampla discussão a respeito dos aspectos éticos ligados a utilização das descobertas cientificas.
O presente trabalho procura, ao tratar dessas novas descobertas refletir sobre as questões éticas a elas pertinentes. Há, portanto, uma já evidenciada carência de regras internacionais na experimentação ligada à clonagem de seres humanos, alguns podem até alertar para existência de farta documentação, porém, o que preocupa relativamente às regras jurídicas que têm como objeto a clonagem é a ausência de sistematização com a conseqüente generalização para delimitar as obrigações dos Estados em face desta questões científicas.
É também necessário pontuar o momento histórico em que vivemos, ou seja, admitir o fim da chamada "saga industrial" caracterizada pelas descobertas ligadas à física e à química, momento em que os cientistas e engenheiros foram elevados ao status de autoridades, com a divisão do átomo, a criação da bomba atômica, a chegada do Homem à lua etc. A era Industrial durou cinco séculos e termina com uma sociedade rodeada de problemas, tais como a diminuição das fontes de energia, o aquecimento da biosfera, as mudanças climáticas e a poluição.
É claro que nem todos os Estados estão inseridos nesta busca. Ela pertence aos países desenvolvidos que hoje estão investindo milhões de dólares para garantir a manutenção da hegemonia adquirida durante a era Industrial.
Devemos então partir para questões práticas a respeito das novas descobertas na área de biociência. A possibilidade de corporações globais, institutos de pesquisa e governos deterem patentes de genes que compõem a raça humana, células, órgãos e tecidos do corpo humano, proporcionar-lhes-ia o poder de ditar as regras pelas quais toda a sociedade e as gerações futuras seguiriam.
2. Direito incidindo no comportamento humano
O direito, em sua visão normativa ou dogmática, mostra-se de maneira direta e objetiva. Contudo, para ser efetivado, faz-se necessário ser impulsionado por outros fatores e situações.
Deste modo, é preciso identificar o fenômeno que propulsiona e dá vida ao direito objetivo. Este fenômeno, a priori, é a autorização de fazer valer, no direito, a relação de poder, o interesse, a vontade, o conteúdo normativo ou a incidência dos valores humanos nas ações do homem.
Maria Helena Diniz1 nos conceitua esta relação de poder como uma capacidade de agir, que subjetiva ao individuo pode ser praticada para o bem ou para o mal. O poder usado em favor da ciência, busca de novos caminhos na recuperação de doenças ou na procura de elementos para a destruição da vida, através de armamentos químicos ou maneiras mais rápidas de gerar a morte. No entanto, a capacidade de alcançar resultados por meio da ação planejada pode implantar na sociedade ciências alternativas em busca da cura individual ou para sublir uma carência deixado por ente querido, isto desenvolvido pela aplicação dos estudos na área de clonagem, que passa neste inicio de século por evoluções inimagináveis até o século XX.
A clonagem suscita o sentido valorativo que pode ter como ponto inicial o sentimento do sujeito. O sentimento se aproxima de cada um, adequando-se a uma concepção natural, o que leva sempre a situações parciais e individualistas de aceitabilidade, sensibilidade e percepção de um ser para outro.
Este sentimento subjetivo faz com que o seu possuidor procure realizar ações produtivas que vise o descobrimento e desenvolvimento da ciência, sendo-lhe garantido este direito através do art. 5º, IX da Constituição Federal Brasileira de 1988.
3. Liberdade à Atividade Cientifica
É garantia Constitucional a livre expressão da atividade cientifica, independente-mente de censura ou licença2.
Falar sobre liberdade representa grande desafio, visto que admite várias interpretações. "O vocábulo latino líber, do qual deriva ‘livre’, teve a principio o sentido de ‘pessoa na qual o espírito de procriação se acha naturalmente ativo’"3. Mas a liberdade pressupõe responsabilidades para consigo e ante a sociedade.
Os romanos a definiam: "A liberdade é a faculdade natural de fazer cada um o que deseja, se a violência ou o direito lhe não proíbe". "Libertas est naturalis facultas ejus quod cuique facere libet, nisi si quid vi aut jure prohibetur"4.
São dois os modos de atuação da liberdade: "a liberdade natural da existência na marcha da sua temporalização primordial – a vida em busca de si mesma, construindo-se – e a liberdade absoluta do espírito"5.
