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Análise da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance

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Agenda 14/05/2014 às 14:51

4 DA RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

Do estudo realizado até aqui, puderam ser observados os principais pilares que sustentam a responsabilidade civil de um modo geral. Superado esse exame, passa-se, agora, à exposição da perda de uma chance propriamente dita – objeto principal da pesquisa.

Destaque-se, no entanto, que os institutos já trabalhados jamais se desvinculam do tema em questão, sendo eles utilizados para acolher ou rechaçar os argumentos suscitados no tratamento da matéria (muito embora grande parte deles não se apresente expressamente).

Enfim, o objetivo deste capítulo é abordar a temática proposta com observância às regras gerais da responsabilidade civil, de modo que seja alcançada a definição jurídica que mais se adéque à finalidade da teoria da perda de uma chance, tornando, assim, viável a sua aplicabilidade mais pacífica e criteriosa, bem como mais condizente com a realidade jurídica pátria.

Com esse propósito, o estudo inicia-se conceituando e tecendo algumas considerações sobre a referida teoria e, na sequência, apresenta as suas principais espécies de configuração, sendo elas: os casos clássicos; a perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido; e a perda da chance pelo descumprimento do dever de informação.

Adiante, é traçado um comparativo entre os casos de perda de uma chance e os danos pela criação de riscos.

Por fim, com base nos esclarecimentos colhidos durante todo o estudo, adentra-se à parte mais melindrosa da pesquisa: a teoria em exame é apreciada sob as perspectivas tradicionais e alternativas sobre o nexo de causalidade, assim como visualizada na forma de dano autônomo. Busca-se, com isso, o subsídio necessário a uma conclusão que mais se aproxime de verdadeiro desígnio da responsabilidade civil pela perda de uma chance.

4.1 Conceito e noções básicas de responsabilidade civil pela perda de uma chance

Com origem na doutrina francesa, no final do século XIX (SILVA, 2007, p. 149), e difundida na Itália, a partir de 1940 (SAVI, 2009, p. 7), a teoria da perda da chance tardou a chegar ao Brasil. Segundo Fernando Noronha (2010, p. 698), o interesse pelo assunto somente foi despertado aqui em 1990, em função de uma palestra ministrada aos alunos da Faculdade de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), pelo jurista francês François Chabas. Desde então, a matéria se difundiu largamente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e, atualmente, vem ganhando cada vez mais espaço, tanto na doutrina quanto nos demais tribunais pátrios.

Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 72) afirma que o motivo da ampliação deste estudo decorre das mudanças enfrentadas pelas sociedades modernas. Para o autor:

De acordo com os valores individualistas e patrimonialistas do século XIX, observava-se a reparação exclusiva de danos patrimoniais, certos e tangíveis. Atualmente, vive-se a era da incerteza. Ora, se o novo padrão solidarista do direito modificou o eixo da disciplina da culpa para a reparação do dano, é evidente que vários danos que até então não eram indenizados por serem incertos, intangíveis ou com efeitos puramente emocionais passam a ser reparados. Assim, prejuízos representados por quebras de expectativa ou confiança, quebra de privacidade, estresse emocional, risco econômico, perda de uma chance e perda de escolha já são considerados plenamente reparáveis [...]111.

Fernando Noronha (2010, p. 566-567) também atribui a difusão da teoria em comento ao fator social. Na sua concepção, tanto esta espécie de responsabilidade quanto outras mais, se devem à “[...] necessidade sentida pela sociedade de não deixar dano nenhum sem reparação [...]”. Para ele a viabilidade dessa premissa tem o seguinte fundamento:

[...] a ampliação dos danos suscetíveis de reparação reflete-se na diminuição das exigências para o reconhecimento de certos danos, que anteriormente eram postas, o que tem sido feito principalmente pela via do alargamento da noção de causalidade [...] e pela crescente aceitação da reparabilidade de certos danos de natureza um tanto aleatória, como é o caso da perda de chances [...] (NORONHA, p. 567, grifos do autor).

Percebe-se, então, que na história recente do Direito pátrio há uma tendência em se reparar os mais variados tipos de danos, de modo que a vítima passou a ser o foco da responsabilidade civil. Conforme assevera Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 71-73), a culpa do ofensor não é mais essencial para a configuração do dever de reparar, tornando-se as tutelas jurídicas mais objetivas, coletivas e solidaristas.

Foi nesse contexto que teve início a atuação da responsabilidade civil pela perda de uma chance no sistema jurídico pátrio, com base maior no princípio da reparação integral112 e com fundamento legal no artigo 944, caput, do vigente Código Civil, que afirma: “A indenização mede-se pela extensão do dano” (SILVA, 2007, p. 208-209).

Prova de que essa modalidade tem sido recepcionada pelo Direito nacional pode ser encontrada na Lei nº. 12.318, de 26 de agosto de 2010, que dispõe sobre os casos de alienação parental.

Além desse diploma prever diversas medidas acautelatórias para os seus fins, o seu artigo 6º dispõe, também, que o magistrado poderá aplicá-las “[...] sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil [...]” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 1466). Assim, ao incluir esse poder/dever do julgador ao lado das situações lá descritas, o legislador trouxe a lume diversas modalidades que somente poderão ser reparadas ou compensadas civilmente com a aplicação da perda de uma chance.

Qualquer dano que decorra, por exemplo: da falta do exercício da autoridade parental; que afaste a criança dos cuidados de um dos genitores; ou que impeça este de manter qualquer contato com aquela, somente pode ser compensado sob a perspectiva desta teoria – seja em favor do alienado ou do(a) genitor(a) prejudicado(a). Ou seja, eventuais desvios de caráter da criança, inimizades com o(a) genitor(a), ausência de afeto etc., em razão desses fatos, só devem ser contemplados pelas tutelas atinentes à perda de chances, uma vez que, mesmo sem a alienação, tudo isso poderia ocorrer naturalmente – a vida apresenta diversas situações que fogem ao controle humano (ou, pelo menos, de quem detém o interesse em situação diversa). Portanto, apenas chances de se ter outra situação foram maculadas, não podendo, em regra, atribuir tais ofensas integralmente à conduta antijurídica em apreço113.

Visualizando especificamente a hipótese em que o alienado se afasta de um dos genitores, não poderia se falar em responsabilização do alienante pela falta do contato em si, uma vez que não era certo que haveria amizade entre as vítimas da situação ou, mesmo, se manteriam qualquer vínculo. Noutro giro, chances de serem amigos na infância ou manterem um convívio tolerável naquela fase foram retiradas, donde emana a responsabilidade. O mesmo fundamento pode ser aplicado à maioria das situações previstas no artigo 2º e seus incisos, da mencionada Lei114.

Isso mostra, portanto, que a realidade do cenário jurídico nacional, mesmo que indiretamente (e, talvez, involuntariamente) tem caminhado no sentido de estender as suas tutelas a episódios dessa natureza.

Entretanto, não obstante a existência desses dispositivos legais, assim como de um cenário mais receptivo às novas modalidades de responsabilidade civil, a aceitação da teoria em estudo não é inteiramente pacífica, havendo, ainda, grandes percalços e receios impostos pela doutrina e jurisprudência, dentre os quais alguns deles passam a ser examinados adiante.

Quanto ao conceito propriamente dito de perda da chance, Fernando Noronha (2010, p. 695) se manifesta nos seguintes termos:

Quando se fala em chance, estamos perante situações em que está em curso um processo que propicia a uma pessoa a oportunidade de vir a obter no futuro algo benéfico. Quando se fala em perda de chances, para efeitos de responsabilidade civil, é porque esse processo foi interrompido por um determinado fato antijurídico e, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Nestes casos, a chance que foi perdida pode ter se traduzido tanto na frustração da oportunidade de obter uma vantagem, que por isso nunca mais poderá acontecer, como na frustração da oportunidade de evitar um dano, que por isso depois se verificou. No primeiro caso, em que houve a interrupção de um processo vantajoso que estava em curso, poderemos falar em frustração da chance de obter uma vantagem futura; no segundo, em que não houve a interrupção de um processo danoso em curso, falar-se-á em frustração da chance de evitar um dano efetivamente acontecido (e em que, portanto, temos um dano presente). Essa perda de chance, em si mesma, caracteriza um dano que será reparável quando estiverem reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil; em especial, será exigida culpa do agente quando a hipótese for de responsabilidade subjetiva e prescindir-se-á dela quando a responsabilidade for objetiva (grifos do autor).

Verifica-se, então, que a responsabilidade civil pela perda da chance é fiel à sua nomenclatura: tutela os casos em que chances são efetivamente perdidas115. Ou seja, não basta uma conduta antijurídica para que haja responsabilidade do respectivo agente. É necessário que esta resulte em “irremediável” perda da chance. Apesar de redundante a observação, mostra-se importante fazê-la, uma vez que algumas controvérsias suscitadas adiante terão como deslinde a simples observância atenta desse conceito.

O que também deve ficar bem claro neste contexto é que a doutrina desmembra a teoria em dois campos de atuação: há casos de perda da chance de ter sido evitado um prejuízo ocorrido e outros de perda da chance de aferir proveito em potencial.

1) A primeira hipótese pode ser exemplificada pelo caso do médico que, agindo com negligência, deixa de ministrar a terapêutica adequada ao paciente, que vem a falecer posteriormente. Não é sabido se a correta medicação evitaria o óbito, mas é certo que com ela haveria maiores chances de cura ou sobrevida (SILVA, 2007, p. 81-82). Neste hipotético episódio, é inquestionável a ocorrência de um dano efetivo – a morte –, destinando-se a teoria a verificar se houve chances perdidas indenizáveis.

2) A segunda modalidade contemplada pela teoria abriga os seus exemplos mais clássicos, podendo ser ilustrada pelo conhecido caso do advogado negligente ou imperito, que deixa de interpor o recurso de apelação em favor de seu cliente, em tempo hábil, como também pelo caso do motorista que, por culpa, se envolve em acidente e deixa morrer o cavalo campeão esperado no torneio (SAVI, 2009, p. 37). Jamais será esclarecido se o resultado do julgamento em segunda instância seria positivo ou negativo aos interesses do mandante ou se o cavalo ganharia o primeiro prêmio, mas já é cediço que as chances existentes foram violadas definitivamente116.

Percebe-se, então, que a diferença básica considerada entre essas duas ramificações é o fato de que na primeira situação o dano já foi verificado – o paciente morreu, tornou-se incapaz etc. –, enquanto na segunda modalidade, aparentemente, não é conhecido se a conduta realmente ocasionou um prejuízo final – se a ação seria procedente ou o cavalo ganharia o torneio. Nas palavras da melhor doutrina, no primeiro caso já ocorreu o dano final e no segundo os fatores aleatórios impedem essa afirmação117 (SILVA, 2007, p. 86-102).

Diante dessa dicotomia existente, estes últimos casos receberam denominação doutrinária de “clássicos” e aqueles outros foram chamados de perda de uma chance na “seara médica” ou “perda da chance de cura”, muito embora comporte casos das mais variadas espécies – não só médicos118 (SILVA, 2007, p. 81).

Correlacionada a essa divergência, surge a principal problemática enfrentada pela teoria: decidir se a perda da chance requer um reexame dos conceitos de causalidade ou se trata de uma nova espécie de dano autônomo. Fernando Noronha (2010, p. 701-714) e Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 214-228), por exemplo, entendem que os casos clássicos podem ser observados como simples derivações dos institutos que alicerçam os danos em geral119. Entretanto, divergem quanto ao tratamento das hipóteses que envolvem episódios já ocorridos (“casos médicos”). Este último autor sustenta que, para essas circunstâncias, é necessária a utilização do conceito de causalidade parcial, responsabilizando o ofensor à reparação do dano final, no percentual de sua provável contribuição a ele. Assim, apenas em situações em que restasse totalmente prejudicada qualquer prova nesse sentido é que o modelo de perda da chance tradicional atuaria120. Noronha, por sua vez, defende, em tais hipóteses, um misto de aplicação das noções de causalidade parcial, causalidade presumida e reconhecimento do dano autônomo, de modo que a reparação se destinaria ao dano final, mas continuaria dotada de autonomia a perda de uma chance. Enfim, muitas são as discussões e hipóteses de entendimento suscitadas nesse contexto, como será visto adiante.

