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O adicional noturno e sua compatibilidade com o subsídio:

respeito aos princípios reitores do Estado Democrático de Direito

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Agenda 09/05/2014 às 13:34

4. OS DIREITOS SOCIAIS E SUA PROTEÇÃO

Como citado anteriormente, os direitos fundamentais, dentro de nossa ordem constitucional, foram elencados em cinco diferentes gêneros, dentre os quais destacamos, agora, os direitos sociais, trados no Capítulo II, do Título II, da Constituição de 1988.

Como direitos de segunda geração,

(...) são concebidos como instrumentos destinados à efetiva redução e/ou supressão de desigualdades, segundo a regra de que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade (MENDES, COELHO, BRANCO, 2009, p. 759).

Enfatizando a importância dos direitos sociais dentro de nossa ordem constitucional, Rodrigo Brandão diz que

No que tange, especificamente, aos direitos sociais, é bem de ver que a Constituição de 1988, desde o seu preâmbulo, deixa claro que o Estado Democrático de Direito por ela instituído ostenta uma inequívoca dimensão social, já que se destina a “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça (...)” (BRANDÃO, 2010, p. 11).

Lembremo-nos que, em maior ou menor grau, as características gerais dos direitos fundamentais são aqui aplicáveis, visto serem os direitos sociais espécie do gênero “fundamental”. Desta feita, gozam, no geral, das mesmas características apontadas anteriormente – universalidade, imprescritibilidade, inalienabilidade/indisponibilidade, aplicabilidade imediata e vinculação dos poderes púbicos.

Importante observar também que, além de sua componente positiva, isto é, vinculam os poderes públicos a atitudes proativas para a persecução e concretização dos mesmos, também têm uma componente negativa, entendida como um direito à abstenção do Estado e de terceiros.

Assim, por exemplo, o direito ao trabalho não consiste apenas na obrigação do Estado de criar ou de contribuir para criar postos de trabalho (...), antes implica também a obrigação de o estado se abster de impedir ou limitar o acesso dos cidadãos ao trabalho (...) (CANOTILHO, MOREIRA, 1991, p. 127).

Constituem fundamento constitucional para as ações estatais, conferindo a estas licitude constitucional e se consubstanciam em vetores interpretativos de outras normas constitucionais (CANOTILHO, MOREIRA, 1991).

Nossa Carta Política os traz elencados em seu art. 6ª, sendo eles a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados.

Logo em seguida, dispõe, em seu art. 7º, sobre os direitos sociais individuais dos trabalhadores, um rol de trinta e quatro incisos – não exaustivo, haja vista falar “além de outros que visem à melhoria de sua condição social”; portanto, também difusamente previstos por toda a Constituição –, dos quais alguns deles aplicados também aos servidores públicos, porque também trabalhador subordinado, que presta serviços sobre a autoridade de outrem (MORAES, 2010).

São normas que visam à proteção do trabalhador contra o arbítrio desmotivado do empregador, à proteção de seu salário e de sua integridade física e metal, dentro e fora do ambiente de trabalho, e à compensação pecuniária pelos desgastes insuperáveis (como os advindos do trabalho noturno e do trabalho insalubre). Enfim, são normas que impõe sejam observadas as mínimas condições dignas de trabalho, isto é, que têm por escopo a proteção da dignidade da pessoa do trabalhador, e, portando, merecedoras de proteção.

Existem autores que consideram as normas dos direitos sociais parte do núcleo intangível de nossa Magna Carta, cláusulas pétreas, portanto, protegidas pelos ditames do art. 60, § 4º, IV, considerando o sistema dos direitos fundamentais como único.

(...) parece-nos correta a doutrina majoritária ao salientar que o constituinte de 1988 conferiu o status de cláusulas pétreas aos direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira “dimensão”, sejam eles direitos de defesa ou prestacionais. Isto porque o sistema constitucional de proteção dos direitos fundamentais, cuja eficácia reforçada se revela na aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 1º), bem como na sua proteção reforçada quanto a ação erosiva do constituinte-reformador (art. 60, § 4º, IV), caracteriza-se pela unicidade (...) (grifos nossos) (SARLET, 2003, p. 58).

