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Função estética da paisagem urbana:

o direito fundamental à beleza paisagística

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Agenda 20/05/2014 às 16:25

AS GERAÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

O constitucionalismo contemporâneo e a doutrina pátria já há muito tempo adotaram o termo “gerações” de direitos fundamentais, sendo muito comum encontrar a afirmação de que a história desses direitos é marcada por uma escala gradativa em que direitos sucedem uns aos outros.

De toda sorte, partilhamos do pensamento de que essa opção terminológica é questionável, uma vez que, consoante Dimoulis e Martins (2011, p.31), ela sugere uma substituição de cada geração pela posterior, embora inexista a abolição de direitos das “gerações” anteriores. Conforme preleciona Tavares (2006, p.418), a Constituição de 1988 inclui indiscriminadamente todas elas, prevalecendo, pois, o caráter cumulativo, e não substitutivo4.

Dito isto, a perspectiva histórica da teoria dos direitos fundamentais situa a evolução dessas exigências sociais em três gerações (muito embora hoje já se fale em outras, o que não será objeto de estudo deste trabalho).

A primeira geração abrange os direitos individuais clássicos e políticos, referidos nas Revoluções liberais francesa e americana. Como visto em linhas anteriores, esses direitos traduziam o individualismo exacerbado que flagrava o período da ascensão burguesa perante o pretenso poder absoluto do Estado. Conforme destaca Mendes e Branco (2012, p. 320), “daí esses direitos traduzirem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre aspectos da vida pessoal de cada indivíduo”.

Esses direitos representam o paradigma clássico do homem considerado individualmente, sem a preocupação com desigualdades sociais ou outros direitos convenientes à coletividade. A manutenção da propriedade e a conservação dos valores mercantilistas eram o sustentáculo do Estado de Direito liberal e não davam espaço aos direitos sociais.

[...] direitos fundamentais do homem-indivíduo, que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado; por isso são reconhecidos como direitos individuais, como é de tradição do Direito Constitucional brasileiro (art. 5º), e ainda por liberdades civis e liberdades-autonomia (França); [...] (SILVA, 2001, p.182).

Posteriormente, em meio à derrocada do “ideal absenteísta do Estado liberal” (MENDES e BRANCO, 2012, p.320), surgiu uma nova gama de direitos afeitos à intervenção positiva do Estado, que agora deveria agir proativamente para garantir direitos sociais, de modo a conter as mazelas estruturais que recaíam sobre a sociedade naqueles tempos de crise do Estado invisível.

Eis que os direitos sociais representam a segunda geração de direitos fundamentais, responsável por tentar “estabelecer uma liberdade real e igual para todos, mediante a ação corretiva dos Poderes Públicos. Dizem respeito a assistência social, saúde, educação, trabalho, lazer, etc”. Nota-se que o individualismo exacerbado de outrora cede lugar à reivindicação de justiça social, o que traduz uma efetiva mudança de paradigma prontamente refletida na ordem jurídica.

Por fim, chegou-se aos direitos chamados de terceira geração, dentre os quais habita o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Esses direitos tem como traço marcante justamente a sua titularidade coletiva ou difusa, orientados não para o homem considerado de forma isolada, mas para a coletividade (MENDES e BRANCO, 2012, p.322).

Paulo Bonavides leciona:

Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo, ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já o enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade (BONAVIDES, 2006, p. 563-569).

Esses direitos representam uma preocupação mais holística, tendo como essência o próprio ser humano, mas agora considerado como parte de uma coletividade, e não mais individualmente considerado. São os direitos transindividuais, afetos à solidariedade e fraternidade e a preocupações mais maduras da sociedade, em consonância com o que pontua Moraes (2006, p.60):

Por fim, modernamente, protege-se, constitucionalmente, como direitos de terceira geração os chamados direitos de solidariedade e fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos [...]

O direito ao meio ambiente é o exemplo claro dessa perspectiva de solidariedade, voltado inclusive para uma preocupação intergeracional (pedra de toque da sustentabilidade), inserido nesse novo cenário de preocupação da humanidade com a ampliação dos horizontes protetivos do Direito, agora sensível aos anseios de toda a coletividade.

[...] a aparição dessa terceira dimensão dos direitos fundamentais evidencia uma tendência destinada a alargar a noção de sujeito de direitos e do conceito de dignidade humana, o que passa a reafirmar o caráter universal do indivíduo perante regimes políticos e ideologias que possam colocá-lo em risco, bem como perante toda uma gama de progressos tecnológicos que pautam hoje a qualidade de vida das pessoas, em termos de uso de informática, por exemplo, ou com ameaças concretas à cotidianidade da vida do ser em função de danos ao meio ambiente [...] (ALARCÓN, 2004, p.81).


O DIREITO AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO SOB A ÓTICA DOS DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS E O PROBLEMA DA POLUIÇÃO VISUAL

MEIO AMBIENTE - MACROBEM E OS MICROBENS AMBIENTAIS

Antes de contemplarmos diretamente o conceito de paisagem urbana - notadamente um microbem ambiental -, é forçoso analisarmos o macrobem ambiental no qual ela se insere, qual seja, o equilíbrio ecológico, e, claro, o sentido da expressão meio ambiente; direito fundamental de 3ª geração.

No que concerne ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, consagrado em nossa doutrina como o macrobem ambiental e referenciado no art. 225, caput, de nossa Constituição, LAITOS (apud CANOTILHO, 2008, p.107) diz se tratar da ideia de que "todos os organismos vivos estão de algum modo inter-relacionados no meio ambiente natural".

A partir dessa noção de inter-relações e interdependência dos diversos elementos vivos como fundamento da busca pelo equilíbrio, temos a Ecologia enquanto a ciência que estuda as relações dos seres vivos entre si e com o seu meio físico, sendo este último o cenário natural em que esses seres se desenvolvem e que compreende elementos abióticos, tais quais o solo, relevo, recursos hídricos e ar (MILARÉ, 2011, p.138).

Cunhado pelo biólogo alemão Ernst Heinrich Haeckel, a palavra abrange os radicais gregos oikos (casa) e logia (estudo), representando, pois, o estudo da casa, ou seja, do entorno, do meio circundante. Além disso, como bem sugere Milaré (2011, p.138), o termo passou a ser empregado na linguagem corrente para designar a natureza, o paisagismo e mesmo o movimento ativista orientado para a proteção ambiental.

Uma pluralidade de significados que corrobora com a amplitude semântica do vocábulo, que abrange ainda um vasto espectro de outras denominações, como Ecologia Humana, Ecologia Social, Ecologia Urbana, etc. Numa tentativa justamente de amenizar as imprecisões conceituais que circundam o termo, Souza (2000, p. 86) sugere uma nova definição de Ecologia:

Ecologia é a ciência que estuda as relações entre o sistema social, o produtivo e o de valores que lhe serve de legitimação, característicos da sociedade industrial de massas, bem como o elenco de conseqüências que este sistema gera para se manter, usando o estoque de recursos naturais finitos, dele se valendo para lograr seu objetivo econômico. O campo de ação da ecologia, como ciência é o estudo das distorções geradas na natureza pela ação social deste sistema; seu objetivo maior é identificar as causas, no sentido de colaborar com as políticas no encaminhamento das soluções possíveis à nossa época.