Não obstante sejam encontradas essas (e outras) particularidades dentro da mesma matéria, o que torna único o instituto é o fato de que sempre serão trabalhadas as chances de algo. Ou seja, não há certeza da vantagem futura ou da eficácia do meio que evitaria o prejuízo. Nas palavras de Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 12):

[...] não podemos afirmar que o ato culposo do ofensor foi a causa necessária para a perda do resultado pretendido pela vítima, visto que o prognóstico retrospectivo que se poderia fazer para saber se o demandante ganharia a causa, ou se o cavalo ganharia a corrida, ou se a gestante permaneceria viva, é bastante incerto, cercado de fatores exteriores múltiplos, como a qualidade dos outros cavalos, a jurisprudência oscilante na matéria da demanda judicial e as misteriosas características das enfermidades. Entretanto não podemos negar que houve um prejuízo, tendo em vista que o demandante perdeu a chance de ver seu processo julgado, o proprietário do cavalo perdeu a chance de ganhar o prêmio, e a gestante perdeu a chance de continuar viva, ou seja, o resultado da aposta nunca será conhecido por causa da conduta culposa do ofensor. É este o prejuízo que a teoria da perda da chance visa indenizar [...] (grifos do autor).

Tornando mais claro o conceito de chances, mostra-se pertinente citar o exemplo exposto por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 89-90), envolvendo um tíquete de loteria. No caso em questão, um sorteio foi realizado sem a inserção do bilhete junto aos demais, tornando, assim, impossível saber se ele seria escolhido por ocasião da retirada. A perda da vantagem, portanto, não há (ela era totalmente incerta), mas da chance sim.

Em caso semelhante, mas em que não seria viável a atuação desta teoria, poderia ser observado se o sorteio fosse dos números dos bilhetes, e não das próprias unidades retiradas de algum recipiente (nos moldes da Mega Sena, por exemplo). Nessa situação, a não inscrição do bilhete no sorteio não representaria perda da chance, uma vez que, diante do resultado final, se saberia inequivocamente se ele representava a vantagem ou não.

Assim, caso fosse ele o premiado, a responsabilidade de quem agiu com negligência em não inscrevê-lo seria integral. Noutra hipótese, se os números sorteados não fossem aqueles contidos no bilhete, inexistiria responsabilidade.

Percebe-se, então, que somente chances são tuteláveis por esta vertente. Tratando-se de certezas (positivas ou negativas), imperam os institutos já consolidados da responsabilidade civil.

Conclui-se, portanto, que a peculiaridade da teoria sob exame – e, ao mesmo tempo, a dificuldade por ela encontrada – é a aparente ausência de relação de causalidade121 entre as condutas submetidas à sua apreciação e os danos finais (principalmente pela ausência da conditio sine qua non vinculando esses dois elementos). Ou seja, nos casos de perda da chance, o dano final poderia ter sido evitado com a conduta adequada ou ausência de conduta, mas isso não é elemento de certeza – o dano também poderia persistir, mesmo com os comportamentos necessários ao caso (ou falta de comportamento). No exemplo do doente que recebeu a terapêutica inadequada, o processo hipotético de eliminação122, característico da teoria da equivalência das condições (3.1.1)123, mostra-se prejudicado: eliminando-se mentalmente a falha médica, não é possível afirmar que o paciente viveria, uma vez que a evolução da doença era capaz de ocasionar a sua morte.

Como se vê, não pode ser afirmado que o erro médico, isoladamente, foi condição sem a qual o dano não ocorreria, mas, ao mesmo tempo, também é impossível dizer que não o foi (condição sem a qual o dano não ocorreria).

Diante dessas definições referentes às chances, fica demonstrado também que os casos de configuração desta responsabilidade civil não se confundem com as hipóteses de lucros cessantes.

Conforme já foi exposto anteriormente, nestas situações (lucros cessantes) o julgador, valendo-se de critérios de razoabilidade e de experiência comum, deverá avaliar, frente a uma conduta antijurídica, qual seria o desenvolvimento normal dos acontecimentos, se esta não tivesse ocorrido. Após a realização do mencionado processo hipotético de eliminação entre a apontada causa e o dano experimentado, deve o juiz verificar se aquele lucro que está sendo pleiteado poderia ser razoavelmente esperado (CAVALIERI FILHO, 2006, p. 98).

Percebe-se, então, que utilizando determinados critérios é possível inferir pela existência de dano final. Existem padrões repetitivos que conduzem a essa conclusão. O citado taxista, que sempre ganhava R$2.000,00 (dois mil reais) por mês, certamente continuaria ganhando, uma vez que nada leva a conclusão diversa124.

Nestes casos, portanto, em que pese não haver certeza absoluta de que a vantagem viria (remuneração do taxista), tem-se razoável correlação (certeza jurídica) entre o provável ganho e a sua eliminação pela conduta antijurídica, o que jamais poderá ser afirmado no caso de chances perdidas (SAVI, 2009, p. 13-17). O único vínculo existente nestes casos (perda da chance) é entre a conduta danosa e a chance perdida – não entre a mesma conduta e o dano final. Considerando os diversos fatores alheios que poderiam ocasionar este dano, é leviana qualquer afirmação de influência concreta da citada conduta na esperada vantagem125.

Corroborando esse entendimento, Sérgio Savi (2009, p. 17) cita a seguinte distinção entre os institutos, realizada pelo jurista italiano Bocchiola:

Mas, de um ponto de vista teórico, as duas fattispecies são bastante individualizáveis em suas respectivas características. De fato, se deve determinar como lucro cessante somente o caso em que se verifica a perda de uma possibilidade favorável, que pertencia a um determinado sujeito com uma probabilidade que representava certeza; nas hipóteses de perda de uma chance, por outro lado, o acontecimento do resultado útil é, por definição, de demonstração impossível.

Sequenciando os seus dizeres, com referência ao modo de comprovação dessa certeza, o autor ainda afirma que:

No caso de lucros cessantes, o autor deverá fazer prova não do lucro cessante em si considerado, mas dos pressupostos e requisitos necessários para a verificação deste lucro. Já nas hipóteses de perda de uma chance, estaremos sempre no campo do desconhecido, pois, em tais casos, o dano final é, por definição, de demonstração impossível, mesmo sob o aspecto dos pressupostos de natureza constitutiva (SAVI, 2009, p. 17).

Ou seja, no caso de lucros cessantes a prova que se requer é da ocorrência do fato que ensejaria a vantagem – prova de que o taxista exercia essa profissão habitualmente e, destarte, tinha como renda estimada o valor que se pleiteia. Na perda da chance, por sua vez, a prova é da existência da chance em si mesma, e não do fato que traria a vantagem final esperada – não se requer a comprovação de que o litigante teria sucesso em seu recurso, mas apenas a de que ele tinha essa chance, caso a sua interposição ocorresse dentro do prazo legal126.

Vê-se, então, que nos lucros cessantes há um efeito direto e imediato entre a conduta e a causa do dano final (ainda que flexibilizado o ônus probatório dessa condição), ao passo que na perda da chance esse vínculo une apenas a conduta antijurídica à causa da perda da chance propriamente dita.

O que deve ficar claro, portanto, é que havendo possibilidade de confirmação do dano final (de que o recurso seria julgado procedente, por exemplo) estar-se-á frente a uma hipótese de lucro cessante, correspondendo o valor da indenização à integralidade do prejuízo final experimentado pelo ofendido. Não sendo isso possível, por interferência de outras causas presentes no evento danoso, resta reparar apenas as chances perdidas, cujo valor jamais corresponderá à vantagem final in totum (SAVI, 2009, p. 13-18)127.

Ainda a respeito das chances, é importante mencionar que nem todas as situações de danos hipotéticos receberão tutela jurídica com esse fundamento. Alguns requisitos devem ser observados para que a chance seja juridicamente relevante.

O início dessa ponderação deve se basear no entendimento exposto por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 84), de que “[...] as chances são uma ‘suposição legítima do futuro’, que podem ser mensuradas através das características do fato concreto e das estatísticas e presunções a ele aplicadas”. Como se vê, as chances aqui apreciadas não se tratam de vagas esperanças subjetivas128. Ao examinar o caso concreto, o julgador deverá formar a sua convicção por requisitos minimamente objetivos – muito embora sempre se faça presente uma considerável parcela de discricionariedade.

Nesse exercício incumbido ao magistrado, consagrou-se como pressuposto essencial a ser verificado a presença de realidade e seriedade da chance em foco. Nas palavras do citado Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 134):

A teoria da perda de uma chance encontra o seu limite no caráter de certeza que deve apresentar o dano reparável. Assim, para que a demanda do réu seja digna de procedência, a chance por este perdida deve representar muito mais do que uma simples esperança subjetiva. Como bem apontou Jacques Boré, pode-se imaginar um paciente vitimado por uma doença incurável, mas que ainda mantenha as esperanças de sobreviver. Objetivamente, todavia, não existe qualquer chance apreciável de cura. A propósito, “a observação da seriedade e da realidade das chances perdidas é o critério mais utilizado pelos tribunais franceses para separar os danos potenciais e prováveis e, portanto, indenizáveis, dos danos puramente eventuais e hipotéticos, cuja reparação deve ser rechaçada”.

Verifica-se, então, que as chances somente serão merecedoras de credibilidade quando forem reais e sérias. Esse critério de avaliação, no entanto, comporta um caráter extremamente genérico, o que levou os autores a formularem vários entendimentos divergentes nesse sentido.

A doutrina da Common Law, por exemplo, no caso Hotson v. Fitzgerald, firmou seu entendimento no sentido de que as demandas cujas chances perdidas possuíssem menos de 25% (vinte e cinco) por cento de probabilidade de resultarem em êxito deveriam ser apreciadas com rigor redobrado, uma vez que a hipótese de serem estritamente especulativas era extremamente plausível. Já no caso Perez v. Las Vegas Med. Ctr. o percentual limítrofe fora abaixado para 10% (dez por cento) de probabilidade da vantagem se configurar. A Corte de Nevada, neste caso, afirmou que uma chance dessa natureza (abaixo de 10%) “[...] não seria considerada substancial, isto é, digna de reparação” (SILVA, 2007, p. 134-135).

O citado Sérgio Savi (2009, p. 65-66), por sua vez, expôs posicionamento ainda mais radical. Segundo ele:

Não é, portanto, qualquer chance perdida que pode ser levada em consideração pelo ordenamento jurídico para fins de indenização. Apenas naqueles casos em que a chance for considerada séria e real, ou seja, em que for possível fazer prova de uma probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultado esperado (o êxito no recurso, por exemplo), é que se poderá falar em reparação da perda da chance como dano material emergente.

Fugindo desses critérios probabilísticos, Fernando Noronha (2010, p. 705) propõe um modo de apreciação mais flexível ao caso concreto, confiando maior poder discricionário ao julgador. Nesse sentido, assim ensina:

[...] é o prejuízo constituído pela perda da chance que vai ser objeto de reparação. Mas é preciso saber como fazer a respectiva avaliação. Para tal, em primeiro lugar importa averiguar se a chance perdida era real e séria: se for, haverá obrigação de indenizar; se ela tiver caráter meramente hipotético, não. E para saber se a oportunidade perdida era real e séria, haverá que recorrer às “regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece”, como se dispõe no art. 335 do Código de Processo Civil (grifos do autor).

Percebe-se, por esse trecho, que o autor apresenta uma nova ótica sob a qual devem ser analisados os casos desta espécie. Os requisitos, que para alguns são invariáveis, ganham maior elasticidade e passam a considerar, no exame de determinada chance, “[...] analogia, os costumes, os princípios gerais do direito (arts. 126 do CPC e 4º da LICC) e as máximas de experiência [...]”, ou seja, fundamentam-se “[...] na observação daquilo que normalmente acontece em dada sociedade historicamente considerada [...]” (NEVES; FREIRE, 2012, p. 390).

