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Imunidade de execução dos Estados estrangeiros

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5 IMUNIDADE DE EXECUÇÃO COMO OBSTÁCULO À EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Considera-se efetiva a tutela jurisdicional que concede o provimento ao qual tenha direito o autor de forma completa em conjunto com os meios executivos que realizam a norma material[31]. A despeito da possibilidade de cumprimento espontâneo, sabe-se que por meio do processo, é possível alcançar a própria efetividade do direito, ou seja, a concretização no mundo fático dos preceitos da lei.

A efetividade do devido processo legal é fundamental para a resolução da lide e a consecução do pleito. José Roberto dos Santos Badaque explica que o processo efetivo:

Busca fazer que o titular da situação da vantagem obtenha os mesmos resultados (ou, sendo estes impossíveis, resultados equivalentes), que obteria através do cumprimento espontâneo da parte dos obrigados. (...). É aquele que observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes resultado desejado pelo direito material .[32]

Nesse contexto, sabendo-se que os direitos fundamentais significam a base do Estado Democrático de Direito, merecendo especial proteção, verifica-se que a imunidade de execução obsta a real aplicação da norma no caso concreto, frustrando no contexto do processo a satisfação do direito que tenha conteúdo econômico. É o caso, por exemplo, das obrigações trabalhistas, cujas parcelas salariais, de caráter alimentar, têm a finalidade precípua de garantir dignidade ao indivíduo[33], e por isso vêm sendo reconhecidas como direito fundamental, mas podem deixar de ser adimplidas por meio da invocação da mencionada imunidade.

Em razão disso, tem-se que

A prática internacional tem demonstrado que a pretensão em executar bens de um Estado estrangeiro situados no território do Estado do foro tem sido causa de inúmeros protestos diplomáticos, baseados na proibição existente no Direito Internacional de se levar adiante tal execução.[34]

Diante da repercussão negativa da imunidade de execução para o indivíduo, os diferentes ordenamentos jurídicos podem apresentar soluções alternativas para tal conflito: o italiano, por exemplo, admite a constrição de bens antes protegidos, desde que haja autorização prévia do Ministro da Justiça[35].

Já se aventou também a hipótese de o próprio Estado de nacionalidade do credor arcar com o débito, valendo-se posterior regresso. Tal tese, no entanto, já foi rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal:

A Organização das Nações Unidas (ONU) e sua agência Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) possuem imunidade de jurisdição e de execução relativamente a causas trabalhistas. Essa a conclusão do Plenário que, por votação majoritária, conheceu em parte de recursos extraordinários interpostos pela ONU e pela União, e, na parte conhecida, a eles deu provimento para reconhecer afronta à literal disposição contida na Seção 2 da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/1950 (‘Seção 2 – A Organização das Nações Unidas, seus bens e haveres, qualquer que seja sua sede ou o seu detentor, gozarão da imunidade de jurisdição, salvo na medida em que a Organização a ela tiver renunciado em determinado caso. Fica, todavia, entendido que a renúncia não pode compreender medidas executivas’). Na espécie, a ONU/PNUD questionava julgado da Justiça do Trabalho que afastara a imunidade de jurisdição daquele organismo internacional, para fins de execução de sentença concessiva de direitos trabalhistas previstos na legislação pátria a brasileiro contratado pelo PNUD. A União ingressara no feito, na condição de assistente simples da ONU/PNUD, apenas na fase executiva – v. Informativo 545. Prevaleceu o voto da min. Ellen Gracie, relatora. Considerou, em síntese, que o acórdão recorrido ofenderia tanto o art. 114 quanto o art. 5º, § 2º, ambos da CF, já que conferiria interpretação extravagante ao primeiro preceito, no sentido de que ele teria o condão de afastar toda e qualquer norma de imunidade de jurisdição acaso existente em matéria trabalhista. De igual forma, asseverou que esse entendimento desprezaria o teor de tratados internacionais celebrados pelo Brasil que assegurariam a imunidade de jurisdição e de execução da recorrente. Os ministros Ricardo Lewandowski e Luiz Fux destacaram que eventuais conflitos de interesses seriam resolvidos mediante conciliação e arbitragem, nos termos do art. 29 da aludida convenção e do art. 8º do decreto que a internalizou. O min. Teori Zavascki acrescentou que a não observância de tratados internacionais, já incorporados ao ordenamento pátrio, ofenderia a Súmula Vinculante 10 (...). Ademais, realçou que, se cláusula pertencente a sistema estabelecido em compromissos internacionais fosse reputada inconstitucional, seria indispensável, além de sua formal declaração interna de revogação ou de inconstitucionalidade, também a denúncia em foro internacional próprio. O min. Gilmar Mendes salientou que não se trataria de concessão de bill de indenidade a esse ente e que a responsabilidade do governo brasileiro, no caso da União, seria de índole política. O min. Dias Toffoli sublinhou que a relação firmada com o PNUD, entidade sem autonomia, não teria viés empregatício, mas configuraria convênio.[36]

Portanto, rejeitada a possibilidade de atuação direta do Estado nesse caso, a tendência de inefetividade dos direitos fundamentais deve ser combatida por meio da instituição de alternativas à imunidade absoluta de execução, protegendo-se assim tanto o indivíduo como o ente estatal.