A primeira se passa no natural ao sujeito, pois é certo que o homem age através de seus instintos, vontades, emoções e sentimentos. A segunda, a liberdade absoluta do espírito, tem seu desenvolvimento pela lógica da sua projeção intencional. É aí que o homem espiritual elabora as suas idéias, planeja e aperfeiçoa suas atividades, antes de as executar ou tentar.
Para Hans Kelsen, a ciência jurídica não é uma ciência do "ser", mas sim normativa, ou seja, aquela que prescreve normas de caráter coercitivo6. Portanto, para descrever seu objeto, a ciência jurídica elabora regras e as impõe coercitivamente a sociedade.
Os dois valores filosóficos entrevistos, vontade e interesse, unem-se na essência do direito, formando uma dicotomia, o que leva à revisão do caráter subjetivo que dá ao sujeito liberdade para executar, além de suscitar a questão da genética, fato inicial da clonagem.
4. Manipulação da Genética Humana
A manipulação genética é uma técnica de engenharia genética que desenvolve experiências para alterar o patrimônio genético, ou seja transferir parcelas do patrimônio hereditário de um organismo vivo a outro ou realizar combinações novas de genes para provocar, em uma reprodução assistida7, a concepção de uma pessoa com caracteres diferentes aos de seus progenitores, como simples alteração genética ou para corrigir alguma enfermidade congênita.
A manipulação genética envolve riscos e uma séria afronta à dignidade humana, que podem levar a humanidade a percorrer um caminho sem volta, como a possibilidade de obtenção, pela clonagem, de pessoas geneticamente idênticas; produção de seres híbridos, através da fusão de embriões de espécies diferentes, como homem e animais, formando centauros e minotauros; criação de seres transgênicos, ou seja, de animais com DNA humano; produção de armas bacteriológicas etc.
Tudo isso poderá trazer desgraças imprevisíveis às gerações futuras. São situações indesejáveis e altamente reprováveis juridicamente por serem contraditórios à dignidade humana. Por tal razão, no Brasil são vedadas as manipulações genéticas de células germinativas; qualquer intervenção em material genético humano in vitro e in vivo salva para fins terapêuticos; experimentos de clonagem e a manipulação de embriões humanos para servir de material biológico disponível8.
O Brasil apenas permitira os estudos e experiências que visem "a análise molecular do genoma humano para seqüênciação total ou mapeamento genético com a finalidade de identificar a função dos genes que integram o cromossomo humano, atendendo a um programa especifico de saúde e diagnóstico genético que assegure o direito à identidade, esclareça conflitos relativos a filiação, reconstruindo laços parentais com base em técnicas de identificação pessoal por meio de ADN, e solucione delitos, podendo até mesmo levar à criação de um banco de dados genéticos"9.
Com a reprodução assistida surgiu a possibilidade de se efetuarem experiências de tecnologia genética envolvendo embriões humanos. Com a fertilização in vitro e o congelamento de embriões humanos, surge uma nova modalidade de vida, independente, com o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana.
Essa nova técnica para criação de ser humano em laboratório, mediante a manipulação dos componentes genéticos de fecundação, tendo em vista a continuidade da espécie humana, entusiasmou a engenharia genética, provocando grandes desafios para a ciência jurídica, que deve impor limitações legais e estabelecer normas sobre responsabilidade civil por dano moral e patrimonial, pelos graves problemas ético-juridicos.
Ideal seria a cominação das experiências genéticas com a problemática ético-juridica, de forma a minimizar os perigos criados com a fertilização in vitro, a gestação por conta de desconhecidos e a inseminação artificial, ante os possíveis riscos de origem física e psíquica para a descendência; e que se unificasse a concepção à um ato de amor, não convertendo-o em um ato artificial de laboratório.
5. Inseminação Humana
Ter-se-á a inseminação artificial quando o casal não puder procriar, por haver obstáculo à ascensão de elementos fertilizantes pelo ato sexual, como esterilidade, deficiência na ejaculação, malformação congênita, pseudo-hermafroditismo, escassez de espermatozóides, obstrução do colo uterino, doenças hereditárias etc. Será homóloga se o sêmen inoculo na mulher for do próprio marido ou companheiro, e heteróloga se o material fecundante for de terceiro, que é o doador10.
