1. Introdução
Com a evolução tecnológica e gerencial das relações trabalhistas, novas modalidades de trabalho são constituídas e, como conseqüência, são necessárias novas reflexões juslaborais sobre a sua tutela jurídica. A inserção entre instrumentos de trabalho de fac-similes, computadores, telefones celulares resultou na descaracterização do local de trabalho como tanto administradores quanto empregados estiveram acostumados no século XX.
A rápida difusão de formas de tele-trabalho permitiu que atividades fossem desenvolvidas com manutenção da hierarquia, do poder de comando, sem a necessária proximidade física entre os atores da relação de trabalho. Contudo, é de nosso interesse mostrar com o presente estudo que não se tratam de inéditas formas de trabalho, estranhas à legislação vigente.
Não apenas existem normas suficientes para regular estas situações como a jurisprudência e a doutrina não têm permanecido tão silenciosas quanto pode-nos parecer. Através das fontes do Direito, dos princípios gerais de Direito e específicos do Direito do Trabalho, é possível buscar a harmonia de normas dispersas na legislação em busca de finalidade comum, qual seja o reconhecimento através do sistema jurídico tal qual ora se encontra das relações de trabalho à distância baseadas em meios de telecomunicação.
Para que este fim seja alcançado e esta tese possa ser comprovada, é necessário expandir o horizonte normativo, as interpretações legais, para assimilar a essência coincidente entre novas e antigas relações de trabalho. Portanto, torna-se necessário partir das considerações mais genéricas e abstratas para o caso particular por exemplos concretos. Respeita-se assim o método dialético visando construir a análise do objeto de estudo com a devida racionalidade.
Deste modo, é defendido com o presente estudo que seja possível compreender o tele-trabalho e controlá-lo juridicamente através das fontes do Direito com a devida segurança, sem que normas específicas sejam necessárias.
2. Transformações Tecnológicas e Direito
A incorporação de tecnologia às relações de trabalho mudando-as intrinsecamente não é algo recente. O fenômeno pôde ser observado desde que a energia elétrica permitiu aos empresários que seus empregados, fechados nos recintos artificialmente refrigerados de escritórios e consultórios, não mais distingüissem dia e noite. O pôr do sol deixou de ser medida da duração da jornada.
Os aspectos da vida natural do homem têm sido intensamente sociabilizados, contudo a sociabilização da vida humana tem-se dado pela capitalização de seu trabalho. Segundo Ruy Fausto, o homem não é visto como trabalhador, mas como agente que põe em movimento a produção. Não é o ser humano o objeto da produção de bens da vida, sendo este reduzido a predicativo do sujeito-capital. Pois a intensificação da produção e das conseqüentes vendas é o único objetivo (FAUSTO, 1989:51).
De todos os meios postos em ação pelo capitalista através dos braços de seus trabalhadores, apenas a força de trabalho dos trabalhadores não lhe pertence. Se ele se desfaz de trabalhadores, não perde meios próprios de produção, o que ocorreria se, num processo de concordata, perdesse máquinas de seu pátio industrial. Mas, se substitui o próprio parque industrial por trabalho residencial ou sem qualquer espaço físico específico, há economia sem limites.
As grandes empresas e bancos expandiram seus ativos através de sistemas de telecomunicações. Foram ampliados a terceirização o deslocamento de atividades rotineiras, a fragmentação de processos produtivos. Tornou-se possível reduzir estoques; prazos de entrega e faturamento; capital e giro e, aos executivos responsáveis por aspectos macroeconômicos, manter constante controle sobre franquias e vendas a varejo.
Após longo período de instabilidade conceitual, durante os anos 1970/1980, o tele-trabalho pôde ser conceituado, como assinalam Maria Helena Teixeira da Silva e Lídia Segre, como "trabalho exercido fisicamente fora da sede da empresa e com o uso sistemático de serviços telemáticos para a comunicação com a empresa" (SILVA & SEGRE, 2000). As sociólogas incorporam a sua análise síntese das espécies:
a)"home work": suportes eletrônicos na casa do trabalhador;
b)"mobile work": aparelhos portáteis;
c)escritórios satélites: sedes distantes integradas em rede a sede central por intranet ou rede interna;
d)escritório virtual: espaço sem vínculo fixo com a empresa, usado por profissionais de diferentes origens empresariais;
e)tele-empresa: serviços por rede telemática ("telemarketing", internet);
f)sistemas distribuídos: central distribui funções a empregados para trabalharem em computadores em rede (tradução, enciclopédias, dicionários).