Nessa mesma direção, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 134-135) afirma que é “[...] impossível que um simples conceito de chances sérias e reais retire todas as dúvidas do operador do direito, pois somente a comparação de casos concretos poderá traçar alguns parâmetros úteis”.

Corroborando essa forma de apreciação mais relativa do instituto e desaconselhando a adoção de critérios tão estáticos como aqueles vistos acima, o Enunciado 444, da V Jornada de Direito Civil, foi elaborado nos seguintes moldes:

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Art. 927. A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos (2012)129.

Observa-se, então, que, muito embora haja algumas tentativas de se tabelar as chances indenizáveis com critérios taxativos, a doutrina e jurisprudência dominante têm entendido que apenas o exame do caso concreto poderá elucidar sobre a sua realidade e seriedade, conferindo maior discricionariedade ao julgador, que deverá formar a sua convicção motivada à luz dos mencionados fundamentos (artigo 335 do CPC)130.

Assim, uma vez realizado esse exercício de observação do caso e concluindo-se que a vítima efetivamente detinha uma chance objetiva de algo, basta que esta preencha os requisitos genéricos às demais espécies de danos131 para que se tenha uma chance juridicamente relevante e, por consequência, merecedora da competente tutela indenizatória.

Saliente-se, por fim, que, ao contrário do que aparentemente pode ser argumentado em prejuízo da teoria, o parágrafo único do artigo 944 do vigente Código Civil não impõe qualquer óbice à indenização das chances perdidas.

Segundo tal dispositivo, “Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização” (BRASIL, Vade Mecum, 2012, p. 204). Ou seja, diante de uma “mera” chance perdida poderia ser alegado que há desproporção entre ela e o dano final.

Tal fundamento, no entanto, não procede. Conforme ensina Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 208-214), o que tem ocorrido é uma confusão entre os termos “culpa” e “causalidade”, de modo que é encontrado, por exemplo, a expressão “culpa concorrente”, enquanto a concorrência existe apenas entre as causas.

Enfim, no tratamento das chances perdidas, em regra, não haverá desproporção, uma vez que o dano final e a relação de causalidade que o afeta não são os objetos sob os quais devem se apresentar a proporcionalidade mencionada no dispositivo. Os elementos a serem comparados são culpa (grave, leve ou levíssima) na conduta humana132 e o dano disso decorrente (para alguns, a chance autônoma e, para outros, uma proporção do dano final). Apenas se a culpa for levíssima e totalmente distante do dano ensejado é que o ofensor poderá ser beneficiado com a redução do montante a ser indenizado133 (SILVA, 2007, p. 208-214).

Percebe-se, então, que prevalece a regra adotada para todas as demais modalidades de responsabilidade civil, não havendo empecilho específico para esta. O fato de não ser a perda da chance conditio sine qua non do dano final não implica na incidência do referido parágrafo. Este possui relação de dependência com a culpa propriamente dita (não com a causalidade). Sendo ela (a culpa) levíssima e o dano elevado, haverá a competente redução no montante indenizatório, ao passo que, se for leve ou grave, o dano em questão deverá ser integralmente contemplado (SILVA, 2007, p. 208-214).

Alertando para o perigo de interpretação equivocada nesse sentido, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 213-214) leciona que:

[...] total atenção será necessária para evitar que casos típicos da responsabilidade pela perda de uma chance não acabem sendo fundamentados no parágrafo único do art. 944, impedindo que, diante dos exemplos supramencionados, decisões judiciais afirmem que a “culpa” do médico ou da empresa de transportes está em desproporção em relação do dano causado (dano final), quando, na realidade, à questão cinge-se a análise do dano e da causalidade.

Esse obstáculo, portanto, deve receber o mesmo tratamento nestes casos e nos demais, de modo que a sujeição a ele independe da modalidade em questão, bastando, para tanto, que os requisitos integrantes da culpa conflitem com o desfecho danoso.

A título de conceituação e noções gerais do instituto, por ora mostram-se suficientes esses esclarecimentos, destinando-se os próximos tópicos a aprofundarem nas principais problemáticas enfrentadas pelo tema.

4.2 Espécies de responsabilidade civil pela perda de uma chance

Conforme já foi introduzido acima, a teoria em exame se divide principalmente entre as suas modalidades clássica e a perda da chance de evitar um prejuízo efetivamente ocorrido – esta hipótese mais associada aos episódios médicos. Ambas as vertentes apresentam diversas peculiaridades e semelhanças que muito interessam ao deslinde do objeto da pesquisa, motivo pelo qual os subsequentes tópicos pretendem estudá-las com maior enfoque.

Para complementar o debate, será trazida à apreciação a chamada perda da chance pelo descumprimento do dever de informar, que, apesar de derivar da base já estabelecida, tem ganhado especial atenção da doutrina e jurisprudência.

4.2.1 Casos clássicos de configuração da perda de uma chance

Os mais característicos casos de configuração da responsabilidade civil pela perda de uma chance são os denominados “clássicos”, conceituados como aqueles em que uma conduta retirou de outrem a oportunidade de ganho ou de evitar um prejuízo futuro134. Nas palavras de Fernando Noronha (2010, p. 701-702):

Nesta modalidade de perda de chances houve, em razão de determinado fato antijurídico, interrupção de um processo que estava em curso e que poderia conduzir a um evento vantajoso; perdeu-se a oportunidade de obter uma vantagem futura, que podia consistir tanto em realizar um benefício em expectativa como em evitar um prejuízo futuro. Com a interrupção, nunca mais se poderá saber se a vantagem tida em vista viria ou não a concretizar-se; por outras palavras, embora o lesado afirme que a interrupção lhe causou um dano futuro, nunca se poderá saber se o processo conduziria necessariamente a ele, porque se trata de ocorrência que era aleatória, em medida maior ou menor. [...] temos um fato presente que destrói chances que eram projetadas para o futuro; são casos em que um resultado futuro almejado, mas aleatório, fica impossibilitado pelo fato antijurídico presente (grifos do autor).

Percebe-se, portanto, que o cerne da questão é a interrupção injusta do curso normal dos eventos, retirando da vítima oportunidades a que fazia jus.

Também pode ser extraído desses esclarecimentos apresentados pelo referido autor que a teoria em exame não faz referência exclusiva às oportunidades de ganho, mas inclui, igualmente, em seu bojo a perda de chances de evitar prejuízos futuros135.

Ilustrando concomitantemente as duas situações, tem-se o referido exemplo da não interposição do recurso de apelação, quando as circunstâncias requeriam a providência. Se o litigante prejudicado fosse o autor, haveria a perda da oportunidade de uma vantagem, ao passo que, se fosse o réu, a perda seria da possibilidade de evitar um prejuízo futuro (NORONHA, 2010, p. 702-703).

Outro exemplo de modalidade clássica da teoria, que se tornou marco de sua admissão no Brasil, foi o caso decidido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no qual um participante de um programa de perguntas e respostas, exibido por conhecida emissora de televisão brasileira, pleiteou indenização pela perda da chance de ganhar o prêmio máximo ofertado na sua fase final, que era de R$1.000.000,00 (um milhão de reais). Segundo a autora da ação, a última pergunta formulada pela parte demandada não possuía resposta correta, fulminando qualquer possibilidade que detinha de se tornar campeã do jogo e receber o prêmio milionário. A ementa do julgado foi publicada nos seguintes moldes:

RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido (STJ, Relator: Min. Fernando Gonçalves, Data do julgamento: 08/11/2005, Número do Processo: 2005/0172410-9 e REsp 788.459) (2013)136.

Mostra-se pertinente transcrever, também, o trecho do voto do Relator, Ministro Fernando Gonçalves, que assim fundamentou a perda da vantagem experimentada pela citada autora:

Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente – ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso – que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à “pergunta do milhão”. Isto porque há uma série de outros fatores em jogo, dentre os quais merecem destaque a dificuldade progressiva do programa (refletida no fato notório que houve diversos participantes os quais erraram a derradeira pergunta ou deixaram de respondê-la) e a enorme carga emocional que inevitavelmente passa ante as circunstâncias da indagação final (há de se lembrar que, caso o participante optasse por respondê-la, receberia, na hipótese, de erro, apenas R$300,00 (trezentos reais). Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza – ou a probabilidade objetiva – do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. Não obstante, é de se ter em conta que a recorrida, ao se deparar com a questão mal formulada, que não comportava resposta efetivamente correta, justamente no momento em que poderia sagrar-se milionária, foi alvo de conduta ensejadora de evidente dano. Resta, em conseqüência, evidente a perda da oportunidade pela recorrida [...] (STJ, Relator: Min. Fernando Gonçalves, Data do julgamento: 08/11/2005, Número do Processo: 2005/0172410-9 e REsp 788.459) (2013)137.

Como se observa, este pioneiro caso da jurisprudência pátria demonstrou uma típica situação de perda de oportunidade de uma vantagem futura. Apesar da inexistência de certeza de que a vítima acertaria a resposta da pergunta final apresentada pelo programa, é certo que as suas chances de sucesso foram totalmente frustradas, diante da ausência de assertiva correta. Assim, o referido tribunal julgou parcialmente procedente o seu pleito, condenando a recorrida a pagar à recorrente o montante de R$125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) – valor correspondente à probabilidade de acerto da indagação (25%)138.

Enfim, muito embora os casos clássicos apresentem infinitas variações, são esses os seus padrões de ocorrência.

Situação que tem merecido destaque neste contexto é a controvérsia existente sobre o caráter futuro (ou presente) do dano pela perda da chance na modalidade clássica. Inovando na teoria, Fernando Noronha (2010, p. 699-701) asseverou que todas as hipóteses dessa ocorrência consistem em danos futuros, ao passo que nos casos em que houve perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido, o dano seria presente, atual ou pretérito.

Discordando desse entendimento139, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 109) defende que não há vínculo entre o tipo de modalidade da teoria com a temporalidade do dano. Segundo o autor:

[...] poder-se-ia imaginar um exemplo em que haveria danos presentes e futuros, sendo observados no momento da decisão jurisprudencial: se o médico fez o paciente perder as chances de evitar uma deformidade física permanente, têm-se as despesas com possíveis próteses que já tenha sido adquiridas e implantadas como danos presentes, enquanto a diminuição da capacidade laborativa que subsistirá por toda a vida da vítima seria uma espécie de dano futuro. Portanto, acredita-se que não existe correlação entre as modalidades de dano futuro e dano presente e as modalidades de casos “clássicos” e aqueles casos respaldados pela causalidade alternativa140.

Verifica-se, assim, que ainda não há entendimento pacificado nesse sentido, muito embora Rafael Peteffi da Silva tenha trazido argumentos mais sólidos sobre a questão.

4.2.2 Perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido

Apresentando maiores controvérsias em seu campo de atuação, tem-se esta outra ramificação da responsabilidade civil pela perda de uma chance141, que é diferenciada dos casos clássicos por ter um dano final já verificado.

Traçando um paralelo entre essas duas modalidades, assim ensina Fernando Noronha (2010, p. 706-707):

As diferenças entre a perda de chance clássica e a perda da chance de evitar que outrem sofresse um prejuízo acontecido são evidentes. Enquanto na perda da chance clássica o fato antijurídico interrompeu um processo (vantajoso) em curso e o possível dano resulta desta interrupção, no caso da perda de chance de evitar um prejuízo o dano surge exatamente porque o processo em curso (agora danoso) não foi interrompido, quando poderia ter sido; se tivesse sido interrompido, haveria a possibilidade de o dano não se verificar, mas sem se poder saber agora se realmente isto teria acontecido. Diversamente do que acontece nos casos que cabem na perda de chance clássica, agora as chances não dizem respeito a algo que poderia vir a acontecer no futuro, antes são relativas a algo que podia ter sido feito no passado, para evitar o dano verificado. Agora sabe-se que ocorreu um dano e que este é resultante do processo que estava em curso; o que se pergunta é se o dano poderia ter sido evitado, caso tivessem sido adotadas certas providências que interromperiam o processo.

