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Verticalização de coligações:

TSE viola a constituição e a lei

Agenda 01/03/2002 às 00:00

            As coligações partidárias para as eleições federais e estaduais de 2002 estarão submetidas àquelas que forem constituídas para a eleição presidencial por ordem do Tribunal Superior Eleitoral, que, ao regulamentar a matéria, violou, a um só tempo, a Constituição Federal e a Lei das Eleições.

            O poder de regulamentar as leis eleitorais pertence à Justiça Eleitoral, através do TSE, por expressa disposição do Código Eleitoral, que atribui à mais alta Corte de Justiça eleitoral competência privativa para "expedir as instruções que julgar convenientes à execução" daquele Código (IX,23CE), que, neste caso, tem natureza complementar à Constituição Federal (121CF). O deslocamento para o TSE dessa competência de regulamentar as leis federais que, em regra, pertence ao Presidente da República (IV,84CE), é salutar, em matéria eleitoral, tendo em vista o pressuposto interesse político-partidário do Chefe do Executivo federal nas eleições para os diversos mandatos no país.

            Aquela competência, segundo o próprio TSE, abrange não apenas o poder de regulamentar a lei, bem como de emprestar-lhe o sentido que a compatibilize com o sistema no qual se insere (Res. TSE 12.867). Não obstante, vigorando em nosso país o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (II,5ºCF), as instruções emanadas da alta Corte eleitoral submetem-se às leis que irão regulamentar, não podendo delas transbordar nem para criar, nem, muito menos, para restringir direitos. O sentido que lhe emprestar não pode dela transbordar.

            Infelizmente, não é o que vem acontecendo. O TSE, que deveria guardar as leis e a Constituição da República, tem sido o primeiro a desrespeitá-las.

            No último dia 26 de fevereiro de 2002, no exercício de seu poder regulamentador, o TSE baixou diversas instruções para a regência das eleições deste ano, entre as quais a de nº55, que dispõe sobre a escolha e o registro dos candidatos nas eleições de 2002, veiculada pela Resolução n° 20.993. Nesta, o art.4º tornou obrigatória nos estados as coligações firmadas para a eleição de presidente da República, com o seguinte texto:

            Art. 4° É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, para proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional entre os partidos políticos que integram a coligação para o pleito majoritário (Lei n° 9.504/97, art. 6°, caput).

            § 1° Os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição de presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador/a de Estado ou do Distrito Federal, senador/a, deputado/a federal e deputado/a estadual ou distrital com partido político que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato/a à eleição presidencial (Lei n° 9.504/97, art. 6°; Consulta n° 715, de 26.2.02).

            § 2° Um mesmo partido político não poderá integrar coligações diversas para a eleição de governador/a e a de senador/a; porém, a coligação poderá se limitar à eleição de um dos cargos, podendo os partidos políticos que a compõem indicar, isoladamente, candidato/a ao outro cargo (Res/TSE n° 20.121, de 12.3.98).

            § 3° Quando partidos políticos ajustarem coligação para eleição majoritária e para proporcional, poderão ser formadas coligações diferentes para a eleição proporcional entre os partidos políticos que integram a coligação para o pleito majoritário (Res/TSE n° 20.121, de 12.3.98).

            § 4° Poderá o partido político integrante de coligação majoritária, compondo-se com outro ou outros, dessa mesma aliança, para eleição proporcional, constituir lista própria de candidatos à Câmara dos Deputados, Assembléia ou Câmara Legislativa (Res/TSE n° 20.121, de 12.3.98).

            § 5° É vedada a inclusão de partido político estranho à coligação majoritária, para formar com integrante do referido bloco partidário aliança diversa, destinada a disputar eleição proporcional (Res/TSE n° 20.121, de 12.3.98).

            § 6° O órgão competente da Justiça Eleitoral decidirá sobre denominações idênticas de coligações, observadas, no que couber, as regras constantes desta Instrução relativas à homonímia de candidatos.

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            Dentre essas normas destacam-se, para nossa análise, o parágrafo 1º, do art.4º, da Res.TSE 20.933, segundo o qual, "os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição de presidente da República não poderão formar coligações para eleição de governador/a de Estado ou do Distrito Federal, senador/a, deputado/a federal e deputado/a estadual ou distrital com partido político que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato/a à eleição presidencial".

            O TSE transformou em norma geral e abstrata aquilo que já havia consignado em deliberação administrativa, respondendo à Consulta nº715, formulada por deputados do PDT, por 5 votos a 2 e contra o parecer do Procurador Geral Eleitoral. O fundamento da decisão da Corte Eleitoral está na interpretação do art.17, I, da Constituição Federal, que impõe aos partidos políticos, apesar de sua autonomia, submeter-se a "caráter nacional". Segundo o Min. Fernando Neves, relator da consulta e da instrução, do caráter nacional dos partidos políticos poder-se-ia extrair que uma deliberação do órgão nacional do partido sobre coligação para a eleição de Presidente da República vincula os demais órgãos partidários, situados nos estados, que, dessa maneira, estariam obrigados a seguir a mesma coligação, sendo-lhes facultado não realizar coligação alguma, se preferirem.