Com celulares, notebooks, secretárias virtuais, empresas podem acompanhar a evolução de seus trabalhadores sem qualquer contato físico consigo [1]. O espaço social nas empresas, que consistia nas pausas para café, lanches em refeitórios internos e happy hours após o expediente, informalmente agendados pelos empregados, tem sido substituído por eventos da própria empresa [2]. Contudo, o discurso sustentado ainda é da informalidade nos encontros, apesar de objetivos rentáveis terem passado a prevalecer e a unidade enquanto classe perder-se com o pleno isolamento entre empregados na rotina laboral.
Com a intensificação do trabalho em casa, seja por instalação de linhas telefônicas da empresa na residência [3] ou por ceder equipamento móvel para seus empregados, que terão como única sede a própria casa para centralizar ações, torna-se possível intensificar a produção.
As mudanças no modo de vida, trazidas pelo capitalismo, trazem novos desafios ao Direito. Apesar das contas telefônicas e programas específicos poderem monitorar as horas de trabalho do empregado [4], não há meios concretos para se definir com exatidão quando o empregado ultrapassa a jornada legal. Não há supervisores, colegas de trabalho, para informá-lo, mas a empresa pode conferir pelas atividades no computador e pelo celular se está em ação durante pelo menos oito horas diárias. Logo, horas extras e adicional noturno podem ser objeto de argumentação da empresa de que o empregado se excedeu sem a superveniência do empregador.
Por questões como estas, Nicanor Sena Passos (1997) examina a mudança nas relações de trabalho devido a sua "virtualização". Para o jurista, o "trabalho virtual" influencia:
a)relações de emprego e relações de trabalho;
b)segurança e medicina do trabalho;
c)jornada de trabalho;
d)poderes diretivo e disciplinar;
e)remuneração;
f)inspeção do trabalho;
g)justas causas;
h)jurisdição trabalhista.
O mesmo jurista lamenta que a doutrina brasileira esteja ausente da necessidade de maior número de estudos sobre o tema. Contudo, sem embargo à necessária reflexão sobre esta crítica, consideramos que talvez a doutrina não se manifeste por já existirem análises suficientes, bastando ao operador do Direito por em prática as técnicas da hermenêutica jurídica apreendidas durante os estudos acadêmicos por cada jurista.
Todavia, para identificar o impacto sobre cada área de influência e possíveis respostas do Direito para salvaguardar direitos trabalhistas, é preciso partir, apesar do aparente pleonasmo, dos princípios jurídicos.
3.Aplicabilidade dos Princípios Específicos do Direito do Trabalho
O sistema jurídico nacional ainda não está preparado para lidar com a questão do tele-trabalho. Apesar da previsão expressa constitucional, entre os direitos dos trabalhadores, da "proteção em face da automação, na forma da lei" (Art. 7º, XXVII, CF/88), como ocorre com tantos outros preceitos constitucionais, ainda não há não apenas regulamentação do princípio constitucional. Apesar da ausência mesmo de posições doutrinárias consolidadas sobre o tema, há importantes indícios para a investigação jurídica no Direito Constitucional, como defende Luis Roberto Barroso ao ressaltar a relevância dos princípios à interpretação jurídica:
Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas. De parte isto, servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. Estes os papéis desempenhados pelos princípios: a) condensar valores; b) dar unidade ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete (BARROSO, 2001: 20).
