CAPÍTULO III - AS AUTORIDADES E O PODER
1.AS AUTORIDADES NO USO DO PODER
Comenta Paulo Luiz Neto Lôbo, que "O advogado é o mediador técnico dos conflitos humanos e, às vezes, depara-se com abusos de autoridades, prepotências, exacerbações de ânimos." [15], que acrescentamos, acabam por violar a liberdade do exercício da profissão. Por vezes, as autoridades, vamos denominar assim, que pela natureza de suas funções, venham a acumular prerrogativas, desviam-nas da finalidade do exercício profissional, da justiça e do bem comum, direcionando-as a outros fins ilícitos ou levadas pela emoção, a objetivos que não correspondem à real motivação para que foram criadas. Há em algumas ocasiões, a substituição da razão pela emoção, o que não pode prevalecer sobre o direito.
A consequência imediata da exacerbação do direito ou da prerrogativa que pode trazer algum poder à autoridade, poderá implicar na violação das prerrogativas do advogado, que não deverá aquiescer, sob pena de conivência.
1.1.O poder
Delineia Antonio Gomes Moreira Maués que "Em um de seus usos mais correntes, poder significa a capacidade de fazer coisas: quando dizemos que alguém detém poder, geralmente nos referimos a sua capacidade de provocar ou evitar mudanças em si mesmo ou no meio ambiente." [16]In casu, o poder está ligado às autoridades judiciais que pela natureza de seus cargos, auferem prerrogativas e poder de decisão frente às situações jurídicas, como por exemplo os magistrados. Sobre esta carreira, versa Dalmo de Abreu Dallari que "O juiz recebe do povo, através da Constituição, a legitimação formal de suas decisões, que muitas vezes afetam de modo extremamente grave a liberdade, a situação familiar, o patrimônio, a convivência na sociedade e toda uma gama de interesses fundamentais de uma ou de muitas pessoas." [17] Mas o poder também pode ser manifestado de outras formas, como a influência e a coação.
Abordado em outro aspecto, agora Estatal, o poder, pode-se afirmar, decorre do reconhecimento externo, internacional, dos elementos povo, território e governo de uma nação, o que dá ao último, soberania, de onde emana a jurisdição. Por seu turno, a jurisdição, que tem por característica ser una, tem o seu exercício delimitado pelas atribuições e competências, que são delegadas às autoridades. Para limitar, tal força, política, econômica, militar e por muitas vezes psicossocial [18], enfim, tal poder, houve a necessidade da criação de freios e contrapesos, que foram materializados pela tripartição dos poderes.
O poder seja em quaisquer áreas, deve ser legitimado, e no Estado Democrático de Direito, é pelo povo representado e pela Constituição, pois "Toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais" [19]. Portanto é imprescindível também que o poder esteja fundado na legalidade, de onde a Constituição Federal é o ápice, sob pena de ser considerado violador de direitos, pois usado de forma desvinculada da norma, pode ensejar prejuízos e desrespeitos ao profissional da advocacia.
Os requisitos da legitimidade(formal) e da constitucionalidade(material) devem ser analisados nos atos praticados pelas autoridades, pois caso inexistentes, prejudicado está a prerrogativa para os concretizar, acarretando sua nulidade e reflexos na esfera funcional, administrativa e judicial.
1.2.O uso do poder como forma de abuso de direitos
As prerrogativas do advogado, assim como o seu ofício, decorrem do mais amplo direito de liberdade e desta no livre exercício de trabalho lícito, previsto constitucionalmente no artigo 5º, caput e no seu inciso XIII da Carta de 1988, e qualquer abuso de poder que venha a atingi-las pode ser considerado constrangimento ilegal. Neste sentido, assevera Júlio Marinho de Carvalho que:
"Constituem também constrangimento ilegal e que afetam a liberdade de ação do indivíduo, além dos delitos citados, a ameaça, a chantagem, a intimidação, a coação moral e física, o abuso de poder, isto é, todo ato que pretenda modificar ou impedir coercitivamente a intenção espontânea e lícita duma pessoa." [20]
O poder se utilizado desvinculado da norma jurídica poderá proporcionar o abuso de direitos e prerrogativas do advogado, posto que é a própria norma que ao definir condutas, limitando-as, comina pelo respeito ao bem comum. Violada esta, surge a desarmonia social e suas consequências.
O Magistrado, o membro do Ministério Público, o Delegado de Polícia, como por exemplo de autoridades, ao usarem suas competências e atribuições para fim diverso ou além do constitucionalmente previsto e por hierarquia, das leis infraconstitucionais, estarão desde já a começar a praticar o abuso de poder. Por freqüentes ocasiões, as consequências deste abuso atingem os direitos e prerrogativas do advogado. É claro que, o advogado, no uso de suas prerrogativas também pode ser autor do abuso de poder, contudo, este comportamento é reprovável em face da moral e da ética que instruem e obrigam (artigo 33 do EOAB) a preservação da honra, nobreza, dignidade, honestidade, decoro, veracidade, lealdade e boa-fé no exercício de sua profissão, estando passível de processo ético-disciplinar.