No que concerne à proteção dos direitos sociais como cláusulas pétreas, Rodrigo Brandão afirma que, a despeito de existirem doutrinadores que se fiam a uma interpretação literal do disposto no art. 60, § 4º, inciso IV, e que, por conseguinte, admitem serem cláusulas pétreas apenas a “espécie” direitos e garantias individuais (art. 5º e seus incisos), ou que aceitam que a intangibilidade tão-somente se aplica àquela “espécie” porque revestidos de caráter de defesa e, portanto, vinculados à essência do Estado de Direito (excluindo dessa proteção os direitos sociais nitidamente prestacionais), vários são os fatores a apontar para interpretação diversa.

De início, a interpretação gramatical do texto constitucional esbarraria na hermenêutica atual, que não a comporta como forma exclusiva de interpretação, pois é insuficiente (BARROSO, 1999 apud BRANDÃO, 2010).

Apresentar-se-ia vazia,

(...) à vista (i) da fluidez semântica e da densidade moral dos “direitos e garantias individuais”, (ii) da circunstância de o próprio constituinte haver aberto o elenco de direitos expressos na Constituição (art. 5, § 2º), e (iii) da notável imprecisão terminológica do constituinte no que concerne à positivação dos direitos fundamentais do indivíduo. (...) convém destacar que a Constituição emprega, por exemplo, as seguintes expressões: “direitos e garantias fundamentais” (Título II), “direitos e deveres individuais e coletivos” (Capítulo I do Título II), direitos sociais (Capítulo II do Título II), “direitos políticos” (Capítulo IV do Título II), “normas definidoras de direitos e garantias fundamentais” (art. 5, p. 1), “direitos e liberdades constitucionais” (art. 5, LXXI), “direitos e garantias individuais” (art. 60, parágrafo 4º, inciso IV da CF), “direito público subjetivo” (especificamente em relação à educação fundamental – art. 208, p. 1), e “direitos humanos” (art., 4, III, art. 5, p. 3 e 109, p. 5, os dois últimos introduzidos pela Emenda Constitucional n. 45/2004) (BRANDÃO, 2010, p. 09-10).

Além disso, uma interpretação sistêmica de nosso Texto Constitucional revela que não há hierarquia jurídica ou axiológica entre direitos de defesa e direitos prestacionais ou hierarquia entres as diversas gerações de direitos fundamentais. O que se percebe, ao revés, é uma harmonia entre o constituinte de 1988 e os ditames dos direitos humanos internacionais que vem a revelar a interdependência das gerações de direitos fundamentais (BRANDÃO, 2010).

Ainda que no plano da efetivação a diferença entre direitos fundamentais de defesa e prestacionais não possa ser negada, mais precisamente por conta de que os últimos demandam, não raro, custosas políticas públicas sujeitas a limitações financeiras, “no plano específico das limitações materiais ao poder de emenda, soa puramente ideológica a pura e simples exclusão dos direitos sociais prestacionais do âmbito de proteção do art. 60, § 4º, IV, da CF/88” (BRANDÃO, 2010, p. 12).

Não é demais ressaltar que, como já explanado, os direitos sociais, ainda que tenham grande carga positiva, de direitos prestacionais, também possuem carga negativa, na medida em que ao Estado se impõe não só a obrigação de promovê-los, mantê-los e protegê-los perante terceiros, mas também de se abster de suprimi-los. Sob tal prisma, são, pois, direitos de defesa.

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Para Alexandre de Moraes, os direitos sociais são sim cláusulas pétreas, pois devem ser vistos como direitos e garantias individuais do trabalhador, protegidos, portanto, pela imutabilidade a que se refere o art. 60, § 4º, IV (MORAES, 2010).