Essa definição chama especial atenção pelo seu caráter holístico, uma vez que extrapola o tradicional enfoque da “casa”, do “meio” e confere papel proeminente ao ser humano, reconhecendo de uma vez por todas a influência dos indivíduos sobre o cenário natural, o que viabiliza o debate em busca de soluções profícuas para a intervenção constante e prejudicial promovida pela espécie humana. Esse novo conceito revela que a Ecologia tem de se ocupar das relações entre a sociedade e a natureza, como forma de apresentar as consequências das ações humanas sobre esta última e incentivar a busca por medidas que restaurem o equilíbrio ecológico.

À luz desta nova visão da Ecologia, os projetos educativos deverão ser ajustados à realidade analisada, de modo a contribuir para a transformação radical da consciência e das práticas relacionadas com a preservação do mundo natural (MILARÉ, 2011, p.140)

Tal entrelaçamento entre sociedade e espaço natural consagrado nessa nova visão da Ecologia é consentâneo com a reconhecida necessidade de persecução do equilíbrio ecológico, notadamente o macrobem ambiental, representativo da condição em que ocorrem relações harmoniosas entre os seres vivos e entre estes e o meio ambiente; noção ínsita à sustentabilidade e que deve ser o eixo da transformação do ideário coletivo.

Neste tocante, se exprime com exatidão o pensador Luc Ferry (apud MILARÉ, 2011, p. 141):

Pois é exatamente disso que trata essa última versão da ecologia, em que se presume que o antigo “contrato social” dos pensadores políticos dê lugar a um “contrato natural” no qual o universo inteiro se tornaria sujeito de direito: não mais o homem, considerado o centro do mundo e precisando antes de mais nada ser protegido de si mesmo, mas o cosmos em si é que deve ser defendido dos homens. O ecossistema - a 'biosfera' - é desde logo investido de um valor intrínseco bem superior ao de uma espécie em última análise perniciosa, a espécie humana.

O autor nos apresenta a verdade inconveniente/irrefutável que passa a permear o estudo da Ecologia, a de que a biosfera terrestre deve ser protegida da interferência perniciosa da espécie humana, acostumada a ser o centro do universo e único sujeito de direitos. Essa visão egóica ainda predominante nos distancia da constatação de que somos apenas uma ínfima parte componente de um todo.

Sem dúvida, a evolução conceitual do termo cunhado no século XIX nos proporciona um conhecimento muito mais profundo e holístico do espaço natural que nos circunda, além de nos lembrar de que somos protagonistas na manutenção do equilíbrio ecológico e diretamente responsáveis pelas desarmonias que surgem na nossa casa.

Quanto à expressão “meio ambiente”, Milaré (2011, p.141) sugere que a sua primeira utilização remonta também ao século XIX, desta vez pelo naturalista francês Geoffroy de Saint-Hilaire. Trata-se de uma expressão que encerra igualmente uma vastidão de significados, muito por conta da subjetividade deixada por cada um daqueles que se aventuram a defini-la.

Fiorillo (2012, p. 77) faz coro a essa constatação ao concluir que

a definição de meio ambiente é ampla, devendo-se observar que o legislador optou por trazer um conceito jurídico indeterminado, a fim de criar um espaço positivo de incidência da norma.

Diante dessa amplitude conceitual, é interessante notar que Milaré (2011, p.142) apresenta uma passagem em que se explica o porquê da expressão “meio ambiente” ter prevalecido sobre o vocábulo “natureza”. Enquanto este último evoca justamente o que ele designa, o “meio ambiente” atende à visão antropocêntrica, uma vez que coloca o homem como centro rodeado por tudo o que está em volta5. O homem é a referência única e exclusiva, circundado por um espaço natural anterior à sua própria chegada na Terra.

Evidentemente, a despeito do sentido antropocêntrico que a etimologia da expressão revela, é inquestionável que nós não somos meros seres espectadores inertes no centro de todo o cenário que nos envolve. O mero exercício de nossas funções vitais já seria suficiente para caracterizar a nossa interação com o meio ambiente.

Este, contudo, é um interagir natural, imposto pela condição humana. Bem diferente é a interação negativa representada pelas nossas constantes práticas nocivas à natureza e que nos coloca, de fato, numa triste posição de centralidade, como os seres capazes de deteriorar e atentar contra a manutenção do próprio planeta.

Nessa perspectiva, Nebel (apud Milaré, 2011, p.143), preleciona que o meio ambiente é “a combinação de todas as coisas e fatores externos ao indivíduo ou população de indivíduos em questão”. Mais do que constituído por seres bióticos e abióticos, é composto por todas as relações que os envolvem.

Dito isto, podemos partir para o conceito jurídico de meio ambiente, que, segundo Milaré (2011, p.143), divide-se em duas perspectivas principais: uma estrita e uma ampla. A perspectiva estrita se aproxima do que discutimos anteriormente, restringindo o meio ambiente ao patrimônio natural e as relações com os seres vivos e entre eles. A percepção ampla, porém, transcende o meio natural e alcança o meio artificial. Vejamos:

...de um lado, com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, do outro, com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções (MILARÉ, 2011, p.143)

O constitucionalista José Afonso da Silva (2011, p.20) arremata essa noção com precisão ao aduzir que o meio ambiente é “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

De maneira muito similar, Ávila Coimbra (apud Milaré, 2011, p.144) nos brinda com uma definição que contempla de forma aguda justamente as consequências da relação da espécie humana com todo o espaço que a circunda:

Meio ambiente é o conjunto dos elementos abióticos (físicos e químicos) e bióticos (flora e fauna), organizados em diferentes ecossistemas naturais e sociais em que se insere o Homem, individual e socialmente, num processo de interação que atenda ao desenvolvimento das atividades humanas, à preservação dos recursos naturais e das características essenciais do entorno, dentro das leis da natureza e de padrões de qualidade definidos.

Essa definição é especialmente interessante, vez que abandona a concepção restritiva que contempla tão somente os ecossistemas naturais e coloca em relevo a interação entre a sociedade humana e todos os ecossistemas, além de trazer claramente a noção de microbens ambientais e da sustentabilidade como indispensável sustentáculo das relações do homem com o espaço circundante.

A partir da certeza, portanto, de que essas relações definem o meio ambiente e de que a interação deletéria promovida pela voracidade humana não encontraria limites, o Direito, instrumento social que é, interveio para conferir proteção ao meio ambiente e tentar harmonizar o desenvolvimento das atividades humanas com a proteção da nossa oikos (casa).

Como vimos, o Direito é dotado de autonomia e, de igual forma, é permeado e definido pelos anseios e receios que emanam do corpo social a todo tempo. Esse caráter histórico-evolutivo foi confirmado pela positivação da defesa do meio ambiente em nossa legislação diante da crescente e desenfreada interferência da espécie humana no planeta Terra.

