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Danos morais transindividuais no processo coletivo brasileiro em matéria de Direito Ambiental

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Agenda 27/05/2014 às 10:20

Pode ocorrer o instituto do dano moral em ações coletivas lato sensu? Propõem-se alguns critérios de como manejar esse instituto no complexo sistema processual coletivo.

Resumo: O presente trabalho analisa a possibilidade, ou não, de se ocorrer o instituto do dano moral em ações coletivas lato sensu. Para se tentar responder essa pergunta, procedeu-se com uma análise profunda de alguns institutos do direito processual civil coletivo, do direito civil e da jurisprudência resultando-se, ao final, a conclusão. Além da possibilidade ou não de ocorrer os danos morais em ações coletivas, o Autor propõe alguns critérios de como manejar esse instituto no complexo sistema processual coletivo.

Sumário: Introdução. Abstract. I. Considerações Iniciais, Problematizações e Justificativas Para o Desenvolvimento Do Tema Proposto. II. Algumas Considerações Necessárias Acerca Dos Interesses ou Direitos no Processo Coletivo. II.A. Os Interesses ou Direitos Difusos. II.B. Os Interesses ou Direitos Coletivos Stricto Sensu. II.C. Os Interesses ou Direitos Individuais Homogêneos. III. Breves Considerações Acerca do Dano e o Sistema de Responsabilidade Civil. IV. Breves Considerações Acerca do Instituto do Dano Moral. IV.A. Alguns Critérios Existentes Para Fixação de um Valor a Título de Indenização por Dano Moral. V. Brevíssimos Apontamentos Sobre a Coisa Julgada no Processo Coletivo Brasileiro. VI. Brevíssimos Apontamentos Acerca Da Execução de Sentença Prolatada em Sede de Ação Coletiva Lato Sensu. VII. Do Exame Sobre a Divergência Jurisprudencial Acerca do Cabimento do Dano Moral Transindividual em Ações Coletivas Lato Sensu. VIII. Casos Reais. IX. Da Conclusão. Referência Bibliográfica.


INTRODUÇÃO.

De acordo com o artigo 1º da Lei n.º 7.347/1985, norteiam-se pelas disposições dessa lei “[...] sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados [...]” ao meio ambiente (inciso I), ao consumidor (inciso II), a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (inciso III), a qualquer outro interesse difuso ou coletivo (inciso IV), por infração da ordem econômica (inciso V); e à ordem urbanística (inciso VI).

Em rápida leitura do dispositivo acima, é possível extrair uma interpretação no sentido de que o instituto do dano moral (de natureza personalíssima - salvo as exceções - v.g. honra do de cujus) pode ser objeto de ações coletivas lato sensu. Vislumbra-se, pois, em sede de ação coletiva lato sensu, a possibilidade de ocorrência de dano moral transindividual, ou seja, aquele causado não às pessoas individualmente lesadas e determinadas, mas, sim, à coletividade, grupos, classes ou categoria de pessoas (indeterminados ou indetermináveis). Contudo, essa interpretação não poder ser tão imediata e elementar quanto parece.

O que se propõe, no presente artigo, é a análise do instituto do dano moral, bem como também fazer uma breve visita a alguns dispositivos do processo coletivo brasileiro para, ao final, tentar responder a 02 (duas) perguntas: a primeira se é possível (ou não) a aplicação do dano moral no âmbito dos processos coletivos lato sensu e a segunda, se positiva a primeira resposta, como indenizar adequadamente os lesados se o destino do produto da indenização, a priori, é o fundo previsto no artigo 13 da Lei 7.347/1985?

Além de tentar responder as duas questões acima propostas, ao final, será oferecida uma sugestão de como se pode tutelar o dano moral transindividual no sistema processual coletivo brasileiro e como interpretar o artigo 13 da Lei 7.347/1985?


I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS, PROBLEMATIZAÇÕES E JUSTIFICATIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO TEMA PROPOSTO.

