1 ORGANIZAÇÃO DA JUSTIÇA MILITAR
Para entender como é a organização da Justiça Militar também chamada de Justiça Castrense, se faz necessário voltar no tempo e entender como foi criada. A respeito disto, Rosa[1]enfatiza que,
com a vinda da Família Real para o Brasil em 1808, nosso país deixou a condição de Colônia para ser elevado a categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves o que trouxe modificações políticas e sociais, uma vez que a Administração Pública Portuguesa se encontrava em solo brasileiro.
Para garantir uma administração pública correta, o rei ordenou que fossem criadas instituições dentre as quais destacam-se a Guarda Real, a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico, as quais foram importantes para que houvesse um maior desenvolvimento do país no âmbito político e econômico.
Juntamente com a vinda da família real, veio também a instituição militar, a qual era, segundo Rosa[2], “representada pela organização de um corpo militar uniformizado voltado para a defesa da família real, e mais a frente das instituições criadas na ex-colônia”. Observa-se que, os militares que vieram com a família real tinham particularidades e, eram também regidos por regulamentação própria, tendo por base dois princípios: a hierarquia e a disciplina.
Rosa[3]destaca que,
a existência das instituições militares, sejam elas pertencentes às Forças Armadas ou às Forças Auxiliares, é essencial para a manutenção do Estado, e para a preservação da segurança interna, no aspecto de ordem pública, e nacional, na defesa da soberania do território, do espaço aéreo e do mar territorial.
Atualmente, a organização da Justiça Militar encontra-se regrada pelo artigo 92, inciso VI da Constituição Federal, o qual dispõe: "São órgãos do Poder Judiciário, VI - Os Tribunais e juízes militares". Portanto, de acordo com este artigo, são integrantes da Justiça Militar, os juízes militares e os Tribunais Militares são órgãos do Poder Judiciário.
1.1 ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA
Tomando por base os estudos de Rosa[4], verifica-se que, no sistema jurídico brasileiro, a Justiça Militar divide-se em:
Justiça Militar Federal e Justiça Militar Estadual, sendo que a primeira julga em regra os militares integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), quando estes violarem os dispositivos do Código Penal Militar, enquanto que a segunda julga os integrantes das Forças Auxiliares, (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares).
É conveniente discorrer-se sobre as diversas instância da Justiça Militar para poder entender como se dá a perda da graduação no caso dos praças, que será assunto do terceiro capítulo deste estudo.
A 1ª instância da Justiça Militar Federal é constituída pelos Conselhos de Justiça, formados por um auditor militar, provido por concurso de provas e títulos, e mais 4 (quatro) oficiais, cujos postos e patentes dependerão do posto ou graduação do acusado. Os Conselhos de Justiça dividem-se em Conselhos Especiais destinados ao julgamento dos oficiais, e os Conselhos Permanentes destinados ao julgamento das praças (soldado, cabo, sargento, subtenente, e aspirante-a-oficial)[5].
O mesmo autor, realiza uma diferenciação entre a Justiça Militar Federal e a Estadual, ou seja:
A 1 ª instância da Justiça Militar denomina-se Conselho de Justiça, que tem como sede uma auditoria militar. O Conselho de Justiça divide-se em Conselho de Justiça Permanente e Conselho de Justiça Especial. O primeiro destina-se ao julgamento das praças. O segundo destina-se ao julgamento dos oficiais.
Os Conselhos de Justiça são constituídos por cinco julgadores, sendo quatro pertencentes à carreira militar, oficiais, e um juiz civil, denominado auditor militar, que foi provido ao cargo por meio de concurso de provas e títulos. A presidência do Conselho de Justiça é exercida pelo oficial de mais alta patente.
As praças não podem compor os Conselhos de Justiça, o que configura uma violação ao princípio da igualdade. Para dar atendimento ao princípio do julgamento do acusado por seus pares, as praças deveriam compor o Conselho de Justiça Permanente desde que tivessem graduação superior a do acusado em observância ao princípio da hierarquia[6].
Verifica-se que existe uma formação mista nos Conselhos de Justiça, podendo serem formados por um juiz civil mais os juízes militares, sendo estes últimos denominados de escabinado.
A atuação dos militares que integram os Conselhos no âmbito da Justiça Militar ocorre por um período de três meses, sendo que ao término deste período, novos oficiais serão chamados para comporem a Corte.
Rosa[7] destaca que, “esses Conselhos são presididos por um juiz militar que tenha a maior patente em relação aos demais integrantes do órgão julgador, e a sede da Justiça Especializada em 1.o grau possui a denominação de Auditoria Militar”.
Com relação a 2 ª instância da Justiça Militar Federal, verifica-se que esta é exercida pelo Superior Tribunal Militar – S.T.M, com sede em Brasília, tendo por competência originária e derivada, processar e julgar os recursos provenientes das auditorias militares distribuídas pelo território brasileiro.
Este Superior Tribunal Militar compõe-se de 15 Ministros vitalícios, com a particularidade de ter todas as garantias asseguradas como por exemplo: vitaliciedade, inamovibilidade, e irredutibilidade de vencimentos. Já, os Ministros Militares se encontram representados por dez militares da ativa, dentre estes, três oficiais generais da Marinha, três oficiais generais da Aeronáutica, quatro oficiais generais do Exército, e cinco juízes civis, sendo três da carreira da advocacia, e dois escolhidos entre os juízes auditores e promotores militares em atendimento ao disposto no artigo 123 e parágrafo único da Constituição Federal[8].
Com relação a Justiça Militar Estadual, mais precisamente a 2ª instância, Rosa[9] destaca:
A 2 ª instância da Justiça Militar Estadual nos Estado de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, é exercida pelo Tribunal de Justiça Militar que possui competência originária e derivada para processar e julgar os recursos provenientes das auditorias militares estaduais. Nos demais Estados-membros da Federação, a 2 ª instância da Justiça Militar é exercida por uma Câmara Especializada do Tribunal de Justiça em atendimento ao Regimento Interno e Lei de Organização Judiciária.
Acrescenta ainda a este respeito Rosa[10] que:
No Estado de Minas Gerais, o Tribunal de Justiça Militar que é composto por cinco juízes, sendo três juízes militares do último posto de coronel PM e dois juízes civis, sendo um proveniente do quinto constitucional, advogado ou membro do MP, e outro proveniente da carreira de juízes auditores, possui competência para processar e julgar os coronéis PM acusados da prática de algum ilícito militar previsto no Código Penal Militar e também para decidir sobre a perda do posto ou patente e a graduação das praças.
Portanto, conforme pode se observar, a Justiça Militar é um dos órgãos do Poder Judiciário, com previsão constitucional e Lei de Organização Judiciária que trata da sua competência, funcionamento e composição, atendendo ao princípio da legalidade que reger as relações entre o Estado e os jurisdicionados.
No que se refere a existência da Justiça Militar, é importante destacar que, em 1999, o PT – Partido dos Trabalhadores, elaborou uma proposta para a reforma do Judiciário (PEC 96/92), cuja justificativa se resumia no seguinte:
Entendemos ser incompatível com o Estado Democrático de Direito a existência da Justiça Militar como um dos órgãos especializados do Poder Judiciário, haja vista que sua existência colide com o princípio da igualdade de todos perante a lei, estabelecendo critério desigual de tratamento para aqueles que exercem a atividade militar. O julgamento dos militares pelos seus próprios pares macula a imparcialidade da decisão, desvirtuando a jurisdição. Por outro lado, não podemos negligenciar o volume significativamente reduzido de processos julgados pelo Tribunal Superior Militar. Em 1997, o Tribunal julgou 464 processos, sendo que todas as auditorias da Justiça Militar Federal julgaram 485, consoante informações constantes do Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário. A extinção, portanto, é medida que preserva os direitos e garantias constitucionais[11]
No Brasil, com a Constituição Federal de 1988, os juízes e Tribunais Militares são os responsáveis pelo julgamento de crimes militares, visto não existir nenhum Tribunal de Exceção. Os cargos desempenhados pelos juízes e Tribunais Militares encontram-se previstos em Lei, possuindo dotação orçamentária própria em respeito a tripartição dos Poderes. Destaca-se, ainda que, a Justiça Militar não julga só militares, pode julgar também civis desde que este cometa crime militar, como por exemplo, o uso de farda.
Que é crime militar ou delito militar? Em que pese a questão se encontrar em aberto, não tendo a doutrina e a jurisprudência fixado colocação pacífica e unânime a respeito, Cretella Jr.[12] destaca que:
A nosso ver, o que deve prevalecer, em principio, é o critério legal, desde, porém, que a lei seja constitucional. Crime militar é somente aquele que a lei militar, que é o Código Penal Militar, art. 9º, II, a, define como tal. O delito penal é típico e todo conceito de qualquer figura iuris militar deve partir do Direito positivo. Crime militar é que o Código Penal define como tal. Nem mais, nem menos. A casuística serve para exemplificar o que é fixado pelo Direito positivo.
A este respeito, ainda comenta Cretella Jr.[13], destacando que,
Em discussões passadas, citadas no voto do Ministro Paulo Brossard, encontramos a posição do Ministro Laudo de Camargo, para quem o foro militar é para os delitos ‘militares’ não para os delitos ‘dos militares’ e a do Ministro Eduardo Espínola para quem ‘a só qualidade do militar e o fato de ter sido o delito praticado por militar contra outro militar não caracterizam o delito militar’.
Conforme o que se expôs, a competência da Justiça Militar é estabelecida pelo que dispõe a Constituição de 1988.
1.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Os princípios constitucionais, insertos no artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 são aqueles que guardam os valores fundamentais da administração pública, aí inclusa a ordem jurídica. Isso só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico.
A constitucionalização dos princípios jurídicos e a consolidação de uma cultura de eficácia vinculante dos princípios constitucionais enseja uma estruturação dos mecanismos de resolução das colisões entre os valores constitucionais, bastante correntes em uma Constituição aberta e prolixa como a brasileira, que alberga um sistema jurídico constitucional extremamente dinâmico. Os métodos clássicos de resolução de antinomias entre regras jurídicas não conseguem dar resposta às situações em que colidem dois ou mais princípios constitucionalmente válidos, já que a solução de conflitos entre princípios deve vencer o prisma da validade e alcançar a idéia de densidade e de peso dos valores em choque (CRISTÓVAM. Disponível em: www.jusnavigandi.com.br).
O reflexo mais imediato disto é o caráter de sistema que os princípios impõem à Constituição. Sem eles a Constituição se pareceria mais com um aglomerado de normas que só teriam em comum o fato de estarem juntas no mesmo diploma jurídico do que com um todo sistemático e harmônico.
1.2.1 Princípio da Legalidade
Na Constituição Federal encontra-se o princípio da legalidade como determinação legal, mais precisamente no artigo 5º, inciso II, garantindo a liberdade dos cidadãos, pois prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo que não seja previsto em lei.
Esta disposição, considerada como base do ordenamento jurídico brasileiro, tem duas finalidades, quais sejam, a de regular o comportamento dos cidadãos e dos órgãos do governo, visando a manutenção da paz social e da segurança jurídica.
Mello[14] a este respeito destaca que,
é o fruto da submissão do Estado à lei. É a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.
O Professor Luís Roberto Barroso apud Varassim[15] ressalta que o princípio da legalidade, na prática, apresenta-se de duas maneiras, tornando-se como dois autônomos:
a) princípio da preeminência da lei, com o significado que todo e qualquer ato infralegal que não esteja de acordo com a lei será considerado invalido, por ser a lei a fonte suprema do direito;
b) princípio da reserva da lei: aqui, significa que determinadas matérias somente podem ser reguladas por lei, afastando-se quaisquer regulamentações por outras espécies de atos normativos.