Paulo Affonso Leme Machado (2012, p. 63), ocupando-se do conceito de meio ambiente nas legislações estaduais, elenca:

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A legislação fluminense considerou como meio ambiente ’todas as águas interiores ou costeiras, superficiais ou subterrâneas, o ar, e o solo’ (art. 1º, parágrafo único do Decreto-lei 134/75). Em Alagoas dispôs-se que ‘compõem o meio ambiente: os recursos hídricos, a atmosfera, o solo, o subsolo, a flora e a fauna, sem exclusão do ser humano’ (art. 3º da Lei 4.090/79). Em Santa Catarina conceituou-se meio ambiente como a ‘interação de fatores físicos, químicos e biológicos que condicionam a existência de seres vivos e de recursos naturais e culturais’ (art. 2º, I, da Lei 5.793/80). Em Minas Gerais ‘meio ambiente é o espaço onde se desenvolvem as atividades humanas e a vida dos animais e vegetais’ (art. 1º, parágrafo único da Lei 7.772/80). Na Bahia ‘ambiente é tudo o que envolve e condiciona o homem, constituindo seu mundo e dá suporte material para a sua vida biopsicossocial’ (art. 2º da Lei 3.858, de 3.11.80). No Maranhão ‘meio ambiente é o espaço físico composto dos elementos naturais (solo, água, e ar), obedecidos os limites deste Estado’ (art. 2º, parágrafo único, a Lei 4.154/80). No rio Grande do Sul é ‘o conjunto de elementos – água interiores ou costeiras, superficiais ou subterrâneas, ar, solo, subsolo, flora e fauna -, as comunidades humanas, o resultado do relacionamento dos seres vivos entre si e com os elementos nos quais se desenvolvem e desempenham as suas atividades’ (art. 3º, II da Lei 7.488, de 14-1-81).

Os conceitos trazidos pelas legislações estaduais na década de 70 e início da década de 80 demonstram o abandono da restrição do campo ambiental ao homem em favor da consideração de todas as formas de vida, antecipando a definição federal inaugurada em nosso ordenamento jurídico na Lei 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente/PNMA), que o conceitua como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

Machado (2012, p. 63) enfatiza que “a definição federal é ampla, pois vai atingir tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege”, de modo que abrange não só a vida, mas todos os demais elementos que a propiciam e a dignificam, dentre os quais figura, sem sombra de dúvidas, a paisagem natural.

Posteriormente, a Constituição Republicana de 1988 esboçou um novo conceito, ao enfim consagrar, em seu célebre art. 225, caput, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; corolário do direito à vida e pressuposto da consolidação da dignidade da pessoa humana:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1998, p. 11-12)

O dispositivo constitucional inaugurou, portanto, a existência de um direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sobretudo nos países que modificaram suas Constituições após a Conferência de Estocolmo de 1972. Nessa linha, Benjamin (2008, p.58), menciona que “para J. J. Canotilho e Vital Moreira, o direito ao ambiente é um dos ‘novos direitos fundamentais’; ou ainda, nas palavras de Álvaro Luiz Valery Mirra, trata-se ‘direito humano fundamental’”.

Como direito fundamental, bem lembra Cristiane Derani (1998, p.92), o meio ambiente ecologicamente equilibrado é "resultado de fatores sociais que permitiram e até mesmo impuseram a sua cristalização sob forma jurídica, explicitando a sua relevância para o desenvolvimento das relações sociais".

A definição da autora é irretocável e se alicerça profundamente na noção sociológica do fenômeno jurídico que defendemos no primeiro capítulo deste trabalho, revelando o meio ambiente ecologicamente equilibrado como nítido produto social espontâneo, reflexo da emergência de novos valores ambientais que a sociedade exigiu que se revestissem com a força dos direitos fundamentais e que adotassem, por conseguinte, todos aqueles atributos especiais que são intrínsecos a essa categoria - indisponibilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade, etc.

Pois bem. Feito esse recorte indispensável, podemos perceber que a Constituição dispensou especial atenção àquele que chamamos de macrobem ambiental, isto é, o equilíbrio ecológico, que além de ser reconhecido de forma geral pela doutrina como direito fundamental, é também base principiológica do Direito Ambiental e conceituado por Machado (2012, p.66) como “uma igualdade, absoluta ou aproximada, entre forças opostas”.

Considerando-se que a estabilidade absoluta é uma quimera, e que o equilíbrio ecológico mencionado pela Constituição é um sistema dinâmico, Canotilho (2008, p. 108) explica que o que se busca é “assegurar que tal estado dinâmico de equilíbrio, em que se processam os fenômenos naturais, seja conservado, deixando que a natureza siga seu próprio curso”.

Assim, a tarefa que incumbe à coletividade e ao Direito é evitar um desequilíbrio significativo que atente contra as diversas manifestações de vida na Terra e inviabilize a coexistência entre a espécie humana e a natureza.

O Direito Ambiental tem entre suas bases a identificação das situações que conduzem as comunidades naturais a uma maior ou menor instabilidade, e é também sua função apresentar regras que possam prevenir, evitar e/ou reparar esse desequilíbrio. Alessandro Andronio acentua que o conceito de "equilíbrio" é, de fato, um conceito fundamental, capaz de fundamentar uma definição holística de "ambiente", mais correta, no plano teórico, e mais fecunda, no plano prático da tutela: o ambiente é e deve ser considerado, também pelo jurista, como um conjunto de fatores naturais em equilíbrio entre eles. (MACHADO, 2012, p. 67, grifamos)

Novamente, a noção do “holístico” é colocada em destaque, uma vez que o ambiente deve ser contemplado de maneira global, com todos os seus elementos e interações, e não de forma compartimentada como definições anteriores sugeriam. Somente a partir dessa abordagem é possível verificar as forças antagônicas e, então, almejar a situação de equilíbrio essencial à sadia qualidade de vida, tal qual assinala a Constituição Republicana.

Como visto em linhas anteriores, o meio ambiente é composto por diversos outros bens cuja interação propicia justamente o equilíbrio ecológico e o desenvolvimento harmonioso da vida em todas as suas faces. São esses os microbens ambientais (expostos previamente no conceito de Ávila Coimbra), partes integrantes do todo que é o meio ambiente em sua maior amplitude.

Numa escalada, pode-se dizer que se protegem os elementos bióticos e abióticos e sua respectiva interação, para se alcançar a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque este bem é responsável pela conservação de todas as formas de vida. Possui importância fundamental a identificação do meio ambiente ecologicamente equilibrado como sendo um bem autônomo e juridicamente protegido, de fruição comum (dos elementos que o formam), porque, em última análise, o dano ao meio ambiente é aquele que agride o equilíbrio ecológico, e uma eventual reparação deve ter em conta a recuperação desse mesmo equilíbrio ecológico (RODRIGUES, 2002, p. 58)

Na mesma toada, Marchezini (2009) caracteriza os microbens ambientais, ao lado do macrobem:

Como macrobem abstratamente caracterizado, o meio ambiente pode ser compreendido como o conjunto de interações físicas, químicas e biológicas que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Paralelamente, têm-se os bens ambientais, caracterizados em especificidade e concretude. São os elementos ambientais (microbens) bióticos (fauna e flora), abióticos (água, solo, ar), culturais (bens materiais e imateriais de valor histórico, artístico ou estético) e artificiais (conjunto de edificações, ruas, praças, jardins e espaços livres e equipamentos urbanos em geral).

A autora ainda enfatiza que

O Meio Ambiente como macrobem não se confunde com o somatório dos microbens ambientais. Ele é universalmente considerado, ao passo que os bens ambientais são específicos e individualmente examinados, não obstante haja permanente inter-relação entre os mesmos (MARCHEZINI, 2009, grifamos).