No plano jurídico interno, ainda que nosso Supremo Tribunal Federal não tenha expressamente adotado posicionamento que albergue a aceitação das diversas espécies de direitos fundamentais como cláusulas pétreas, duas de suas jurisprudências evidenciam o que pode ser o início de uma inclinação neste sentido. A primeira delas consta da ADI 939-DF, na qual o STF declarou a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 03/93, com fulcro na anterioridade tributária (art. 150, III, b, da CF), direito/princípio fora do Título II, Dos direitos e garantias fundamentais, o que mostra que o Supremo não adota a tese que restringe o rol das cláusulas pétreas ao art. 5º e seus incisos. A segunda, na ADI 1946-DF, ainda mais específica no que concerne aos direitos sociais, em que o STF deu interpretação conforme à Constituição ao art. 14 da EC nº 20/98, excluindo a licença maternidade do teto de benefícios previdenciários instituído por citado artigo. No julgado, afirmou o Supremo que a inclusão da licença à gestante no teto previdenciário implicaria discriminação da mulher no mercado de trabalho, algo vedado por força do inciso XXX, art. 7º, da CF, posto que o empregador muito provavelmente deixaria de contratá-las para funções que tivessem remuneração que superassem o teto, haja vista que, no período de gozo da licença, teria que arcar com a diferença entre os valores da remuneração integral e do teto. Tal fato indica que, mesmo que não tenha feito alusão expressa ao “princípio da não-discriminação entres homens e mulheres no mercado de trabalho”, o STF afastou do art. 14 da EC nº 20/98 interpretação que atingia o núcleo essencial do direito à licença maternidade, um direito social (BRANDÃO, 2010).

Citado autor segue com sua explanação e conclui:

Tão importante quanto o que se acabou de expor foi a circunstância de o STF não haver embasado a invalidação da referida exegese na simples supressão de direito inserto no art. 7º, mas na imprescindibilidade da manutenção da licença-maternidade para a preservação da vedação à discriminação de trabalhadores em virtude do sexo, a qual, evidentemente, se consubstancia em condição necessária ao tratamento de homens e mulheres com igual consideração e respeito. Resta nítido, portanto, que o STF não atribuiu a condição de cláusula pétrea pela sua formal positivação no título II da Constituição (alusivo aos direitos e garantias fundamentais), mas pelo seu conteúdo, ou mais precisamente, pelas repercussões deletérias da sua revogação para a proteção de direito materialmente fundamental (BRANDÃO, 2010, p. 13).

Ainda que nossa jurisprudência pátria não firme entendimento no sentido de serem os direitos sociais fundamentais cláusulas pétreas, e mesmo que, assim considerados, pudessem ser objeto de emenda restritiva – de fato, para alguns doutrinadores, até mesmo o rol dos direitos fundamentais literal e restritivamente interpretados como merecedores de intangibilidade seriam passíveis de emendas restritivas, se considerados à luz dos princípios da proteção do núcleo essencial, da proporcionalidade, da isonomia, e da clareza e da determinação mínimas da restrição (BRANDÃO, 2010) – , fato é que tal restrição há de encontrar limites.

A doutrina aponta, como um destes limites, o princípio da proibição do retrocesso. Canotilho, ao se referir a tal princípio, afirma que as normas constitucionais de direitos fundamentais de caráter positivo, uma vez concretizados os direitos ali aludidos, tem ao menos a função de garantir a permanência de sua satisfação, o que implica uma “proibição de retrocesso”, pois, uma vez satisfeito o direito, este “transforma-se” em direito negativo ou direito de defesa, obrigando o Estado a se abster de atentar contra ele (CANOTILHO, 1991).

Sobre o aludido princípio, também se posiciona Pedro Lenza, ao dizer que “nem a lei poderá retroceder, como em igual medida, o poder de reforma, já que a emenda à constituição deve resguardar os direitos sociais já consagrados” (LENZA, 2010, p. 766).

A par de os citados autores reconhecerem que tal princípio comporta restrições, mormente quando se confronta a viabilidade concreta de efetivação/manutenção de certos direitos sociais e a conjuntura de incapacidade financeira do Estado (reserva do possível), deve o ente estatal sempre salvaguardar o conteúdo mínimo do direito a ser restringido, isto é, o seu núcleo essencial (CANOTILHO, 1991; LENZA, 2010).

O princípio da proibição de retrocesso encontra amparo em outro, com característica de superprincípio: o da dignidade da pessoa humana, sobre o qual se assenta nossa ordem constitucional.

Segundo observa Ingo Wolfgang Sarlet:

A dignidade humana não contém apenas uma declaração de conteúdo ético e moral (que ela, em última análise, não deixa de ter), mas que constitui norma jurídico-positiva com status constitucional e, como tal, dotada de eficácia, transformando-se de tal sorte, para além da dimensão ética já apontada, em valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar, neste contexto, que, na qualidade de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa (SARLET, 2005, p. 221-222)

Para o citado autor, o conteúdo da dignidade humana acaba por ser identificado como constituindo o núcleo essencial dos direitos fundamentais (SARLET, 2005).

