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Danos morais transindividuais no processo coletivo brasileiro em matéria de Direito Ambiental

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Agenda 27/05/2014 às 10:20

III – BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO DANO E O SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL.

O Código Civil adota como regra a teoria subjetiva e, como exceção, a objetiva. Pela teoria clássica, para se configurar a responsabilidade civil deve se verificar 03 (três) pressupostos, quais sejam: (1) a culpa; (2) o dano; (3) e o nexo causal entre o dano e a conduta do agente.

De maneira que, uma vez evidenciada a culpa do agente quanto ao dano, surge para ele a obrigação de reparar o prejuízo. Sergio Cavalieri Filho conceitua dano como

“[...] sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral. [...]”[30]

Se houver culpa concorrente da vítima, a indenização pode ser reduzida proporcionalmente (artigo 945, do Código Civil).

As hipóteses de excludentes de responsabilidade podem ser subjetivas (caso fortuito e força maior - artigo 393 do Código Civil -, os atos praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido - artigo 188, inciso I, do Código Civil -) ou objetivas (culpa exclusiva da vítima, de terceiro, de terceiro e da vítima – artigo 945 do Código Civil – etc.).

A teoria objetiva aplica-se a casos especificados em lei, bem como quando a atividade normalmente desenvolvida pelo agente implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outra pessoa (§ único, do artigo 927, do Código Civil). Com efeito, é de concluir que a teoria subjetiva coexiste com a teoria objetiva, sendo esta última aplicada nas hipóteses em que a desigualdade econômica ou social entre o agente e a vítima traz a necessidade de abolir qualquer indagação sobre a subjetividade do infrator.


IV – BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO INSTITUTO DO DANO MORAL.

Até o ano de 1988 existiam discussões acerca da possibilidade, ou não, da reparação a título de dano moral. Contudo, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 05º, inciso V e X pôs uma pá de cal sobre o assunto.

O que se verifica no direito contemporâneo, no entanto, é o crescimento, uma tendência de ampliação das hipóteses de danos que até então não eram admitidos. Antigamente, por exemplo, não se falava em dano moral por fato do produto. Tampouco se falava também em danos morais por descumprimento contratual. Hoje, no entanto, nessas e em outras situações, a ocorrência do dano moral é possível.

Essa nova realidade, nas precisas palavras do professor Eneas de Oliveira Matos[31], tem fundamento na dignidade humana. Mas, qual a definição de dano moral? Para Yussef Said Cahali, dano moral é

“[…] tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral […]”[32]

O professor Eneas Matos, por sua vez, nos ensina que o dano moral

“[...] consubstancia-se no dano injusto causado à pessoa humana, que lhe causa revolta, repulsa, sentimento de injustiça e de invasão sem fundamento plausível à esfera de seus direitos englobados na integridade moral, sempre se referindo a uma lesão extrapatrimonial.”[33]

Ronald Sharp Junior, de forma oportuna, nos ensina que existem duas forças convergentes na ideia de reparação do dano moral, quais sejam, “[...] uma de caráter punitivo ou aflitivo (castigo ao ofensor) e outra compensatória (compensação como contrapartida do mal sofrido).” [34]  E é em casos como esses, que o dano moral encontra um fértil campo para atuação. Nas lavras do ilustre doutrinador Sérgio Cavalieri

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“[...] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar [...]”[35]

Com efeito, todo o fato que venha causar dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio ao sujeito, deve ser indenizado?

Em não sendo possível a reparação in natura do dano, busca-se ressarcir o prejuízo sofrido pela vítima ou compensar seu dano através de um equivalente ou sucedâneo pecuniário.

IV.A – ALGUNS CRITÉRIOS EXISTENTES PARA FIXAÇÃO DE UM VALOR A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

A questão dos critérios utilizados pelo magistrado e o quantum a que se chega, são 02 (duas) clássicas discussões que envolvem o tema. No presente artigo, não poderíamos deixar de abordá-los, ainda que brevemente.

Para Roberto Senise Lisboa, os critérios para a fixação do valor são: (01) a situação socioeconômica do agente, (02) a gravidade da extensão do dano; e (03) a observação da função do desestímulo da reincidência. [36]Vejamos com mais detalhes, a seguir, esses e outros parâmetros que podem ser utilizados na fixação do valor do dano moral:

(A) EXTENÇÃO DO DANO – Art. 944, do Código Civil: quanto maior o dano, maior a indenização. A preocupação, portanto, é exclusivamente com a figura da vítima, cujo dano se busca apagar ou ao menos minorar.