Os microbens ambientais são, pois, esses elementos cuja interação forma exatamente o macrobem ambiental - o equilíbrio ecológico. Muitos desses elementos possuem uma proteção jurídica própria, tal qual a água, a flora, a fauna e o solo. A paisagem urbana, entretanto, ainda padece diante de uma proteção generalista conferida pelo legislador ao meio ambiente, carecendo de amparo jurídico mais sólido e eficiente.

O certo é que, seja diante da definição insculpida na Política Nacional do Meio Ambiente ou do novo conceito consagrado pela Carta Republicana, é clarividente que ambos abrangem a paisagem, verificada tanto como elemento que permite e rege a vida (consoante a definição da PNMA), quanto como pressuposto do meio ambiente ecologicamente equilibrado (de acordo com a definição da Constituição).

A POLUIÇÃO VISUAL E O IMPACTO NA QUALIDADE DE VIDA DA SOCIEDADE

Em meio ao regramento infraconstitucional que tutela o nosso Meio Ambiente (normas às quais dedicaremos melhor cuidado no próximo capítulo), coube à Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - Lei nº 9.638/91 inserir, em seu artigo 3º, III, a paisagem como um dos atributos do macrobem ambiental; isto é, do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Porém, como bem destaca Benjamin (2005), o dispositivo não trouxe precisamente um reconhecimento direto ao direito da paisagem, mas sim revelou a sua incorporação no conceito de poluição, já desnudando a relação simbiótica e entre esses dois elementos absolutamente antagônicos:

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

A Lei da PNMA traz no rol das atividades nocivas ao meio ambiente, e caracterizadoras da poluição, aquelas que afetam as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, o que revela a preocupação com o aspecto estético e o associa diretamente com a qualidade ambiental, razão pela qual daremos especial enfoque à poluição visual, por se tratar da forma de degradação que atinge os aspectos centrais do presente trabalho.

Ao lado das mais conhecidas formas de agressão ao meio ambiente conhecidas pela coletividade (poluição atmosférica, resíduos sólidos, poluição das águas, etc.) encontra-se aquela denominada poluição visual, que pode ser definida como a degradação ao que a doutrina chama de meio ambiente construído ou artificial, este resultante da interação do homem com o meio ambiente através das normas e das ações ligadas ao urbanismo, zoneamento, paisagismo, patrimônio cultural, etc. (MONTEIRO, 2005)

Para Santos (2004), a poluição visual pode ser definida como:

Os efeitos danosos resultantes dos impactos visuais causados por determinadas ações e atividades, a ponto de: prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criar condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetar desfavoravelmente a biota; afetar as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente.

Por sua vez, Bechara (2004) diz que a poluição visual é

um tipo de impacto que está mais afeto ao ambiente urbano e que se origina a partir de várias práticas: pichações nos muros de casas e edifícios, anúncios publicitários veiculados por meio de placas, cartazes, outdoors e luminosos, propaganda eleitoral, lixo espalhado pela cidade, dentre outras.

Neste sentido, podemos caracterizar a poluição visual como uma “ofensa à integridade psíquica dos indivíduos que numa determinada cidade residem ou transitam, violando diretamente o preceito garantidor de uma vida com qualidade” (FIORILLO, 2012, p. 341).

Da articulação dos conceitos, extrai-se que a poluição visual é a alteração decorrente de atividades que causam degradação de determinado espaço ambiental, ferindo-lhe a estética original e, com efeito, comprometendo, de forma direta ou indireta, o bem-estar, a saúde6 e a qualidade de vida da população.

Nos dizeres de Benjamin (2008, p. 108), a expressão qualidade de vida tão explorada pela doutrina no direito pátrio designa justamente uma preocupação com “a manutenção das condições normais (= sadias) do meio ambiente, condições que propiciem o desenvolvimento pleno (e até natural perecimento) de todas as formas de vida”. E prossegue, de forma precisa:

Em tal perspectiva, o termo é empregado pela Constituição não no seu sentido estritamente antropocêntrico (a qualidade da vida humana), mas com um alcance mais ambicioso, ao se propor - pela ausência da qualificação humana expressa - a preservar a existência e o pleno funcionamento de todas as condições e relações que geram e asseguram a vida, em suas múltiplas dimensões.

Dito isto, conforme nos ensina Silva (2008, p.307), a paisagem urbana é como se fosse “uma roupagem por meio da qual as cidades se apresentam para os indivíduos”, sendo que uma de suas funções é apaziguar os efeitos psíquicos desgastantes que a movimentada rotina nas cidades provoca em seus habitantes e, assim, contribuir decisivamente para a sua qualidade de vida - vida que é sustentáculo e fundamento da proteção à paisagem ou a qualquer outro microbem ambiental; vida que é a matriz de todo o direito ao meio ambiente.

É o que preleciona, sem retoques, nosso constitucionalista:

O que é importante – escrevemos de outra feita – é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida. (SILVA, 2011, p.70)

A poluição visual, portanto, atenta contra a vida em sua plenitude, já que malfere a essência da paisagem. Consoante Minami e Júnior (2001), ela é resultado de desconformidades e efeito da deterioração dos espaços da cidade pelo acúmulo exagerado de anúncios publicitários em determinados locais, fazendo com que o campo visual do cidadão se encontre de tal maneira limitada que a sua percepção dos espaços da cidade é impedida ou dificultada.

Importante anotar que Monteiro (2003) destaca que a proteção contra essa degradação recai tanto sobre o meio ambiente urbano quanto sobre as paisagens naturais, concluindo que a degradação ambiental, neste aspecto,

é fruto da violação estética de um padrão paisagístico médio a ser aferido em cada caso, seja afetando uma paisagem naturalmente bela, ou portadora de outro predicado relevante, ou alterando uma paisagem urbana de maneira desarmônica e agressiva.

A Convenção Europeia da Paisagem, de 2004, também nos apresenta o seu conceito de poluição visual, dizendo se tratar de

[...] degradação ofensiva à visualidade resultante ou de acúmulo de instalações ou equipamento técnico (torres, cartazes de propaganda, anúncios ou qualquer outro material publicitário) ou da presença de plantação de árvores, zona florestal ou projetos construtivos inadequados ou mal localizados.

Na Constituição Federal, a questão da poluição visual está inclusa no § 1º, inciso IV do artigo 225, que menciona a exigência de um estudo de impacto ambiental para a instalação de obra ou atividade publicitária apta a causar degradação do espaço urbano, o que denota a preocupação do constituinte com a proteção paisagística. Além disso, diversos municípios da Federação já contam com legislação a respeito do tema (no capítulo seguinte, os principais instrumentos normativos de proteção à paisagem serão analisados).

Esse inadiável despertar legislativo7 se fez imperioso uma vez que, com o recrudescimento do espaço urbano, as cidades tornaram-se palco de uma vastidão de informações, sinais e mensagens que "são percebidas e 'lidas', porém nem sempre compreendidas pelos cidadãos" (WILHEIM, 2000). Nesse cenário turvo, as palavras de Meneses (1992, p. 49) pontuam que a cidade tem sido reduzida ao jogo da "pura imagem", com íntima vinculação à lógica do consumo e à venda de estilos de vida: "Ver a cidade hoje não pode escapar de ver um enorme, pulsante e atraente espaço de venda".