Destarte, o núcleo essencial assume um papel de blindagem contra o poder legiferante do legislador infraconstitucional e contra o poder reformador do constituinte derivado frente aos direitos fundamentais, todos eles, sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade.


5. O ADICIONAL NOTURNO E O ENTE REMUNERATÓRIO SUBSÍDIO

Como visto no decorrer do texto, nossa Constituição alocou dentro do Título II – Dos direitos e garantias fundamentais – os direitos sociais, vindo a especificar em seu art. 7º os direitos sociais trabalhistas, um rol exemplificativo de 37 incisos.

Um destes direitos é a garantia de remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, positivado em nosso ordenamento jurídico, pela primeira vez, na Carta Política de 1937, na Ditadura do Estado Novo, com Getúlio Vargas, em seu art. 137, alínea j (BRASIL a, 2013), e hoje alocado no art. 7º, inciso IX, da Magna Carta de 1988, in verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; (BRASIL b, 2013).

Assim como outros, igualmente presentes no rol exemplificativo do art. 7º, o direito à remuneração do trabalho noturno superior à do diurno é aplicável também aos servidores públicos, por força do art. 39, § 3º, da CF.

Tanto na doutrina administrativista como no Direito Administrativo pátrio positivado, tal direito encontra acento dentro do gênero das vantagens pecuniárias, definidas como “parcelas acrescidas ao vencimento-base em decorrência de uma situação fática previamente estabelecida na norma jurídica” (CARVALHO FILHO, 2009, p. 699).

Dentro deste gênero, encontramos as espécies adicionais e gratificações. Os adicionais seriam devidos ao servidor por serem uma recompensa pelo tempo de serviço prestado ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais diversas da rotina burocrática, e as gratificações, uma compensação pelos serviços ordinários executados em condições anormais ou mais gravosos à pessoa do servidor (MEIRELLES, 2004). Já Celso Antônio Bandeira de Melo soma a estes dois – adicionais e gratificações – outros dois: as indenizações, que, como os dois primeiros, encontram-se na sistematização da Lei nº 8.112/90, e os benefícios previdenciários (MELO, 2007).

Sem embargo desta distinção, ainda que a doutrina e a legislação infraconstitucional (Lei nº 8.112/90) aloque o direito à remuneração superior do serviço noturno frente ao diurno na espécie adicional – daí a expressão “adicional noturno” (MELO, 2007) – irrelevante a denominação dada, se adicional ou gratificação, sendo importante mesmo é se verificar a real existência do fato que gera o direito ao recebimento da vantagem (CARVALHO FILHO, 2009). Isto é, se o trabalhador, seja ele empregado ou servidor público laborou no período compreendido entre as 22h00 de um dia e as 05h00 do dia seguinte.

A respeito de seu fundamento jurídico, tudo o que fora explanado anteriormente se lhe aplica, posto ser um direito social fundamental, e como tal, como direito de prestação e direito de defesa, deve ser implementado e defendido pelo Estado, devendo este privar-se de obstar-lhe. Deve garantir sua fruição por completo, haja vista ser o “mínimo essencial” do adicional noturno ele próprio. Se há trabalho noturno, é tudo ou nada: ou existe ou não existe.

No que tange ao seu fundamento psicossocial, o adicional noturno é uma contraprestação por um serviço em horário mais penoso, que implica em maior desgaste físico, mental e social ao trabalhador.

Em sua monografia, a psicóloga Cláudia Ribeiro da Silva explica que

(...) com o trabalho noturno, há uma troca dos ritmos biológicos e uma não sincronização do ritmo endógeno. Consequentemente, pode-se perceber uma indisposição física, alterações do sono e distúrbios gastrintestinais nos indivíduos que se submetem a este tipo de trabalho (CLERK, 1988 apud SILVA, 2003, p. 22).