As pesquisas nos campos da biologia, da fisiologia, da psicologia e da psicanálise tomaram vulto e - com a utilização de técnicas novas e cada vez mais sofisticadas -, revolveram e puseram a nu o corpo e a psique do ser humano. O ritmo acelerado e sem restrições do progresso, no que tange às ciências da matéria, irá colocar o ser humano em face de suas próprias origens e diante da possibilidade, cada vez mais concreta e próxima, de controlá-las.
A inseminação artificial, a fecundação in vitro e a engenharia genética são estágios conseqüentes de uma revolução biológica cujo produto final poderá, se nenhuma providência for adequadamente adotada, ser o desenvolvimento do embrião em sede extracorpórea (útero artificial). As tecnologias para a reprodução humana tornam-se cada vez mais ultrapassadas em menos tempo.
E se vier a ser atingida a fase última - o filho de proveta fabricado, em série, em laboratório - o homem ficará reduzido à condição de mero instrumento de um Estado totalitário, pleno e eficiente, no qual terá "uma existência absolutamente programada, minuciosamente pormenorizada, que eliminará valores extraordinariamente importantes da pessoa, como a capacidade de improvisação, de admirar-se, de poder enfrentar o inesperado, de viver com espontaneidade, de manter-se receptivo ao novo".
6. Aspectos Éticos e Morais da Pesquisa em Seres Humanos
Nas últimas décadas, a comunidade internacional tomou conhecimento de espetaculares avanços no campo da biologia molecular, centrados, substancialmente na engenharia genética. O que até então parecia um território vedado ao conhecimento do homem, começou a ser desvendada.
Esses promissores avanços das ciências biológicas pegaram desprevenidas as ciências do "dever ser", a saber, a Ética e o Direito. Surgem com as inovações umas séries de indagações a respeito de novas formulações ao antigo dilema dos limites da atuação do ser humano na engenharia genética.
Em especial, nesse artigo, discute-se os limites éticos e jurídicos da pesquisa genética em seres humanos, se devem existir e quais seriam esses limites. O certo, entretanto, é que a resposta ética necessária a elucidação dessa questão não logrou a profundidade, a amplitude e a riqueza que o tema em estudo requer, não obstante, esteja em franco desenvolvimento a ciência bioética.
Uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação. Respeitar a autonomia é valorizar a consideração sobre as opiniões e escolhas, evitando, da mesma forma, a obstrução de suas ações, a menos que elas sejam claramente prejudiciais para outras pessoas. Demonstrar falta de respeito para com um agente autônomo é desconsiderar seus julgamentos, negar ao indivíduo a liberdade de agir com base em seus julgamentos, ou omitir informações necessárias para que possa ser feito um julgamento, quando não há razões convincentes para fazer isto.
No âmbito jurídico a questão também não se define a contento, não obstante os inúmeros avanços da matéria tratada no âmbito constitucional interno e no âmbito de avançadas normas. Exige-se, muitas vezes, a adequada interpretação dos dispositivos pelos operadores jurídicos.
Outro ponto importante a ser considerado é a íntima relação entre a ética e a legalidade.
Outro aspecto relevante relaciona-se ao fato de inovações como a "clonagem" e o "projeto genoma" requererem a formação de uma consciência comunitária científica dos valores pertinentes a ramos do conhecimento científico como a engenharia genética. O cidadão comum recebe somente notícias incompletas formuladas pelos meios de comunicação de massa, que se constroem em extremos conceituais, tal como, o milagre da técnica e o seu risco apocalíptico, sem deixar muito espaço para uma abordagem racional do tema.
7. Clonagem Humana
O tema em questão é, no mínimo, instigante. Esta nova era de lidar com fronteiras científicas, até então sequer vislumbradas, nem mesmo pelos mais antigos visionários. Quando Mendel levou a cabo suas pesquisas com plantas, as quais dariam início à Genética como ciência, ou seja, ao estudo das leis da hereditariedade e das propriedades das partículas por ela responsáveis, certamente não imaginou que suas pesquisas poderiam inspirar a engenharia genética, isto é, à interferência do homem nas estruturas e processos naturais de perpetuação dos seres vivos.