Nestes casos, portanto, há uma inversão da ótica pela qual é verificado o curso normal dos eventos, de modo que as chances, retiradas da vítima nos casos clássicos, agora simplesmente deixam de lhe ser concedidas por quem detinha esse poder/dever.

Conforme ilustra o referido autor, tal situação pôde ser verificada no caso de um furto a determinado estabelecimento comercial, em que o sistema de alarme deixou de funcionar. Apesar de não ter sido possível afirmar que o correto acionamento do mecanismo evitaria a ação, ficou certo que as chances disso ocorrer não foram concedidas ao respectivo proprietário. Sendo assim, a Corte de Cassação francesa condenou a empresa responsável pelo sistema de alarme, pela perda da chance de não ser furtado o referido estabelecimento (NORONHA, 2010, p. 707).

Exemplos ainda mais tradicionais sobre esta matéria são aqueles oriundos do cotidiano médico, os quais, inclusive, foram responsáveis pelo falso entendimento de que ela apenas se aplicava nesses casos – o que não é verdade, como visto no episódio narrado acima.

Demonstrando uma dessas ocorrências, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 81-82) apresentou a seguinte situação:

Em 14 de dezembro de 1965, a Corte de Cassação francesa decidiu um caso no qual um menino de 8 anos havia sofrido um acidente e machucado o braço. O menino foi atendido por um médico que constatou uma fratura no braço machucado e passou a tomar as medidas coerentes para curar a fratura. Todavia, certo tempo depois, devido a constantes dores do menino foi constatado por outros médicos que o menino apresentava problemas no cotovelo, tendo ficado com certas deficiências permanentes nos movimentos do braço. Os peritos concluíram que o primeiro médico havia efetuado um diagnóstico equivocado, originando as seqüelas que afligem o menino. Entretanto, a Corte de Cassação entendeu que a falha do médico não apresentava uma relação de causalidade absoluta com o dano final (seqüelas), afirmando que o erro no diagnóstico apenas havia subtraído algumas chances de cura.

Conforme se extrai desse pioneiro julgado, a teoria da perda da chance somente foi aplicada, diante da total impossibilidade de correlacionar, inequivocamente, a conduta médica com o dano final. Assim, restou ao julgador reconhecer apenas a perda das chances de cura.

A ressalva que já foi feita, mas que novamente merece ser dita, consiste nesse fato de que esta responsabilidade apenas será aplicada na hipótese em que, exclusivamente, chances foram perdidas. Havendo quaisquer possibilidades de aplicação dos conceitos tradicionais de causalidade142 para se alcançar a reparação do dano final (artigo 335 do CPC), será este o caminho a se trilhar. Consoante ensinamento de Fernando Noronha (2010, p. 706):

[...] se for possível afirmar que seguramente o dano não aconteceria se o processo danoso tivesse sido interrompido, como deveria ter sido, estaremos perante uma situação em que há absoluta certeza de que foi o fato antijurídico de não interrupção que causou o dano. Portanto, nesta hipótese a indenização será inevitável.

Percebe-se, então, que o principal diferencial contido nesta vertente da teoria, em relação aos casos clássicos, é que, aqui, já houve o transcurso de todos os eventos que culminaram no dano final, permitindo ao aplicador do direito a ponderação sobre as possíveis causas de tal ocorrência. Já naqueles, aparentemente, falta um objeto concreto para que esse exercício seja realizado. Lá o que se tem (também aparentemente) são chances perdidas e dano incerto, de modo que eventuais causas diversas que incidiriam sobre este não podem ser avaliadas143.

Corroborando esse quadro comparativo, Jean Penneau, citado por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 84-85), afirma que:

Na perspectiva clássica da perda de chances, um ato ilícito (une faute) está em relação de causalidade certa com a interrupção de um processo do qual nunca se saberá se teria sido gerador de elementos positivos ou negativos: em razão deste ato ilícito um estudante não pôde apresentar-se ao exame, um cavalo não pôde participar de uma corrida. Assim, devem-se apreciar as chances que tinha o estudante de passar no exame ou o cavalo de ganhar a corrida. Portanto, aqui, é bem a apreciação do prejuízo que está diretamente em causa. A perda de chances de cura ou de sobrevida coloca-se em uma perspectiva bem diferente: aqui, o paciente está morto ou inválido; o processo foi até o seu último estágio e conhece-se o prejuízo final. A única incógnita é, na realidade, a relação de causalidade entre esse prejuízo e o ato ilícito do médico: não se sabe com certeza qual é a causa do prejuízo: este ato ilícito ou a evolução (ou a complicação) natural da doença.

Essa distinção, no entanto, está longe de solucionar a problemática que recai sobre esta modalidade de perda da chance. Conforme será visto nos subsequentes estudos da matéria, há quem diga que este tipo de situação sequer pode ser inserida no contexto de chances perdidas, entendendo que o tratamento como tal somente se destina a auxiliar o julgador indeciso (SILVA, 2007, p. 214-228).

Essas e outras controvérsias serão devidamente apreciadas no momento oportuno, sendo suficientes, por ora, esses sintéticos esclarecimentos.

Por fim, importante repisar, ainda, que, assim como nos casos clássicos da teoria, nestes também há divergência entre os autores sobre o caráter futuro ou presente dos danos dessa natureza. Fernando Noronha (2010, p. 699-701), por exemplo, é contundente em tratá-los sempre como danos presentes (atual ou pretérito), enquanto Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 109) afirma que não há qualquer relação definida nesse sentido, de modo que eles poderão receber ambas as classificações, a depender das circunstâncias em que se apresentarem.

4.2.3 Perda da chance pelo descumprimento do dever de informação

Semelhante ao que ocorre nos casos de perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido, esta modalidade também é marcada pelo integral transcurso natural dos eventos, sem que fosse realizada possível interrupção. Entretanto, a sua ocorrência é restrita aos casos em que alguém experimenta danos por não ter sido alertado sobre as necessárias informações envolvendo determinada decisão. Ou seja, a própria vítima é quem pratica a conduta prejudicial, mas é outro agente quem permitiu a sua condição desfavorável – enquanto deveria tê-lo resguardado (NORONHA, p. 715-718).

Auxiliando no entendimento dessa situação, tem-se o exemplo do paciente que, na iminência de uma cirurgia reparatória de surdez, não foi informado dos riscos de uma paralisia facial, a qual posteriormente se efetivou. Considerando que havia tratamentos alternativos para o mesmo problema, o médico foi condenado à perda da chance de evitar esse dano, uma vez que era direito da vítima ter ciência dos possíveis danos e, aí sim, optar conscientemente por fazer ou não a cirurgia (NORONHA, p. 716-717).

Como se percebe, o fator preponderante para que a responsabilidade se configure é a perda da oportunidade de decisão diversa trazer melhor sorte ao ofendido, frente aos esclarecimentos a que fazia jus.

Confirmando esse critério, podem ser imaginadas situações análogas, mas nas quais, diante da inexistência de faculdade a ser oportunizada às supostas vítimas, não são devidas compensações dessa natureza. Ilustrando tal cenário, Fernando Noronha (2010, p. 716-717) menciona o caso em que outro paciente, acometido de uma hérnia inguinal, também deixa de ser informado dos riscos cirúrgicos. Transcorrido certo tempo após a cirurgia este experimentou necrose em seus testículos. O médico, no entanto, não foi responsabilizado pela perda da chance de evitar o dano, uma vez que o procedimento era essencial e único a ser adotado no momento144.

Observa-se, então, que não havendo chances de decisão diversa (ou resultado diverso), não há que se falar em perda delas. Nas palavras de Fernando Noronha (2010, p. 715), “[...] se o ato que acabou se revelando danoso fosse absolutamente inevitável, seria inútil a prestação de informações e, portanto, nunca poderia haver responsabilidade [...]”.

Lado outro, deve ser destacado nesta modalidade que, conforme ocorre nas demais vertentes da teoria, a falta da informação necessária ao ofendido não pode ter sido causa exclusiva da ofensa, sob pena de atribuir ao negligente a responsabilidade pela integralidade do dano final. Se a informação devida certamente desestimularia a vítima à prática pretendida, tem-se que ela é causa direta e imediata do dano. Somente se fala em perda da chance pelo descumprimento do dever de informar nas hipóteses em que a informação coloque a vítima em posição duvidosa no seu agir ou não agir (que lhe dê chances de outra escolha, mas não determine esta).

Por fim, cumpre registrar que a incidência desta hipótese de perda da chance não está limitada exclusivamente aos episódios médicos. Segundo Fernando Noronha (2010, p. 715), “Os deveres de informar surgem nas mais diversas situações, em especial no âmbito de relações resultantes de negócios jurídicos, mas também fora delas, estando a eles subjacente o dever de agir em conformidade com as regras ditadas pela boa-fé [...]”145.

Sequenciando seus dizeres, o mesmo autor apresenta a seguinte síntese sobre o assunto:

Quando a violação de um destes deveres levar outra pessoa a tomar uma decisão que depois verifica não ter sido a melhor, ou quando simplesmente não for dada a esta pessoa a possibilidade de se manifestar, se depois vierem a acontecer danos que poderiam ter sido evitados, teremos uma situação similar à analisada na seção anterior: também nestes casos terá sido frustrada a chance de evitar um dano que efetivamente veio a ocorrer (NORONHA, p. 715-716).

Conclui-se, então, que a responsabilidade pelo descumprimento do dever de informar, em regra, é mera casuística do dano pela perda da chance de evitar um prejuízo ocorrido, uma vez que segue os mesmos preceitos. Assim, nada obsta que o seu tratamento seja realizado como uma subespécie daquele instituto. No entanto, considerando o interesse doutrinário nessa forma de abordagem, mostra-se pertinente o seu estudo com maior destaque.

4.3 Responsabilidade civil pela perda de uma chance e o dano pela criação de riscos

Um assunto que possui extrema relevância no estudo da matéria proposta são os danos pela criação de riscos, os quais, segundo alguns juristas, consistem até mesmo em uma das subespécies do gênero perda da chance, considerando a presença de vários fatores aleatórios incidindo sobre uma mesma situação146.

Versando sobre esse instituto, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 113), assevera que:

Nos casos de simples aumento de riscos, a vítima também se encontra em um processo aleatório que visa alcançar uma vantagem ou evitar um dano. Entretanto, a vítima ainda não sofreu o prejuízo derradeiro, tampouco perdeu a vantagem esperada de forma definitiva, mas, devido à conduta do réu, aumentaram os riscos de ocorrência de uma situação negativa. É impossível saber se em momento futuro a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima será efetivamente observada.

Como se vê, a essência dessa modalidade são os riscos criados para o futuro, de modo que efetivos danos ainda não se evidenciaram por ocasião da análise judicial – e talvez nunca o façam. Ou seja, ao contrário das modalidades já observadas, não é somente a relação de causalidade que é colocada sob os olhares do julgador, mas também a possível existência de um dano. Enquanto na perda da chance propriamente dita houve inequívoca interrupção do curso normal dos eventos ou não foi este sequer deflagrado por quem poderia e deveria o fazer147, na teoria do risco criado a situação se inverte: um novo ciclo aleatório é iniciado pelo ofensor, restando à vítima esperar e temer pela ocorrência de eventual dano.

Nesse contexto, são duas as maneiras em que tais riscos podem ser verificados.

Primeiramente, e de aplicação menos complexa, tem-se o caso em que eventual dano futuro somente poderá ser causa de uma conhecida conduta passada148. Assim, surgindo a ofensa temida, não há dúvidas de que a sua integral responsabilidade recairá sobre o respectivo causador. Exemplo disso é encontrado na situação em que uma residência, diante de condutas antijurídicas, torna-se ameaçada pelo desmoronamento de uma falésia que lhe confronta. Neste caso não é possível afirmar que um dano maior irá se configurar posteriormente, mas a criação de riscos é incontestável. Dessa forma, eventual consumação do prejuízo final somente poderá ser imputada a quem desencadeou a situação (SILVA, 2007, p. 111-132).