(B) GRAU DE CULPA DO AGENTE E CONTRIBUIÇÃO CAUSAL DA VÍTIMA – Arts. 944, § único e 945, do Código Civil. Quanto maior o grau de culpa do agente maior tende a ser a indenização. Se o agente agiu com dolo ou culpa grave, a reparação do dano é integral. Se agiu com culpa leve ou culpa levíssima reduz a indenização por equidade (redução equitativa da indenização ou contribuição causal com redução por equidade).

(C) CONDIÇÕES GERAIS DOS ENVOLVIDOS – São as condições econômicas, financeiras, culturais, sociais etc.

(D) VEDAÇÃO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA – O valor não pode gerar a ruína do ofensor nem o enriquecimento do ofendido. Aqui, utiliza-se do critério da proporcionalidade.

(E) CARÁTER PEDAGÓGICO E PUNITIVO DA DECISÃO PARA QUE O INFRATOR NÃO REPITA O EVENTO OU A CONDUTA DANOSA – Para que este instituto possa ser utilizado, necessário se faz a ocorrência prévia de 02 (dois) requisitos obrigatórios e 01 (hum) facultativo, quais sejam, respectivamente, (01) a ocorrência de dano moral; (02) a culpa de natureza grave do ofensor; e (03) ocorrência de um lucro com ato ilícito do infrator.

Aqui deixaremos de lado a polêmica de se permitir ou não o caráter punitivo da indenização (punitive damages). Vale, no entanto, registrar alguns dos principais argumentos contra a utilização desse instituto: o primeiro é a falta de regra expressa que autorize a utilização desse tipo de sanção; o segundo argumento é a existência da regra contida no artigo 944, do Código Civil, no sentido de que a indenização mede-se pela extensão do dano.

A noção de indenização punitiva, porque distanciada da tradição do civil law ainda encontra considerável resistência de uma parte da doutrina, que tem apresentado várias objeções motivadas pelo temor da repercussão que o instituto pode provocar nas relações socioeconômicas. Para Anderson Schereiber, a utilização dos punitive damages se distancia do original norte-americano e

“[...] cria-se uma espécie bizarra de indenização, em que ao responsável não é dado conhecer em que medida está sendo apenado e em que medida está simplesmente compensando o dano, atenuando, exatamente, o efeito dissuasivo que consiste na principal vantagem do instituto.”[37]

Outro contundente argumento é no sentido de que, ao se valer do punitive damages, há, inevitavelmente, uma “quebra” entre a esfera civil e penal, pois se aplica a um ilícito civil uma pena, sem balizamento legal, golpeando o princípio da nullum crimen, nulla poena sine lege estampada no o artigo 5º, XXXIX da Constituição Federal. Nesse sentido, temos o magistério de Wilson Melo da Silva:

“Para que haja pena, mister se torna, em cada caso, um texto legal expresso que a comine e um delito que a justifique”, ou seja, “ nulla poena sine lege ”. Para que haja dano basta a simples infringência da ampla regra do “ neminem laedere ”.O delito, no dano, é apenas o fato gerador, a circunstância determinante dele.E o que no juízo cível se busca ressarcir é apenas a conseqüência do delito, ou seja, o dano (...) Mira-se, na responsabilidade civil, a pessoa do ofendido e não a do ofensor; a extensão do prejuízo, para a graduação do quantum reparador, e não a culpa do autor.”[38]

O problema é que a pena, no Direito Civil (sistema aberto) à diferença do Direito Penal (sistema fechado, pautado em tipos legais), se relaciona à violação de um dever de conduta (valores sociais, boa-fé objetiva, ética etc.), conduz a uma sanção dúplice: (a) a punição do agente (em danos punitivos, punitive damages reversíveis para a sociedade (fundo); e (b) a compensação dos danos (reversível para a indenização da vítima).

Entretanto, com a devida vênia, esses argumento devem ser afastados pois dentro do próprio Código Civil brasileiro tem-se institutos de natureza penal tais como a arras (artigos 418 e 420 do Código Civil) e o pagamento em dobro (artigo 940 do Código Civil).

Essa parcela da doutrina alerta, ainda, a forma de controle e gestão dessas quantias, as quais poderiam ser desviadas para outros fins. Tal ato, no entanto, pode ser evitado com a aplicação, por analogia, do parágrafo do artigo 883 do Código Civil.