A autora cita variados autores que informam os mais variados prejuízos fisiológicos para aqueles que trabalham no período noturno. Informa desde a má qualidade do sono diurno, em decorrência, tanto de fatores internos (desregulação do ciclo circadiano – nosso relógio biológico indicativo de dia e noite) (FERREIRA, 1985, in VIEIRA,1998 apud SILVA, 2003), quanto externos (sons externos advindos da vida cotidiana “normal”) (KOLLER e outros, 1978, in SPECTOR, 2002, apud SILVA, 2003), passando por distúrbios gastrointestinais, como má digestão, úlceras e gastrites, provocados pela irregularidade dos horários das refeições (RUTENFRANZ, KNAUTH, FISCHER, 1989 apud SILVA, 2003).

(...) A partir de estudos anteriores realizados acerca do trabalho noturno, verificou-se uma série de alterações no ritmo biológico do trabalhador (ciclo circadiano; temperatura corporal; nível de glicose no sangue; grau de fadiga; adaptação ao trabalho; rendimento; duração do sono; grau de retenção da informação). As consequências diretas foram: fadiga; desadaptação à atividade; baixo rendimento; baixa capacidade de conciliar o sono normal; maior índice de erros detectados; desequilíbrio nutricional; limite reduzido de responsabilidade; aumento ou aparecimento de patologia de natureza somática; estresse (MAURO e outros, 2004 apud PEREIRA, MARIA, ESPÍNDULA, 2012, p. 5).

Também a vida social dos que trabalham em turnos sofre prejuízos irreparáveis, o que pode se refletir no perfil psicológico do indivíduo:

Outro fator importante que o trabalho noturno afeta é a vida social do indivíduo, sendo que se pode considerar quatro componentes importantes: família, amigos, cultura e lazer. Quando o trabalhador dorme, quase todos estão na vida ativa e vice-versa, o que dificulta os encontros com pessoas queridas e o lazer no período noturno, como ir ao teatro, por exemplo (...). Os sincronizadores sociais, vividos por amigos e familiares são outros e, muitas vezes, isto dificulta a relação como o cônjuge (...). O trabalho noturno fixo ainda dá ao indivíduo a possibilidade de se programar e, até mesmo, ocupar-se com outras atividades durante o período livre. Já no caso de trabalho em turnos alternantes, o trabalhador não sabe quando estará livre e, por consequência, fica praticamente impossível se comprometer com a vida social (VIEIRA, 1998 apud SILVA, 2003).

De se notar que todo o arcabouço argumentativo lógico-jurídico, formal e material, com vistas à proteção dos direitos sociais e, portanto, do adicional noturno (1. o simples fato de serem direitos fundamentais, portanto norteadores das políticas públicas dentro de um Estado democrático de Direito; 2. o fato de virem a ser considerados, ainda que de forma não unânime, cláusulas pétreas 3. a proibição de retrocesso; e 4. a dignidade da pessoa humana como superprincípio), coaduna-se com o arcabouço argumentativo fático biopsicossocial que justifica uma remuneração diferenciada aos que trabalham a noite e em turnos.

Sem embargo desta constatação lógica, o Estado brasileiro vem andando na contramão da história das conquistas dos direitos fundamentais, desmantelando, aos poucos, anos de lutas sociais em prol de uma política econômica que o torne “aceitável” dentro do modelo de globalização neoliberal vigente.

Tal movimento, que teve início com uma primeira leva de emendas constitucionais tendentes a inserir a iniciativa privada em áreas antes reservadas ao setor público (como as Emendas Constitucionais n.º 6 e 7, relativas à superação de determinadas restrições ao capital estrangeiro, e as Emendas Constitucionais n.º 5, 8 e 9, que flexibilizaram monopólios estatais sobre o gás canalizado, telecomunicações e petróleo), seguiu seu curso com uma segunda leva de emendas destinadas à flexibilização da administração pública e dos regimes previdenciários. Aqui se inserem as EC n.º 19 e 20, ambas de 1998, responsáveis pelas Reformas Administrativa e Previdenciária, e a EC n. 41/03, que implementou a segunda Reforma Previdenciária (PEREIRA, 1995 apud BRANDÃO, 2010; BRANDÃO, 2010).