Passemos, então, às considerações iniciais, problematizações e as justificativas para o desenvolvimento do tema ora proposto.

Adotemos, como ponto de partida, um caso hipotético de uma sociedade empresarial que, de forma proposital, deixa de investir em recursos para a amenização da poluição oriunda de sua atividade. Considere, ainda, que essa sociedade descarta, de forma irregular, dejetos químicos (metais pesados) oriundos de seu processo de produção em um rio onde, ao redor, vive uma comunidade de pescadores que depende dele para a sobrevivência (comércio e alimentação).

Considere por fim que, por conta do descarte irregular, houve a diminuição considerável da população de peixes desse rio o que, consequentemente, prejudicou o sustento dessa comunidade, além ter causado doenças e algumas mortes de pessoas por conta da contaminação pelos metais pesados.

Diante dos fatos acima narrados, a associação local dos pescadores (artigo 05º, inciso V da Lei n.º 7.347/1985) ajuizou uma ação coletiva com os seguintes pedidos: (a) obrigação de fazer (recuperação in natura da área degradada, executando projeto de recuperação ambiental ou a compensação da área mediante a constituição de ecossistema equivalente, no caso de a primeira opção ser impossível, desproporcional, ou insatisfatória); (b) não fazer (cessar o descarte irregular de dejetos naquele rio); e (c) uma indenização por dano moral coletivo por conta de todos os transtornos e prejuízos causados à comunidade pesqueira.

Se, no final, a ação for julgada procedente, por quais parâmetros o magistrado deve se balizar para arbitrar o valor a título de indenização por dano moral? Buscar critérios para arbitrar um valor justo e razoável a título de dano moral para uma determinada pessoa, seja ela física ou jurídica, configura-se, por si só, uma complexa tarefa. Que dirá, então, arbitrar um valor para a coletividade como um todo, em que cada um tem uma percepção e sentimento diferente acerca de um determinado acontecimento.

É que, muitas vezes, esse tipo de dano não está ligado à repercussão física ao meio ambiente, mas, ao revés, relaciona-se à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante da lesão ambiental. E o instituto do dano moral não existe, de forma geral, para reparar (monetariamente) o sentimento, o abalo psíquico da pessoa seja ela física ou jurídica?

Ou será que, na verdade, o dano moral é personalíssimo e próprio daquele que percebe os efeitos do ato ilícito, razões pelas quais, a ação deve ser parcialmente procedente indeferindo-se o pedido de dano moral coletivo? Sim, pois, o ar poluído, a floresta devastada, a espécie extinta (também porque não possuem personalidade jurídica) não percebem danos morais haja vista que não sentem dor, aflição, tristeza, angústia etc., características inerentes aos humanos.

Outra dificuldade que se vislumbra, também de fundamental importância, é a identificação do titular (individual) do direito da indenização para que se possa, por exemplo, medir a extensão do dano e definir o destino de eventual indenização.

E tem mais: em havendo condenação em dinheiro, o valor será revertido a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e os representantes da comunidade (artigo 13 da Lei n.º 7.347/1985). Quer dizer, dependendo da forma que o pedido for formulado na Inicial, o valor resultante da indenização não será destinado, de forma direta, aos lesados difusa ou coletivamente.

Será que o procedimento acima exposto atende a proposta do dano moral que é de amenizar, reparar e compensar a dor da vítima? No caso hipotético proposto, se o valor da indenização fosse revertido para o fundo que prevê o artigo 13 da Lei n.º 7.347/1985 os pescadores e suas respectivas famílias teriam o sofrimento amenizado? O instituto do dano moral atinge a sua finalidade se o valor da indenização for destinado ao fundo para a reconstituição do bem lesado?

Essas são, em breve síntese, algumas considerações iniciais necessárias, as justificativas para o desenvolvimento do tema e algumas das problematizações decorrentes da possível aplicação, ou não, do dano moral em ações coletivas lato sensu.


II – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES NECESSÁRIAS ACERCA DOS INTERESSES OU DIREITOS NO PROCESSO COLETIVO.