Assim, a ponderação entre princípios, visando-se à máxima harmonia possível do sistema jurídico, pode permitir ao intérprete do caso concreto analisar com segurança discussões cujo tema não se encontra literalmente transcrito nas normas, mas já encontraria pleno tratamento jurídico. Torna-se imperativo interpretar a situação real segundo os princípios vinculando assim com a devida racionalidade normas já existentes. Cabe, assim, grande atenção ao art. 8º da CLT:
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Entre os princípios específicos do Direito do Trabalho, prevalece aquele da primazia da realidade nas relações de trabalho. Por este pressuposto, se as atividades do trabalhador ocorrem predominantemente através do celular, automóvel, fac-simile, computador portátil (notebook, handheld, palm, laptop), quando estes instrumentos de trabalho estiverem em função da empresa estará o trabalhador em jornada de trabalho. Logo, ocorrerá expansão do local de trabalho, com as conseqüências legais aplicáveis, a todo local onde o trabalhador utilizar as ferramentas que lhe permitem desempenhar sua função. Quando surgir dúvida quanto ao local, diante de interpretações divergentes apresentadas aos meios forenses em disputas particulares, será possível ainda apelar, diante da ausência de lei específica e do silêncio doutrinário, à eqüidade, ressaltando-se, com Luiz de Pinho Pedreira da Silva, a recordação da pressuposta hipossuficiência do trabalhador na Justiça do Trabalho:
/.../ quase todos, senão todos os princípios específicos do Direito do Trabalho poderiam ser sintetizados num só: o de proteção ao trabalhador, que constitui a causa e o fim imediato deste Direito, porque o seu objetivo mediato e último é o equilíbrio social (apud BARROS, 1998:241).
Porém, para que se demonstre que a principiologia não estaria a arrebatar as próprias normas mas garantindo a efetividade destas, há normas de eficácia já comprovada pelo uso na legislação vigente que precisam ser examinadas na análise das relações de tele-trabalho
4.Normas pelos Limites ao Tele-trabalho
Basta que nos lembremos da CLT para abusos nas relações "virtuais" de trabalho serem evitados. A jornada de trabalho, segundo o art. 58 da citada lei, fixa a jornada de trabalho diária em 8 horas, salvo as profissões que tenham disposição legal diversa. Apesar de para atividades de trabalho à distância ainda não existir norma específica, entende-se pela norma evidenciada que será mantido o limite legal, pois as leis especiais determinam jornadas segundo categorias profissionais, não restritas a métodos de trabalho específicos. O art. 59 determina regimes de compensação usual de horas extraordinárias em duas horas adicionais segundo indenização de, no mínimo, 50% do valor da hora trabalhada.
Em caso de excesso na jornada, se o empregador, dispondo e-mail, mensagens gravadas ao telefone ou quaisquer outros meios que surtam efeito para enviar as informações ao trabalhador, não o informa da obrigatoriedade de utilização de medidas preventivas a doenças do trabalho, seja Lesão por Esforço Repetitivo, stress, depressão, sedentarismo ou quaisquer outras que possam decorrer de trabalho em casa, não preveni-lo, cabem as normas do art. 200, CF/88, bem como o dever do art. 163 da CLT de criação de Comissão de Prevenção de Acidentes no âmbito da específica relação de trabalho (se há comissão interna para aqueles que trabalham no espaço da empresa, deve haver por interpretação extensiva em benefício da saúde do trabalhador comissão externa, seja lá como se realize isto). Ainda quanto à prevenção de acidentes, é interessante reler o art. 184 da CLT:
Art. 184 - As máquinas e os equipamentos deverão ser dotados de dispositivos de partida e parada e outros que se fizerem necessários para a prevenção de acidentes do trabalho, especialmente quanto ao risco de acionamento acidental.
O celular, o computador, são equipamentos de trabalho, e podem ser dotados de dispositivos que permitam restringir o número de horas utilizadas, seja por convênio da empresa com concessionária de serviços de telefonia, seja por utilização de modelos específicos adaptados, que determinem horários em que poderão ser utilizados. Além disto, não é por não existir local de trabalho específico que o trabalhador estará impedido de devolver, após as oito horas diárias, o carro, o celular, o computador ou quais sejam os instrumentos móveis de trabalho para a empresa, permitindo-se assim delimitação evidente da jornada diária.