Segundo leitura recorrente no direito brasileiro, tais emendas seguiram o receituário conhecido como “Consenso de Washington”, pois segundo a típica retórica da globalização: “[O] capital internacional só irá se interessar por investir num determinado território se houver um conjunto de condições adequadas, que vão no sentido da desregulamentação, da flexibilização da legislação social, da ampla liberdade de movimentação de capital, previsibilidade e minimização dos custos fiscais e da estabilidade monetária, que por sua vez exige redução dos gastos públicos e equilíbrio fiscal. Esta a cartilha. Como no Brasil muitas destas questões encontram-se na Constituição, esta a direção das reformas.” (SANTOS, 1998 apud BRANDÃO, 2010).

Foi neste contexto, com Emenda Constitucional nº 19/1998, que se extirpou, do rol de direitos sociais trabalhistas aplicados aos servidores públicos, o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas e que se vem abolindo a fruição de outro: o direito à remuneração do trabalho noturno superior ao do diurno.

Isto porque, o sistema remuneratório dos servidores públicos, antes formado por vencimento e remuneração, passou a contar, a partir da citada emenda, com um terceiro ente, o subsídio, que veio a ser previsto como “parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória”.

Com EC nº 19, fora acrescentado o § 4º ao art. 39, da CF/88, que instituiu este tertium genus e o tornou obrigatório para os agentes políticos e para algumas categorias de servidores públicos (servidores das carreiras pertencentes à AGU, à DPU, Procuradoria da Fazenda Nacional, às procuradorias dos Estados e do DF, e servidores policiais) e facultativa para os demais servidores públicos organizados em carreira, desde que assim dispusessem leis federais, estaduais, do DF ou municipais, em cada esfera de competência (ALEXANDRINO, PAULO, 2008).

Fechando os olhos para os ditames do § 3º, também no art. 39, da CF (que elenca como direito social aplicado aos ocupantes de cargos públicos, sem distinção, o direito à remuneração do serviço noturno superior ao do diurno) e para toda carga protetiva de que gozam os direitos sociais fundamentais, fora editada a Medida Provisória nº 305/2006, rapidamente convertida na Lei 11.358/2006, que afirmou serem indevidas, às carreiras do Executivo Federal remuneradas por subsídio, diversas espécies remuneratórias, dentre elas o adicional noturno.

Alguns administrativistas afirmam que o intuito do subsídio, como parcela única, foi dar maior transparência à remuneração de certos cargos e, por conseguinte, torna-la mais controlável, impedindo sua constituição por diversas parcelas que, ao final, tinham o simples viés de reajuste salarial, posto que deferidas indistintamente (MELO, 2007; CARVALHO FILHO, 2009).

No caótico sistema remuneratório que reina na maioria das Administrações, é comum encontrar-se, ao lado do vencimento-base do cargo, parcela da remuneração global com a nomenclatura de gratificação ou de adicional, que, na verdade, nada mais constitui do que parcela de acréscimo do vencimento, estabelecida de modo simulado. As verdadeiras gratificações e adicionais caracterizam-se por terem pressupostos certos e específicos e, por isso mesmo, são pagas somente aos servidores que os preenchem. As demais são vencimentos disfarçados sob a capa de vantagens pecuniárias (...) (grifos no original) (CARVALHO FILHO, 2009, p. 700).

Sem embargo, não se pode colocar, na vala comum dos penduricalhos com vistas ao incremento salarial indiscriminado, todos os adicionais e gratificações, ainda mais quando previstos para situações específicas e constitucionalmente alocados como direitos sociais fundamentais, como é o caso do adicional noturno.

Com o implemento do subsídio, apesar de derrogadas as normas legais que preveem vantagens pecuniárias como parte da remuneração, o art. 39, § 4º manteve seu ditame que manda sejam aplicados aos ocupantes de cargos públicos diversos direitos sociais trabalhistas, dispostos no art. 7º, fazendo jus, portanto, a despeito da expressão “parcela única”, à percepção, dentre outros, do adicional noturno. Isto porque, o § 3º refere-se a todos os ocupantes de cargos públicos, sem se referir a regime de retribuição previdenciária específico. Há de se conciliar os §§ 3º e 4º do art. 39, de modo a tirar de cada um sua máxima efetividade (DI PIETRO, 2011)

Percebe-se que a autora acima faz menção a pelo menos a dois princípios de interpretação constitucional: o princípio da máxima efetividade, pelo qual a norma constitucional deve ter a maior efetividade social possível e o da unidade da constituição, que reza que o texto constitucional deve ser interpretado globalmente, afastando-se possíveis antinomias (LENZA, 2009).