É dispensável lembrar que a intervenção humana na reprodução já é uma realidade. A idéia de clonagem não é recente. Essas técnicas vem sendo empregadas na seara da agronomia com plantas, desde a década de 60, visando o comercio. Após bem-sucedidas realizações nos domínios do reino vegetal, os cientistas passaram a realizar as mesmas experiências com animais. Com animais as primeiras pesquisas foram desenvolvidas, em 1962, por Gurdon, em sapos. Na década de 80 tentou-se, em Houston, inseminar vacas com embriões clonados, mas sem sucesso. A primeira clonagem bem sucedida de um mamífero ocorreu em 1988, com o rato, pelos cientistas Kal Hillmensee e Peter Hoppe11.
Até a criação de Dolly pela equipe do embriologista Ian Wilmut, do Instituto Roslin, situado em Edimburgo, na Escócia, ainda não se havia conseguido, de forma assexuada e artificialmente, em setembro de 1996 nasceu Dolly, uma cópia perfeita de um ovino adulto, tedo como única diferença a idade12. Porém, quando o tema alcança os seres humanos, afigura-se, de maneira preocupante, a aplicação da técnica da clonagem.
Segundo palavras do Ministro Paulo Costa Leite13:
"O primeiro passo dessa reflexão consiste em admitir que a clonagem hoje é uma realidade. Pertence ao mundo real, seguindo dois métodos como nos ensina a ciência: no primeiro, provoca-se a cisão das células de um embrião, processo semelhante àquele que gera, na natureza, gêmeos univitelinos; o resultado serão dois seres compartilhando a mesma herança genética, porém diferentes de qualquer outro.
A segunda forma, talvez a mais polêmica por se tratar de reprodução assexuada, também denominada duplicação, produz um indivíduo pela substituição do núcleo de um óvulo pelo núcleo de uma célula diplóide retirada de outro ser; o resultado, como se viu no experimento que gerou a ovelha Dolly, será um indivíduo não apenas com a mesma herança genética de outro, mas exatamente igual ao ser que lhe deu origem. Eis aí a diferença essencial entre os dois métodos: naquele, o novo ser será portador de uma combinação gênica cujo produto ainda é desconhecido; neste, as características do novo ser não trazem novidade, pois já é conhecido o adulto que vai originar o clone".
Este tipo de argumento traz a humanidade um questionamento ético sobre a possibilidade do clone humano. No caso específico da clonagem humana, a perspectiva ética se torna crucial porque, enquanto os seres capazes de manifestar sua vontade se fazem ouvir quando chamados a participar de experimentos, os embriões e os fetos, seres humanos em potencial, ainda não têm meios de expressão e, por isso acabam sendo tratados como se inanimados fossem.
Recentemente, foi destaque na imprensa um cientista italiano que anunciou estar preparado para dar início à primeira duplicação humana ainda neste ano. O seu projeto envolverá cerca de 200 mulheres nas quais serão inseminados, em média, três embriões, dos quais deverão nascer somente oito bebês. Espera-se que apenas três deles saiam sadios do berçário, pois alguns dos clones não sobreviverão devido a problemas respiratórios e cardíacos nas primeiras horas de vida e outros viverão com falhas imunológicas graves. Não está descartada a hipótese de se praticar eutanásia no caso dos bebês que apresentarem problemas de saúde.
Ao demonstrar grande preocupação, não pretendo posicionar-me contra os avanços da Ciência Genética, mesmo porque não se podem ignorar o seu uso terapêutico e vantagens para a qualidade da vida humana. Vislumbra-se até a possibilidade de empregar a técnica da manipulação do núcleo celular para obter órgãos sadios para transplante. Meu objetivo é fazer uma advertência, como o fez José Renato Nalini: "se a intensidade dos problemas em que se vê mergulhada a sociedade humana parece invencível para o esforço individual, esse é um desafio para a consciência ética"14.
Ausente a ética, surgirão os conflitos de interesse, que trouxeram desarmonia individual e social. A esta altura, considerando que nem todos os cidadãos terão o discernimento para agir em prol do bem comum, chega-se à abordagem moral e legal, cujo caráter é dar limites e garantir a dignidade humana.