Não se tem plena certeza, ainda dos riscos de utilização constante de celular à saúde, mas já foram citadas como exemplos de novas doenças do trabalho alguns males que utilização contínua de computadores e automóveis podem causar. Cabe, portanto, a aplicação do art. 184. Para sanar eventuais dúvidas, a própria CLT contribui ao elencar possíveis causas de danos que fazem-nos lembrar a tecnologia contemporânea habitual:
Art. 200 - Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:
/.../
VI - proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas, radiações ionizantes e não-ionizantes, ruídos, vibrações e trepidações ou pressões anormais ao ambiente de trabalho, com especificação das medidas cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos, limites máximos quanto ao tempo de exposição, à intensidade da ação ou de seus efeitos sobre o organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios, limites de idade, controle permanente dos locais de trabalho e das demais exigências que se façam necessárias; (grifos nossos).
Já existem, portanto, normas suficientes para dar sustentação a jurisprudência e acordos coletivos que regulamentem, na ausência de leis específicas, as relações de tele-trabalho. Não são tão residuais quanto a omissão doutrinária faz crer as intervenções dos tribunais sobre novas tecnologias, conforme será adiante mostrado.
5.Jurisprudência pela Regulação do Tele-trabalho
Alguns temas que, à primeira vista, encontrar-se-iam periféricos à questão em tela adquirem novo brilho quando abraçados pela hermenêutica, como dá-se com a tese do reconhecimento do período de percurso ao local de trabalho como tempo de trabalho, o chamado período in itinere.
As horas in itinere, cuja recepção jurídica tem-se dado por enunciados do TST, permite tracejar como se pode lidar juridicamente com o trabalho à distância. Em princípio, parece ao empregador que, permitindo que seu empregado labute em casa, esteja afastado de indenizá-lo por horas a serviço da empresa fora do local de trabalho mas em sua direção. Não nos referimos a hipóteses que de imediato viriam à mente, como o absurdo de indenizar trajeto do quarto à sala em trabalho em casa, mas nas hipóteses de ausência de local de trabalho específico. Nestas condições estaria a serviço da empresa enquanto os instrumentos de trabalho estiverem em uso.
O primeiro enunciado a se referir ao tema restringe sua aplicabilidade:
90 Tempo de serviço
O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte regular público, e para o seu retorno, é computável na jornada de trabalho.
Segundo o Enunciado n.º 90, pois, é preciso que o veículo utilizado pelo empregado seja fornecido pelo seu empregador, mas o local precisa ser de difícil acesso ou não alcançado por transporte público. Estes limites foram ressaltados por outros enunciados:
320 Horas in itinere. Obrigatoriedade de seu cômputo na jornada de trabalho
O fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo transporte fornecido, para local de difícil acesso, ou não servido por transporte regular, não afasta o direito à percepção do pagamento das horas in itinere.
324 Horas in itinere. Enunciado nº 90. Insuficiência de transporte público
A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento das horas in itinere.
325 Horas in itinere. Enunciado 90. Remuneração em relação a trecho não servido por transporte público
Havendo transporte público regular, em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas in itinere remuneradas se limitam ao trecho não alcançado pelo transporte público.
Todavia, não há previsão legal quanto ao quantum das horas in itinere, assim como o fim da restrição a hipóteses de trecho de difícil acesso. Do mesmo modo, pode ser expandida a interpretação possível a partir do Enunciado n.º 325, permitindo, assim, que a utilização de transporte da empresa no trajeto, uma vez que o trajeto é todo espaço empregado para realização da atividade, seja expandida para o tele-trabalho. Em caso de ainda persistirem dúvidas na aplicação prática desta interpretação, o mesmo Tribunal Superior do Trabalho já decidiu, em 1997, pela autonomia da norma coletiva para sua fixação:
EMENTA: Horas in itinere – Fixação em norma coletiva – Validade. O direito à percepção de horas in itinere não está previsto em lei, tratando-se de construção jurisprudencial consubstanciada no Enunciado nº 90/TST. Não se enquadram, assim, as horas itinerantes no rol de direitos trabalhistas irrenunciáveis, a justificar a decretação da invalidade da cláusula coletiva que restringe o pagamento das mesmas. Não havendo, assim, violência a direito trabalhista garantido em lei, há que ser respeitado o acordo coletivo que restringe o pagamento de horas in itinere, nos moldes do art. 7º, XXVI, da Constituição Federal. (TST – 4ª T – Ac. nº 1486/97 – Rel. Min. Galba Velloso – DJ 09.05.97 – pág. 18597).