A segunda modalidade, por sua vez, tem como principal característica a possibilidade de causas estranhas à conduta antijurídica resultarem em potencial dano no futuro149. Assim como ocorre nos casos de perda da chance, aqui também há um grande obstáculo a ser transposto na identificação de um nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta sob suspeita. Segundo ensina Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 123), “Nesta categoria, mesmo que a perda definitiva da vantagem esperada venha a ser verificada no futuro, não se saberá ao certo quem foi o seu real causador [...]”.

Sequenciando a sua exposição, o autor ilustra que:

Em algumas raras situações, a jurisprudência confere reparação na criação de um simples risco, sem que o dano ainda se tenha produzido, como ocorreu na decisão do Tribunal de Paris, que condenou o autor de um livro por ter tornado público o fato de que diversas obras de arte de grande valor se encontravam no interior da residência de um cidadão abastado economicamente. Tal publicação, que não havia sido autorizada pelo proprietário das obras de arte, além de violar a intimidade da vítima, fez surgir o risco para a segurança das obras de arte, tendo em vista que anteriormente existia segredo sobre o seu paradeiro, apresentando menor risco de serem furtadas (SILVA, 2007, p. 117).

Frente a esse exemplo da segunda forma de aplicação da teoria, surgem alguns pontos que podem levar ao raciocínio de que esta se trata de uma simples derivação dos conceitos específicos da perda da chance de cura (ou “médica”). É possível se imaginar que o proprietário das obras em questão teve subtraídas as chances de não serem elas roubadas posteriormente, diante do risco a que foram submetidas. E é justamente sob esse argumento que autores como Fournier Gale III e James Goyer III defendem essa equiparação (SILVA, 2007, p. 127-128).

Ressaltando para essa problemática, Peteffi (2007, p. 112) pondera que:

[...] utilizando o sentido vulgar dos termos, seria possível afirmar que toda a responsabilidade pela perda de uma chance trabalha com a idéia de criação de riscos. Quando um médico, culposamente, deixa de diagnosticar um câncer em seu estágio inicial, o paciente perde uma chance de auferir a cura da doença, já que o risco de morte aumenta consideravelmente150.

Verifica-se, então, que, gramaticalmente, nada impede a equiparação dos dois conceitos em estudo – pelo menos não nesta última modalidade do risco criado. Ocorre, entretanto, que essa proximidade semântica não pode ser tida como absoluta, uma vez que há um ponto determinante em diferenciar os dois seguimentos em apreço: o dano (SILVA, 2007, p. 111-133).

Conforme pode se extrair das situações expostas acima, a criação de riscos não implica em perda definitiva da vantagem pela vítima (ou da oportunidade de evitar eventual prejuízo), enquanto para a admissão da perda da chance esse requisito deve ser devidamente cumprido. Baseado nessa idéia, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 112) afirma que a grande divergência existente entre essas duas vertentes é que o risco criado carece de um dano efetivo – não há chances perdidas, mas apenas riscos implementados151.

Valendo-se do caso das obras de arte, tem-se que o dano instaurado foi pelo simples risco de um posterior furto, uma vez que chances disso ser evitado não foram efetivamente perdidas. O proprietário, por exemplo, poderia demandar junto ao autor do mencionado livro, pleiteando a instalação de um forte sistema de segurança para evitar o prejuízo futuro, ou mesmo realocar tais bens, à custa do ofensor.

Entendimentos semelhantes a esses foram adotados em dois julgados proferidos pela Corte de Cassação francesa, em que as indenizações pleiteadas foram negadas, diante da inexistência da apontada perda. Em resposta ao pedido de um jovem que ficou impedido de prestar o vestibular e de uma empresa que fora mal atendida pelos serviços contratados, foi registrado que:

[...] na presente espécie, a reparação não diz respeito à perda de uma chance de ter a sua linha de montagem concluída, pois a indústria poderá continuar tentando realizar a sua linha de montagem com o auxílio de outras empresas de informática, do mesmo modo que o aluno poderá prestar novos exames de vestibular (SILVA, 2007, p. 113).

Percebe-se, então, que, havendo possibilidade de evitar o dano temido, não há que se falar em perda da chance.

Corroborando essa afirmativa, ainda que indiretamente, Philippe le Tourneau afirma que há uma espécie de dano reprovável que frequentemente tem recebido tratamento de perda de uma chance, mas que, no entanto, “[...] deve ser considerada como um caso de simples criação de riscos, visto que a perda definitiva da vantagem esperada não foi verificada” (SILVA, 2007, p. 117).

Enfim, diante desses contundentes argumentos pela separação dos institutos, conclui-se que a simples semelhança literal entre as chances em questão não se mostra eficaz na equiparação das minúcias de cada teoria. Ela apenas é capaz de traçar um comparativo genérico entre os conceitos semânticos, carecendo de fundamentos jurídicos e técnicos para suportar tal igualdade.

Finalizando o assunto, mostra-se pertinente ressaltar que esse tipo de dano pela criação de riscos pode evoluir para a perda de uma chance propriamente dita, desde que posteriormente se cumpra o requisito da perda efetiva de chances. Consoante ensinamento de Joseph King Jr., “[...] quando a conduta do réu criar um risco futuro, a aplicação da teoria da perda de uma chance deve ser suspensa até que os efeitos danosos deste risco se materializem, isto é, até que a vantagem esperada seja definitivamente perdida” (SILVA, 2007, p. 128).

No mesmo sentido, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 130) conclui que “Nas hipóteses de perda de uma chance, na maioria dos casos, a espera pela perda definitiva da vantagem esperada, consoante a proposta de Joseph King Jr., será a solução mais adequada”.

Ou seja, percebendo-se que, posteriormente, em reflexo direto da conduta antijurídica anterior foram definitivamente retiradas da vítima chances de não sofrer o dano ou de perceber uma vantagem, pode se cogitar de dano pela perda da chance. Agora, sim, não há mais possibilidade de reverter a situação – a perda é definitiva.

No exemplo das obras de arte, se forem elas furtadas e houver comprovação de que a informação do ofensor, além de implementar um risco, efetivamente retirou chances disso não ter acontecido, será ele obrigado a reparar a perda que originou (pelo menos, em tese).

Saliente-se, todavia, que, no caso concreto, a conduta da vítima também será objeto de exame. Se ela for eivada de culpa ou dolo, diante dos riscos criados, a competente indenização poderá ser reduzida ou, até mesmo, indevida152, conforme ocorre em qualquer modalidade de responsabilidade civil153.

Recapitulando, então, a escassa doutrina que trabalha com o dano pela criação de riscos entende se tratar este de instituto diverso à perda da chance, sobretudo nos citados casos em que a conduta antijurídica é conditio sine qua non do eventual dano futuro. Contudo, em que pese essa concepção dualista154, a segunda modalidade de configuração da teoria admite que ela pode evoluir para um caso de perda de chances, desde que, posteriormente, preencha o necessário requisito: a perda efetiva da chance (SILVA, 2007. p. 111-133) .

Conclui-se, assim, que as duas teorias em estudo não se confundem, mas, por se tocarem em alguns pontos, mostra-se necessário uma análise comparativa entre elas155.

4.4 Análise da perda da chance sob a ótica das relações de causalidade

Conforme pôde ser observado nos estudos anteriores, a responsabilidade civil pela perda de uma chance tem como principal característica o extremo envolvimento de fatores aleatórios na sua aplicação, fazendo com que alguns juristas fiquem receosos em admiti-la156. Considerando esse cenário, tanto a doutrina quanto a jurisprudência empenham-se na apresentação de hipóteses mais atrativas de abordagem do tema, buscando, assim, extrair desse reservado grupo alguns adeptos da modalidade.

Tendo em vista que a indenização de abstratas chances é um grande óbice para a aceitação da espécie, alguns autores têm entendido que a solução do problema não se encontra no reconhecimento desta nova modalidade de dano157, mas sim na utilização de técnicas mais inovadoras de tratamento do nexo de causalidade158. Portanto, segundo essa vertente, a indenização continua se direcionando ao dano final experimentado pela vítima, não havendo que se falar em lesões às chances de forma autônoma159. Nos termos dos ensinamentos de Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 50):

Toda a argumentação dos autores que não consideram as chances perdidas como nova modalidade de dano, autônomo e independente, tem como cerne a indissociabilidade deste como dano final (vantagem esperada pela vítima), ou seja, as chances perdidas não subsistem de forma separada do prejuízo representado pela perda definitiva da vantagem esperada.

Por exemplo, se a perda da chance for de ganhar uma ação judicial, será imputada ao ofensor a perda da ação judicial propriamente dita, e não da chance que o litigante detinha; tratando-se de um caso médico, o dano será a morte, e não a perda da chance de cura do paciente. Mesmo que, em alguns casos, se admita a minoração do quantum indenizatório (frente à incerteza da responsabilidade pelo integral dano), os objetos em apreço continuarão sendo os danos finais – o prejuízo não evitado ou a perda da vantagem esperada.

Esses autores, portanto, “[...] ao invés de considerar as chances perdidas como um dano autônomo [...]”, as utilizam “[...] como um meio de quantificar o liame causal entre a ação do agente e o dano final (perda da vantagem esperada)” (SILVA, 2007, p. 49). Trata-se, então, de uma simples dinâmica alternativa para se alcançar as causalidades incidentes sobre determinado evento.

Enfim, muito embora as teses que apontam para essa solução divirjam entre si e nem sempre envolvam todas as subespécies da perda da chance, o fundamento basilar, em regra, será esse.

Dentre as teorias que se destacam nesse contexto, estão aquelas que admitem a indenização do dano final mesmo diante de uma causalidade alternativa. Ou seja, que, como visto anteriormente (3.2), permitem a incidência de responsabilidade sem que seja necessária a comprovação da conditio sine qua non na conduta humana.

Baseados nessa premissa, autores como Jacques Boré e John Makdisi entendem que todas as situações de perda da chance estão condicionadas à noção de causalidade parcial, de modo que, não sendo possível alcançar o competente nexo entre o integral dano final e a sua efetiva causa, todas aquelas conduta que, de certa forma, interferiram no curso normal dos eventos seriam responsabilizadas, na medida da probabilidade de suas participações (SILVA, 2007, p. 50).

Tomando-se, novamente, como exemplo o caso de um erro médico, tem-se que a responsabilidade do profissional somente consistirá no percentual de eficácia estimado para o uso da terapêutica que ele deixou de ministrar160. Ou seja, se dois terços (2/3) dos pacientes que recebem determinada terapêutica se recuperam totalmente e um terço (1/3) deles permanecem moribundos, o médico que deixou de ministrá-la responderá apenas pela fração representativa de melhora, uma vez que a parte restante será atribuída ao progresso da enfermidade161.

Supondo-se, então, que a indenização pela ofensa final seria fixada no montante de R$90.000,00 (noventa mil reais) em favor da vítima, o médico apenas será condenado ao pagamento de R$60.000,00 (sessenta mil reais), tendo em vista que os R$30.000,00 (trinta mil reais) remanescentes não podem ser exigidos do acaso.

Para os mencionados autores essa dinâmica pode ser aplicada tanto nos casos “médicos” como nos clássicos. Assim, no exemplo da perda da chance de sucesso na ação judicial, pela apresentação intempestiva do recurso, a responsabilidade também seria calculada com observância à vantagem final propriamente dita. Se a chance de insucesso natural da respectiva ação pudesse ser calculada em 50% (cinquenta por cento) – em razão da jurisprudência dividida, por exemplo – o advogado negligente teria causado os outros 50% (cinquenta por cento) do dano final.

Em defesa desse posicionamento, John Makdisi faz a seguinte comparação com uma hipótese de dano coletivo:

Suponha-se que um médico, no intervalo temporal de um ano, cometa cem vezes a mesma falha médica. As estatísticas provam que, de acordo com um comportamento exemplar do médico, apenas seis pacientes sofreriam um dano. Se o comportamento fosse culposo, dez pacientes sofreriam danos na importância de R$1.000,00. Ora as estatísticas provam que as falhas médicas foram responsáveis pelos danos ocorridos em quatro pacientes (10 – 6 = 4). Como não se podem diferençar as vítimas prejudicadas pela falha médica daquelas prejudicadas por causas naturais, cada uma receberá a importância de R$400,00. Entretanto, se o médico comete a mesma falha médica apenas uma vez, ao invés de cem vezes, a mesma probabilidade de quarenta por cento (40%) de a falha ter causado o dano permanece (SILVA, 2007, p. 62).