Com relação ao princípio da legalidade, Medauar[16] destaca os significados deste, tendo por base os estudos do francês Eisenmann:
a) a Administração pode realizar todos os atos e medidas que não sejam contrários à lei; b) a Administração só pode editar atos ou medidas que uma norma autoriza; c) somente são permitidos atos cujo conteúdo seja conforme a um esquema abstrato fixado por norma legislativa; d) a Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena fazer.
Carmem Lúcia Antunes Rocha apud Varassim[17] destaca que, com relação ao princípio da juridicidade, encontra-se as previsões constitucionais da legalidade, sendo que o Princípio da Juridicidade é bem mais abrangente que a legalidade. Por isso é que, no artigo 5º, inciso II, consubstancia-se em um direito, com base na liberdade dos indivíduos. No caput do artigo 37, se tem um dever, fundamentado na ausência de liberdade.
1.2.2 Princípio da Impessoalidade
O princípio constitucional da impessoalidade encontra-se sacramentado no artigo 5º, caput, parte inicial, enfatizando que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção de qualquer natureza.
Tal colocação é válida também para os militares, visto que é defeso infligir qualquer sorte de distinção restritiva ou privilégios entre os cargos, postos e graduações, obedecendo aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A este respeito Medauar[18] enfatiza que:
[...] Com o princípio da impessoalidade, a Constituição visa a obstaculizar atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concursos públicos, exercício do poder de polícia. Busca, desse modo, que predomine o sentido de função, isto é, a idéia de que os poderes atribuídos finalizam-se ao interesse de toda a coletividade [...].
Com relação ao princípio da impessoalidade, Meirelles[19] destaca que:
O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal. (...) Desde que o princípio da finalidade exige que o ato seja praticado sempre com finalidade pública, o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros. Pode, entretanto, o interesse público coincidir com o de particulares, como ocorre normalmente nos atos administrativos negociais e nos contratos públicos, casos em que é lícito conjugar a pretensão do particular com o interesse coletivo. O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade.
A respeito deste princípio, Bandeira de Mello[20] destaca aspectos pertinentes ao caráter autônomo do princípio, caracterizando-o como sendo nada mais que o princípio da igualdade ou da isonomia, ou seja:
Nele se traduz a idéia de que Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia (...).
Nesta mesma linha de pensamento, encontra-se os dizeres de Freitas[21]:
No tocante ao princípio da impessoalidade, derivado do princípio geral da igualdade, mister traduzi-lo como vedação constitucional de qualquer discriminação ilícita e atentatória à dignidade da pessoa humana. Ainda segundo este princípio, a Administração Pública precisa dispensar um objetivo isonômico a todos os administrados, sem discriminá-los com privilégios espúrios, tampouco malferindo-os persecutoriamente, uma vez que iguais perante o sistema. Quer-se através da implementação do referido princípio, a instauração, acima de sinuosos personalismos, do soberano governo dos princípios, em lugar de idiossincráticos projetos de cunho personalista e antagônicos à consecução do bem de todos. (...) A dizer de outro modo, o princípio da impessoalidade determina que o agente público proceda com desprendimento, atuando desinteressada e desapegadamente, com isenção, sem perseguir nem favorecer, jamais movido por interesses subalternos. Mais: postula-se o primado das idéias e dos projetos marcados pela solidariedade em substituição aos efêmeros cultivadores do poder como hipnose fácil e encantatória. Semelhante princípio guarda derivação frontal, inextirpável e, não raro, desafiadora com o princípio da igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza (CF, art. 5º, caput), salvo aquelas impostas pelo próprio sistema constitucional.
Com base no exposto, verifica-se que o princípio da impessoalidade no âmbito da Justiça Militar, procura vedar que, através de sentimentos de simpatia ou de rejeição, possam ser prejudicados indivíduos que, assim como os demais, atuam de forma irrepreensível, atendendo o disposto em suas normas e em prol da comunidade.
1.2.3 Princípio da Moralidade
O princípio da moralidade, com o advento da Carta Constitucional de 1988, pela primeira vez, foi elevado pelo direito positivo a princípio constitucional, tendo por base o que reza o artigo 37, caput, que estabelece diretrizes à administração pública.
Para Franco Sobrinho apud Medauar[22], este princípio leva ao seguinte entendimento:
Muito embora não se cometam faltas legais, a ordem jurídica não justifica no excesso, no desvio, no arbítrio, motivações outras que não encontram garantia no interesse geral público e necessário; ... o que se quer defender é a lisura ou a exação nas práticas administrativas; ...a presunção de fim legal equivale à presunção de moralidade.
De acordo com Ferreira[23], moral possui o seguinte significado:
Moral. [Do lat. Morale, ‘relativo aos costumes’.] S.f. 1. Filos. Conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada. (...) 3. O conjunto de nossas faculdades morais; brio, vergonha.
Meirelles[24], tendo por base os estudos de Maurice Hauriou, considerado o principal sistematizador da teoria da moralidade administrativa, manifesta-se a respeito deste princípio da seguinte forma:
A moralidade administrativa constitui hoje em dia, pressuposto da validade de todo ato da Administração Pública (Const. Rep., art. 37, caput). Não se trata – diz Hauriou, o sistematizador de tal conceito – da moral comum, mas sim de uma moral jurídica, entendida como "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administração". Desenvolvendo a sua doutrina, explica o mesmo autor que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto, conforme já proclamavam os romanos – non omne quod licet honestum est. A moral comum, remata Hauriou, é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para a sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve, e a finalidade de sua ação: o bem comum. (...) O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima.
De acordo com esta teoria, o princípio da moralidade encontra-se diretamente vinculado aos freios a serem impostos aos agentes públicos na execução dos poderes discricionários, surgida e desenvolvida junto à idéia de desvio de poder, ocorrendo da mesma forma na justiça militar.
1.2.4 Princípio da Publicidade
A doutrina enfatiza que o Princípio da Publicidade tem seu natural campo de aplicação no Direito Administrativo, tendo por base o artigo 37 da Carta Magna. A este respeito, Silva[25] destaca que:
A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo.
Meirelles[26], explicita o seguinte:
Enfim, a "publicidade, como princípio da administração pública, abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto da divulgação oficial de seus atos, como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes [...].
Com relação a este princípio, a Constituição Federal destaca que o mesmo pode ser entendido ora como princípio, ora como bem jurídico, tal como consta no Art. 5º, inciso LX, onde reza que, "a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem" e, no mesmo artigo, porém inciso X, dispõe que, "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Claramente se verifica que neste aspecto se está diante da proteção de um bem jurídico relevante para o constituinte originário que é a dignidade da pessoa humana.
Através deste princípio, portanto, a administração pública tem a obrigação de divulgar seus atos, contratos e instrumentos que forem celebrados para que ocorra o conhecimento, controle e início de seus efeitos.
Com relação a este princípio, Gasparini[27] destaca que,
Pela publicação ou, quando isso não for possível, pelo processo de expedição de certidões, a Administração Pública dá conhecimento de seu comportamento, tornando o seu agir transparente. Ademais, permite o controle por qualquer dos administrados, consoante assegurado na alínea a do inciso XXXIV do art. 5º da Lei Magna, e desencadeia o início dos prazos de interposição de recursos, de prescrição e decadência.
Como se pode observar, é através do princípio da publicidade que se toma ciência dos atos que são praticados pela Administração Pública direta ou indireta, pois caso não ocorra o cumprimento deste princípio, poderá esta incorrer em irregularidades.
1.2.5 Princípio da Eficiência
Como o próprio nome já diz, o princípio da eficiência diz respeito a rapidez no desempenho das atividades realizadas pela Administração Pública. E, a este respeito, Gasparini[28] cita que,
Conhecido entre os italianos como ‘dever de boa administração’, o princípio da eficiência impõe à Administração Pública direta e indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, além, por certo, de observar outras regras, a exemplo do princípio da legalidade. Pela EC n. 19/98, que o acrescentou ao rol dos consignados no art. 37, esse princípio ganhou status constitucional.
1.2.6 Princípio da Razoabilidade
Este princípio refere-se ao comportamento a ser adotado pela Administração Pública e, pode também ser aplicado no âmbito da Justiça Militar, devido a que, abrange o agir de acordo com as normas e não de forma diversa do que a conduta exige.
Com relação a este princípio, destaca Gasparini[29] que:
A lei, ao conceder ao agente público o exercício da discricrionariedade, não lhe reservou, em absoluto, qualquer poder para agir a seu gosto, ao contrário, impôs-lhe o encargo de agir tomando a melhor providência à satisfação do interesse público a ser conseguido naquele momento. A lei, portanto, não lhe permite, sob pena de ilegalidade, qualquer conduta não deseja pela lei, que somente aceita as coerentes.
Isto porque, muitas vezes, as condutas praticadas podem caracterizar-se como ilegais, principalmente, quando se afastam do princípio da razoabilidade e, com isto, fere-se esse princípio que deve reger não só os atos da Administração Pública, como também os referentes a Justiça Militar.
1.3 PRERROGATIVAS DA JUSTIÇA MILITAR
A reforma do Poder Judiciário ocorrida através da Emenda Constitucional - EC n. 45/04, leva ao entendimento de que houve o fortalecimento da Justiça Militar Estadual, pois passou a atribuir aos Juizes de Direito que integram esta Justiça Especializada, competência para processar e julgar as ações de natureza civil que versem sobre questões disciplinares[30], demonstrando que, dessa forma o legislador tem conhecimento de que a Justiça Militar Estadual é tida como órgão do Poder Judiciário, estando comprometida com a promoção da Justiça e na resolução dos conflitos da caserna.
Verifica-se que, a existência da Justiça Militar no Estado de Direito, tem como fundamento, o fato de que os crimes militares, na maioria das vezes relacionados com a vida militar, devem ser processados e julgados por pessoas que conhecem a vida militar, sendo que não é isto que ocorre na realidade, mas sim, na maioria das vezes a competência passa a pertencer a um Juiz da Justiça Comum ou Federal.
Com relação a competência, Rosa[31] destaca o seguinte:
A Justiça Militar Federal tem competência para processar e julgar os militares integrantes das Forças Armadas, Marinha de Guerra, Exército, Força Aérea Brasileira, civis e assemelhados. No Estado democrático de Direito, que tem como fundamento a observância de uma Constituição estabelecida pela vontade popular por meio de uma Assembléia Nacional Constituinte, no caso do Brasil um Congresso Constituinte, não existe nenhum impedimento para a realização de um julgamento militar que tenha como acusado um civil.
As leis militares, Código Penal Militar, Código de Processo Penal Militar, Leis Especiais Militares, definem as situações em que um civil poderá ser julgado por um juiz ou Tribunal Militar. Se um civil praticar um crime de furto em local sujeito a administração militar, como por exemplo um quartel, poderá responder a uma ação penal militar perante a justiça militar federal de 1ª instância.
A Justiça Militar Estadual tem competência para processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei. Os crimes militares estão definidos no Código Penal Militar, CPM, e nas Leis Militares Especiais. Deve-se observar, que por força de disposição constitucional a Justiça Militar Estadual tem competência apenas e tão somente para julgar os militares estaduais, que são os integrantes das Forças Auxiliares (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares).
O que se deve buscar na Justiça Militar é uma democratização desta Justiça Especializada com uma maior participação dos demais integrantes da Corporações Militares, Forças Armadas ou Forças Auxiliares, e com a instalação de Auditorias Militares no interior dos Estados, no caso da Justiça Militar Estadual.