Veja-se que há tempos a importância do tema é flagrante, o assustador crescimento (desordenado) das cidades e a ineficácia (ausência) do controle administrativo sobre tal processo sempre contribuíram para o caos paisagístico hoje existente na maioria das localidades brasileiras. (MONTEIRO, 2003)

Neste diapasão, destacando a necessidade de limitação das atividades ofensivas à estética urbana, Marchesan (2006, grifamos) preleciona:

A propaganda de rua pode ser limitada quanto à zona de uso, local de exposição, dimensões, luminosidade, condicionantes esses que devem ser criteriosamente controlados pela municipalidade garantindo um mínimo de estética urbana. Não uma estética meramente formal, mas a que consegue influenciar na conduta social dos indivíduos e na maneira como a cidade afeta suas faculdades estéticas, ao impedir seu completo desenvolvimento como pessoas humanas. É dessa estética que falam autores como Édis Milaré , Rodolfo Camargo Mancuso , Hely Lopes Meirelles e José Afonso da Silva , ao reconhecerem que a colocação de mensagens publicitárias de forma desordenada do espaço urbano caracteriza a poluição visual e, como tal, é enquadrável no conceito vazado pelo art. 3º, inc. III, alínea “d”, da lei n. 6.938/81.

Evidente, pois, que é preciso que se restabeleça o direito do cidadão à fruição plena da paisagem urbana. Para tanto, impende o entrosamento entre os instrumentos normativos já à disposição da sociedade e um esforço incansável desta no sentido de cobrar dos entes políticos o combate à poluição visual imoderada, considerando a sua potencialidade lesiva a um microbem ambiental intimamente relacionado com a higidez psicológica e com a qualidade de vida de toda a coletividade.

O campo jurisprudencial no cenário de combate à poluição visual é robusto. Em longínquo acórdão do início da década de 60, Hely Lopes Meirelles já demonstrava sua preocupação com o tema:

[...] a preservação das paisagens constitui perene preocupação dos povos civilizados e se acha integrada nos objetivos do urbanismo contemporâneo... O assunto é detal magnitude do ponto de vista urbanístico, que já mereceu um congresso especial realizado na Itália, em 1957, sob o patrocínio do 'Instituto Nazionale di Urbanistica', para estudo do tema 'Difesa e valorizzazione del paesaggio urbano e rurale', e no qual se afirmou a necessidade de proteção paisagística da cidade e de seus arredores [1º TACivSP - Apelação cível nº 62.393 - Revistade Direito da Procuradoria Geral - RJ - 14/192]

O mesmo autor, tratando mais especificamente do assunto em uma de suas obras, afirmou com exatidão que

nada compromete mais a boa aparência de uma cidade que o mau gosto e a impropriedade de certos anúncios em dimensões avantajadas e cores gritantes, que tiram a vista panorâmica dos belos sítios urbanos e entram em conflito estético com o ambiente que os rodeia (MEIRELLES, 1987, p.116).

Na mesma linha, tantos outros julgados elucidativos sobre a questão da poluição visual:

Ao Município compete, por força constitucional, legislar sobre assuntos de seu peculiar interesse local8. A publicidade urbana, abrangendo os anúncios de qualquer espécie e forma expostos ao público, deve ficar sujeita à regulamentação e polícia administrativa do Município, por ser tema e questão competencial de seu interesse próprio e autônomo, objetivando coibir a poluição visual e evitar abusos de empresários que violam aspecto primordial da regulamentação edilícia, que é a estética urbana. Isto porque nada mais compromete a boa aparência de uma cidade que o mau gosto e a impropriedade de certos anúncios em dimensões avantajadas e cores gritantes, que tiram a vista panorâmica de belos sítios urbanos e entram em conflito estético com o ambiente que os rodeia [Ap 7109835500 SP, Relator: Guerrieri Rezende, Data de Julgamento: 03.03.2008, 7ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 19.03.2008]

MANDADO DE SEGURANÇA - LEI 14.223/06 - INCONSTITUCIONALIDADE - INEXISTÊNCIA AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AO DIREITO DE VEICULAR PROPAGANDA - LEGISLAÇÃO QUE PROMOVEU APENAS A READEQUAÇÃO DOS ANÚNCIOS DE MODO A ORDENAR A PAISAGEM URBANA COIBINDO A POLUIÇÃO VISUAL EM NÍTIDA PREVALÊNCIA DO INTERESSE COLETIVO SOBRE O PARTICULAR - RECURSO DESPRO VIDO. I.14.223 [994070552247 SP, Relator: Ferraz de Arruda, Data de Julgamento: 14/04/2010, 13ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 04/05/2010]

MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO - "Totens" para vinculação de atividade - Lei Municipal 14 223/06 - Legitimidade do poder de polícia no controle da poluição visual - Ataque, tn casu, à lei em tese - Súmula 266, do STF [Apelação Cível 6787615000 SP, Relator: Francisco Vicente Rossi, Data de Julgamento: 03.03.2008, 11ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18.03.2008]

Publicidade urbana - Interpretação da Lei Municipal n° 14 223/06 ~ Ao Município compete, por força constitucional, legislar sobre assuntos de seu peculiar interesse locai A publicidade urbana, abrangendo os anúncios de qualquer espécie e forma expostos ao público, deve ficar sujeita à regulamentação e polícia administrativa do Município, por ser tema e questão compeíencial de seu interesse próprio e autônomo, objetivando coibir a poluição visual e evitar abusos de empresários que violam aspecto primordial da regulamentação edilícia, que é a estética urbana. Isto porque nada mais compromete a boa aparência de uma cidade que o mau gosto e a impropriedade de certos anúncios em dimensões avantajadas e cores gritantes, que tiram a vista panorâmica de belos sítios urbanos e entram em conflito estético com o ambiente que os rodeia Sentença que concedeu a segurança. [Apelação 7109835500 Relator: Guerrieri Rezende 7º Câmara de Direito Público Data julgamento: 03.03.2008 Data registro: 19.03.2008]

ADMINISTRATIVO. POLUIÇÃO VISUAL. PROPA¬GANDA EM MEIO ABERTO (FRONTLIGHTS, MOVING SIGNS, OUTDOORS). ILEGALIDADE.

1. Cabe ao Município regular e policiar a propaganda em meio aberto, seja qual for o veículo (frontlights, moving signs, outdoors), pois tal atividade é altamente nociva ao meio ambiente artificial e, no caso da cidade de Porto Alegre, provocou grosseira poluição visual, de acordo com a prova técnica. É necessária prévia licença para expor propaganda no meio aberto e a prova revelou que as empresas exploradoras dessa atividade econômica não se ocuparam em cumprir a lei. Demonstrado o dano ao meio ambiente, devem os responsáveis indenizá-lo, fixando-se o valor da reparação pecuniária em valor módico. Por outro lado, mostra-se prematura a fixação de multa ante a necessidade de examinar caso a caso as hipóteses de remoção na execução. 2. APELAÇÕES DAS RÉS DESPROVIDAS E APELAÇÃO DO MUNICÍPIO PROVIDA EM PARTE. [Ap. 70011527215 Quarta Câmara Cível de Porto Alegre Des. Araken de Assis. Julgado em 30/11/2005]

Como se pode ver, o ordenamento jurídico pátrio paulatinamente começa a conferir maior importância ao combate à poluição visual9, reconhecendo-a como um dos algozes da qualidade de vida da sociedade. Todavia, a consciência coletiva sobre a premência de se frear a degradação da estética da paisagem ainda é tímida, talvez pelo desconhecimento acerca dos efeitos que a percepção visual tem sobre o ser humano.