De outra banda, Yussef Said Cahali alude um caráter tríplice da indenização do dano moral: “[...] reparar, punir, admoestar ou prevenir.”[39]. Sergio Cavalieri Filho também enxerga, ao lado da finalidade satisfatória, uma função punitiva da indenização:

“Com efeito, o ressarcimento do dano moral não tende à restitutio in integrum do dano causado, tendo mais uma genérica função satisfatória, com a qual se procura um bem que recompense, de certo modo, o sofrimento ou a humilhação sofrida. Substitui-se o conceito de equivalência, próprio do dano material, pelo de compensação, que se obtém atenuando, de maneira indireta, as conseqüências do sofrimento. Em suma, a composição do dano moral realiza-se através desse conceito – compensação –, que, além de diverso do ressarcimento, baseia-se naquilo que Ripert chamava “substituição do prazer, que desaparece, por um novo”. Por outro lado, não se pode ignorar a necessidade de se impor uma pena ao causador do dano moral, para não passar a infração e, assim, estimular novas agressões. A indenização funcionará também como uma espécie de pena privada em benefício da vítima” [40]

No mesmo sentido pronunciou-se o Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode verificar nos autos do Recurso Especial n.º 389.879/MG [41], de Relatoria do ex-ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira que, em seu voto, ponderou que

“O valor dos danos morais, de seu turno, como tenho assinalado em diversas oportunidades, deve ser fixado em termos razoáveis, não se justificando que a reparação enseje enriquecimento indevido, devendo o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte financeiro das partes, orientando-se o julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, não deixando de observar, outrossim, a natureza punitiva e disciplinadora da indenização”.

E o Excelentíssimo Relator ainda levou em consideração

“[...] a situação econômico-social das partes, a atividade ilícita exercida pelo réu 2º recorrente, de ganho fácil, o abalo físico, psíquico e social sofrido pelo autor, o elevado grau da agressão, a ausência de motivo e a natureza punitiva e inibidora que a indenização, no caso, deve ter”. Considerou, ainda, que “as lesões decorreram de conduta criminosa, de acentuado dolo, como se vivêssemos em um País sem leis e em estado de barbárie”.

Conforme se verifica do julgado acima, o Colendo Superior Tribunal de Justiça conferiu um caráter punitivo ao dano moral, criando o dano moral punitivo, cujo objetivo é o desestímulo à reiteração de condutas similares pelo infrator.

Portanto, o propósito geral dessa espécie de indenização é o de punir o ofensor, estabelecendo uma sanção que lhe sirva de exemplo para que não ouse a repetir o ato lesivo, além de dissuadir comportamentos semelhantes por parte de outros que tenha a intenção em adotar uma conduta semelhante.

Por fim, finalizadas as breves explicações acerca dos parâmetros, não poderia deixar de se destacar o venerando acórdão oriundo do Recurso Especial n.º 1.152.541/RS[42] em que o colendo Superior Tribunal de Justiça apresentou um método bifásico de indenização sendo que, na primeira fase, fixa-se um valor básico para a indenização considerando o interesse jurídico violado. Em um segundo momento, examina-se as circunstâncias do caso pra a fixação definitiva do valor da indenização, atendendo-se à determinação legal de arbitramento equitativo pelo magistrado.

Com efeito, alguns dos principais parâmetros a serem observados na fixação do valor a título de danos morais são (01) a extensão do dano; (02) as condições pessoais e econômicas das partes envolvidas; (03) moderação e razoabilidade atendendo-se à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de forma a não haver o enriquecimento sem causa da vítima e; (04) modernamente (e para parte da doutrina), uma carga de desestimulo cumulado com um cunho pedagógico (punitive damages) para que o infrator não torne a repetir o ato ilícito.

Resta claro, portanto, que o quantum a ser fixado a título de dano moral dependerá da boa aplicação dos critérios no caso prático como um todo, da experiência e do bom senso, sendo que tal decisão sempre se sujeitará à revisão dos tribunais em caso de recurso.

Faz-se necessário, agora, abordar, a coisa julgada no processo coletivo brasileiro (insculpido no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor) sendo que é muito relevante a questão dos efeitos.

Sobre o autor
Rafael Hideo Nazima

Advogado militante nas áreas de direito civil, direito do consumidor e contratos empresariais.<br><br>Mestrando em direitos difusos e coletivos e especialista em direito Processual Civil pela Pontífice Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP.<br><br>Cursa LL.M. em Direito Empresarial com Ênfase em Contratos pelo Instituto Internacional de Ciência Social - IICS.<br><br>Possui cursos de atualização e extensão, inclusive no exterior (University of Miami) na área de negociação estratégica e gestão de conflitos, processo civil, direito civil, contratos empresarias e direito do consumidor pelas seguintes instituições: Escola Superior de Advocacia – ESA, Associação dos Advogados de São Paulo – AASP e Fundação Getúlio Vargas – GVlaw.<br><br>Formado pela faculdade de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAZIMA, Rafael Hideo. Danos morais transindividuais no processo coletivo brasileiro em matéria de Direito Ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3982, 27 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28917. Acesso em: 22 nov. 2024.

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