No sistema processual brasileiro, a expressão “processo coletivo” é utilizada como gênero para abranger ações relativas à tutela de interesses ou direitos: (i) difusos (que são os essencialmente coletivos); (ii) coletivos stricto sensu (que são os coletivos propriamente ditos) e os; (iii) direitos individuais homogêneos (que são de natureza coletiva apenas na forma em que são tutelados).

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II.A. - OS INTERESSES OU DIREITOS DIFUSOS.

A primeira modalidade a ser estudada encontra-se estampada no artigo 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor e define os interesses ou direitos difusos como “[...] os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”. Esses direitos, nas precisas palavras do professor Hugo Nigro Mazzilli

“[...] compreendem grupos menos determinados de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas, são antes pessoas indetermináveis), entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático se preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que encontrem unidas por circunstâncias de fatos conexas”.[1]

A primeira característica marcante desse interesse ou direito é a transindividualidade (que deve ser analisada sob o aspecto subjetivo). Essa característica recai sobre o titular do direito que não é um único indivíduo. Trata-se, pois, de um direito que pertence a um grupo de pessoas e não à administração pública ou ao particular que aspiram uma mesma pretensão de natureza indivisível.

A próxima característica é a natureza indivisível do objeto que se traduz pela impossibilidade de fracionar o direito entre os membros que compõe a coletividade envolvida. Melhor explicando, não é possível resolver o problema para um sem, automaticamente, resolver o de todos. Tampouco também é possível excluir quem quer que seja do polo da pretensão por força da natureza inclusiva do processo que possui objeto extrapatrimonial. Elton Venturi leciona que

“A indivisibilidade relaciona-se com a própria natureza da pretensão, cuja fruição deve se dar indistintamente entre todos os seus titulares. Tal atributo, aliás, deveria importar, logicamente e legalmente, a unidade da tutela jurisdicional dos direitos difusos, constituindo verdadeira heresia seu tratamento processual cindido, parcial, ou, pior, diversificado, como por vezes se verifica na praxe forense, seja em decorrência da ignorância do sistema de tutela coletiva, seja em decorrência da aplicação de regras inconstitucionalmente implementadas ao microssistema legal coletivo [...]”[2]

Justamente pelas características acima expostas acerca da indivisibilidade do objeto é que o professor Hugo Mazzilli aponta que

“[...] o produto de eventual indenização obtida em razão da degradação ambiental não pode ser repartido entre os integrantes do grupo lesado, não apenas porque cada um dos lesados não pode ser individualmente determinado, mas porque o próprio objeto do interesse em si mesmo é indivisível”.[3]

A característica seguinte refere-se aos titulares como pessoas indeterminadas. A coletividade titular do direito é formada por sujeitos indeterminados ou indetermináveis individualmente. Ou seja, não é possível identificar um a um os envolvidos. E nem é essa a intenção quando se cuida de um interesse difuso (e coletivo stricto sensu). E, aqui, cabe mencionar uma curiosa observação feita por Daniel Amorim Assumpção Neves no sentido de que é um equívoco afirmar que

“[...] a titularidade desse direito é de pessoas indeterminadas. Na realidade, os titulares não são sujeitos indeterminados, mas sim a coletividade. Essa coletividade, naturalmente, é formada por pessoas humanas, mas o direito difuso não as considera como indivíduos, mas tão somente como sujeitos que compõe a coletividade, como integrante desta”.[4]

O fato é que os titulares, simplesmente, não são identificados ou identificáveis por conta da dimensão do direito e pelo número de sujeitos que podem estar envolvidos. Para se tentar ter uma ideia do alcance dessa característica o professor Hugo Mazzilli nos apresenta as seguintes situações:

“[...] como individualizar as pessoas lesadas com o derramamento de grandes quantidades de petróleo na Baía de Guanabara, ou com a devastação da Floresta Amazônica? Como determinar exatamente quais as pessoas lesadas em razão de terem tido acesso a uma propaganda enganosa, divulgada pela rádio ou televisão?”.[5]

Diante disso fica, então, fácil de se compreender que a indeterminação dos titulares refere-se, portanto, à impossibilidade de estabelecer o número de pessoas que tem o mesmo direito. Eles não têm condições de se organizar em grupo de modo a abranger todos os possíveis interessados. Não por que não querem, mas, sim, porque não sabem onde estão e quem são os sujeitos que se encontram com o mesmo direito violado.