De acordo com o Decreto-lei 1001/69 – Código Penal Militar, as Corporações Militares apresentam características diversas dos demais órgãos da Administração Pública (art. 37, caput, CF/88), que diz respeito, principalmente, a existência de mais dois princípios considerados como sendo fundamentais, a hierarquia e a disciplina, sendo que a desobediência a estes postulados configura o que se denomina de transgressão disciplinar, ou em seu grau mais elevado, de crime militar, a este respeito, destaca-se (grifo nosso):
A conjugação de ambos faz derivar a existência de uma carreira estratificada, onde o superior exerce poderes disciplinares sobre seus imediatos, podendo, inclusive, aplicar sanções de índole administrativa[32].
Com relação a hierarquia militar, verifica-se que esta encontra-se dividida em praças e oficiais, cada um com suas respectivas divisões. É importante destacar que, o quadro de praças se compõe da seguinte forma : soldado, cabo, sargento (3º, 2º e 1º), subtenente, e as praças especiais que são os alunos oficiais, cadetes, e os aspirantes-a-oficial. Já, o quadro de oficiais encontra-se organizado da seguinte forma: oficiais subalternos, tenente (2.º e 1.º); oficiais intermediários, capitão-tenente, capitão; oficiais superiores, major, tenente-coronel e coronel.
No que se refere a hierarquia, é importante destacar o que reza o artigo 8º do Decreto-lei nº 667, de 02.07.1969, qual seja:
Art. 8º. A hierarquia nas Polícias Militares é a seguinte:
a) Oficiais de Polícia:
- Coronel
- Tenente-Coronel
- Major
- Capitão
- 1º Tenente
- 2º Tenente
b) Praças Especiais de Polícia:
- Aspirante-a-oficial
- Alunos da Escola de Formação de Oficiais da Polícia
c) Praças de Polícia:
- Graduados:
Subtenente
1º Sargento
2º Sargento
3º Sargento
Cabo
Soldado
§ 1º A todos os postos e graduações de que trata este artigo será acrescida a designação “PM” (Polícia Militar)[33].
Ainda, no âmbito das Forças Armadas, encontra-se o quadro de oficiais generais, enquanto que nas Forças Auxiliares, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militar, esse quadro não existe, limitando-se ao posto de Coronel.
Com relação as prerrogativas propriamente ditas, estas são estabelecidas a determinados estamentos da Administração Pública, tendo por objetivo assegurar a autonomia dos servidores, para que os mesmos possam desenvolver as suas funções corretamente. Porém, a lei prevê os meios necessários a fiscalização e controle por parte dos órgãos competentes das atividades desenvolvidas pelos agentes públicos.
De acordo com Rosa[34], verifica-se que,
Os militares, de acordo com a Constituição Federal ,dividem-se em: militares federais, e militares estaduais. Na seara do direito militar, os integrantes de uma mesma Corporação podem ser divididos basicamente em dois círculos: praças e oficiais. Nas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, os oficiais podem chegar até o posto de Coronel, enquanto que nas Forças Armadas podem alcançar o posto de Oficial General.
Conforme Cretella Jr.[35] no que tange, aos oficiais:
Patente é o título que comprova a nomeação do militar para determinado posto da hierarquia (...). O posto é revelado pelo uniforme que apresenta símbolos visíveis e característicos, como por exemplo, às divisas[36].
Cabe ressaltar que, uma grande inovação na Constituição de 1988, consistiu em estender as patentes aos oficiais das forças auxiliares.
A estabilidade dos praças não é adquirida de forma semelhante a dos servidores civis. Nas Forças Armadas, as praças adquirem a estabilidade com 10 anos de efetivo serviço prestado, em atendimento as normas do Estatuto dos Militares. Nas Forças de Segurança, a aquisição da estabilidade dependerá das disposições da legislação estadual. No Estado de Minas Gerais, o Código de Ética e Disciplina estabelece que a estabilidade é adquirida com três anos de efetivo serviço, enquanto que no Estado de São Paulo, por força do Regulamento Disciplinar, a estabilidade é adquirida com 10 anos de efetivo serviço, no Estado de Santa Catarina, na forma do Estatuto dos PMs (Lei 6.81-83).
A respeito da estabilidade, Rosa[37] destaca que,
Os oficiais adquirem a sua estabilidade, ou na melhor técnica jurídica, a vitaliciedade, após serem declarados 2º ou 1º Tenente, dependendo do curso freqüentado, Curso de Habilitação a Oficiais, Curso de Formação de Oficiais, Curso Complementar Técnico, pelo aluno ou cadete. Enquanto estiver na condição de aspirante-a-oficial, aluno, ou cadete, o militar fica sujeito as mesmas disposições que são aplicadas as praças, soldado a subtenente, ou suboficial.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu nos arts. 142, e 144, os direitos e prerrogativas que são assegurados aos oficiais das Forças de Segurança, e também aos oficiais das Forças Armadas. No art. 125, § 4º, última parte, também foram estabelecidas as prerrogativas que são asseguradas somente as praças estaduais, e a maneira que estas e os oficiais poderão perder a graduação, posto ou patente, como será visto em Capítulo próprio.
Os art. 142 e 144, da CF, estabeleceram garantias que devem ser observadas nos processos de perda de função dos militares. Em nenhum momento, o constituinte originário impediu que os militares, oficiais de qualquer estirpe ou praças estaduais, possam perder o seu posto e patente, ou graduação. Apenas, estabeleceu um procedimento, “due processo of law”, para que a decisão possa ser proferida, desde que comprovada a responsabilidade do infrator, como será visto na última parte deste estudo.
2 PERDA DA GRADUAÇÃO
Nesta seção, aborda-se a perda da graduação, com o objetivo de entender como este processo ocorre e de que maneira acontece esta perda no âmbito da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar.
2.1 PERDA DO POSTO E PATENTE
A título de diferenciação, destaca-se aspectos pertinentes a perda do posto e patente dos oficiais das Forças Armadas e Auxiliares, apesar destes não ser o foco do estudo, mas sim, a titulo de comparação.
A perda do posto e patente dos oficiais não está contida nos preceitos da Constituição Federal, visto que, em momento algum foi estabelecida na Carta Magna que os oficiais, Forças Armadas e Forças de Segurança, poderão perder o posto ou a patente através de procedimento que não seja em decorrência de decisão judicial de um Tribunal Militar em tempo de paz ou Tribunal Especial em tempo de guerra. O que se verifica é que, no artigo 142, § 3º, inciso VI da Constituição Federal de 1988, encontra-se o seguinte dispositivo:
Art. 142 (...)
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
VI – o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra.
Conforme o exposto verifica-se que a perda do posto ou patente, no caso dos oficiais, somente ocorrerá nos casos em que os tribunais decidirem, sendo que, na ocorrência de ilícito, comum ou militar, a competência para julgar é do Tribunal Militar, o qual caberá a decisão final sobre esta perda, sendo que a regra jurídica constitucional, referente a perda do posto e da patente do oficial, se dá quando o mesmo for considerado indigno (na conduta que infringe elemento ético), ou incompatível (na conduta que denota desajuste funcional, como por exemplo, a falta de aptidão para o exercício de comando).
Apesar de que, o Superior Tribunal de Justiça, no ROMS nº 15711/GO, que teve como relator o Ministro Jorge Scartezzini, 5ª Turma, por v.u,
reconheceu a possibilidade de um oficial da Polícia Militar ser excluído da Corporação por ato do Comandante Geral, afastando desta forma as disposições do art. 125, § 4º, c.c o art. 142, § 3º, incisos VI e VII, por entender que somente no caso de crime militar é que a decisão deve ser proferida pelo Tribunal de Justiça Militar.
Talvez esse entendimento, encontra explicação histórica em Cretella Jr.[38], quando afirma que,
Interpretando o art. 93, § 2º, da Carta Política de 1969, foi firmado o princípio jurisprudencial de que a regra, em questão, é aplicável somente aos oficiais das Forças Armadas, jamais ao pessoal das Polícias Militares (STF, em RDA 139:83).
Portanto, estes oficiais tem assegurada a garantia com relação a perda do posto ou da patente, e isto ocorre desde a Constituição de 1824 até a EC nº 01/69, o que leva ao entendimento de que a atual Constituição não trouxe nenhuma inovação a este respeito, porém, manteve a tradição vigente no ordenamento jurídico nacional. Como se pode observar, existem decisões nas quais o juiz da Justiça Comum ou autoridade administrativa, no caso, Comandante Geral, poderá demitir o oficial dos quadros da Corporação Militar a que pertence, indo em tese, contra as normas que tratam do assunto.
2.1.1 Procedimento para a perda do posto e patente dos oficiais
Tendo por base a Constituição Estadual de Santa Catarina, destaca-se diretrizes a respeito da perda do posto e patente dos oficiais pertencentes às Polícias Militares Estaduais.
Verifica-se que, segundo o que dispõe esta Constituição, poderá ocorrer a perda do posto e da patente dos Oficiais das Polícias Militares dos Estados, em casos de condenação criminal transitada em julgado, cuja pena seja privativa de liberdade superior a dois anos, por crime comum ou militar.
É importante destacar que, é um processo específico que será interposto perante o Tribunal de Justiça, através de representação do Ministério Público, com o objetivo de declarar a indignidade ou incompatibilidade do ato com o oficialato.
De acordo com o Ato n. 132/1997/PGJ do Estado de Santa Catarina, referente ao oferecimento da Representação no procedimento da perda da graduação pelos Procuradores de Justiça Criminais, encontra-se a seguinte norma:
Determinar aos Promotores de Justiça com atribuições nas áreas criminais que, tão logo transitada em julgado sentença penal condenatória que tenha imposto a Oficiais ou Praças graduadas da Policia Militar pena privativa de liberdade superior a 2 (dois) anos, promovam o imediato encaminhamento das peças principais do respectivo processo-crime, tais como denúncia, defesa prévia, termo de declarações, alegações finais, sentença, acórdão, certidão do trânsito em julgado, devidamente autenticadas, à Procuradoria-Geral de Justiça para o oferecimento de representação junto ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado visando o afastamento definitivo do apenado dos quadros da Polícia Militar Estadual, providência dispensável na hipótese de Praça graduado condenado já excluído da Corporação por ato administrativo. (...)
Relativamente aos oficiais, já na ordem constitucional anterior, em função da emenda constitucional nº 1/69, a decisão sobre a perda do posto e patente competia com exclusividade ao órgão de segundo grau da Justiça Militar, operando-se ela, nos casos de condenação criminal com trânsito em julgado a pena privativa de liberdade superior a dois anos, através de um novo julgamento e por intermédio da declaração da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato (art. 93, §§2º e 3º).
Ainda, de acordo com o art. 42, encontra-se disposto nos parágrafos 7º e 8º, o seguinte:
§ 7º - O oficial das Forças Armadas só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão do tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra.
§ 8º - O oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no parágrafo anterior.
Complementa-se os dizeres acima, com o que dispõe o artigo 122, da Lei Estadual nº 6.218/83, qual seja:
O oficial perderá o posto e a patente se for declarado indigno do oficialato ou com ele incompatível por decisão do Tribunal de Justiça do Estado, em decorrência de julgamento a que for submetido.
Busca-se em Romeiro[39] o entendimento a respeito da perda do posto e patente dos Oficiais:
Em se tratando de oficiais das policias militares e dos corpos de bombeiros militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal, o julgamento da indignidade ou incompatibilidade para o oficialato, com a conseqüente perda do posto e da patente, é feito perante os respectivos Tribunais de Justiça ou, nos Estados onde existirem, pelos Tribunais de Justiça Militar (art., 125. §4º da Constituição vigente).