            A essa vinculação partidária nos estados à coligação eventualmente realizada para a eleição presidencial denominou-se "verticalização das coligações", porque verticaliza a deliberação do partido de cima para baixo, do órgão nacional para os estaduais.

            Essa norma do art.4º, §1º, da Resolução nº 20.993, do TSE, que veiculou a Instrução nº55, sobre registro de candidatos, é inconstitucional e ilegal porque viola os arts.2º, II, 5º, 16 e 17, I, da Constituição Federal, e afronta o art.6º, da Lei nº9.504/97.

            Em primeiro lugar, a norma que verticaliza as coligações viola os princípios da legalidade e da separação de Poderes (II,5º e 2ºCF).

            O TSE não pode legislar sobre matéria eleitoral, porque a competência legislativa é privativa do Poder Legislativo (ressalvadas algumas exceções, como as medidas provisórias do Presidente da República), cabendo-lhe, como já disse, tão-somente regulamentar as eleições.

            A Lei nº9.504/97, denominada Lei das Eleições porque foi editada para dar estabilidade e permanência à legislação eleitoral, evitando uma lei para cada eleição, trata das coligações partidárias, dispondo que:

            "Art.6º - É facultado aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição majoritária, proporcional, ou para ambas, podendo, neste último caso, formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integram a coligação para o pleito majoritário".

            Os três parágrafos seguintes do art.6º, da Lei nº9.504/97 tratam da denominação, funcionamento, propaganda, registro e representação, sendo irrelevantes para nosso exame.

            A Lei das Eleições, como se vê, traz duas normas facultativas: a primeira, faculta aos partidos políticos, dentro da mesma circunscrição, celebrar coligações para eleição, majoritária, proporcional ou para ambas; a segunda, na hipótese de coligação para ambas as eleições (majoritária e proporcional), faculta formar-se mais de uma coligação para a eleição proporcional dentre os partidos que integrarem a coligação para o pleito majoritário, e, por via de conseqüência, proíbe novas coligações na eleição proporcional que não respeitem a da majoritária. Se o partido fizer coligações tanto para a eleição majoritária quanto para a proporcional, nesta só poderá coligar-se com partido que já integre a coligação majoritária.

            Não apontando a Lei das Eleições o alcance da expressão "circunscrição eleitoral", que está na norma que faculta as coligações (6ºLE), é preciso buscar sua definição no Código Eleitoral, que o faz no art.86:

            "Art. 86. Nas eleições presidenciais a circunscrição será o País; nas eleições federais e estaduais, o Estado; e, nas municipais, o respectivo município".

            Anote-se que o Código Eleitoral em momento algum denomina a eleição presidencial de eleição "nacional". Diferencia quatro espécies de eleição, em razão da natureza dos mandatos disputados: eleição presidencial, eleições federais, eleições estaduais e eleições municipais.

            A circunscrição da eleição presidencial é o país; a das eleições federais e estaduais, os estados; e a das eleições municipais, os municípios.

            Daí que a única interpretação razoável que conjuga o art.6º, da Lei nº9.504/97 com o art.86, do Código Eleitoral, é aquela que aponta para a faculdade dos partidos políticos firmarem coligações majoritárias e proporcionais na mesma circunscrição, e, se forem firmadas ambas, os partidos coligados na majoritárias não poderão coligar-se com novos partidos não coligados na majoritária. A eventual coligação partidária para a eleição presidencial, cuja circunscrição é o País, não vincula a coligação para as eleições federais e estaduais, cuja circunscrição é o Estado.

            Foi esse o entendimento do TSE para as eleições de 1998, como se vê no art.8º, da Resolução nº20.100/98, e, também, na resposta à Consulta 382, quando nada afirmou acerca da verticalização das coligações para as eleições presidenciais daquele ano.

            Agora, ao introduzir no sistema uma nova norma que regerá as coligações nas eleições presidenciais, bem assim as que se queiram fazer nas eleições federais e estaduais, o TSE legislou, transbordando de sua competência para regulamentar, ou, até mesmo, de seu poder para compatibilizar a lei ao sistema, violando os princípios da separação de poderes e da legalidade.

            Mas não é só.

            O fundamento da deliberação do TSE é insustentável. O "caráter nacional" dos partidos, previsto no art.17, I, da CF, não implica vinculação das coligações para eleições presidenciais, na circunscrição do país, com as eleições federais e estaduais, na circunscrição dos estados.