Deve-se ter em mente que "o aperfeiçoamento da legislação, visando banir a poluição visual, só virá com a consciência de que toda atividade econômica deve estar pautada no respeito a princípios éticos" (AMARAL, 2006), com a valorização indelével dos valores ambientais como condicionantes da qualidade da vida humana.

Não há legislação no mundo que possa compensar a falta de vontade política. Enquanto a poluição visual for tratada como a paciente que ainda não inspira cuidados, a paisagem urbana continuará sofrendo de doença terminal. Retardar o tratamento poderá inviabilizar a cura. (RAMOS, 2004)

OS DEVERES FUNDAMENTAIS

Muito embora a temática dos deveres fundamentais venha sendo objeto de poucos estudos, se comparada às incessantes reflexões doutrinárias e jurisprudenciais sobre os direitos fundamentais, é muito claro que ambas as categorias são interdependentes e correlatas, não podendo uma ficar à sombra da outra, até porque não é possível, “atualmente, conceber o indivíduo como portador apenas de direitos, devendo-se observá-lo também como sujeito de deveres - em relação a si próprio, á sociedade e às gerações futuras" (SIQUEIRA, 2010).

A ideia de os seres humanos serem ao mesmo tempo sujeitos de direitos e de deveres era muito comum no mundo antigo, mas que se perdeu com o passar dos anos na história da sociedade ocidental, de maneira que a noção do ser humano detentor de um compromisso com sua comunidade ou sociedade foi perdendo valor, sobretudo a partir da necessidade de se proteger a pessoa das ingerências estatais. (SIQUEIRA, 2010).

Verifica-se, portanto, que ambos, direitos e deveres, pertencem ao mesmo sujeito. Assim, é conveniente notar, em consonância com Nabais (2004, p.65), que, enquanto os direitos fundamentais exprimem o aspecto ativo dos indivíduos perante o Estado e a sociedade, os deveres expressam o aspecto passivo da mesma relação, emanando daí a coexistência entre os direitos e os deveres.

Então, os direitos não vivem sem que se realizem os deveres que os sustentam. Em outras palavras, quando se observa a crise dos direitos em uma sociedade, deve-se ter em conta que esse sintoma ou essa doença tem uma causa muito bem definida: a desvalorização dos deveres. (MALIZIA, 2012)

Conforme nos ensina Ruschel (2007, p.231), em obra específica sobre o tema, o instituto dos deveres fundamentais existe em nossa ordem constitucional desde a Carta de 1824, quando o texto previa a responsabilidade de todos os brasileiros pegarem em armas para a defesa do país, como forma de assegurar a soberania nacional. As Constituições subsequentes, todas elas, também trouxeram deveres fundamentais a serem observados pelos cidadãos, ao que se pode constatar

que os deveres acompanharam a evolução cronológica dos direitos fundamentais nas Constituições brasileiras, ou seja, à medida que os indivíduos se tornavam destinatários de direitos de liberdade e igualdade, amadureciam o Estado Democrático e adquiriam obrigações para com o Estado e a coletividade (FRANÇA, 2011).

Contudo, Ruschel (2007, p.237, grifamos) destaca que

[...] somente na última Constituição Federal Brasileira, de 1988, é que apareceu o dever de solidariedade, representado, principalmente, pelo dever de proteção ao meio ambiente no seu artigo 225, que ‘impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo’, bem como o dever de proteção ao patrimônio comum da humanidade, mencionado no artigo 216, no qual o ‘Poder Público, com a colaboração da sociedade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro’.

A Constituição Republicana de 1988, portanto, inaugurou a regulamentação do dever fundamental atinente aos ideais de solidariedade, cuja essência pressupõe a participação de toda a sociedade na busca pela efetividade de direitos e garantias de natureza transindividual, sendo que, como bem destaca MEDEIROS (2004, p.95), “os deveres fundamentais devem ser entendidos não como limites dos direitos individuais, mas como obrigações positivas perante a comunidade”.

O resultado imediato dessa regulamentação foi a redação de um capítulo específico direcionado à tutela do meio ambiente, com a atribuição à coletividade e ao Poder Público da condição de sujeitos titulares desta obrigação (FRANÇA, 2011), de modo que é possível, ainda, classificar o dever de defender o meio ambiente como um dever “fruto da própria organização e sobrevivência da sociedade” (RUSCHEL, 2007,p.243).Como se pode notar, o dever fundamental de proteção do meio ambiente está expresso no art. 225 da Constituição Republicana, imediatamente ao lado do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ilustrando bem a mencionada correlação entre direitos e deveres na ordem constitucional.

Nesse sentido, assevera-se que o dever do Poder Público e dos indivíduos de manter o equilíbrio do ecossistema está explicitamente previsto na Constituição em seu artigo 225 e decorre do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo, portanto, um dever fundamental.(FRANÇA, 2011)

Para Canotilho (2007, p.847), esses deveres ambientais se materializam em três vertentes: o dever de abstenção de práticas nocivas ao meio ambiente; a obrigação de ações efetivas para a sua preservação; e a obrigação de impedir que terceiros danifiquem o meio ambiente.

Na perspectiva da também lusitana Carla Amado Gomes (2009, p.178), trata-se de um dever de caráter pluriforme, porquanto oscila entre diversos fatores e agentes, contando com alguns direitos que lhe são instrumentais, como o direito à informação. A autora também defende se tratar de um dever reflexo de uma verdadeira ecocidadania.

A consequência prática é o próprio reflexo da literalidade do dispositivo constitucional de proteção ao meio ambiente, qual seja, a imposição ao Poder Público e à coletividade do dever de proteção (persecução) do meio ambiente (ecologicamente equilibrado), diante da sua reconhecida função de corolário do direito constitucional à vida e como forma de aplicação da solidariedade intergeracional.

Nas palavras sintéticas e precisas do magistrado Marcelo Malizia Cabral (2012),

O direito ao meio ambiente equilibrado certamente depende do cumprimento dos deveres de preservação e de não degradação por particulares, empresas e poder público; bem como o direito a uma cidade aprazível carece, igualmente, do cumprimento de obrigações comunitárias (educar, preservar, respeitar, não poluir) e do Estado (construir, regulamentar, fiscalizar, etc).

De forma semelhante, Ferreira (2008, p.233, grifamos), anota:

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence a todos, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Visando a assegurar a efetividade desse direito, a Constituição atribuiu ao Poder Público deveres específicos, os quais deverão ser cumpridos em um espaço de democracia ambiental.

Eis que, diante das ponderações vistas acima, podemos concluir que, aliado às discussões sempre recorrentes acerca do direito fundamental ao meio ambiente, é imperativo, neste percurso de amadurecimento do Direito do Meio Ambiente, o incremento das reflexões sobre os deveres fundamentais, enquanto pressupostos para a consolidação da tutela ambiental.

Benjamin (2008, p.65, grifamos) alerta para esse certo menosprezo no tratamento dos deveres ambientais:

quando falamos em proteção constitucional, a primeira expressão que nos vêm à mente é o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ora, tão importante - mas desprezada em comentários - é a previsão de deveres constitucionais direcionados à tutela ambiental, em favor dos próprios cidadãos e futuras gerações, ou ainda da própria natureza.