Com relação a perda do posto e patente dos oficiais das Forças Armadas, o Regimento Interno do Superior Tribunal Militar, em seu artigo 122, estabelece que:
Art. 122. A declaração de indignidade ou incompatibilidade com o oficialato, e conseqüente perda do posto e patente, nos casos previstos em lei, será proferida pelo Tribunal:
I - omissis,
II - mediante representação do Ministério Público,, nos casos previstos na Constituição Federal/88 (art. 42, §8º).
Com base no exposto, entende-se que, nas condenações com trânsito em julgado, nas quais houve condenação em pena privativa de liberdade superior a dois anos, seja crime comum ou militar, o Oficial da Polícia Militar sofrerá as conseqüências não só com relação a perda do posto e patente, mas também com a pena acessória da expulsão dos quadros da Corporação, porém, este procedimento dependerá de processo específico a ser impetrado junto ao Tribunal de Justiça, por meio da representação do Ministério Público. A este respeito, é importante destacar que, a competência embora seja do Tribunal de Justiça, o oficialato obedece normas próprias que foram estabelecidas por meio da Lei Estadual nº 5.277/76.
A seguir, aborda-se a questão da perda da graduação dos praças no âmbito Estadual, tendo por base o que dispõe a Constituição Federal e a Justiça Militar Estadual.
2.2 PERDA DA GRADUAÇÃO
Antes de adentrar na perda da graduação propriamente dita, é necessário destacar aspectos pertinentes a Justiça Militar Estadual, realizando uma retrospectiva com o objetivo de verificar como esta era entendida pelas Constituições anteriores a de 1988.
Com relação a Justiça Militar Estadual, esta já estava descrita na Constituição Federal de 1946, mais precisamente no artigo 124, o qual dispunha que:
Art. 124. Os Estados organizarão a sua justiça com observância dos artigos 95 a 97 e também dos seguintes princípios:
(...)
XII – a Justiça Militar estadual, organizada com observância dos preceitos gerais (art. 5º, nº XV, letra f) terá como órgãos de primeira instância os conselhos de justiça e como órgão de segunda instância um tribunal especial ou o Tribunal de Justiça.
Na Constituição Federal de 1967, o artigo 136 destaca o seguinte com relação a Justiça Militar estadual:
Art. 136. Os Estados organizarão a sua justiça, observados os arts. 108 a 112 desta Constituição e os dispositivos seguintes:
(...)
§ 1º A lei poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça:
(...)
d) justiça militar estadual, tendo como órgão de primeira instância os conselhos de justiça e de segunda um tribunal especial ou o Tribunal de Justiça.
A Emenda Constitucional nº 7 de 1977, alterou o artigo 144 da Constituição Federal de 1969, dando maiores esclarecimentos com relação a competência da Justiça Militar Estadual, modificando substancialmente o que dispunham as constituições anteriores.
Art. 144. Os Estados organizarão a sua justiça observados os arts. 113 a 117 desta Constituição, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional e os dispositivos seguintes:
(...)
§ 1º A lei poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça:
(...)
d) a justiça militar estadual, constituída em primeira instância pelos Conselhos de Justiça, e, em segunda, pelo próprio Tribunal de Justiça, com competência para processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os integrantes das polícias militares.
Já com relação a organização e competência da Justiça Militar Estadual, a Constituição Federal de 1988 trouxe novas alterações ao dispositivo acima citado, incluindo outros aspectos tais como:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
(...)
§ 4º. Compete à Justiça Militar estadual, processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Tomando por base o que reza o artigo 125, mais precisamente em seu parágrafo 4º da Constituição Federal, entende-se que as praças estaduais somente perderão sua graduação em caso de decisão judicial proferida por Tribunal Militar ou Tribunal de Justiça (quando o efetivo for menor que 20.000).
Com base no exposto, verifica-se que a Justiça Militar Estadual tem competência para processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei. Os crimes militares encontra-se definidos no Código Penal Militar (art. 9º, II, a), e nas Leis Militares Especiais, sendo que, no caso da Justiça Militar Estadual, esta tem competência apenas para julgar os militares estaduais, que são os integrantes das Forças Auxiliares (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares).
É importante destacar o entendimento de Rosa[40] a respeito:
Por força da nova Constituição Federal, que diversamente das demais deu um tratamento melhor a Justiça Militar Estadual, os juízes auditores ou juízes de direito que atuam junto as auditorias militares, não poderão determinar com pena acessória a perda da graduação da praça condenada a uma pena privativa de liberdade superior a dois anos. Somente o Tribunal possui competência para fazê-lo, existindo alguns julgados que entendem que até mesmo no aspecto administrativo somente o Tribunal competente poderá decidir sobre a perda da graduação.
A Justiça Militar, Federal ou Estadual, está presente em todos os Estados-membros da Federação. A Justiça Militar da União possui Lei de Organização Judiciária própria e dotação orçamentária, em atendimento ao disposto na Constituição Federal. As Justiças Militares Estaduais que também possui dotação própria ainda que pequena, possui sua competência tratada na Lei de Organização Judiciária dos Estados.
É importante se observar, que a Justiça Militar não é uma criação do Brasil, mas um órgão especializado do Poder Judiciário, que se faz presente em outros países, como os Estados Unidos da América, Portugal, Israel, entre outros.
Conforme pode-se observar, as policiais militares e bombeiros militares passaram a ser julgados pela Justiça Militar Estadual desde a Constituição de 1946, sendo que, pela Constituição Federal de 1988, cabe a esta julgar também a pena acessória da perda da graduação, com relação aos praças.
O que chama a atenção é que, o legislador constituinte tinha o interesse em vedar a diferenciação entre o tratamento dado a um oficial e a um praça e, a este respeito, a Emenda 2P0140701/88[41], de autoria do Deputado Paulo Ramos e co-autoria dos Deputados Valmir Campelo e Celso Dourado, que mais tarde, em 8 de abril de 1988, veio a ser aprovada, com a seguinte justificativa:
Não é justa a diferenciação de tratamento entre integrantes da mesma corporação, que devem estar submetidos ao mesmo regime jurídico. A inclusão feita tem por fim dar a todos os policiais militares e bombeiros bilitares tratamento igualitário, como forma de harmonizar a situação dos integrantes das corporações encarregadas da segurança pública.
Apesar do exposto, a Constituição Federal de 1988 é bem clara ao estabelecer que os militares dividem-se em: militares federais, e militares estaduais. O mesmo ocorre aos integrantes de uma mesma corporação militar, que podem ser divididos em: praças e oficiais. Nas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, os oficiais podem atingir até o posto de Coronel, enquanto que nas Forças Armadas o posto máximo é o de Oficial General.
A este respeito, Rosa[42] cita que:
Os integrantes das forças de segurança, forças armadas e forças policiais, são regidos por normas próprias que determinam os direitos e deveres de cada servidor no exercício de suas funções constitucionais. Os servidores militares federais são regidos pelo Estatuto dos Militares e por regulamentos disciplinares, que são peculiares a cada uma das Forças Armadas. Os militares estaduais na maioria dos Estados-membros da União não possuem um Estatuto ou uma Lei Orgânica, mas são regidos por regulamentos disciplinares que são semelhantes aos que existem nas Corporações Federais. As Polícias Civis e Federais em regra são regidas por Leis Orgânicas, o que é mais compatível com a atividade de polícia nos Estados modernos.
Os agentes policiais militares dos Estados-membros são regidos por regulamentos disciplinares de cunho militar, que estão voltados para o desenvolvimento de uma atividade policial que deve tratar do relacionamento Estado-cidadão e na preservação dos direitos e garantias fundamentais do homem. O policial deve ser cidadão, o que não ocorria até a Constituição Federal de 1988 com os cabos e soldados da PM, para que possam desenvolver um trabalho junto a população voltado para a melhoria da qualidade de vida e o afastamento da sociedade dos infratores que não respeitam a ordem previamente estabelecida.
O que chama a atenção é que, na Constituição Federal de 1988, não existe nenhum dispositivo estabelecendo que os oficiais, Forças Armadas e Forças de Segurança, poderão perder o posto ou a patente por meio de um procedimento que não seja o decorrente de uma decisão judicial, proferida por Tribunal Militar em tempo de paz , ou um Tribunal Especial em tempo de guerra, conforme estabelece o art. 142, § 3º, inciso VI.
A respeito da perda da graduação, Rosa[43] destaca que,
A existência de duas categorias de militares traz desigualdades entre seus integrantes. O art. 125, § 4º, da CF, estabelece somente as praças das forças auxiliares perderão sua graduação mediante decisão do Tribunal competente. Com base no dispositivo constitucional, a autoridade competente para decidir sobre a demissão da praça seria o Tribunal de Justiça ou o Tribunal de Justiça Militar nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul.
O que se entende, pelo artigo 92, inciso VI da Constituição Federal de 1988, é que cabe aos Juízes e Tribunais Militares decidirem sobre a perda do posto ou da patente dos oficiais, e da graduação das praças.
No entendimento de Rosa[44] fica claro que:
A princípio as mesmas garantias asseguradas aos oficiais foram asseguradas as praças. Depois, passou a ser aplicado o entendimento segundo o qual somente no caso de crimes, comum ou militar, é que as praças ficariam sujeitas a perda da graduação, mediante uma decisão a ser proferida pelo Tribunal Militar. O S.T.F e o S.T.J firmaram entendimento que o Comandante Geral possui competência para demitir as praças das Forças de Segurança. É importante se observar, que o art. 125, § 4º, da CF, não fez esta diferenciação, e nem quanto a natureza do ilícito, comum ou militar.
Com relação a perda da graduação, o Supremo Tribunal Federal ao interpretar a norma constitucional reconhecia que a autoridade administrativa não possuía competência para decidir sobre a perda da graduação das praças, porém, este não era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, para o qual, somente aos oficiais era reservado o direito de perderem seu posto mediante decisão judicial. Outros tribunais, como o Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo, ao julgar os mandados de segurança interpostos por policiais militares demitidos por ato do Comandante Geral, concediam medida liminar para reintegrar os militares estaduais e ao final do julgamento concediam a ordem em definitivo e no Estado de Minas Gerais, o Tribunal de Justiça Militar seguia a orientação do Superior Tribunal de Justiça, validando desta forma, o ato administrativo de demissão praticado pelo Comandante Geral.
Complementando o disposto acima, destaca-se, a seguir, acórdão a respeito do assunto.
Acórdão proferido na apelação cível n.º 202.087-1/2, v. u, pela Colenda 1.ª Câmara Cível, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que teve como relator o Des. Álvaro Lazzarini, onde este decidiu que, ‘a igualdade buscada pelo artigo 125, § 4.º, da C.F, teve origem na Emenda nº 2P01407-1, de 13 de janeiro de 1988, de autoria do Deputado Constituinte Paulo Ramos, Major da Reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que buscava com este projeto colocar um término a desigualdade existente entre membros de uma mesma Corporação’.
O desembargador Álvaro Lazzarini, tendo por fundamento o Recurso Especial n.º 121.533-0, do qual foi relator o Ministro Sepúlveda Pertence, reconheceu por unanimidade a vitaliciedade das praças estaduais, preceitua que o Comandante Geral das Polícias Militares não mais possui atribuição para demitir as praças de suas Corporações, cabendo ao Tribunal competente decidir sobre esta questão, após um procedimento semelhante ao adotado para o Conselho de Justificação, onde deverá ser assegurado ao acusado a ampla defesa, e o contraditório.