Utilizando desse raciocínio, portanto, o autor não vislumbra diferenças no fato de ser o dano coletivo ou individual. Ele acredita que a certeza do nexo de causalidade é a mesma nos dois casos, devendo imperar a responsabilidade do ofensor, na medida do percentual apurado – seja contemplando várias vítimas ou uma isolada.

Outros dois fundamentos manejados por John Makdisi, nesse sentido, são o caráter pedagógico da responsabilidade civil pela perda da chance e a eficiência econômica de um padrão proporcional de causalidade nesses casos (3.2.1). O autor menciona que a negativa na reparação da chance, assentada no padrão tudo ou nada, representaria um incentivo à prática de condutas ineficientes economicamente, assim como tornaria desnecessário o respeito a determinadas normas, quando percebido que a chance retirada da vítima não possui uma relação determinante com o dano final (SILVA, 2007, p. 59-61).

Acrescendo outra razão para a admissibilidade dessa aplicação da teoria, Jacques Boré entende que os episódios de perda de uma chance também se encaixam na causalidade parcial, pela possibilidade de ser a extensão do dano alcançada com o uso das confiáveis estatísticas (SILVA, 2007, p. 59). A evolução científica, portanto, seria capaz de identificar no dano final a exata contribuição de quem retirou as chances da vítima, de modo que seria tal agente responsável justamente pela parte que o afetasse.

Observa-se, então, que, segundo esses autores, todas as vantagens trazidas por essa concepção de causalidade seriam perfeitamente conciliáveis com as particularidades da perda da chance. Assim, principalmente o uso do padrão tudo ou nada, tido como responsável por grandes injustiças, seria afastado do instituto.

Posicionando-se ao lado de tais juristas, mas com maiores reservas, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 227-228) também entende ser possível falar-se em causalidade parcial. Todavia, restringe tal fundamento aos casos conhecidos pela já ocorrência do dano final (“casos médicos”). Nos demais, ele entende ser necessário a admissão das chances como um patrimônio anterior da vítima, sendo, pois, dotado de caráter autônomo o dano por sua perda162.

O autor ainda destaca que esse tratamento do tema apenas deve ocorrer de forma subsidiária. Em primeiro momento, o julgador deverá se valer de todos os elementos que possuir para alcançar o dano final sob as perspectivas tradicionais do nexo causal. Exaurida essa via – certamente pela inexistência de conditio sine qua non na conduta em exame – é que será facultado ao magistrado o uso da modalidade em questão (SILVA, 2007, p. 228).

Percebe-se, então, que entre admitir parâmetros de indenização alternativos e conformar com a prática do padrão tudo ou nada, todos os esforços serão feitos para evitar o uso deste, mesmo que isso implique em inovação de conceitos e institutos bem consolidados no direito pátrio.

Advogando em favor desta concepção, em face do conceito de perda da chance como um dano autônomo, algumas críticas são lançadas a este segundo modelo.

A principal delas é tecida por John Makdisi, que questiona a autonomia do dano pela perda da chance, frente à necessidade da configuração de um dano final para que ela se torne indenizável. Ou seja, “Qual seria o dano sofrido pela vítima se o advogado, de forma negligente, esquecesse de comparecer ao julgamento marcado, mas, ainda assim, o seu cliente lograsse a procedência no recurso?”. O mesmo raciocínio também se aplica ao caso do médico que ministrou a terapêutica inadequada, mas, não obstante isso, o doente se recuperou perfeitamente (SILVA, 2007, p. 49-52).

Nesses casos, manifestando-se pelo dever de indenizar, certamente haverá enriquecimento indevido da vítima, que nada sofreu em virtude do suposto dano163. Em contrapartida, optando pela não indenização, aparentemente as chances perderiam o caráter autônomo defendido pela categoria.

Diante dessa situação, Jacques Boré sustenta que:

A necessidade de se esperar pela realização do dano final faz com que o prejuízo caracterizado pelas chances perdidas “não seja considerado como revestido de um caráter danoso próprio, mas somente como uma causa, tendo concorrido para a produção de um dano final, que é reparado somente em parte” (SILVA, 2007, p. 52).

O mesmo autor ainda assevera, na sequência, que a fixação de indenização pela perda da chance autônoma nada mais é do que reconhecer o nexo de causalidade parcial, entre a conduta em exame e o dano final. Segundo Boré, “[...] quando o juiz estima o valor da chance perdida, ‘ele aprecia estatisticamente a correlação existente entre o fato gerador da responsabilidade e o dano” (SILVA, 2007, p. 58, grifos do autor).

Filiando-se à impossibilidade do reconhecimento das chances como um bem jurídico autônomo, mas com referência aos casos “médicos”, Jean Penneau afirma que seria “[...] arbitrário querer isolar (...) um denominado prejuízo intermediário – a chance perdida – pois que o processo foi até o seu termo e o que se trata de regular, na verdade, é o prejuízo final” (NORONHA, 2010, p. 709).

Destaque-se, por oportuno, que, como se percebe, há uma nítida bipartição na forma de tratamento entre os casos em que o curso normal dos eventos atingiu o seu estado final (“médicos”) e aqueles em que, aparentemente, ele fora interrompido antes disso (clássicos). Muito embora alguns autores equiparem as duas situações, a maioria deles tece a sua crítica à autonomia das chances – e, consequentemente, adotam a causalidade parcial – especificamente nos casos em que sua a perda remete a um dano efetivamente ocorrido.

Finalizando o estudo das chances sob a perspectiva de causalidade parcial, imperioso mencionar o posicionamento adotado por parte dos juristas norte-americanos, dentre os quais se destaca Lori Ellis. Segundo a sua convicção, a responsabilidade pela perda de uma chance somente deverá incidir nos casos em que a probabilidade da conduta do suposto ofensor ter maculado o bem jurídico em apreço sejam menores do que 50% (cinquenta por cento). Excedendo esse montante, esta será presumida causa exclusiva do dano final (SILVA, 2007, p. 63-66)164.

Nota-se, então, que há o reconhecimento da causalidade parcial. Entretanto, ela somente ocorrerá nos casos em que um percentual máximo não seja transposto (cinquenta por cento). Isso ocorrendo, serão aplicadas as regras de presunções – presentes na teoria estudada na sequência.

Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 63) trata dessa vertente como sendo “causalidade parcial mitigada”, muito embora a referida autora não concorde com essa classificação165.

São esses, em síntese, os principais fundamentos suscitados pelos adeptos da causalidade parcial, para se regulamentar as espécies de dano pela perda de uma chance.

Também comungando parcialmente dessas diretrizes, mas com soluções diversas para a problemática, há quem defenda a aplicação da causalidade presumida para se chegar à reparação pela perda de uma chance.

Conforme exposto anteriormente (3.2.2), nessa hipótese a indenização também será direcionada ao dano final, mas isso será feito por meio de presunções, a partir da conduta que retirou as chances de outrem perceber uma vantagem ou evitar um prejuízo (futuro ou presente).

Abordado por autores como William Prosser e W. Page Keeton, o fator substancial é tido, nesse contexto, como o principal mecanismo para comportar os casos de perda da chance (SILVA, 2007, p. 68). Exemplo dessa aplicação ocorreu no leading case Hicks v. United States, citado por Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 68) nos seguintes termos:

[...] uma paciente que sofria de graves dores abdominais foi medicada pelo médico de plantão e liberada para voltar para casa, devendo retornar somente oito horas mais tarde, pois o diagnóstico era de gastroenteritis. Algumas horas depois a paciente veio a falecer devido a uma obstrução intestinal. O testemunho dos peritos deixou claro que o diagnóstico equivocado do médico fora um fator substancial para a morte da paciente. O dano final (morte) foi indenizado, mesmo sem a prova inequívoca da conditio sine qua non, isto é, a vítima poderia ter falecido devido ao normal desenvolvimento da doença, mesmo que adequadamente tratada.

Como se percebe, o simples fato da conduta do médico representar causa mais provável da morte da paciente (fator substancial) já foi suficiente para impor a ele a integral responsabilidade, muito embora apenas chances de vida tenham sido perdidas. Tratando-se de situação inversa, em que não ficasse comprovado o fator substancial (por meio da fórmula more likely than not), haveria total improcedência do pleito indenizatório, mesmo estando presente a perda de algumas chances.

Observa-se, então, que o padrão tudo ou nada é inerente a essa forma de tratamento do tema, o que, segundo Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 228) poderia gerar “graves injustiças”.

Nessa mesma vertente da teoria, mas limitando-se aos casos “médicos”166, Patrice Jourdain e Geneviève Viney traçam solução ainda mais radical para se reparar a perda da chance. Eles utilizam o parágrafo 323 do Restatement (second) of Torts para formular as presunções do julgador, de modo que não se faz necessário sequer a presença do fator substancial (SILVA, 2007, p. 70).

Remetendo novamente ao caso médico, tem-se que o simples equívoco responsável pela retirada de 10% (dez por cento) das chances de cura do paciente, por exemplo, já poderia ocasionar o dever de indenizá-lo integralmente – desde que isso tenha aumentado o risco do resultado danoso167. Persiste, assim, o padrão tudo ou nada.

Pode ser deduzido, então, que essas presunções com as quais trabalham a tese incidem até mesmo sobre a conditio sine qua non: antes de se presumir que o dano final mantém relação causal com a conduta que retirou as chances, é necessário se presumir que esta é condição sem a qual aquele não teria ocorrido.

Em defesa desses critérios, os citados Patrice Jourdain e Geneviève Viney argumentam que essas presunções são devidas para que a vítima não reste sem reparação, diante de “[...] uma situação de dano iminente ou objetivamente perigosa pelo ato ilícito do ofensor”. Para eles, a tese “[...] está absolutamente de acordo com uma tendência sistemática muito clara” (SILVA, 2007, p. 70-71).

Vê-se, portanto, que a perda da chance para essa teoria também é uma mera circunstância para se alcançar o dano final. O instituto continua sendo tratado como responsabilidade civil pela perda de uma chance, mas a indenização propriamente dita não é pela perda desta, mas, sim, pelo prejuízo não evitado ou perda da vantagem esperada.

Por fim, mostra-se pertinente mencionar sobre a postura de Fernando Noronha frente ao tema.

Este autor constrói seu posicionamento mesclando as teorias da causalidade parcial e causalidade presumida, assim como conferindo caráter autônomo ao dano em questão. Segundo os seus ensinamentos, o fato da teoria trabalhar com hipóteses de concorrência causal ou causalidade alternativa em nada impede sua aplicação. Conforme leciona:

Se a dúvida que fica subsistindo é apenas porque existe uma outra causa possível, terá de ficar a cargo do indigitado responsável o ônus da prova capaz de destruir a presunção de causação que milita contra ele: provado que o evento atribuído ao indigitado responsável foi uma condição do dano, fica presumido o nexo de causalidade adequada; se ele praticou um fato suscetível de causar o dano, sobre ele deve recair o ônus de provar que, apesar da condicionalidade, não houve adequação entre tal fato e o dano [...]. Resolvida a questão do nexo de causalidade, é preciso ver a questão do dano. E a solução desta terá que acompanhar a que vale para a perda da chance relativa a vantagens futuras (perda de chance clássica). Também aqui o dano só pode consistir na perda da própria chance que o lesado tinha, anteriormente ao fato antijurídico, perda esta que é um prejuízo distinto do benefício que era esperado. E também aqui o responsável vai ser obrigado a reparar uma fração do dano total, igual ao grau de probabilidade em que o seu fato contribuiu para o dano. Assim, se a falha médica subtraiu dois terços das chances de vida da vítima, a reparação deve guardar a mesma proporção em relação ao dano final verificado (NORONHA, 2010, p. 714).