Finalmente, a quarta característica é que os titulares estão ligados por uma circunstância de fato que os unem sendo, pois, dispensável a necessidade de uma relação jurídica base. Como bem observa o Hugo Nigro Mazzilli “[...] no caso dos interesses difusos, a lesão ao grupo não decorrerá da relação jurídica em si, mas sim da situação fática resultante [...]”[6]. Por fim, vale colacionar os apontamentos do professor Pedro Lenza no sentido de que, nas circunstâncias de fato,

“[...] não se percebe qualquer vínculo jurídico, mas apenas uma situação fática a unir os sujeitos titulares dos interesses difusos. Não se identifica qualquer relação jurídica-base ligando o grupo, categoria ou classe de pessoas entre si ou com a parte contrária, relação esta percebida nos interesses ou direitos coletivos, onde esta característica evidencia-se antes da lesão ou ameaça de lesão coletiva”.[7]

Por fim, é preciso citar alguns clássicos exemplos de interesse ou direito difuso: (i) a publicidade enganosa de um produto que promete um resultado milagroso, mas, na verdade, somente causa potenciais efeitos colaterais e; (ii) o direito que todos têm de respirar um ar de boa qualidade.

II.B. - OS INTERESSES OU DIREITOS COLETIVOS STRICTO SENSU.

O artigo 81, parágrafo único, inciso II do Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, diz ser os interesses ou direitos coletivos stricto sensu “[...] os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.

Essa modalidade de direito, nas palavras do professor Hugo Nigro Mazzilli “[...] são transindividuais indivisíveis de um grupo determinado ou determinável de pessoas, reunidas por uma relação jurídica básica comum”.[8]

Sobre a transindividualidade e a natureza indivisível do objeto já foram tecidas as devidas considerações acima na definição dos direitos difusos. De maneira que essas 02 (duas) características são igualmente aplicáveis para os direitos coletivos stricto sensu.

Cabe, no entanto, tecer considerações acerca da titularidade que será um grupo, categoria ou classe de pessoas. Diferentemente dos direitos difusos o titular, aqui, será uma “comunidade” delimitada por um grupo, classe ou categoria de pessoas. São, pois, determináveis. É preciso observar que, ainda que a pessoa não seja sindicalizada ou vinculada àquela associação ou entidade de classe, não lhe é retirado o direito de co-titular das pretensões eventualmente pleiteadas em sede de ação coletiva. Nesse sentido, o professor Kazuo Watanabe nos ensina que

“Mesmo sem organização, os interesses ou direitos ´coletivos ´, pelo fato de serem de natureza indivisível, apresentam identidade tal que, independentemente de sua harmonização formal ou amalgamação pela reunião de uma entidade representativa, passam a formar uma só unidade, tornando-se perfeitamente viável, e mesmo desejável, a sua proteção jurisdicional em forma molecular.[9]

O professor Rizzatto Nunes, por sua vez, observa que “[...] para a verificação da existência de um direito coletivo não há necessidade de se apontar concretamente um titular específico e real”.[10]

A outra característica é a relação jurídica base. É, pois, dessa relação que nasce o direito a ser tutelado guardando, por isso, íntima relação com lesão ou a ameaça de lesão. Em sentido complementar, o professor Hugo Nigro Mazzilli observa que