O abuso então deve ser contido, em razão de que todos os envolvidos devem objetivar a apenas um fim, a solução do litígio que repercute na harmonia social e na justiça. Para isto, a norma através do seu poder de coerção criou dispositivos para a coibição do abuso de poder, e logo de suas consequências nas prerrogativas do advogado.
CAPÍTULO IV - INSTRUMENTOS PARA A COIBIÇÃO DO ABUSO DE PODER
1.MEIOS LEGAIS PARA A COIBIÇÃO DO ABUSO DE PODER
Vicente Ráo, sintetiza em perfeita lógica que:
"é o direito um sistema de disciplina social fundado na natureza humana que, estabelecendo nas relações entre os homens uma relação de reciprocidade nos poderes e deveres que lhes atribui, regula as condições existenciais dos indivíduos e dos grupos sociais e, em consequência, da sociedade, mediante normas coercitivamente impostas pelo poder público." [21]
Asseverando ainda com brilhantismo que "o direito, entretanto, não se satisfaz com a simples possibilidade da comunhão humana, isto é, com a simples possibilidade da coexistência social." (...) "Não é essa a sua finalidade suprema, senão a de obter, por meio da coexistência social, harmonicamente organizada, o aperfeiçoamento do indivíduo." [22]
A Ciência do Direito, exaure neste pensamento, sua natureza comportamental, influindo para que as autoridades sofram sanções em face do abuso de poder, o que contribui para o desestímulo da conduta violadora de direitos, ou seja, para que não voltem a ser repetidas.
E dentre os meios de coerção, encontramos algumas criações do direito, instrumentos, que podem ser judiciais ou extrajudiciais, para a defesa das prerrogativas do advogado em face do abuso de poder. Tais instrumentos, de modo geral, têm fundamento no mais amplo direito constitucional de petição, aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder previsto no artigo 5º, XXXIV, alínea a da Constituição Federal de 1988.
O mandamento constitucional, no caso do abuso de autoridade, recepcionou a Lei nº 4.898 de 09.12.1965, que regula o Direito de Representação (antes regulado pelo artigo 153, § 30 da Constituição Federal de 1969) e o Processo de Responsabilidade Administrativa, Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade. Destarte, reconhece a doutrina que o "direito de petição e direito de representação, agora se juntaram no só direito de petição." [23] Não obstante a isso, na hipótese de o abuso das prerrogativas do advogado, e logo ilegalidade da conduta, decorrer de agente público, a Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre Improbidade Administrativa e as sanções aplicáveis aos agentes públicos no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, em seu artigo 11 tipifica ser improbidade administrativa a violação, por ação ou omissão, dos princípios e deveres da administração pública, dentre eles o da legalidade.
1.1.Instrumentos extrajudiciais
Passando então à verificação dos meios extrajudiciais para que se coíba o abuso de poder frente às prerrogativas do advogado, um dos mais importantes é o do desagravo público previsto no artigo 7º, XVII do Estatuto da Advocacia e da OAB, que consiste na publicação em jornal ou escrito, na sede da OAB ou em veículo de comunicação, de texto tornando "pública a solidariedade da classe ao colega ofendido, mediante ato da OAB, e o repúdio coletivo ao ofensor." [24]
A prática leva a conceber outro instrumento que também pode ser usado na defesa das prerrogativas do advogado, que é o pedido de providências à autoridade hierarquicamente superior, que está fundamentado no direito de petição previsto constitucionalmente.
Outro instrumento eficaz é a representação na esfera administrativa às corregedorias gerais contra abusos cometidos pelas autoridades no exercício de suas funções conforme comina o artigo 1º da Lei 4.898/65, em face das prerrogativas de função do advogado (artigo 3º, alínea j da Lei nº 4.898/65). O Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Pará [25], por exemplo, em seu artigo 56, VII prevê as reclamações, no prazo de cinco dias (artigo 57, § 1º) e representações contra Juízes e serventuários acusados de atos atentatórios ao serviço Judiciário, que é complementado pelo Código Judiciário do Estado do Pará, Lei nº 5.008 de 10 de dezembro de 1981, em seu artigo 154, inciso X, que ainda prevê até mesmo a avocação do processo pelo Corregedor, que poderá no caso do artigo 156, tomar ou expedir "nos próprios autos ou em provimento, as providências ou instruções que entender necessárias ao regular andamento dos serviços."