Já, nos embargos declaratórios n.º 202.087-1/4-01, julgados em 14 de junho de 1994, a Colenda 1ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, decidiu que, “POLICIAL MILITAR - Perda da Graduação de praça e demissão - Competência - Ato do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo e não do Comandante Geral da Polícia Militar - Inteligência do art. 125, § 4.º, da CF”. RT n º 708/78-80.
Apesar deste entendimento, do qual fazem parte o Desembargador Álvaro Lazzarini e outros doutrinadores, Rosa[45] destaca que,
o Supremo Tribunal Federal modificou o seu posicionamento a respeito da perda da graduação das praças, e passou a reconhecer a competência do Comandante Geral para a demissão desta categoria de militares por meio de ato administrativo. Assim, após um processo administrativo regular, onde seja assegurada a ampla defesa e o contraditório, o Comandante Geral mediante decisão fundamentada poderá demitir as praças das fileiras da Corporação Militar, Polícia Militar ou Corpos de Bombeiros Militares.
É importante destacar ainda, o disposto em Recurso Extraordinário:
A 1.ª Turma do Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário n.º 140466, que teve como relator o Ministro Ilmar Galvão proveniente do Estado de São Paulo, tendo como recorrente Miguel Santana Lourenço decidiu que, ‘EMENTA: POLÍCIA MILITAR. PRAÇAS. PERDA DA GRADUAÇÃO.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 125, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO. O texto sob enfoque, que é de aplicação imediata,subordinou a perda de graduação das praças da Polícia Militar à decisão do tribunal competente, razão pela qual não pode ela ser decretada por ato do Comandante-Geral ou de qualquer outra autoridade administrativa.Precedente do Plenário do STF (RE 121.533-MG, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, RTJ 133/1.342).Recurso conhecido e provido’.
Na seara do campo criminal, o entendimento do Supremo Tribunal Federal não tem aplicação, e a Justiça Comum não possui competência para impor a um militar, praça, condenado por violação, por exemplo a Lei de Tortura, ou a uma pena superior a dois anos, por crime comum ou militar, a perda da graduação. Isto porque, a competência para proferir esta decisão, no caso das praças que integram as Forças de Segurança, pertence exclusivamente ao Tribunal Militar, ou nos demais Estados da Federação, ao Tribunal de Justiça.
Porém, o que se observa, mesmo tendo por base o texto constitucional, os Tribunais não compartilham deste entendimento. Rosa[46] cita que:
No entender dos Pretórios, a Justiça Militar, Estadual, representada pelo Tribunal de Justiça Militar, MG, SP, e RS, ou nos demais Estados, pelo Tribunal de Justiça, somente poderá decidir sobre a perda da graduação das praças no caso de crimes militares previstos em lei, Código Penal Militar. Caso contrário, esta competência será da Justiça Comum do Estado, podendo inclusive ser aplicada pelo órgão judicial de 1 ª instância. Além disso, esta garantia restringida pelos entendimentos dos Tribunais de Sobreposição não tem sido estendida aos militares das Forças Armadas, que em atendimento as disposições do art. 5 º, caput, da CF, princípio da igualdade, deveriam receber o mesmo tratamento. Desde a edição da Emenda Constitucional n º 18, de 1998, no Brasil existem duas categorias de militares, que devem receber tratamento semelhante, uma vez que ficam sujeitos aos mesmos dispositivos legais, Código Penal Militar e Código de Processo Penal Militar.
O exposto mostra que, a perda da graduação das praças estaduais por meio de decisão judicial objetiva assegurar aos militares a defesa de prerrogativas que impeçam a possibilidade de decisões de caráter subjetivo, ou incompatíveis com a prova dos autos. Porém, essa garantia não pode e não deve ser confundida com impunidade, isto porque, se existirem indícios da prática de um ilícito funcional de natureza grave, o acusado deve ser prontamente afastado de suas funções e recolhido ao serviço interno.
O que se entende pelo disposto no texto, é que a desigualdade nos julgamento entre militares federais e estaduais, oficiais e praças, objetiva dar cumprimento ao disposto no art. 125, § 4º c.c. o art. 5.º, caput, da Constituição Federal de 1988, sendo estes normas vigentes, com eficácia plena e, desta forma, a demissão das praças somente poderá ocorrer mediante decisão proferida por Tribunal competente, para se evitar o tratamento diferenciado entre integrantes de uma mesma Corporação.
2.2.1 Procedimento para a perda da graduação dos praças
Com relação a perda da graduação das praças, cada Estado possui seu próprio regimento, sendo que em Santa Catarina, encontra-se dispositivo legal no Ato nº 132/1997/PGJ, no qual o Procurador-Geral de Justiça, no exercício da chefia do Ministério Público do Estado, tendo por base as disposições constantes dos artigos 42, parágrafos 7º e 8º, e 125, parágrafos 3º e 4º, da Constituição Federal, 31, parágrafos 9º e 10º, e 90, parágrafo 1º, da Constituição Estadual, das Leis Estaduais nº 6.218/83, 5.209/76 e 5.277/76, e Federal nº 5.836/72, bem como as regras previstas no Regimento Interno do Colendo Superior Tribunal Militar (artigos 87, 122, II, e 123), dispõe a respeito desta perda da graduação, destacando que.
Em que pese a Constituição Federal, ao tratar dos servidores públicos militares, não se referir às praças graduadas, prevendo, a exemplo dos oficiais, a sua submissão a julgamento específico para exclusão dos quadros da Corporação (§§7º e 8º, CF), indisfarçável a intenção do constituinte em conferir-lhes idêntica garantia, diante do disposto art. 125, §4º, da Constituição Federal, que estabelece a competência do Tribunal para decidir, não só sobre a perda do posto e patente dos oficiais mas também sobre a perda da graduação das praças.
A respeito desta perda da graduação, encontra-se dispositivo no artigo 90 da Constituição Estadual, a qual reza que:
§1º - Como órgão de segundo grau funcionará o Tribunal de Justiça, cabendo-lhe decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Desta forma, verifica-se que a exclusão das praças graduadas dos quadros da Polícia Militar, não se dá mais em decorrência de condenação com trânsito em julgado pela prática de crime a pena privativa de liberdade superior a dois anos[47], dependendo de decisão do órgão de segundo grau da Justiça Castrense, a qual deverá ser prolatada em procedimento de natureza idêntica àquele pertinente a declaração da indignidade ou incompatibilidade para o Oficialato e, assim, pode-se dizer que as regras anteriores se mostraram intoleráveis, pois viam como pena acessória medidas drásticas, não condizentes com a realidade.
A este respeito, Romero[48] destaca:
A Constituição de 1988, abrindo uma exceção em nosso tradicional direito penal militar, equiparou a graduação das praças das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares estaduais ao posto e à patente dos oficiais dessas corporações, para o fim de sua perda. (...) Há de mister para que ocorra ou não a exclusão que perante o Tribunal de Justiça ou, nos Estados onde houver, o Tribunal de Justiça Militar, seja instaurado um especial processo de perda de graduação da praça, análogo ao da perda do posto e da patente dos oficiais.
Em jurisprudência firmada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, encontra-se entendimento no mesmo sentido, qual seja:
Militar: praças da Polícia Militar Estadual: perda de graduação: exigência constitucional de processo específico (CF/88, art. 125, §4º, parte final) de eficácia imediata: caducidade do art. 102 do Código Penal Militar.
O artigo 125, §4º, In fine, da Constituição, subordinou a perda da graduação dos praças das policiais militares à decisão do tribunal competente, mediante procedimento específico, não subsistindo, em conseqüência, em relação aos referidos graduados o artigo 102 do Código Penal Militar, que a impunha como pena acessória da condenação criminal a prisão superior a dois anos.
A nova garantia constitucional dos graduados das Polícias militares é de eficácia plena e imediata, aplicando-se, no que couber, a disciplina legal vigente sobre a perda de patente dos oficiais e o respectivo processo. (Recurso Extraordinário nº 121.533/MG - Relator: Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, In RTJ 133/1,342).
Em outro recurso, encontra-se os seguintes dizeres:
O texto sob enfoque, que é de aplicação imediata, subordinou a perda de graduação das praças da Polícia Militar à decisão do tribunal competente, razão pela qual não pode ela ser decretada por ato do Comandante-Geral ou de qualquer outra autoridade administrativa. (Recurso Extraordinário nº 140.466.3/SP - Relator: Ministro ILMAR GALVÃO 25.06.96).
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, dispôs com relação a perda da graduação, em sede de mandado de segurança, o seguinte:
Com o advento da CF/88, o art. 102 do código Penal Militar foi derrogado, a perda da graduação das praças, das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros estaduais, passou a ser equiparada a perda do posto e patente dos oficiais, isto é, da competência do Tribunal. (Mandado de Segurança nº 96003184-7, da Capital - Relator: Desembargador GENÉSIO NOLLI).
Encontra-se também com relação a perda da graduação, dispositivo em mandado de segurança, onde se entende que:
Mandado de segurança preventivo - Polícia Militar- Perda da graduação em face de condenação penal - Impossibilidade diante do art. 125, §4º,. da Magna Carta - Exegese - ordem deferida. (Mandado de Segurança nº 97,000364-1, da Capital - Relator: Desembargador FRANCISCO OLIVEIRA FILHO).
Pelo que se pode observar, a pena acessória da perda da graduação das praças, no âmbito da Constituição Estadual de Santa Catarina, só pode ser aplicada apenas quando houve na Justiça Militar condenação por crime militar, segundo a jurisprudência do Excelso STF, que inclusive já sumulou, sob nº 673, in verbis:
O ART. 125, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO NÃO IMPEDE A PERDA DA GRADUAÇÃO DE MILITAR MEDIANTE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
O julgamento destes casos será submetido ao
Conselho de Disciplina composto por três oficiais da ativa que, obedecido o rito estabelecido pela Lei nº 5.209/76, encaminha relatório ao Comandante-Geral da Polícia Militar que, por sua vez, poderá propor ao Governador do Estado a reforma da praça ou a sua exclusão a bem da disciplina caso tenha sido julgada incapaz de permanecer na ativa ou na inatividade (arts. 2º, inc. III, 4º, 11/12).
A respeito do julgamento das praças, que pode levar a perda da graduação, o Desembargador Álvaro Lazzarini[49], em voz destoante e minoritária, e com base em diversas decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, destaca que:
Bem por isso não pode a Administração Policial Militar Estadual - Polícia Militar ou de Bombeiros Militares - aplicar pena expulsiva às suas praças, tenha o nome que for ( expulsão, demissão, etc.), devendo pautar a sua eventual autonomia administrativa em relação às praças, como o faz em relação aos seus oficiais. O Constituinte de 1988, insistamos, não distinguiu entre perda da graduação decorrente de simples violação de dever funcional das praças, daquelas outras violações de dever funcional qualificadas também de criminal. E onde o legislador não distingue, não é lícito ao intérprete distinguir, vale dizer, tanto em uma como em outra hipótese a competência para decretar a perda da graduação das praças deixou de ser da autoridade militar estadual, sendo sim e atualmente do tribunal competente, comum ou militar (TJESP - 1ªa Câmara Cível - Apelações Cíveis nos 202.087.1/2, 221.929.1/5 e 266.784.1).
Porém, pelo entendimento cristalizado no Excelso STF, entende-se que, a perda da graduação das Praças das Forças Auxiliares, ocorrerá apenas quando da condenação criminal aplicada pela Justiça Militar (através do Conselho de Disciplina) e, como conseqüência desta perda, ocorrerá a decisão, pelo Tribunal Militar ou Tribunal de Justiça, sobre exclusão ou não da Corporação.