            A doutrina busca esclarecer o que se entende pelo "caráter nacional" dos partidos políticos, opondo-o ao não-nacional. Alguns tomam critério externo/interno de classificação, onde nacional é o interno, próprio ao país, e não-nacional externo, o estrangeiro (FÁVILA RIBEIRO (1), LUIZ AUGUSTO PARANHOS SAMPAIO (2)); outros preferem o critério federativo: nacional é o federal, pertencente ao todo do país, enquanto federação; e não-nacional aquele relativo aos estados (CELSO RIBEIRO BASTOS (3)).

            JOSE AFONSO DA SILVA afirma que a atual Constituição não definiu quando o partido se considera nacional, como o faziam as normas constitucionais revogadas, segundo as quais era nacional aquele que dependiam para funcionar da obtenção de 3% do eleitorado nacional, distribuídos pelo menos em cinco estados, com um mínimo de 2% em cada um deles. Segundo o mestre paulista, é a lei que definirá o caráter nacional dos partidos. (4)

            TORQUATO JARDIM afirma que, adquirida a personalidade jurídica, tem o partido que buscar o apoiamento mínimo de eleitores, para assim obter caráter nacional: meio por cento dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos brancos e os nulos, distribuídos por um por cento ou mais de estados, com um mínimo de um décimo por cento do eleitorado que haja votado em cada um deles (art.7º, §1º,c/c art.8º, §3º, da LPP). Dispensa-se o apoiamento dos partidos com registro definitivo no TSE sob a lei anterior (5). No mesmo sentido ELCIAS FEREIRA DA COSTA (6) e PALHARES MOREIRA REIS (7).

            JOSÉ BISPO DOS SANTOS conjuga o caráter nacional dos partidos políticos, previsto no art.17, I, da Constituição Federal, com a ação de caráter nacional, disposto no art.5º, da LPP.

            Não houve um único doutrinador eleitoralista que houvesse chegado à brilhante conclusão do TSE, ao interpretar o "caráter nacional" dos partidos políticos, ordenando que fossem vinculadas as coligações estaduais à presidencial.

            Finalmente, mesmo que se admitisse a possibilidade constitucional e legal da normatização imposta pelo TSE, ainda assim, haveria uma regra constitucional que espelha um valor, insuperável: o art.16, da CF, proíbe aplicação de lei que altere o processo eleitoral à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

            Por mais que pretendam sofismar os defensores da verticalização das coligações, trata-se de normativa nova pela via do regulamento, e, portanto, com base na claríssima dicção constitucional do rt.16, somente poderia ser aplicada para as eleições posteriores a 26 de fevereiro de 2003, um ano após sua aprovação, através da Resolução nº20.993, de 26/02/02.

            O Tribunal Superior Eleitoral equivocou-se ao verticalizar as coligações partidárias para as eleições de 2002 e desatendeu à grande expectativa dos cidadãos brasileiros de que fosse o primeiro guardião da constitucionalidade das leis eleitorais, e não o primeiro a lhe violar o texto e o espírito.


Nota de atualização

          Depois de publicado este trabalho foram ajuizadas 2 ADINs pelos partidos PCdoB, PL, PT e PSB, e PFL, ambas não conhecidas. Entendeu o STF que o dispositivo impugnado limitou-se a dar interpretação ao art. 6º da Lei 9.504/97, caracterizando-se, portanto, como ato normativo secundário de natureza interpretativa, de modo que os eventuais excessos do poder regulamentar da Resolução em face da Lei 9.504/97 não revelariam inconstitucionalidade, mas sim eventual ilegalidade frente à Lei ordinária regulamentada, sendo indireta, ou reflexa, a alegada ofensa à CF, cuja análise é incabível em sede de controle abstrato de normas. Foram vencidos os Ministros Sydney Sanches, relator original (substituído para redigir o voto divergente, que saiu vencedor, pela Ministra Ellen Gracie) Ilmar Galvão, Sepúlveda Pertence e Marco Aurélio, que conheciam da ação por considerarem que a norma atacada é um ato normativo autônomo, que não se assenta em nenhuma lei, e introduz inovação no bloco da legislação eleitoral, violando o princípio da anualidade e invadindo a competência legislativa do Congresso Nacional (CF, art. 16, 22, I c/c art. 48). (ADIn 2.626-DF e ADIn 2.628-DF, 18.4.2002, Informativo nº264 do STF).


Notas

            1..RIBEIRO, Fávila. Constituinte e participação popular, p.53).

            2..SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhos. Comentários à nova Constiutição brasileira, p.292.

            3..BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, p.17.

            4..SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo, 20a ed., p.404.

            5..JARDIM, Torquato. Direito eleitoral positivo, p.100.

            6..Direito eleitoral: legislação, doutrina e jurisprudência, 3a ed., pp.116-7.

            7.."O partido político e a Lei de 1995", in: Direito eleitoral, coord. Min. Carlos Mario da Silva Velloso e Carmen Lúcia Antunes Rocha, p.175.

Sobre o autor
Luiz Viana Queiroz

advogado eleitoralista na Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Luiz Viana. Verticalização de coligações:: TSE viola a constituição e a lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2804. Acesso em: 18 nov. 2024.

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