“[...] Embora o CDC se refira a ser uma relação jurídica básica o elo comum entre os lesados que comunguem o mesmo interesse coletivo (tomado em seu sentido estrito), ainda aqui é preciso admitir que essa relação jurídica disciplinará inevitavelmente uma hipótese fática concreta; no caso de interesses coletivos, a lesão ao grupo não decorrerá propriamente da relação ao grupo”.[11]

É importante observar também que a relação-base necessita ser preexistente à lesão ou à ameaça de lesão do direito que reúne o grupo, a categoria ou a classe de pessoas. E, aqui, é preciso observar que não se deve confundir a relação jurídica base preexistente com a relação jurídica originária da lesão ou ameaça de lesão. De forma oportuna Fredie Didier Jr. consigna que

“[...] a relação-base forma-se entre os associados de uma determinada associação, os acionistas da sociedade ou ainda os advogados, enquanto membros de uma classe, quando unidos entre si (affectio societatis, elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns); ou, pelo vínculo jurídico que os liga a parte contrária [...].”[12]

                                                          (grifou-se)

De forma complementar, Elton Venturi leciona que

“A entidade associativa, ressalte-se, apenas tem a responsabilidade de coordenar judicialmente os interesses do grupo, classe ou categoria, mas não tem o poder de criar seus integrantes. Vale dizer, os componentes de uma determinada coletividade são identificáveis não propriamente em função do vínculo associativo ou sindical que as reúne – que, aliás, deve ser compreendido como meramente facultativo e eventual -, mas sim em função do enquadramento de cada um no regime jurídico próprio, comum e indivisível da pretensão coletiva.”[13]

São clássicos exemplos desses interesses ou direitos: (i) a discussão de reajuste abusivo de mensalidade em um determinado colégio pela Associação de Pais e Mestres (partes ligadas entre si por uma relação jurídica) e; (ii) a discussão acerca do pagamento ou não de uma taxa por determinado grupo, classe ou categoria (titular ligado ao sujeito passivo por uma relação jurídica).

II.C. - OS INTERESSES OU DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.

Por fim, o artigo 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor assevera ser os interesses ou direitos individuais homogêneos aqueles “[...] decorrentes de origem comum”. Cuida-se, nas palavras de Elton Venturi, de um artifício legislativo constituído

“[...] para fomentar o acesso à justiça, também pela via coletiva, de pretensões individuais reunidas em função de sua origem comum, atrelada às causas remotas ou próximas das lesões ou ameaças de lesões produzidas por um mesmo responsável”[14]

Como bem observa o professor Rodolfo de Camargo Mancuso [...] temos um interesse que só é efetivo na forma por que é exercido, não em sua essência. Um feixe de interesses individuais não se transforma em interesse coletivo pelo só fato de o exercício ser coletivo. A essência permanece individual”.[15] Ou como assevera o Kazuo Watanabe, esses direitos são “[...] individuais em sua essência, sendo coletivos apenas na forma em que são tutelados.”[16]

A tutela desse direito não é um litisconsórcio, mas, sim, um direito coletivo. Não se trata, pois, conforme aponta Rizzatto Nunes, de um “[...] ajuntamento de várias pessoas, com direitos próprios e individuais no pólo ativo da demanda, o que se dá no litisconsórcio ativo”.[17]

Abordadas algumas considerações iniciais sobre os direitos individuais homogêneos passemos, agora, a analisar mais profundamente a definição dessa categoria de direito que, para o professor Hugo Mazzilli

“[...] são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilham prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos de uma mesma circunstância de fato

             [...]

Em sentido lato, os interesses individuais homogêneos não deixam de ser também interesses coletivos”.[18]

Por outro lado, o professor Elton Venturi observa que:

“[...] não nos parece correto referir a titularidade dos direitos individuais homogêneos como pertencente a pessoas integrantes de ´grupos, classe ou categorias´, eis que, na realidade, entre si ou com a parte adversária, qualquer espécie de vínculo, formal ou informal, suficiente a reuni-los sob as referidas qualificações. A única ligação existente entre os indivíduos titulares de direitos homogêneos é meramente fática e casual (a origem comum da lesão), não versando sobre elementos essencialmente aptos a defini-los como transindividuais.”