E na mesma linha, leciona também França (2011), com acerto:

A defesa do meio que o homem habita passou a ser obrigação dos indivíduos para garantir a efetividade do direito ao meio ambiente equilibrado reconhecido constitucionalmente. Desta forma, o indivíduo, em sua condição de cidadão, tornou-se não apenas destinatário desse direito, mas também sujeito ativo do dever fundamental de proteger a natureza.

Destarte, a proteção ambiental é um dever fundamental estampado em nossa Constituição, de maneira que o seu reconhecimento pela sociedade retira o cidadão da posição passiva de mero destinatário de direitos e se revela, portanto, imprescindível para a consolidação das normas de proteção ao meio ambiente. Esse entendimento requer a compreensão de que, mais do que simples receptáculo passivo de um aglomerado de direitos, o indivíduo é força ativa na sua efetivação.

Como bem destaca Benjamin (2008, p.66), "a Constituição de 1988 impõe ao Poder Público e particulares um ‘caderno de encargos’ - para usar a expressão de Canotilho e Moreira". Nela, ainda segundo o autor, vamos identificar um dever geral de não degradar (= núcleo obrigacional), além de deveres derivados e secundários, de caráter específico, todos elencados no § 1º do art. 225, além do leque de deveres explícitos e especiais, exigíveis de particulares ou do Estado, previsto no art. 225, §§ 2º e 3º.

De toda sorte, não se pode jamais perder de vista que a construção de um cenário de sustentabilidade é tarefa que não cabe de forma absoluta ao Estado, sendo só dele exigível.

Ao contrário, os deveres associados a essa mudança de paradigma devem ser cobrados de qualquer pessoa, em especial dos agentes econômicos. Daí que não basta dirigir a norma constitucional apenas contra o Estado, pois a defesa do meio ambiente há de ser dever de todos - aliás, como bem disposto no art. 225. Acertou a Constituição, pois, ao afastar-se do modelo político do Liberalismo, fundado na cisão Estado/sociedade civil. Em especial no art. 225 fica clara esta opção legislativa do constituinte, que, ao tratar da questão ambiental, reconhece a "indissolubilidade entre Estado e sociedade civil". (BENJAMIN, 2008, p.66, grifamos)

Atribuir esse protagonismo ao Estado é incorrer em um erro grave que ofusca a proeminência de toda a coletividade na luta pela consolidação da tutela ambiental e pela eficácia de suas normas. Conforme aduz Benjamin (2008, p.67), é preciso ter sempre em mente que, além de ditar o que o Estado deve fazer (deveres positivos) e o que não deve fazer (deveres negativos), a norma constitucional se lança sobre todos os cidadãos, convicta de que essa é a única forma de se a atingir a sustentabilidade.

Enquanto uns detêm o dever de preservar, outros detêm poder de fiscalizar essa obrigação, ou ainda, para que se possa ter o poder de usufruir de um meio ambiente saudável e equilibrado, tem-se o dever de ser sujeito ativo em sua preservação. Assim, no que concerne à proteção ambiental, a coletividade e o Estado possuem o poder e, sobretudo, o dever de preservar e, nele, o de proteger o meio ambiente (MEDEIROS, 2004, p.102)

Na mesma toada, França (2011):

Desta forma, o cuidado e a obrigação de cuidado são de toda a sociedade, isto é, as pessoas têm o dever de preservar o ambiente planetário, no entanto, é essencial para a consolidação da tutela ambiental o reconhecimento pelo homem de que além de reclamar direitos, possui a obrigação social de prestar deveres.

Nessa linha, o dever de zelar pelo meio ambiente e proteger a dignidade da pessoa humana é tarefa que recai sobre todos os indivíduos, indistintamente, promovendo, assim, a nova perspectiva de solidariedade intergeracional, cuja essência preconiza a necessidade de zelar pelo meio ambientes com vistas a elevar a qualidade de vida das sociedades atuais e, mais que isso, como forma de salvaguardar a vida das gerações porvindouras.

O zelo e o dever de cuidado é de toda a sociedade, todas as pessoas tem o dever de preservar o ambiente de nosso planeta adequado para a sadia qualidade de vida das presentes e das futuras gerações, aplicando, assim, o princípio da dignidade da pessoa humana em conexão com um princípio muito maior, qual seja, a dignidade da própria vida. (MEDEIROS, 2004, p.125)

Desse modo, é chegada a hora de a sociedade tomar consciência do seu papel de absoluta proeminência na proteção ambiental, incumbida de deveres fundamentais para a construção do modelo sustentável almejado pela Constituição. A postura passiva e resignada em nada se coaduna com a essência proativa do art. 225 e acaba por transferir para o Poder Público uma responsabilidade que não pode ser só dele, tanto pela sua leniência vez ou outra demonstrada, quanto por sua própria ausência de forças para, sozinho, zelar pelo bem ambiental.

Os resultados serão sempre mais satisfatórios se houver o apoio das pessoas envolvidas. Não é possível colocar um guarda ambiental a cada 200 metros em nosso país, vigiando permanentemente todos os brasileiros. É necessário que todos participem da defesa do nosso ambiente [...]. (FREITAS, 2000, p.145, Grifo Nosso)

O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DO RETROCESSO AMBIENTAL

No estudo das características nucleares dos direitos fundamentais, verificamos que os Poderes Públicos estão vinculados a essa categoria de direitos, sendo que, no âmbito da vinculação do Poder Legislativo, temos a chamada proibição do retrocesso, que na seara ambientalista deu origem ao princípio da vedação do retrocesso ambiental10.

Quem admite tal vedação sustenta que, no que pertine a direitos fundamentais que dependem de desenvolvimento legislativo para se concretizar, uma vez obtido certo grau de sua realização, legislação posterior não pode reverter as conquistas obtidas. A realização do direito pelo legislador constituiria, ela própria, uma barreira para que a proteção atingida seja desfeita sem compensações (MENDES e BRANCO, 2012, p).

O constitucionalista Luis Roberto Barroso também deu significativa contribuição à elucidação do tema, doutrinando que

por este princípio, que não é expresso mas decorre do sistema jurídico-constitucional, entende-se que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, ele se incorpora ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido. Nessa ordem de idéias,uma lei posterior não pode extinguir um direito ou garantia, especialmente os de cunho social,sob pena de promover um retrocesso, abolindo um direito fundado na Constituição. O que se veda é o ataque à efetividade da norma,que foi alcançado a partir de sua regulamentação (BARROSO, 2001, p. 158).

Trata-se, contudo, de princípio longe de ter aceitação uníssona na doutrina pátria e na sociedade, vitimado pelo menosprezo e constantes ataques do pensamento economicista, ao qual é conveniente defender que o legislador goza de plena liberdade e autonomia para rever e, de quando em quando, expurgar esses direitos da ordem jurídica.

Em sentido oposto, é-nos claro como água que, uma vez concretizada a efetivação de um direito fundamental, não se pode admitir que legislação superveniente regresse ao estado em que o direito ainda não era constitucionalmente garantido. Admitir o retrocesso legislativo quanto ao que já foi conquistado representa teratologia que fere de morte um dos alicerces inabaláveis dos direitos fundamentais, qual seja, a limitação do poder do Estado, em todas as suas esferas de poder.

