1. INTRODUÇÃO
A confissão é meio de prova que consiste na admissão, pela parte, de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao interesse da parte ex adversa (Código de Processo Civil, art. 348). A inspeção judicial, a seu turno, diz com a apreensão direta do fato probando, por parte do magistrado, através de exame minucioso de coisas, pessoas ou fenômenos, sem a mediação necessária de qualquer auxiliar.
De posse dessas informações, qual deve ser a postura do magistrado se o representante confessa pelo incapaz e o incapaz ratifica a confissão? E mais, se a parte se recusa injustificadamente a submeter-se à inspeção judicial, como deve proceder o juiz da causa?
2. DESENVOLVIMENTO
A princípio, no intento de encontrar uma resposta plausível à primeira indagação, é imprescindível passar pela leitura de dois dispositivos legais pertinentes ao tema. Trata-se do art. 351, do Código de Processo Civil, e do art. 213, do Código Civil. Veja-os:
Art. 351. Não vale como confissão a admissão, em juízo, de fatos relativos a direitos indisponíveis.
Art. 213. Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados.
Parágrafo único. Se feita a confissão por um representante, somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o representado.
Cumpre ressaltar que a doutrina majoritária[1] aponta que o art. 351, do Código de Processo Civil, que trazia a sanção de invalidade para a confissão referente a direitos indisponíveis se encontra atualmente revogado pelo art. 213, do Código Civil, que, além de ser lei posterior, regulou integralmente a matéria trazida pelo dispositivo anterior.
É de Humberto Theodoro Júnior[2] a lição pela qual “o representante legal de incapaz não pode confessar fato que diga respeito ao representado”. Corroborando o entendimento, sustenta Didier[3] que a confissão do representante do incapaz é sempre ineficaz, somente podendo ser aceita como testemunho.
Se o incapaz vier posteriormente a ratificar a confissão feita por seu representante, a declaração da admissibilidade de tal fato estará fadada ao mesmo fim – a ineficácia, e não gerará o efeito de confissão. É que o incapaz não pode dispor dos direitos que recaem sobre os fatos “confessados”. Todavia, tal admissibilidade não poderá ser recebida como testemunho, posto que a ninguém é dado prestar testemunho no processo em que funciona como parte.
Interessante é a solução apontada por Daniel Amorim Assumpção Neves que, por sua clareza e precisão, se faz transcrever literalmente:
[…] a declaração de admissibilidade de um fato não gera o efeito de confissão se a parte não pode dispor dos direitos que foram o objeto da confissão. Ainda que não se trate de confissão, a declaração da parte continua a ser valorada pelo juiz, como prova atípica. Será ineficaz como confissão, mas não inválida como prova, sendo por esse motivo permitido ao juiz levar em conta o ato praticado pela parte na formação de seu convencimento.[4]
Dessarte, a lei não inquina de invalidade a confissão realizada pelo incapaz, apenas impedindo que a declaração da ciência do fato adquira o status de confissão, com os efeitos dela decorrentes. Não se invalida a confissão, apenas se lhe retira a eficácia. Em outros termos, a declaração de ciência feita por incapaz não se caracteriza como confissão, mas pode ser valorada pelo juiz de acordo com seu livre convencimento motivado, desde que não lhe invista de eficácia confessória[5].
Desenvolvendo o segundo tópico objeto deste estudo, cumpre tecer algumas observações acerca da postura do juiz da causa caso a parte se recuse injustificadamente a se submeter à inspeção judicial.
A inspeção judicial, conforme sucinta definição doutrinária, consiste na prova produzida diretamente pelo juiz, quando inspeciona pessoas, coisas, fenômenos ou lugares, sem qualquer intermediário entre fonte de prova e seu destinatário imediato – o próprio juiz[6].
Repare que, a teor do que dispõe o art. 340, II, do Código de Processo Civil, a parte tem o dever de submeter-se à inspeção judicial. Entretanto, parcela considerável da doutrina, conforme relata Fredie Didier, reconhece à parte o direito de não ser inspecionada nos casos do art. 347, do Código de Processo Civil – casos de escusa do depoimento pessoal e, outrossim, nos casos do art. 363, do mesmo diploma processual – regras que excluem o dever de exibir documentos ou coisas[7]. Tratam-se das escusas legítimas do dever de submeter-se à inspeção judicial.
Não obstante, se a parte se recusa imotivadamente à inspeção judicial, não é dado ao Estado Juiz coagi-la mediante força a submeter-se a ela. Sem embargo, esse comportamento rebelde da parte pode acarretar duas severas consequências processuais.
Em primeiro lugar, a recusa imotivada à inspeção judicial pode configurar litigância de má-fé, na modalidade resistência injustificada ao andamento do processo (art. 17, IV, do Código de Processo Civil), submetendo a parte ao pagamento de multa de até 1% sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou (art. 18, caput, do Código de Processo Civil)[8].
Em segundo lugar, a resistência imotivada à inspeção pode ser considerada pelo juiz um indício que fundamente a presunção judicial do fato que se queria provar[9]. É dizer, a não submissão à inspeção, quando injustificada, autoriza o juiz presumir a ocorrência do fato que se queria ver provado, mesmo que esta prova não tenha sido produzida.
3. CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que a confissão realizada pelo representante do incapaz é ineficaz, podendo, quando muito, ser tomada pelo juiz como testemunho e, se ratificada por este, a despeito de permanecer ineficaz enquanto confissão, pode ser valorada, fundamentadamente, como prova atípica. Já a recusa à inspeção judicial, se imotivada, pode ser considerada obstrução ao andamento do processo, submetendo a parte a todos os consectários da litigância de má-fé, além de autorizar o magistrado a a presumir a veracidade do fato que se queria provar por meio da inspeção frustrada.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. 6. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011.
NEVES, Daniel Aamorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2012.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção; FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Código de Processo Civil Para Concursos: Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concursos. 4. ed. Salvador: Jus Podivm, 2013.
5. NOTAS
[1]DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. 6. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 132.
[2]Theodoro JR., Humberto. Comentários ao Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v3, t. 2, p. 425 apud DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. 6. ed. Salvador: Jus Podivm, 2011, p. 134.
[3]DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. op. cit., p. 134.
[4]NEVES, Daniel Aamorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 4. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 441.
[5]DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. op. cit., p. 131.
[6]NEVES, Daniel Amorim Assumpção; FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Código de Processo Civil Para Concursos: Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concursos. 4. ed. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 391.
[7]DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. op. cit., p. 262-263.
[8]ibidem, p. 263.
[9]idem.