3 ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
Com o objetivo de analisar de que forma os Tribunais entendem a perda da graduação das praças, efetuando uma equiparação no âmbito dos militares estaduais, entre praça e oficial. Isto porque, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o artigo 125 dispõe sobre a competência para julgar os bombeiros militares, assim como decidir sobre perda do posto e patente dos oficiais e da graduação das praças, caberia a Justiça Militar estadual. Senão vejamos:
Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.
(...)
§ 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.
Verifica-se, com base no artigo 125 que, tanto as polícias militares e bombeiros militares se encontram submissos ao foro militar no caso da perda do posto e da patente dos oficiais e da perda da graduação das praças.
O que se entende é que, cabe a Justiça Militar julgar os casos pertinentes a perda do posto e da patente dos oficiais e o mesmo deveria ocorrer com relação a perda da graduação das praças. Porém, existe diferenciação entre oficiais e praças quando do julgamento destas questões, pois o praça somente sofrerá representação quando da aplicação de pena acessória, quando de condenação de competência da Justiça Militar, conforme julgado assim ementado:
Agravo de Instrumento nº 239.029-5
PRAÇA – EXPULSÃO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – VIABILIDADE – PRECEDENTE: RE Nº 199.800-8/SP
DEFESA – INEXIGIBILIDADE DA PRESENÇA DE ADVOGADO – AGRAVO DESPROVIDO
Como se pode observar, neste Agravo de Instrumento, ficou clara a maneira como são julgadas as ações que envolvem perda do posto e da patente dos oficiais e perda da graduação pelos praças, destacando-se ainda que, vigindo este entendimento, está se consolidando o entendimento do Excelso STF no que dispõe o § 4º do artigo 125 da Constituição Federal, onde a Justiça Militar decidirá a perda da graduação como pena acessória somente nos crimes em que Ela coube decidir, podendo o praça estadual ser desligado por decisão administrativa nos demais casos.
Destaca-se ainda que, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, entende que,
[...] tem reiteradamente decidido que apenas nas hipóteses de crimes militares compete ao Tribunal decidir sobre a perda do posto e patente dos oficiais e da graduação das praças (v. RMS nº 1.261-0 - RJ - Min. HÉLIO MOSIMANN; RMS nº 1.033 - RJ - Min. PEÇANHA MARTINS) posicionamento com o qual, assim demonstravam as decisões cujas ementas reproduzi, não comungava o Colendo Supremo Tribunal Federal que, todavia, recentemente (04.06.97), em sessão plenária, entendeu cabível a aplicação administrativa daquela punição (Recurso Extraordinário nº 199.800-8/SP - Relator: Ministro CARLOS VELLOSO).
Destaca-se, ainda, entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça com relação a perda da graduação de praça, e cuja Representação, numa atitude raríssima, foi julgada improcedente. Transcreve-se parcialmente a decisão monocrática:
A perda da graduação e consequentemente a exclusão da Corporação só se justificam em casos de excepcional gravidade, em que a conduta do militar, ainda que reformado, repercuta na sociedade de forma a macular a imagem da Corporação. Assim, verificando-se in casu tratar-se de homicídio privilegiado e contatando-se que, do entrevero, o representado restou gravemente lesionado e, por conseqüência, reformado, pelo princípio da razoabilidade, é de improver-se a representação criminal para mantê-lo no quadro de inativos das fileiras da Polícia Militar." (fl. 154).
O recorrente sustenta que a condenação à pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos, importa na exclusão do recorrido das forças armadas, não merecendo prosperar, acrescenta, a invocação do princípio da razoabilidade.
Violação do artigo 102 do Código Penal Militar funda a insurgência (Constituição da República, artigo 105, inciso III, alínea "a").
Como visto, de vários julgamentos pesquisados, aos quais alguns aqui transcritos, apenas um não acatou a Representação. Isto porque, se entendeu, conforme decisão monocrática, que “De outra banda, a condenação à pena privativa de liberdade, a perda parcial da visão e a incapacidade definitiva para o exercício da função policial já lhe são suficientes”.
As decisões acima só vêm corroborar com o entendimento obtido através do estudo, no qual observa-se que o procedimento decorre da corrente jurisprudencial majoritária do Excelso STF, firmada sobre o tema, ou seja, tratando-se de praça e não de oficial, é possível a perda da graduação e expulsão mediante processo administrativo.
Com este entendimento, o que era para ser um direito constitucional legado a uma categoria que, no decorrer da história, acabou por torná-la ineficaz, ao aplicar no processo interpretativo, a teoria histórico-objetivista ou atualista, que procura pela interpretação, à vontade da lei (voluntas leges, men leges), ou seja, a lei depois de nascida, adquire vida própria, e a sua vontade supera a vontade ficta do legislador, em vez da teoria subjetivista, que busca através da utilização, apenas o elemento histórico, à vontade do legislador (voluntas legislatoris), pois, como citado na segunda seção, a Emenda 2P0140701/88[50], de autoria do Deputado Paulo Ramos e co-autoria dos Deputados Valmir Campelo e Celso Dourado, que em data de 8 de abril de 1988, veio a ser aprovada, com a seguinte justificativa:
Não é justa a diferenciação de tratamento entre integrantes da mesma corporação, que devem estar submetidos ao mesmo regime jurídico. A inclusão feita tem por fim dar a todos os policiais militares e bombeiros bilitares tratamento igualitário, como forma de harmonizar a situação dos integrantes das corporações encarregadas da segurança pública.
Pela justificativa desta Emenda, demonstra-se que o interesse do legislador constituinte era para que, em qualquer caso, o praça, integrante de força auxiliar, somente poderia perder a graduação, por decisão do tribunal competente (Tribunal Militar – SP e MG - ou Tribunal de Justiça – nos demais Estados), e não somente em caso de imposição de pena acessória por condenação aplicada pela justiça militar, pois o objetivo do legislador constituinte foi justamente equiparar, para efeitos de desligamento do serviço ativo, oficial e praça, além de que, “interpretar restritivamente as garantias constitucionais, é tratar mal a Lei Maior, ainda mais quando se sabe que estas garantias interpretam-se amplamente” [RSTJ, 1(4):1.405-1.449, dez. 1989].
CONCLUSÃO
Efetuar uma comparação entre a perda do posto e da patente dos oficiais e a perda da graduação das praças militares estaduais, é de interesse geral, para que se possa entender como estas se procedem, analisando preceitos contidos na Constituição Federal de 1988 e o entendimento a respeito da Constituição do Estado de Santa Catarina, destacando, não só a doutrina vigente como também o entendimento jurisprudencial a respeito do tema.
O trabalho foi dividido em três seções. A primeira, Organização da Justiça Militar, na qual abordou-se a organização e estrutura da Justiça Militar, assim como os princípios relativos a Justiça Militar e s prerrogativas de praças e oficiais.
Nesta seção, verificou-se como a Justiça Militar se organiza, sua estrutura, enfim, aspectos pertinentes a sua organização como um todo. Destacou-se também, os princípios que regem a Justiça Militar, e as prerrogativas de oficiais e praças militares estaduais.
A segunda, Perda da Graduação, procurou-se demonstrar de que forma ocorre a perda do posto e da patente dos oficiais e, também, como se dá a perda da graduação das praças, destacando entendimentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito.
Nesta seção, abordou-se a perda da graduação propriamente dita, sendo considerada esta etapa, primordial para o entendimento de como ocorre a perda do posto e da patente dos oficiais e a perda da graduação das praças militares estaduais, tendo por base o que dispõe a Constituição Federal de 1988 e a Constituição Estadual de Santa Catarina.
A terceira, Entendimento Jurisprudencial, enfatiza-se aspectos pertinentes a perda da graduação das praças, dando-se ênfase a jurisprudência vigente a respeito.
Nesta seção, de maior relevância para o estudo, pois busca-se analisar o entendimento jurisprudencial a respeito das diferenças de tratamento com relação a perda do posto e da patente pelos oficiais e a perda da graduação pelos praças.
A elaboração deste estudo permitiu conhecer aspectos importantes com relação a perda da graduação das praças militares estaduais, levando ao entendimento de que as hipóteses levantadas quando da realização do projeto de pesquisa, demonstraram que, “[...] tem reiteradamente decidido que apenas nas hipóteses de crimes militares compete ao Tribunal decidir sobre a perda do posto e patente dos oficiais e da graduação das praças (v. RMS nº 1.261-0 - RJ - Min. HÉLIO MOSIMANN; RMS nº 1.033 - RJ - Min. PEÇANHA MARTINS)”.
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ANEXOS
Jurisprudência do Excelso STF
Agravo de Instrumento nº 239.029-5
Proced.: São Paulo
Relator: Min. Marco Aurélio
Agte.: Wagner Leôncio Silva
Advdos.: Luciane Helena Vieira e outros
Agdo.: Estado de São Paulo
Advda.: PGE-SP – Regina Maria Rodrigues da Silva
DECISÃO
PRAÇA – EXPULSÃO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – VIABILIDADE – PRECEDENTE: RE Nº 199.800-8/SP
DEFESA – INEXIGIBILIDADE DA PRESENÇA DE ADVOGADO – AGRAVO DESPROVIDO
1. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acolheu pedido formulado em apelação pelas razões assim sintetizadas:
Praça com menos de 10 anos de efetivo exercício. Demissão ou expulsão por ato justificado do Dec. Lei Estadual nº 260/70. O art. 125, § 4º, da CF só tem aplicação nos casos de crimes militares definidos em lei. Recursos providos para julgar improcedente a ação (folha 69).
Exsurgiram embargos de declaração, acolhidos para que se acrescentasse ao julgado os seguintes fundamentos:
O v. acórdão reformou decisão de primeiro grau afirmando a competência da autoridade que demitiu o autor e que o ato administrativo impugnado estava satisfatoriamente fundamentado.
Faltou dizer que ao autor foi dado na esfera administrativa oportunidade para se defender (fl. 45), sendo que o autor preferiu apresentar defesa pessoalmente em lugar de contratar advogado.
Ora, o que a Constituição exige é a concessão da oportunidade para a ampla defesa, também na esfera administrativa, mas se dá essa oportunidade e o interessado não faz dela uso adequado, nem por isso o processo se nulifica (folhas 79 e 80).
No extraordinário cujo trânsito busca-se alcançar, interposto com alegada base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, articula-se com o malferimento dos artigos 5º, inciso LV, e, 125, § 4º, da Carta Política da República. Argüi-se, em suma, a nulidade do ato administrativo, em primeiro lugar diante da desobediência aos princípios da ampla defesa e do contraditório, que não consistem em apenas dar vista do processo ao acusado. Sustenta-se a necessidade de assegurar-se a nomeação de “defensor dativo e que possa produzir as provas que entender necessárias à sua defesa, conhecer com antecedência a realização de diligências e atos instrutórios, para acompanhá-los, participar da oitiva das testemunhas de acusação, a fim de, se quiser, perguntar e reperguntar” (folha 85). Em passo seguinte, defende-se ter o Comandante Geral da Polícia Militar extrapolado suas atribuições, quando da aplicação da penalidade, ao excluir o Autor, olvidando o disposto no artigo 125, § 4º, da Lei Maior. Evoca o precedente desta Corte exsurgido com o julgamento do Recurso Extraordinário nº 121.533-0, da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, aludindo-se à competência da Justiça Militar para decidir sobre a perda da patente dos praças (folha 82 à 98).
O Juízo primeiro de admissibilidade registrou estar a conclusão, no tocante à exclusão pelo Comandante, em consonância com a jurisprudência desta Corte. Disse também da ausência de demonstração de ofensa direta à Constituição – artigo 5º, inciso LV.