Notadamente na seara ambiental, essa possibilidade de recuo ao bel-prazer do legislador representa um abalo significativo no já insuficiente patamar de proteção jurídica alcançado pelo meio ambiente, ao que se torna premente a consolidação do princípio da vedação do retrocesso ambiental num contexto em que a proteção dos cada vez mais devastados recursos naturais só pode caminhar a passos firmes para frente, jamais retrocedendo. É nesse sentido que se posiciona Michel Prieur (2007, p.11, grifamos):

O ambiente é uma política-valor que, por seu peso, traduz uma busca incessante de um melhor ser, humano e animal, em nome do progresso permanente da sociedade. Assim, em sendo as políticas ambientais o reflexo da busca de um melhor viver, de um respeito à natureza, elas deveriam vedar todo tipo de regressão.

Isso porque ao almejar a preservação do bem ambiental, cada vez mais degradado pela ação humana, o Direito Ambiental deveria, segundo o autor, revestir-se de certa irreversibilidade, de modo a se blindar contra modificações ou extinções normativas que minoram ou simplesmente eliminam a proteção outrora obtida, sendo que o retorno ao estado de desamparo jurídico muitas vezes leva à destruição de todo o progresso alcançado, já que voltam a exploração imoderada, a poluição, etc...

Para Prieur (2007, p.12), no momento presente diversas ameaças sugerem esse retrocesso da proteção jurídica ambiental, tais como a vontade de simplificar o direito, o que leva a uma "deslegislação" do direito ambiental, e o discurso econômico-desenvolvimentista que propugna a regressão das obrigações jurídicas na seara ambiental e solidifica a subserviência do direito à economia.

Por esta razão, impõe-se preservar a noção de que "há distintos graus de proteção ambiental e que os avanços da legislação consistem em garantir, progressivamente, uma proteção a mais elevada possível, no interesse coletivo da Humanidade" (PRIEUR, 2007, p.15).

O autor prossegue e sugere a importância de se construir uma argumentação jurídica que seja capaz de promover a não regressão como princípio balizador do Direito Ambiental. Segundo ele, essa argumentação jurídica se baseia em três pilares:

A própria finalidade do Direito Ambiental, a necessidade de se afastar o princípio de mutabilidade do direito e a intangibilidade dos direitos humanos. Constataremos, então, que, do direito internacional ao direito nacional, encontram-se já várias ilustrações do princípio de não regressão, o que abarca, inclusive, a jurisprudência (PRIEUR, 2007, p.16)

A elevação do princípio é, pois, de relevância imensurável, uma vez que é incansável a atuação daqueles que tencionam extirpar uma norma ambiental ou reduzir a sua efetividade, sacramentando uma regressão que representa afronta direta à norma inicial. Essa atuação é normalmente feita mediante um discurso velado que se escora na mutabilidade do Direito e na ideia de que ele deve "se submeter, necessariamente a uma regra de adaptação permanente, reflexo da evolução das necessidades da sociedade" (PRIEUR, 2007, p.19).

De fato, nas linhas iniciais de nosso trabalho apresentamos essa máxima como uma das premissas da compreensão do fenômeno jurídico, já que o Direito é marcado por um infrene dinamismo que o coloca atento às evoluções e involuções da sociedade que o rege e é regida por ele.

No entanto, lembramos o conceito intermediário proposto por Mário Reis Marques, no sentido de que o Direito, mais do que somente um produto dos anseios sociais, goza também de autonomia própria, ao que nos é muito claro que a questão ambiental se crava como uma exceção evidente à mutabilidade apregoada pelos avessos ao princípio da não regressão ambiental. Ademais, mesmo na ótica do Direito estritamente condicionado à evolução das necessidades da sociedade, não restam dúvidas de que a necessidade premente que emana do tecido social é a da proteção ambiental, e não o retrocesso buscado por interesses espúrios e infensos à sustentabilidade e à vida sadia das gerações futuras.

Por esta razão, Fiorillo (2012) arremata que se uma norma infraconstitucional

estabelecer ou mesmo regulamentar um mandamento constitucional ambiental, instituir determinado direito, ele se incorporará ao patrimônio jurídico de brasileiros e estrangeiros residentes no País em face do que estabelecem os princípios fundamentais constitucionais que estruturam o direito ambiental constitucional brasileiro, a saber, os artigos 1º a 3º da Carta Magna bem como Art.225 da Lei Maior.

Essas normas não podem ser suprimidas ao livre alvedrio do legislador, sem que haja uma medida substitutiva ou equivalente, por terem sua matriz estampada nos princípios fundamentais da Constituição Federal e por darem concretude e efetividade ao art. 225.

Trata-se de reconhecer que o fundamento do direito ambiental constitucional brasileiro, no atual Estado Democrático de Direito, guarda absoluta e explícita compatibilidade com a dignidade da pessoa humana (Art.1º, III da CF) (FIORILLO, 2012).

Sarlet (2004, p.35) também assinala que "o princípio da vedação do retrocesso decorre implicitamente do ordenamento constitucional brasileiro", uma vez que ele emana da essência e substância dos princípios do Estado Democrático de Direito, da segurança jurídica, da dignidade da pessoa humana e da máxima eficácia e efetividade dos direitos fundamentais (art.5º, § 1º da CR)11.

Embora (o princípio da proibição de retrocesso social) ainda não esteja suficientemente difundido entre nós, tem encontrado crescente acolhida no âmbito da doutrina mais afinada com a concepção do Estado democrático de Direito consagrado pela nossa ordem constitucional (STRECK, 1999, p.31)

Inexistente qualquer hesitação para incluir os direitos ligados ao meio ambiente no rol dos direitos fundamentais, a Constituição Republicana de 1988 traz ainda em seu art. 60 § 4º a vedação de emendas tendentes a abolir direitos e garantias individuais - as chamadas "cláusulas pétreas", nas quais podemos reconhecer, igualmente sem titubeios, a proteção constitucional do meio ambiente, que logo se reveste do mesmo caráter pétreo e, portanto, revela-se impassível de revisão.

Eis que o escopo de não retrogradação ínsito ao princípio guarda, consoante Prieur (2007, p.24), total harmonia com o caráter finalista e voluntarista do direito ao meio ambiente e é consentâneo com a ideia de garantir um desenvolvimento contínuo e sempre progressivo da efetividade da proteção do ambiente. Para o autor, o recuo hoje não seria o mesmo recuo de ontem, como se pode extrair das palavras de Naim Gesbert (APUD Prieur, p.25), quando diz que a proibição de retrocesso permite a necessária adaptação "evolutiva, em espiral ascendente" do Direito Ambiental.

Como bem assinalou o Senador Rodrigo Rollemberg, presidente da CMA, "é hora, pois, de caminhar para a frente, nunca para trás". Urge consagrar o princípio da proibição do retrocesso ambiental como forma de promover o incremento contínuo da salvaguarda do meio ambiente e impedir que o Direito regresse a tempos em que era (ainda mais) silente na proteção desses direitos imprescindíveis à permanência da vida na Terra.

Sobre o autor
Felipe Augusto Rocha Santos

Bacharel em Direito pela FDV - Vitória

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Felipe Augusto Rocha. Função estética da paisagem urbana:: o direito fundamental à beleza paisagística. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3975, 20 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28658. Acesso em: 23 dez. 2024.

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