O artigo 44, e incisos III, IV e VIII do Regimento Interno [26] do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, também prevê como competência do Órgão Correicional, as representações, e no caso das reclamações, comina o "prazo de cinco dias, a contar da ciência do ato impugnado, nos casos em que não houver recurso legal." Também dispõe sobre o exercício da "vigilância sobre o funcionamento dos órgãos de primeiro grau, quanto à omissão de deveres e prática de abusos(...)".
1.2.Instrumentos judiciais
Na esfera judicial, dependendo da gravidade do abuso e das prerrogativas violadas, podem ser postuladas providências na jurisdição civil se houve repercussão no patrimônio material ou moral da parte, do advogado, ou da administração, e na jurisdição penal se houve o dolo em cometer conduta tipificada como crime.
Ressalte-se que os Writs Constitucionais, Habeas Corpus e também o Mandado de Segurança e suas medidas liminares cumprem papel importantíssimo como instrumentos de defesa das prerrogativas, direitos líquidos e certos, do advogado, para que se possa cessar o ato ilegal ou o abuso de poder, de imediato, caso não se consiga esta solução administrativamente. Preleciona Hely Lopes Meirelles que "Infringindo as normas legais, ou relegando os princípios básicos da Administração, ou ultrapassando a competência, ou se desviando da finalidade institucional, o agente público vicia o ato de ilegitimidade, e o expõe a anulação pela própria Administração ou pelo Judiciário, em ação adequada." [27]
Na Jurisdição Penal, a Lei 4.898/65, artigo 2º, alínea b reconhece o direito de representação ao Ministério Público para que inicie processo-crime contra a autoridade causadora, contendo a exposição do fato constitutivo do abuso de autoridade, a qualificação do acusado e rol de testemunhas, no máximo de três, se as houver. Versam Gilberto Passos de Freitas e Vladimir Passos de Freitas, em sua Obra "Abuso de Autoridade" que "A vítima do crime de abuso de autoridade é qualquer cidadão, maior ou menor, capaz ou incapaz, brasileiro ou estrangeiro, bem como pessoas jurídicas." [28] A Lei 4.898, então tipifica os comportamentos ilícitos nos seus artigos 3º e 4º, prevendo nas alíneas a e h do último artigo, o abuso de poder.
A Lei 8.429/92 já mencionada, que dispõe sobre a Improbidade Administrativa, pune, concretizando o controle interno da Administração Pública, com as sanções de seu artigo 12, os agentes públicos, assim qualificados na forma dos artigos 1º e 2º, por "praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência" (artigo 14, I), e que, nestes termos, venham a atingir as prerrogativas do advogado.
Contudo as condutas ilícitas penais não estão exauridas apenas nas Leis 4.898/65 e 8.429/92, e no caso das prerrogativas do advogado, sua violação também pode repercutir em conduta criminosa prevista na Parte Especial do Código Penal Brasileiro, como por exemplo, nas hipóteses dos Crimes Contra a Honra e dos Crimes Contra a Liberdade Individual.
Na Jurisdição Civil, configurado dano material ou moral causado pela violação das prerrogativas do advogado, impõe-se a Responsabilidade Civil Extracontratual nos moldes do artigo 159 do Código Civil Brasileiro, implicando na indenização por reparação in natura ou por equivalente do prejuízo, que deverá ser postulada pela competente ação ajuizada na Justiça comum, ou de acordo com seu valor, nos Juizados Especiais Cíveis – Lei nº 9.099/95 onde há maior celeridade.
CONCLUSÃO
O Advogado, tanto o público (artigos 131, 132 e 134 da Constituição Federal/88) como o privado, no exercício de vital função ao Estado Democrático de Direito, deve ter seu exercício vinculado ao Princípio da Legalidade, para então que possa exigir suas prerrogativas e evitar que outrem as viole. O abuso de poder decorre essencialmente da não observância desse princípio, pois o agente, exacerba-se na conduta de forma a transgredir a norma, atingindo o direito do advogado.
O abuso de poder que anule quaisquer das prerrogativas do advogado deve ser coibido de imediato e continuamente, não apenas pelo profissional, mas também por toda a classe na forma do artigo 44, II da Estatuto da Advocacia e da OAB, e pelo próprio Estado, pois vai de encontro aos fundamentos e princípios de sua estrutura orgânica, podendo trazer prejuízos irreparáveis aos patrimônios da parte, do advogado e da própria administração pública, o que repercute na harmonia que devem ter os seres humanos no convívio em sociedade, e por consequência na Ordem Pública.
As prerrogativas do advogado são verdadeiros direitos humanos, decorrentes dos direitos invioláveis à liberdade, dignidade e ao livre exercício de trabalho lícito, alçados a nível constitucional. Por conseguinte, a sua defesa em face do abuso de poder, constitui-se em luta legítima em favor do exercício da advocacia e da legalidade, normas estas, que acima de tudo, são fruto da vontade soberana do povo, direta ou indiretamente, representado.