Por fim, a confusão gerada pela equivocada imputação de pertinência subjetiva dos direitos individuais homogêneos a ´grupos, classes ou categorias´torna-se ainda mais evidente quando se verifica que o Código de Defesa do Consumidor imprime regimes distintos de extensão da coisa julgada: ultra partes, quando referíveis a grupos categorias ou casses; e erga omnes, quando referíveis a vítimas e sucessores”.[19]

A origem comum é, pois, um evento que vincula os titulares do direito violado. Esses direitos nascem em decorrência de uma lesão ou de uma ameaça à lesão que atingem (ou podem atingir) os indivíduos de forma igual.

Esse evento pode ser fáticojurídico ou fático e jurídico e não se limita apenas e tão somente aos eventos relacionados ao consumidor. Ao contrário, a origem comum pode estar ligada às questões ambientais, tributárias, previdenciária etc. Ou seja, o vínculo que unem as partes decorre senão da própria lesão ou ameaça de lesão configurada em cada caso.

Além da origem comum é preciso também a homogeneidade (que não é sinônimo de igualdade, mas, sim de afinidade). É preciso apenas que, do fato, conforme assevera Fredie Didier, “[...] decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais”.[20] Nas palavras de Marcelo Abelha Rodrigues

“A homogeneidade existe em razão de um conceito relacional, que, segundo pensamos, em relação ao sistema processual coletivo, deve ser feito sob a luz de um aspecto quantitativo e qualitativo. O qualitativo é o de que devem possuir uma origem comum (não necessariamente idêntica), compreendida sob o aspecto da causa de pedir próxima ou remota. O quantitativo diz respeito ao fato de tais interesses homogêneos devem possuir, efetivamente, uma considerável extensão dos indivíduos, de tal forma, que seja lícito atribuir-lhes um caráter de ´homogêneos´, portanto, com dimensão social que justifique, pois, um tratamento coletivo”.[21]

Para Antonio Gidi, por outro lado

[...] como a homogeneidade decorre tão-só e exclusivamente da origem comum dos direitos, estes não precisam ser iguais quantitativa e qualitativamente. Assim, da mesma forma que o quantum de cada prejuízo individual é algo peculiar e irrelevante, para a caracterização da homogeneidade de tais direitos, esses prejuízos individualmente sofridos podem ser das mais variadas espécies (patrimoniais, morais, lucros cessantes, danos emergentes) sem comprometimento à referida homogeneidade. Afinal, o ´homogêneo´ aqui se refere à identidade ou igualdade matemática entre os direitos, mas, a um núcleo comum que permita um tratamento universal e globalizante para todos os casos”.[22]

Contudo, nem sempre a homogeneidade será, por si só, suficiente para caracterizar a homogeneidade do direito em voga.

Ademais, é preciso observar que, diferentemente do que ocorre com os direitos difusos e coletivos stricto sensu o bem é divisível e os titulares são determinados. Conforme ressalta o professor Rizzatto Nunes [...] a origem é comum e atingiu a todos os titulares determinados do direito individual homogêneo, mas o resultado real da violação é diversa para cada um, de tal modo que se trata de objeto que se cinde, que é divisível”[23]. Em sentido complementar, Hugo Nigro Mazzilli observa que

“Tanto os interesses individuais homogêneos como os difusos originam-se de circunstâncias de fato comuns; entretanto, são indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis, e o objeto da pretensão é divisível (isto é, o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo).”[24]

O fato acima, como pondera Fredie Didier “[...] não altera a possibilidade e pertinência da ação coletiva. Permanece o traço distintivo: o tratamento molecular, nas ações coletivas, em comparação à fragmentação da tutela (tratamento atomizado), nas ações individuais”.[25]

Por fim, insta salientar que em um processo cujo objeto é um direito individual homogêneo busca-se uma sentença condenatória genérica (artigo 95, do Código de Defesa do Consumidor). Como bem nos ensina Fredie Didier Jr.