Observa-se, desses dizeres, que o autor institui o critério de presunções relativas para alcançar o nexo de causalidade e, na sequência, ao mencionar que o ofensor será responsabilizado na medida da probabilidade da sua participação no dano final, aponta para aplicação da causalidade parcial168. Não obstante ambas as linhas de raciocínio conduzirem para a indenização do dano final, Noronha surpreende ao afirmar que o dano indenizável se dá pela perda da própria chance, o que a insere no contexto de dano autônomo.

Pela sua ideia, portanto, o dano pela perda da chance tanto pode advir de uma melhor análise do nexo causal, como também de uma ampliação do conceito de dano indenizável – na verdade, viria dos dois exercícios simultâneos. A tese confeccionada por Fernando Noronha está em um ponto intermediário entre a visão exposta neste tópico e a que será observada no subsequente.

4.5 A perda de uma chance no contexto de dano autônomo

Contrapondo os argumentos elencados pelos defensores da perda de uma chance no contexto das relações de causalidade, uma outra parcela, expressiva, dos juristas, nacionais e estrangeiros, defendem a sua apreciação sob a égide do elemento “dano”.

Sérgio Savi (2009, p. 2-3), por exemplo, assevera que:

Graças ao desenvolvimento do estudo das estatísticas e probabilidades, hoje é possível predeterminar, com uma aproximação mais que tolerável, o valor de um dano que inicialmente parecia entregue à própria sorte, a ponto de poder considerá-lo um valor nominal, dotado de certa autonomia em relação ao resultado definitivo. Diante desta evolução, hoje é possível visualizar um dano independente do resultado final. Se, por um lado, a indenização do dano consistente na vitória perdida (na causa judicial, por exemplo) é inadmissível, ante a incerteza que lhe é inerente, por outro lado, não há como negar a existência de uma possibilidade de vitória, antes da ocorrência do fato danoso. Em relação à exclusão da possibilidade de vitória, poderá, frise-se, dependendo do caso concreto, existir um dano jurídico certo e passível de indenização169.

Fernando Noronha (2010, p. 696), por sua vez, corrobora essas afirmações, dizendo que “[...] apesar de ser aleatória a possibilidade de obter o benefício em expectativa, nestes casos existe um dano real, que é constituído pela própria chance perdida, isto é, pela oportunidade, que se dissipou, de obter no futuro a vantagem ou de evitar o prejuízo [...]” (grifos do autor).

Na doutrina estrangeira, Joseph King Jr. também não destoa desta concepção. No seu entendimento, as chances perdidas pela vítima consistem em “[...] um dano autônomo e perfeitamente reparável, sendo despicienda qualquer utilização alternativa do nexo de causalidade”. Segundo leciona, a falha na identificação das chances perdidas decorre do fato de que os tribunais a “[...] interpretam apenas como uma possível causa para a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima” (SILVA, 2007, p. 75).

Nesse mesmo sentido, mas com referência apenas aos casos clássicos da teoria, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 75) também admite a noção de perda da chance como sinônima de dano autônomo170. Para o autor, a materialidade das chances estaria expressa, por exemplo, na compra de um bilhete de loteria – que nada mais é do que a sua exteriorização no mundo fático. Na sequência, ele ainda ensina que:

Em todos os casos típicos de responsabilidade pela perda de uma chance existe um prejuízo sofrido pela vítima bastante fácil de identificar: a perda da vantagem esperada pela vítima, também denominada de dano final. Esse dano final pode ser a perda do processo judicial, para o litigante; a perda da vida, para o paciente; ou a perda do concurso vestibular, para o estudante. Entretanto, a perda definitiva da vantagem esperada não pode ser indenizada, tendo em vista que a conduta do réu, nos casos de perda de uma chance, nunca se caracteriza como uma condição sine qua non. Desta forma, a indenização das chances subtraídas pela conduta do réu é o único caminho para que a vítima seja reparada de alguma forma. Como a doutrina tradicional não aceita a causalidade parcial, utilizando-se do conceito de “tudo ou nada”, as chances perdidas devem ser isoladas como um prejuízo independente171.

Ao confeccionar tais ponderações, o autor, além de demonstrar o instituto sob a ótica em questão, destaca com muita clareza o principal problema enfrentado pela temática no Direito pátrio – e, também, o principal motivo da adoção dessa concepção de dano autônomo. A análise da perda de uma chance pela perspectiva do dano final (causalidade parcial, por exemplo) não preenche o requisito elementar exigido pelas teorias tradicionais de causalidade: a conditio sine qua non172. Destarte, considerando que a jurisprudência e doutrina brasileira têm adotado os critérios da causalidade direta e imediata173, a noção defendida neste tópico tem ganhado cada vez mais força atualmente.

Para tornar mais clara essa problemática, mostra-se necessário mencionar a respeito das predisposições da vítima, por ocasião do ato danoso. São elas que tornam prejudicada a análise da conditio sine qua non nos eventos que desafiam esta teoria.

Entende-se por predisposições os fatores que, por ocasião da conduta antijurídica, também agiam em face do bem jurídico violado. Eles podem ser apenas predisposições, como também causas concorrentes, ao mesmo tempo. Conforme ensina Joseph King Jr., “geralmente, uma predisposição da vítima (preexinting conditions) pode ser definida como uma doença, condição, ou força que se tornou suficientemente associada com a vítima para ser considerada no valor do interesse destruído [...]” (SILVA, 2007, p. 76).

Exemplificando uma dessas situações em que atua determinada predisposição, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 76) faz referência ao caso Dillon v. Twin State Gas & Eletric Co., segundo o qual:

[...] um menino perdeu o equilíbrio enquanto atravessava uma ponte. Quando principiava a sua queda, o menino teve contato com cabos de alta tensão que se encontravam sobre a ponte, ocasionando um intenso choque que, além de causar-lhe a morte, o arremessou de volta para cima da ponte. Os representantes do menino falecido requereram indenização à companhia elétrica. A Suprema Corte de New Hampshire decidiu que, apesar de a descarga elétrica ter causado a morte do menino, o fato de a vítima ter perdido o equilíbrio e iniciado a queda da ponte deveria ser levado em consideração no momento da quantificação da responsabilidade do réu. Assim, a probabilidade de o menino restabelecer o seu equilíbrio ou mesmo de cair e sobreviver à queda seria decisiva para a quantificação final do dano devido pela companhia elétrica, já que o estado de perigo em que se encontrava o menino era um fato consumado e, portanto, uma predisposição.

Verifica-se desse episódio que não é possível estabelecer uma conditio sine qua non entre a negligência da companhia elétrica e a morte do menino. Uma vez retirada a interferência da eletricidade, não se pode afirmar que ele sobreviveria, tendo em vista que estava a cair de uma ponte, fato que, por si só, era suficiente a ensejar o mesmo desfecho – o que, inclusive, era o mais provável.

O alerta que deve ser feito, no entanto, é que essas predisposições devem incidir juntamente com a conduta antijurídica em questão. Nesse sentido, Willian Prosser e W. Page Keeton mencionam que “[...] haveria uma predisposição no caso de uma vítima, prestes a ser engolida por uma avalanche, alvejada pelo tiro do réu. Por outro lado, se um passageiro do Titanic fosse morto a tiros, logo no momento do embarque, não se teria uma predisposição” (SILVA, 2007, p. 77).

Percebe-se, então, que a responsabilidade do suposto ofensor pelo dano final é totalmente incerta diante de uma predisposição – seja ela apenas predisposição ou, concomitantemente, uma causa concorrente. Essa situação, portanto, faz com que ganhe força a teoria que admite a chance como um bem jurídico passível de violação, uma vez que a certeza entre a mesma conduta e a retirada de chances é facilmente encontrada. É impossível falar que o citado garoto não morreria sem a intervenção da eletricidade ou que a vítima da avalanche também não na ausência do tiro, mas em ambos os casos tem-se a certeza de que as chances de vida foram totalmente exterminadas174.

Corroborando esses argumentos, e diante das dificuldades impostas pelas predisposições da vítima, até mesmo o Superior Tribunal de Justiça se alinhou à vertente sustentada pelos adeptos da perda da chance como dano autônomo. Num julgado proferido em 04/12/2012, a Ministra Nancy Andrighi afirmou que “Não há necessidade de se apurar se o bem final (a vida, na hipótese deste processo) foi tolhido da vítima. O fato é que a chance de viver lhe foi subtraída, e isso basta”175 (STJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Data do julgamento: 04/12/2013, Número do Processo: 2011/0078939-4 e REsp nº. 1.254.141) (2013)176.

Reforçando essa forma de observação das chances – mesmo que, às vezes, sem propor explicitamente esta alternativa de solucionar os casos –, têm sido elencadas várias críticas às teorias alternativas sobre o nexo de causalidade – sobretudo, à causalidade parcial, que é a mais preponderante naquele cenário.

Fernando Noronha (2010, p. 710), por exemplo, cita a contrariedade de Yvonne Lambert-Faivre com esse sistema de reparação mitigada (causalidade parcial). Conforme menciona, os casos médicos vistos sob esta perspectiva constituiriam “[...] um curioso julgamento de Salomão que traduz as incertezas do juiz sobre a causalidade: ele presume esta, mas diminui o dano”177. Em conclusão, a autora afirma que a indenização do dano final (não das chances) somente poderia seguir a regra do tudo ou nada: ou há causalidade comprovada e o agente repara todo o dano, ou não há e ele nada repara.

No mesmo rumo, René Savatier afirma que:

[...] a utilização da perda de uma chance no terreno médico hospitalar é o paraíso do juiz indeciso, devendo ser totalmente rechaçada, pois representa um desvirtuamento da utilização dos princípios da causalidade civil e um risco para a certeza de todo o sistema. Assim, sempre que o juiz não encontrar certeza para condenar o médico ou o hospital por todo o dano ocorrido, ou seja, a morte ou invalidez do paciente, deverá improceder totalmente a demanda indenizatória (SILVA, 2007, p. 87)178.

Também criticando a figura do “juiz indeciso”, Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 83), apesar de dizer que não se aplicaria à perda de uma chance (sem maiores fundamentos), afirma que uma causalidade parcial “[...] não mais se traduziria na improcedência da demanda, mas em uma condenação parcial medida pelo grau de incerteza que cerca o livre convencimento do juiz”.

Extrai-se, desses argumentos, que a teoria da causalidade parcial enseja, inclusive, fundamentos para que a perda da chance sequer seja reparada, fato este que dá ainda mais sustentação à adoção da perda da chance como um dano autônomo – diverso da ofensa final.

Pertinente mencionar, ainda, neste contexto, que (como já foi visto nos tópicos anteriores) há uma nítida ruptura no tratamento dos casos clássicos e “médicos”. Desses posicionamentos citados contra a causalidade parcial, fica claro que as críticas maiores são feitas aos casos em que a chance perdida foi de evitar um dano ocorrido (“perda da chance de cura”). Isso decorre do fato (também já visto) de que grande parte dos autores já tem admitido a aplicação de dano autônomo aos casos clássicos, mas continua defendendo que os casos “médicos” dependem da adoção de conceitos alternativos do nexo de causalidade179.

Diante dessa situação – e apontando para o equívoco em alterar os conceitos tradicionais do nexo de causalidade –, os defensores da autonomia das chances asseveram que sequer há divergências entre as duas hipóteses. O mencionado julgado do Superior Tribunal de Justiça, através do voto da Ministra Nancy Andrighi, dispõe que:

A solução para esse impasse, contudo, está em notar que a responsabilidade civil pela perda da chance não atua, nem mesmo na seara médica, no campo da mitigação do nexo causal . A perda da chance, em verdade, consubstancia uma modalidade autônoma de indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a responsabilidade direta do agente pelo dano final. Nessas situações, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou a paciente. Com isso, resolve-se, de maneira eficiente, toda a perplexidade que a apuração do nexo causal pode suscitar (STJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Data do julgamento: 04/12/2012, Número do Processo: 2011/0078939-4 e REsp 1.254.141, grifos no original) (2013)180.