O Agravado apresentou a contraminuta de folha 130 à 133, apontando a pertinência do Verbete nº 286 da Súmula desta Corte.
2. Na Interposição deste agravo foram observados os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. O Agravante providenciou o traslado das peças previstas no artigo 544, § 1º, do Código de Processo Civil, e os documentos de folhas 10, 11 e 25 evidenciam a regularidade da representação processual e do preparo. Quanto à oportunidade, a decisão atacada restou veiculada no Diário de 29 de setembro de 1998, terça-feira (folha 127), ocorrendo a manifestação do inconformismo em 9 de outubro imediato, sexta-feira (folha 21), e, portanto, no prazo assinado em lei.
A norma inserta na parte final do § 4º do artigo 125 da Constituição Federal há de ter alcance perquirido mediante consideração dos preceitos dos §§ 7º e 8º do artigo 42 do mesmo Diploma Maior. Tratando-se de praça e não oficial, possível são a perda da graduação e expulsão mediante processo administrativo. Neste sentido decidiu o Tribunal Pleno no julgamento do Recurso Extraordinário nº 199.800-8/SP, quando tive oportunidade de consignar.
Senhor Presidente, sabendo que a matéria seria apreciada pelo Plenário, trouxe à Mesa um voto escrito outrora preparado para caso idêntico.
No precedente de minha lavra, mencionado pelo nobre Relator, em que cito José Cretella Júnior, esteve em jogo apenas a expulsão sumária da praça. Não se observa o devido processo administrativo. Aí, glosamos o procedimento.
Sendo a primeira vez que voto na espécie, vou-me permitir ler o voto:
Em primeiro lugar, consigno que no caso dos autos não tem pertinência, ao contrário do que pareceu à Corte de origem e também à Procuradoria Geral da República, o leading case revelado no julgamento pelo Plenário, do recurso extraordinário nº 121.533, relatado pelo Ministro Seúlveda Pertence e cujo acórdão foi publicado da Revista Trimestral de Jurisprudência 133, à página 1.342. Na oportunidade, assim ficou sintetiza a tese e, portanto, o alcance do artigo 125, § 4º, in fine, da Constituição Federal de 1988:
“Militar: praças da Polícia Militar Estadual: perda de graduação; exigência constitucional de processo específico (CF 88, art. 125, § 4º, parte final) de eficácia imediata; caducidade do art. 102 do Código Militar.
O artigo 125, § 4º in fine, da Constituição, subordina a perda de graduação dos praças das polícias militares à decisão do tribunal competente, mediante procedimento específico, não subsistindo, em conseqüência, em relação aos referidos graduados o artigo 102 do Código Penal Militar, que a impunha como pena acessória da condenação criminal a prisão superior a dois anos.
A nova garantia constitucional dos graduados das polícias militares é de eficácia plena e imediata, aplicando-se no que couber, a disciplina legal vigente sobre a perda de patente dos oficiais e o respectivo processo”.
No caso que motivou o precedente, terceiro sargento da Polícia Militar de Minas Gerais fora condenado pela Justiça Militar do Estado de Minas Gerais a quatro anos de reclusão por homicídio privilegiado, tendo em conta haver matado soldado do Exército que, acusado de sedução de filha menor, negara-se ao matrimônio exigido como reparação. A perda no caso da graduação exsurgiu da observância dão disposto no artigo 102 do Código Penal Militar, no que a impunha com pena acessória da condenação criminal a prisão superior a dois anos. Após histórico, a envolver as Constituições do Império e da República, assentou-se a insubsistência do artigo 125 do Código Penal Militar, em face da regra do § 4º do artigo 125 da Constituição de 1988.
“§ 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças”.
Ora, a hipótese vertente norteia-se por parâmetros diferentes. O Recorrido foi acusado da prática de ato incompatível com a dignidade militar: teria negociado arma de origem duvidosa e em relação à qual havia boletim de ocorrência de furto. Penso que a Carta de 1988 deu tratamento diverso às conseqüências de práticas condenáveis por oficial e por praça. Mediante o preceito do § 7º do artigo 42, apenas se assegurou ao oficial, considerada a perda do posto e da patente, em face de haver se tornado indigno do oficialato ou haver praticado ato com ele incompatível, a necessidade de decisão de tribunal militar. Eis o teor do dispositivo:
§ 7º. O oficial das Forças Armadas só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra”.
Também no § 8º do citado artigo 42, ao dizer-se dos efeitos da pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, remetendo ao parágrafo anterior apenas se aludiu ao oficial:
“§ 8º. O oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgado previsto no parágrafo anterior”.
Diante da especificidade das normas, na que contêm referência apenas ao oficial, é dado assentar que, no campo das garantias constitucionais dos servidores públicos militares, a perda do posto e da patente, em razão de procedimento que torne o servidor indigno ou revele prática por ele implementada incompatível com a função, pressupõe o pronunciamento de tribunal. Essa garantia, conforme é dado perceber, não foi estendida aos praças. Implica afirmar que o processo administrativo não é meio hábil à declaração de perda de posto e de patente do oficial, devendo a administração adentrar no campo jurisdicional. A contrario sensu, frente ao silêncio dos preceitos, forçoso é concluir que, em se tratando de praça, há campo para o afastamento, a expulsão, mediante decisão administrativa na qual assegurado, logicamente, o direito de defesa. Dir-se-á que no § 4º do artigo 125 da Constituição Federal cuida-se de ato de tribunal relativamente não só a perda do posto e da patente dos oficiais, como também da graduação dos praças. Ora, o texto do § 4º do artigo 125 revela-se de nítido caráter instrumental, não resultando, em si, no direito alargado dos praças de somente serem excluídos da Força via decisão de tribunal. No tocante aos oficiais, o § 4º tem alcance norteado pelos §§ 7º e 8º do artigo 42 em comento, devendo, pouco importando a natureza do ato (se simplesmente administrativo ou com repercussão no campo criminal chegar-se, para efeito da perda do posto e da patente, à formalização de processo junto ao tribunal competente. O mesmo não se dá quanto às praças. Se de um lado cumpre ter o artigo 102 do Código Penal Militar como revogado, no que previa a perda da graduação como conseqüência da sentença condenatória, alçando-a à pena acessória, de outro não menos correto é concluir que a regra do § 4º do artigo 125 da Carta de 1988 cuida de competência, levando à ilação de que, processado e julgado, o policial militar perante a Justiça competente, está há de decidir, também, sobre a perda da graduação. A assim não se entender, generalizando-se a parte final do mencionado § 4º, estar-se-á, na verdade, elastecendo o que disposto nos §§ 7º e 8º do artigo 42, a ponto de abranger-se, com as citadas garantias, não só os oficiais, como expressamente consignado nos preceitos, mas também aos praças. Em síntese: a interpretação isolada e literal da parte final do § 4º do artigo 125 acabará por resultar em admissibilidade de garantia, a nível constitucional, não estabelecida na Carta Política da República.
Concluindo, tenho, em primeiro lugar, que o precedente evocado no acórdão proferido pela Corte de origem e também no parecer da Procuradoria Geral da República não se mostra adequado a nortear a solução deste recurso extraordinário. Aliás, em exemplo do que se tem quando, em face de tendência humana, para a decisão dos casos potencializa-se precedente. Em segundo lugar, assento que o praça pode perder a graduação via processo administrativo disciplinar, ao contrário do que ocorre, sob o ângulo do posto e da patente, com os oficiais. Assim, tenho a parte final do § 4º do artigo 125 não como excludente do crivo administrativo disciplinar, mas ligada apenas àquelas hipóteses em que o soldado policial militar é processado e julgado por crime militar, tal como definido em lei e, aí, surge a necessidade de definir-se sobre a expulsão. Em tais casos, inexiste, como simples efeito da sentença condenatória, consoante ocorria anteriormente em se tratado de pena superior a dois anos e em face ao artigo 125 do Código Penal Militar, a exclusão. Atente-se, portanto, para a necessidade de a Constituição Federal ser interpretada como um grande conjunto.
Neste caso, porque a decisão foi favorável à praça, caminho no sentido do não-conhecimento do recurso. (Recurso Extraordinário nº 199.800-8/SP, relatado pelo Ministro Carlos Velloso, perante o Pleno, e julgado em 4 de junho de 1997).
Quanto à defesa, a Corte de origem deixou assentado haver sido dada oportunidade no processo administrativo, para o Agravante defender-se. Descabe, no caso, ter como indispensável a presença de profissional da advocacia, isso ante a natureza do processo – simplesmente administrativo.
Destarte, nego provimento a este agravo.
Publique-se.
Brasília, 20 de abril de 1999
Ministro MARCO AURÉLIO
Relator.
Jurisprudência do Colendo STJ
RECURSO ESPECIAL Nº 314.183 - AC (2001/0035974-4)
RELATOR : MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ACRE
RECORRIDO : AURIMAR MELO TRINDADE
ADVOGADO : HEITOR ANDRADE MACEDO
DECISÃO
Recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do
Acre contra o acórdão da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça
local, assim ementado:
"REPRESENTAÇÃO - PERDA DA GRADUAÇÃO DE PRAÇA - COMPETÊNCIA - DISPOSIÇÃO DO REGIMENTO INTERNO COMPATÍVEL COM O TEOR DO ART. 125, § 4º, DA CF/88.
Os artigos 11 e 150 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, que conferem à Câmara Criminal competência para processar e julgar representação criminal para perda da graduação de praça, não ferem o disposto no artigo 125, § 4º, da Constituição, eis que aos Tribunais foi conferida autonomia para dispor sobre sua competência e de seus respectivos órgãos (art. 96 da CF/88).
REPRESENTAÇÃO PARA PERDA DA GRADUAÇÃO - CONDENAÇÃO POR HOMICÍDIO PRIVILEGIADO - POLICIAL REFORMADO EM VIRTUDE DA DEFORMIDADE RESULTANTE DO PRÓPRIO ENTREVERO - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE -
IMPROVIMENTO.
A perda da graduação e consequentemente a exclusão da Corporação só se justificam em casos de excepcional gravidade, em que a conduta do militar, ainda que reformado, repercuta na sociedade de forma a macular a imagem da Corporação. Assim, verificando-se in casu tratar-se de homicídio privilegiado e contatando-se que, do entrevero, o representado restou gravemente lesionado e, por conseqüência, reformado, pelo princípio da razoabilidade, é de improver-se a representação criminal para mantê-lo no quadro de inativos das fileiras da Polícia Militar." (fl. 154).
O recorrente sustenta que a condenação à pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos, importa na exclusão do recorrido das forças armadas, não merecendo prosperar, acrescenta, a invocação do princípio da razoabilidade.
Violação do artigo 102 do Código Penal Militar funda a insurgência (Constituição da República, artigo 105, inciso III, alínea "a").
Recurso tempestivo (fl. 174), não respondido e admitido (fl. 177).
Tudo visto e examinado, decido.
Lê-se no acórdão impugnado:
"(...)
Postas e devidamente examinadas as questões supra, importa ainda
acrescentar que a perda da graduação não é mais considerada efeito automático da condenação. Face ao preceito constitucional invocado pelo órgão ministerial (§ 4º, artigo 125), sua aplicação é facultativa e depende de motivação judicial, porque nem sempre o comportamento criminoso é, necessariamente, antagônica aos deveres funcionais e à imagem que o policial militar deve inspirar no meio em que atua.