“[...] o pedido nas ações coletivas será sempre uma ´tese jurídica geral´ que beneficie, sem distinção, os substituídos. As peculiaridades dos direitos individuais, se existirem, deverão ser atendidas em liquidação de sentença a ser procedida individualmente.”[26]

E como bem observa Elton Venturi

“[...] pouco importa que dentre os lesados de um evento comum [...] reúnam-se vítimas que, para além da remota origem comum, ainda ostentem heterogêneas causas de pedir próximas, eis que, de toda a forma, em tais casos necessitarão alegar e provar todos os fatos novos que lhes digam respeito com exclusividade, somente no âmbito do procedimento de liquidação previsto no art. 608 do CPC”.[27]

Cada interessado ingressará com uma liquidação de sentença individual (artigos 97 e 98 do Código de Defesa do Consumidor) comprovando o dano e o nexo causal. Deverá o interessado, ainda, sustentar a imputação da responsabilidade civil por conta do ato omissivo ou comissivo do demandando. Em sendo complexa a tentativa de demonstrar o nexo causal não haverá interesse de agir. Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção aduz que

“[...] quando não for possível de forma simples a determinação do nexo causal do direito individual e daquele que seria reconhecido na sentença coletiva, não haverá interesse de agir para a ação coletiva, dado que tal ação não será útil e nem adequada para resolver a crise jurídica enfrentada pelos indivíduos. Por outro lado, a sentença não será eficaz, porque de pouco proveito será aos titulares dos direitos individuais, considerando que a liquidação da sentença nesse caso em tudo se assemelhará a um verdadeiro processo de conhecimento condenatório individual”.[28]

Isso porque, conforme conclui Elton Venturi

“[...] diante das peculiaridades do modelo brasileiro de ação coletiva de tutela a direitos individuais – insistimos -, basta a origem comum, seja ela próxima, seja remota. Pouco importa, neste sentido, que em relação à demonstração do nexo causal predominem questões individuais sobre questões comuns, visto que são absolutamente irrelevantes para a obtenção da sentença genérica condenatória

Por mais diversificadas que se revelem as questões pessoais envolvendo as vítimas ou sucessoras do evento lesivo e o demandado, ou, mesmo, por mais heterogêneo que se apresente o grupo formado por elas, ainda assim a tutela coletiva se apresenta como viável e útil para a defesa dos direitos individuais conexos pela causa comum, eis que, quando menos, importará a fixação definitiva do dever de indenizar, imunizando tal tema das subseqüentes ações de liquidação e execução.

Conclui-se, pois, que a exigência legal extraída do art. 81, parágrafo único, III, do CDC diz respeito à homogeneidade da causa, e não à homegeneidade do grupo”.[29]

Um exemplo desse direito é a hipótese de abatimento do valor referente àquela mercadoria viciada adquirida por determinados consumidores (artigo 18, §01º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor).

Sobre o autor
Rafael Hideo Nazima

Advogado militante nas áreas de direito civil, direito do consumidor e contratos empresariais.<br><br>Mestrando em direitos difusos e coletivos e especialista em direito Processual Civil pela Pontífice Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.<br><br>Cursa LL.M. em Direito Empresarial com Ênfase em Contratos pelo Instituto Internacional de Ciência Social - IICS.<br><br>Possui cursos de atualização e extensão, inclusive no exterior (University of Miami) na área de negociação estratégica e gestão de conflitos, processo civil, direito civil, contratos empresarias e direito do consumidor pelas seguintes instituições: Escola Superior de Advocacia – ESA, Associação dos Advogados de São Paulo – AASP e Fundação Getúlio Vargas – GVlaw.<br><br>Formado pela faculdade de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAZIMA, Rafael Hideo. Danos morais transindividuais no processo coletivo brasileiro em matéria de Direito Ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3982, 27 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28917. Acesso em: 26 dez. 2024.

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