No entanto, outro caminho jurídico que ressalta a aplicabilidade das normas e dos princípios como defendida no presente estudo tem-se consolidado nos tribunais a partir da leitura de e-mails no ambiente de trabalho. Trata-se de situações em que o local de trabalho é bem delimitado, mas o e-mail é interpretado como instrumento de trabalho.
6. Monitoramento dos meios de comunicação em tele-trabalho como prova da relação de trabalho
A 13ª Vara do Trabalho de Brasília, ao julgar o processo n.º 13.000613/2000, considerou que o empregado, demitido por utilizar e-mail no local de trabalho para distribuir fotos pornográficas, não estaria ensejando demissão por justa causa, pois seu empregador descobrira sua falta através de meio ilícito, qual teria sido o desrespeito a seu sigilo de correspondência, conforme art. 51, X e XII da Constituição Federal, não importando no caso se a conta de e-mail fora fornecida pelo empregador, pois não há exceção legal neste sentido (www.ciberlex.adv.br). Logo, se prevalecer esta interpretação, o controle das comunicações realizadas pelos empregados através de computador da empresa não será juridicamente fácil e serão necessários outros meios para provar faltas do trabalhador e limites de jornada.
Eliane Saldan e Maritza Fabiane Milléo tornam mais clara a polêmica, prevenindo os transtornos à relação laboral que a impossibilidade de monitoramento de e-mails poderiam causar. Para isto, as pesquisadoras partem da natureza jurídica do e-mail. Para elas:
O correio eletrônico profissional poderia ser definido como uma ferramenta de trabalho disponibilizada pelo empregador aos seus prepostos, ou disponibilizados aos sócios de um empreendimento, para desenvolver atividade profissional. Logo, pressupõe-se que o conteúdo do e-mail profissional sejam informações pertinentes e interessantes à atividade do seu titular no exercício profissional e, sendo assim, não diz respeito ao titular da conta se este exerce atividade profissional remunerada por alguém. A outorga de uma conta de e-mail profissional pode ser equiparada à entrega da chave de um carro do patrão ao seu empregado, sem transferência de titularidade (MILLÉO & SALDAN, 2000).
Deste modo, não há violação de sigilo pois a correspondência não pertence ao empregado, mas à empresa. Distingüe-se, portanto, o e-mail pessoal, para comunicações privadas, da conta profissional, cuja finalidade encontra-se na própria denominação. Com esta distinção, é evidente a ausência de fundamento na discussão quanto a sigilo de e-mail na relação de trabalho e afasta-se a aplicabilidade absoluta do art. 51, X e XII da Constituição Federal.
Além disto, o inc. X do art. 5º da Constituição condiciona a indenização à ocorrência de dano ao patrimônio material ou moral, afastando a hipótese de dano moral por leitura de e-mails em rede monitorada. De acordo com Renato Opice Blum, o debate sobre e-mail, e aqui tomamos a liberdade de inserir a título de paráfrase o telefone celular como instrumento de comunicação empresarial:
Não tem a proteção do art. 5º, XII, da CF, e sim do art. 5º, X, salvo em caso de interceptação do fluxo. Ademais, correspondência, pelo princípio da reserva legal é dada pela Lei n.º 6.535/78, art. 7º, § 1º. São objetos de correspondências: carta, cartão postal, impresso, cecograma e pequena encomenda (BLUM, 2000).
Portanto, mensagens enviadas através de celular, pager, fac-simile entre outros meios não se aplicam ao tema e podem ser meios de prova [5] para configurar relações de trabalho de área de trabalho indeterminada.
O reconhecimento do monitoramento tecnológico dos trabalhadores por meios de comunicação como meio de prova torna plenamente aceitável o tele-trabalho como atividade profissional comum, uma vez que fecha o circuito necessário para a comprovação judicial da existência de uma relação de trabalho.