Os critérios para averiguação da compatibilidade entre a pessoa do condenado e a briosa função militar foram sabiamente expressos pelo Tribunal Militar do Estado do Rio Grande do Sul publicado na Revista de Jurisprudência Penal Militar de julho/dezembro de 1994, pág. 378:
"A aplicação de pena acessória não se dá automaticamente, devendo obedecer a um critério especial de periculosidade, em função da quantidade da pena, da natureza do crime e das condições pessoais do condenado, tendo em vista as condições especiais da prática do delito e da personalidade do agente, reservando-se a mesma para casos de excepcional gravidade e adaptando-se a sua aplicabilidade à concepção moderna do direito de punir, que, abandonando teses abstratas, atém-se àquelas circunstâncias (RT 203/121, 257/442, 275/598, 350/125, 487/305 e 552/436). Julgamento pelo Tribunal Militar do Estado. Representação ministerial rejeitada. Decisão majoritária." (Jurisprudência Penal Militar, julho/dezembro/1996 - pág. 402.
No caso em exame, o Conselho de Sentença entendeu tratar-se de homicídio privilegiado, ou seja, que o representado cometeu o crime sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Com efeito, embora a conduta do representado tenha sido reprovável, por outro lado, há que se considerar também as circunstâncias da prática do delito. Houve provocação por parte da vítima e, além disso, o referido policial saiu gravemente lesionado, tendo em inclusive sofrido perda de parte da visão, o que acarretou-lhe incapacidade definitiva para a função policial militar e, consequentemente, sua reforma, nos termos do Decreto Governamental nº 705, de 17 de novembro de 1994.
A finalidade da pena de perda da graduação e exclusão da Corporação em virtude de condenação criminal é sobretudo preservar a Polícia Militar; é promover a dignidade funcional, a correção da conduta pública e privada, a idoneidade moral e o pundonor militar, implementos necessários à permanência na atividade policial. Mas em se tratando de militar reformado, entendo que a pena acessória deve ser aplicada somente em casos de extrema gravidade, em que a conduta do militar, ainda que reformado, repercuta na sociedade de forma a macular a imagem da Corporação.
No caso dos autos, invoco o princípio da razoabilidade para deixar de aplicar a pena de perda da graduação, tendo em vista que, em que pese ter sido o representado condenado pela prática de homicídio privilegiado, sua conduta não ofende, na atualidade, a integridade da Corporação. Ademais, levo em consideração, ainda, o fato de o representado encontrar-se com deformidade resultante do próprio entrevero que acarretou a condenação e motivou sua reforma. De outra banda, a condenação à pena privativa de liberdade, a perda parcial da visão e a incapacidade definitiva para o exercício da função policial já lhe são suficientes.
Ademais, não se pode ignorar os assentamentos funcionais do representado, constante às fl. 92/109, dos quais se extrai alguns elogios por parte de seus superiores.
Feitas estas considerações, voto pela improcedência da representação criminal.
(...)" (fls. 159/161).
Este, o dispositivo de lei federal a que se teria violado:
"Art. 102 A condenação da praça à pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos, importa sua exclusão das forças armadas."
Decerto, o conhecimento do recurso especial fundado no permissivo constitucional da alínea "a" requisita, em qualquer caso, tenha o acórdão objurgado decidido a questão sob o enfoque do dispositivo de lei federal que se tem por violado ou ao qual se afirma ter negado vigência.
In casu, ao que se tem, a Corte Estadual invocou expressamente o artigo 125, parágrafo 4º, da Constituição da República para rechaçar a tese levantada pelo recorrente de que a perda da graduação, na espécie, consubstancia efeito automático da condenação.
Assentado, pois, neste aspecto, em fundamentação exclusivamente constitucional, descabe o exame da matéria em sede de recurso especial, não havendo o recorrente, é certo, manifestado simultaneamente recurso extraordinário.
Sufragado, pois, no acórdão recorrido, entendimento no sentido de não ser a perda da graduação efeito automático da condenação, resta induvidoso que a fundamentação contida nas razões do recurso especial – de inadmissibilidade de invocação do princípio da razoabilidade – mostra-se totalmente estranha ao dispositivo de lei federal que se tem por violado.
Afora isso, acrescente-se, o recorrente não trouxe aos autos as razões pelas quais a Corte Estadual não poderia se utilizar, na espécie, de tal princípio, conforme, na letra do artigo 541, inciso III, do Código de Processo Civil, sob pena de não conhecimento, lhe competia.
Pelo exposto, com fundamento no artigo 38, da Lei nº 8.038, de 28 de maio de 1990, nego seguimento ao recurso.
Publique-se.
Intime-se.
Brasília, 22 de setembro de 2001.
MINISTRO Hamilton Carvalhido, Relator
Jurisprudência do Colendo STM
Num: 2000.01.048529-5 UF: MS Decisão: 12/03/2002
Proc: Apelfo - APELAÇÃO (FO) Cód. 40
Publicação
Data da Publicação: 29/04/2002 Vol: 07002-02 Veículo: DJ
Ementa
Ementa: Praça do Exército. Pena superior a dois anos de reclusão. Exclusão das Forças Armadas. Peculato na modalidade culposa. Condenação e extinção da punibilidade.
Tendo em vista o teor da redação do art. 125, § 4°, parte final, da Constituição Federal de 1988, o art. 102 do CPM caducou, por inconstitucionalidade ou derrogação, tão-somente quanto às praças das polícias militares estaduais, que só podem perder a graduação por força de decisão de Tribunal de segunda instância.
Entretanto, no que se refere às praças das Forças Armadas, conquanto inusitado o tratamento diferenciado, sob o aspecto formal, permanece em pleno vigor o art. 102 do Código Penal Militar, que autoriza a decretação de perda da graduação de praça, em face de sentença condenatória, em primeira instância.
Das provas colhidas, verifica-se que, alegando agir com espírito de lealdade e camaradagem, o apelado acreditava nas justificativas do colega de farda e a este cedia peças de sua seção, que apropriava-se das mesmas para montagem de fuzis, vendendo-os posteriormente, o que demonstra a conduta delituosa de peculato, na modalidade culposa.
Improvimento do apelo da Defesa. Apelo do MPM provido parcialmente. Decretada a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. Decisão unânime.
Ministro Relator
ANTONIO CARLOS DE NOGUEIRA
Jurisprudência do Egrégio TJSC
Perda de Graduação n. 2002.015591-3, de Itajaí.
Relator: Des. Solon d'Eça Neves.
REPRESENTAÇÃO - PERDA DE GRADUAÇÃO - SOLDADO DA POLÍCIA MILITAR - HOMICÍDIO QUALIFICADO - PENA SUPERIOR A 2 (DOIS) ANOS - INDIGNIDADE E INCOMPATIBILIDADE COM O SERVIÇO DE POLICIAL MILITAR - IMPOSSIBILIDADE DA PERMANENCIA NOS QUADROS DA POLÍCIA MILITAR - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - REPRESENTAÇÃO ACOLHIDA
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Perda de Graduação n. 2002.015591-3, da comarca de Itajaí, em que é requerente a Justiça, por seu Procurador-Geral, sendo requerido Antônio Carlos Fonseca:
ACORDAM, em Câmaras Criminais Reunidas, por votação unânime, julgar procedente o pedido declarando a perda da graduação.
Custas de lei.
Trata-se de representação oferecida pelo Procurador-Geral de Justiça contra Antônio Carlos Fonseca, Soldado da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina.
Requer o Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça seja decretada a perda da graduação e conseqüente exclusão do representado do quadro da Corporação, tendo em vista que o mesmo foi condenado à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime fechado, por infração ao artigo 121, § 2º, incisos II e IV, do Estatuto Repressivo.
Citado, o requerido apresentou resposta pugnando pela improcedência da Representação, requerendo a oitiva de testemunhas por ele arroladas.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, por seu Procurador-Geral, opinou pela perda da graduação..
É o relatório.
Primeiro, é necessário esclarecer que a pretensão do requerido para que fossem ouvidas testemunhas é dispensável, pois o presente feito não abrange a inquirição de testemunhas, bastando apenas prova de decisão condenatória transitada em julgado.
Quanto à aplicação do artigo 92 do Código Penal, transcreve-se a manifestação (fl. 175) do ilustre Procurador in verbis:
"Inicialmente, porque a hipótese prevista na alínea a do inciso I do referido artigo 92 do Código Penal limita-se a estabelecer a condição de ser a reprimenda corporal irrogada superior a 01 (um) ano, para a perda do cargo ou função, quando tenha a conduta criminosa sido perpetrada com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. Não veda tal determinação a perda do cargo ou função pública em hipóteses outras, ao contrário, prevendo, logo a seguir, a alínea b do mesmo inciso, também a perda do cargo ou função quando aplicada reprimenda corporal superior a 04 (quatro) anos, ainda que inexistente a violação do dever funcional".
O requerido Antônio Carlos Fonseca, Soldado do 3º Batalhão de Bombeiro Militar, foi condenado à pena de 12 (doze) anos de reclusão, em regime fechado, por infração ao artigo 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal.
O § 3º, incisos VI e VII, do art. 142 da Constituição Federal, assim prevê:
"§ 3º. Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
"(..)
“VI - O oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra.
"VII - O oficial condenado na justiça comum ou militar à pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no parágrafo anterior".
Outrossim, a Constituição Federal em seu art. 125, § 4º, equiparou a perda da graduação das praças, a perda do posto e da patente dos oficiais.
O requerido demonstrou indignidade e incompatibilidade com o serviço de Policial Militar, merecendo, assim, ser decretada a perda de sua graduação e a conseqüente exclusão dos quadros da Polícia Militar de Santa Catarina.
Esta Corte de Justiça já decidiu:
"POLICIAL MILITAR - PRAÇA - PERDA DA GRADUAÇÃO - APLICAÇÃO DO ART. 125, § 4º DA C.F - EXEGESE DO ART. 9º, DO ATO REGIMENTAL N. 02/90 - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
"SOLDADO CONDENADO À PENA SUPERIOR A DOIS ANOS DE RECLUSÃO PELO COMETIMENTO DE CRIME DE ROUBO - INDIGNIDADE E INCOMPATIBILIDADE PARA PERMANECER NOS QUADROS DA POLÍCIA MILITAR - REPRESENTAÇÃO PROCEDENTE PARA DECLARAR A PERDA DA GRADUAÇÃO DO MILITAR.
"'Nos crimes cometidos por militares, a conduta realizada pode denotar a inadequação do agente com os valores éticos necessários ao exercício daquela função pública; estes servidores são elementos de suma importância para assegurar a ordem e a paz social, pois, sua missão é preservar a segurança jurídica, através da prevenção e repressão dos desvios ilícitos da conduta, cobrando-se de sua parte um comportamento adequado à função e o respeito pela norma jurídica' (Perda de Graduação n. 97.012216-0, da Capital, Rel. Des. Álvaro Wandelli, j. em 29.4.98)" (Perda de Graduação n. 99.000313-2, de Curitibanos. Relator: Des. Nilton Macedo Machado).
Destarte, a atitude do requerido, cometendo um homicídio duplamente qualificado, é totalmente incompatível com a função que exerce junto à Polícia Militar do Estado, atividade esta que exige respeito e dignidade, devendo, in casu, ser dado acolhimento ao pleito ministerial.
Pelo exposto, acolhe-se a representação formulada pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral de Justiça, para declarar a perda da graduação da praça perante a Polícia Militar do Estado, do soldado Antônio Carlos Fonseca.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Jaime Ramos, Carstens Köhler, Tulio José Moura Pinheiro, Sérgio Paladino e Maurílio Moreira Leite. Lavrou parecer, pela douta Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. José Galvani Alberton.
Florianópolis, 26 de fevereiro de 2003.
Gaspar Rubik
Presidente com voto
Solon d'Eça Neves
Relator .