Igual posicionamento já havia sido adotado por Yves Chartier e Georges Durry. Conforme menciona Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 95-96):

Yves Chartier assegura que a distinção realizada pela doutrina majoritária não merece respaldo, pois a chance é algo que sempre pertence, por definição, ao passado. Georges Durry, por seu lado, detém o pioneirismo na defesa da corrente que adota uma natureza jurídica unitária, sempre exercendo contraponto imediato às manifestações de René Savatier. Apesar de elogiar a argúcia do pensamento de René Savatier, Georges Durry não consegue vislumbrar diferenciação nítida entre os casos da perda de uma chance na seara médica e os demais casos de aplicação da teoria. Para aquele autor, “um candidato a uma vaga de piloto, bem como o ‘candidato à vida’, demandam que não lhes seja subtraída a possibilidade de tentar a sua chance”181.

Como se percebe, as críticas dos autores são pontuais no sentido de que, qualquer seja a modalidade sustentada (se é que existe pertinência nessas divisões), o que se tem são perdas de chances. O fato de envolver dano ocorrido ou vantagem futura em nada altera essa condição – o dano final é intangível diante da ausência de conditio sine qua non.

Por fim, enfrentando a indagação mais contundente tecida pelos defensores da causalidade parcial, os adeptos da perda da chance como dano autônomo asseveram que a possibilidade de o doente melhorar, mesmo após o erro médico, ou do pedido da ação ser procedente, mesmo diante da não interposição do recurso, não é capaz de retirar a autonomia das chances182.

Segundo entendimento exposto pela Ministra Nancy Andrighi, no citado caso “médico” julgado pelo Superior Tribunal de Justiça:

Se o processo causal chegou a seu fim e o paciente viveu, não obstante a falha médica, não se pode dizer que o profissional de saúde tenha lhe subtraído uma chance qualquer. Por questões afeitas à compleição física da vítima ou por quaisquer outros fatores independentes da conduta médica, as chances de sobrevivência daquele paciente sempre foram integrais. Vale lembrar que a oportunidade de obter um resultado só pode se considerar frustrada se esse resultado não é atingido por outro modo. Seria, para utilizar um exemplo mais simples, de “perda de chance clássica”, o mesmo que discutir a responsabilização de uma pessoa que impediu outra de realizar uma prova de concurso, na hipótese em que essa prova tenha sido posteriormente anulada e repetida (STJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Data do julgamento: 04/12/2012, Número do Processo: 2011/0078939-4 e REsp 1.254.141, grifos no original) (2013)183.

Verifica-se, então, que na hipótese de o doente se recuperar ou do litigante “ganhar” a ação (inobstante a conduta antijurídica), não estaria adimplido um elementar requisito exigido para a atuação da teoria: a perda efetiva da chance. A referida Ministra expõe de forma clara essa situação, ao apresentar o exemplo do estudante que perde a chance de ser aprovado no vestibular, por não realizar o exame. Considerando que este é disponibilizado periodicamente aos candidatos, não há que se falar em perda da chance (do mesmo modo que o paciente que se recupera por outras razões não perdeu as chances de se recuperar).

Entretanto, ela ressalva, ainda, que eventual prejuízo decorrente dessa chance violada deverá receber a competente reparação. Ou seja, se em razão da incorreta medicação o paciente experimentar um processo de convalescência menos confortável ou mais moroso, também haverá atuação da perda da chance – mas não de cura, neste caso, e sim de uma recuperação mais confortável/digna ou mais rápida (STJ, Relatora: Min. Nancy Andrighi, Data do julgamento: 04/12/2012, Número do Processo: 2011/0078939-4 e REsp 1.254.141, grifos no original) (2013)184.

São esses, portanto, os principais fundamentos utilizados por parte da doutrina e jurisprudência para entender a perda da chance como um dano autônomo, diferente ao dano final (perda da vantagem ou prejuízo não evitado).

Sobretudo na jurisprudência pátria, essa corrente – que somente se aplicava às modalidades clássicas da teoria –, tem se estendido às demais hipóteses, ignorando a ruptura proposta pela doutrina majoritária francesa, entre os casos de dano ocorrido e vantagem futura. A exigência da conditio sine qua non fomentou a ótica em apreço.

Deve se observar, entretanto, que uma conclusão nesse sentido traz a lume outra discussão: identificar as características inerentes a esse dano autônomo pela perda da chance. Essa questão também é objeto de constantes controvérsias na aplicação da teoria, o que a caba por colocá-la em descrédito.

Como foi observado no estudo do conceito e noções básicas da responsabilidade civil pela perda de uma chance (4.1), esta não se confunde com as hipóteses de lucros cessantes, uma vez que não é possível se fazer um retrospecto para identificar o que alguém razoavelmente ganharia e se concluir pelo que ela deixou de ganhar – aqui também se aplica a noção de que o dano final é inalcançável. Havendo a possibilidade de se fazer esse exercício, não se estará diante de uma situação em que chances são perdidas, haverá uma certeza do dano final, ainda que somente jurídica.

O dano pela perda da chance, portanto, só poderá ser emergente185, uma vez que retira do patrimônio da vítima um bem jurídico que ela antes possuía legitimamente: a chance. Valendo-se da citada “teoria da diferença” (2.2.2.3) basta observar a situação do patrimônio da vítima antes do dano e subtrair dela o que lhe restou depois. A chance será o resultado dessa subtração e, por consequência, o que se deve ao ofendido186.

Além de emergente, resta saber, também, se tal dano figura ao lado dos morais e materiais (e, para alguns, incluindo os estéticos) ou se trata de uma subespécie desses.

Sobre essa questão, Sérgio Savi (2009, p. 420) entende que poderá haver reflexo deste dano no campo patrimonial e extrapatrimonial, a depender do caso concreto. Rafael Peteffi da Silva (2007, p. 201), com maior fundamento, corrobora essa concepção e afirma que a definição dependerá do bem jurídico a que remete a chance:

Bom exemplo poderia ser encontrado em uma demanda judicial em que a pretensão do autor fosse pela recuperação da guarda de um dos filhos, na qual a decisão prolatada em primeiro grau, desfavorável ao autor, possuísse boa chance de ser revertida em instância superior. Nessas hipóteses, caso o advogado perdesse o prazo para interpor o recurso de apelação, a chance perdida pelo autor teria natureza de dano moral, já que o bem perseguido pelo autor da demanda não possui valor patrimonial.

Em situação diversa, como no citado caso da perda da chance de se ganhar uma casa no sorteio – julgado pelo Superior Tribunal de Justiça – a reparação representaria caráter patrimonial, uma vez que o bem jurídico pretendido e não mais passível de alcance era representativo de ganho pecuniário187.

Nesse mesmo rumo, o Enunciado 444, da V Jornada de Direito Civil, também admite essa variação da natureza jurídica do dano em questão. Segundo consta do dispositivo, “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial” (2012)188.

Enfim, dependendo do caso em apreço, a chance perdida poderá manifestar-se nas duas formas de ofensa – patrimonial ou extrapatrimonial189 –, situação esta que não macula a sua autonomia. Prova disso é que o dano estético traduz-se em um dano moral em sentido amplo e, ainda assim, possui reparação específica e cumulativa.

No que concerne à quantificação deste dano autônomo, há, também, um campo aberto a grades debates. Mas o que se tem observado, nesse sentido, é a colocação do dano final como paradigma para se calcular o valor inerente à chance em questão. Ou seja:

Mesmo que se concorde com a corrente doutrinária que defende a independência das chances perdidas em relação ao dano final, é inegável que este será o grande referencial para a quantificação das chances perdidas. Como bom exemplo desta afirmação tem-se aquele do proprietário de um cavalo de corrida que esperava ganhar a importância de R$20.000,00 (vantagem esperada), proveniente do primeiro prêmio da corrida que seu cavalo participaria não fosse a falha do advogado, o qual efetuou a inscrição do animal de forma equivocada. Se as bolsas de apostas mostravam que o aludido cavalo possuía vinte por cento (20%) de chances de ganhar o primeiro prêmio da corrida, a reparação pelas chances perdidas seria de R$4.000,00 (SILVA, 2007, p. 138).

Percebe-se, então, que a apuração do valor das chances tem levado em conta o dano final e as predisposições, de modo que o percentual destas é subtraído daquele, tomando-se a diferença como o valor do dano experimentado pela vítima.

Esse raciocínio é criticado pelos defensores da causalidade parcial, por apresentar resultados práticos semelhantes à proposta por eles defendida. Rebatendo esse argumento, Fernando Noronha (2010, p. 706) afirma que:

[...] o fato de a reparação ser concedida sob a forma de percentagem incidente sobre o valor que teria o dano final não significa que se esteja concedendo uma indenização parcial. A reparação, mesmo aqui, tem como medida a extensão do dano (cf. Cód. Civil, art. 944), ou seja, é integral. O que acontece é ter a chance perdida um valor menor do que o dano dito final.

Muito embora não seja isento de objeções, esse entendimento, de fato, tem sido acolhido nos julgados atinentes ao tema. Tanto no citado caso em que houve a perda da chance de participar do sorteio da casa, quanto naqueloutro em que o paciente perdeu a oportunidade de cura190 – ambos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça –, as indenizações se lastrearam nesse pressuposto.

Portanto, em sintética exposição, são essas as principais diretrizes que têm norteado a fixação do montante indenizatório direcionado às vítimas. A matéria, entretanto, requer uma análise mais profunda para se alcançar convicções mais consistentes a respeito, o que, por ora, não será objeto de estudo. Ficam registradas essas ponderações apenas para demonstrar a extensão do posicionamento difundido pelos adeptos da autonomia das chances, como também a título de elucidação sobre assunto.

Finalizando todos esses debates sobre as possibilidades e peculiaridades da autonomia do dano em questão, mostra-se pertinente ao contexto o pensamento de Judith Martins-Costa, segundo a qual:

[...] o que é ‘interesse jurídico’ é sempre aquele que determinada comunidade considera digno de tutela jurídica, razão pela qual, se modificado o que na pessoa e em sua personalidade considera-se digno de interesse, haverá imediato reflexo no conceito de dano (SILVA, 2007, p. 73).

Sobre o autor
Flávio Cabral Fialho Pereira

Advogado graduado em Direito pela Faculdade Pitágoras (Unidade FADOM); Pós-Graduado em Direito Processual Civil (sob a vigência do Novo Código – Lei nº. 13.105/2015) pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus; Capacitando em Gestão e Direito da Saúde pela Escola Nacional da Advocacia (Conselho Federal da OAB/ENA – SATeducacional); e Cursou Modelo de Negócios junto ao SEBRAE. Em sua formação acadêmica, foi o autor das obras: “Análise da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance”; e “Da (im)propriedade da manutenção do efeito suspensivo ope legis no recurso de apelação, à luz das inovações trazidas pelo vigente Código de Processo Civil (Lei nº. 13.105, de 16 de março 2015)”. Atuou junto ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (inclusive como conciliador), entre os anos de 2010 a 2013. Foi o representante da 187ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil no Conselho Municipal de Desenvolvimento Ambiental (CODEMA) de Santo Antônio do Monte (entre janeiro/2016 a 23/08/2018), órgão do qual também foi eleito para compor a diretoria, como secretário; e Conselheiro Fiscal do Centro de Memória “Dr. José de Magalhães Pinto” (entre 22/06/2017 a 23/08/2018). Atualmente, além de atuar como advogado, mantendo escritório profissional nas cidades de Santo Antônio do Monte/MG e Divinópolis/MG, exerce o cargo de Assessor Jurídico da Santa Casa de Misericórdia de Santo Antônio do Monte, bem como assessora outras instituições da área de saúde e do terceiro setor, sendo, ainda, membro titular do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Santo Antônio do Monte e Associado Fundador da Associação dos Advogados do Centro Oeste de Minas Gerais, sediada em Divinópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Flávio Cabral Fialho. Análise da natureza jurídica da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3969, 14 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28378. Acesso em: 22 nov. 2024.

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