Outro autor que assume postura semelhante é Celso Antônio Bandeira de Melo que, apesar de reconhecer a pertinência do sistema de subsídio com vistas a um melhor controle dos gastos públicos com folha de pessoal, afirma que o § 4º do art. 39 tem que ser visto com certos temperamentos, não sendo admitido que aqueles remunerados por subsídio sejam privados das garantias constitucionais resultantes do § 3º do mesmo artigo, havendo de serem-lhes acrescentados os acréscimos resultantes daqueles, hipótese em que a parcela remuneratória deixará de ser única. O fato de serem aqueles servidores remunerados por subsídio não é razão para que sofram tratamento discriminatório perante os demais ocupantes de cargos públicos remunerados de forma diversa (MELO, 2007).

De se ver que o autor supra se apega ao princípio da isonomia, que tem por axioma “tratar os desiguais de forma desigual, na medida em que se desigualam”, princípio que tem por escopo a igualdade de condições e que deveria ser observado tanto na elaboração quanto interpretação e aplicação das normas. Limita, tanto o Executivo e o Legislativo, que no exercício de sua função legiferante, sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade, não devem dele se distanciar, quanto o Judiciário, posto que este como aplicador da norma, deve fazê-lo de maneira igualitária, sem criar diferenciações desarrazoadas (WOLNEY, 2009).

Corroborando com o afirmado acima, diz-se que o princípio da igualdade, fundamento de nosso Estado democrático de Direito, assim como o é o princípio da dignidade da pessoa humana, tem por destinatários o legislador, a quem se veda valer-se da lei para discriminar pessoas que merecem tratamento idêntico, e o intérprete/aplicador da lei, de modo a impedir que concretize enunciados jurídicos dando tratamento diferenciado a quem a lei colocou como iguais (MENDES, COELHO, BRANCO, 2009).

Feitas tais considerações, como explicar que alguns servidores públicos, que labutam à noite, remunerados por vencimentos, fazem jus a seu respectivo adicional, e outros, que trabalham nas mesmas condições de desgaste físico, metal e psicológico, impingidos pelo trabalho noturno, ao adicional noturno não fazem jus, pelo simples fato de terem seu soldo na forma do subsídio?

Haveria isonomia de tratamento se, ainda que dentro de um mesmo cargo (como acostuma acontecer dentro das carreiras policiais), aqueles que trabalham em expediente normal, diurno, fossem remunerados da mesma forma que seus colegas que trabalham em regime de escala e sofrem um maior desgaste biopsicossocial por laborarem no período noturno?

Por estas simples indagações, percebe-se que tanto o Executivo, quando da confecção da MP 305/2006, quanto o Legislativo, quando de sua conversão em lei, pecaram contra o princípio supramencionado.

Pecaram, não só contra aquele, mas contra outro, o da vedação ao retrocesso, já explanado alhures. Por ele, “uma vez concretizado o direito, ele não poderia ser diminuído ou esvaziado (...) nem a lei poderá retroceder, como em igual medida, o poder de reforma, já que a emenda à constituição deve resguardar os direitos sociais já consagrados” (LENZA, 2009).

De se ver que, considerando a doutrina apontada no que tange à hermenêutica constitucional e aos princípios constitucionais elencados, forçoso concordar que tanto o Executivo quanto o Legislativo, como fontes legislativas, e o Executivo em si, como aplicador da lei aos seus servidores, afrontaram um direito social, e isso de ver ser revisto.

Resta-nos saber como o Poder Judiciário, mais precisamente o STF, como órgão máximo defensor da Constituição, que tem pautado suas decisões não apenas com base nos princípios constitucionais implícitos e explícitos, mas também na conjuntura político-econômica nacional, irá posicionar-se frente a este problema.

Sobre o autor
Camilo Soares Guimarães

Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia - UNIR. Especialista em Direito Público pela Anhanguera-Uniderp/Rede LFG. Policial Rodoviário Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Camilo Soares. O adicional noturno e sua compatibilidade com o subsídio:: respeito aos princípios reitores do Estado Democrático de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3964, 9 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28080. Acesso em: 22 nov. 2024.

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