Oliveira ressalta:

A efetividade qualificada, numa perspectiva dinâmica, implícita, em primeiro lugar, o direito da parte à possibilidade sérai e real de obter do juiz uma decisão de mérito, adaptada à natureza das situações subjetivas tuteláveis, de modo a que seja plenamente satisfeita a necessidade de tutela manifestada na demanda. Para tanto, é altamente desejável que sejam elásticas e diferenciadas as formas de tutela, levando em conta as peculiaridades das crises sofridas pelo direito material e as exigências do caso concreto. Essencial, ainda, que outorguem o máximo de efetividade, desde que preservados outros direitos fundamentais, a exemplo do direito ao processo justo, que é a concretização deontológica do valor segurança no Estado constitucional. Significa isto, não só afastar, na medida do possível, a tipicidade das formas de tutela, como também elastecer o seu leque para abarcar todas as formas de direito material e as crises por ele sofridas (direito individual ou coletivo, condenação, constituição, declaração, mandamento e execução), bem como assegurar formas repressivas ou preventivas, com ou sem receio de lesão, de modo a preencher totalmente a exigência de adequação. Também é indispensável que a tutela  possa refletir efetivamente no mundo social. Não basta apenas declarar a existência do direito, mas realiza-lo quando necessário” .[37]

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Uma alternativa para superar este celeuma é a execução de bens do estado estrangeiro por carta rogatória. A execução de bens diretamente no estado estrangeiro, por meio de uma carta rogatória, não significa uma quebra da imunidade diplomática e pode ser possível de acordo com a legislação interna de cada país.

Com as modernas tecnologias de informação, a comunicação entre os judiciários é possível, porém entraves burocráticos podem significar uma grande demora no cumprimento da carta rogatória. Tal demora pode levar a não efetividade do direito fundamental, pois uma executividade rápida é fundamental para a consecução do mesmo.

É necessário, portanto, elaborar propostas para que quem dependa da expropriação de bens de Estados estrangeiros e organizações internacionais não deixe de ter seus direitos garantidos, especialmente quando se fala daqueles que possuem caráter alimentar, como as obrigações trabalhistas. Instrumentos capazes de efetivar as normas materiais devem ser pensados para que a imunidade de execução não seja uma mera proteção para o descumprimento das normas fundamentais que permeiam os ordenamentos jurídicos.


5 CONCLUSÃO

Com o advento do meio técnico científico informacional e as modernas tecnologias de informação, houve uma reestruturação da ordem econômica, política e social mundiais. A fluidez de capitais, serviços, bens e pessoas possibilita uma ligação e troca entre diversos países em velocidades e maneiras que escapam ao tradicional controle estatal. As fronteiras tornaram-se porosas e relações que eram antes limitadas à circunscrição pátria transbordam para o âmbito global, sendo comum o comércio entre indivíduos e pessoas jurídicas de diferentes países, a existência de relação de emprego entre um nacional e um Estado estrangeiro, dentre inúmeras outras hipóteses.

A globalização, fenômeno de inúmeras faces, faz com que o contato entre os membros da aldeia global seja potencializado, podendo haver lides internacionais decorrentes dessas novas relações, causadas pelo descumprimento da lei material por uma das partes. Lei essa que pode versar sobre direitos fundamentais, entendidos como a face interna dos direitos humanos que exprime normas consideradas mínimas para a existência digna do ser humano. Como exemplo, temos as obrigações trabalhistas, cujas parcelas alimentares provêm o indivíduo e garantem sua subsistência.

Bens jurídicos, partes e as próprias controvérsias judiciais passaram, portanto, a desconhecer fronteiras, mas o Estado mantém sua tradicional imunidade de execução perante decisões proferidas por ordenamentos estrangeiros, garantia calcada em tratados internacionais ratificados internamente e já consolidados em sua legislação. Deve-se contrapor a essa norma internacional a efetividade dos direitos fundamentais, que necessitam de real concretização para atingirem seu fim.

Os direitos fundamentais encontram-se bastante evoluídos na sociedade hodierna. Seu desenvolvimento retoma aos direitos humanos declarados após as revoluções burguesas liberais da era moderna, que derrubaram as monarquias absolutistas e instalaram a democracia como regime predominante nos países desenvolvidos. A abrangência e aplicabilidade dos direitos humanos, transformados em normas fundamentais, foram bastante ampliadas a partir da segunda metade do século XX, pretendendo-se alcançar todos os cidadãos. Fala-se, portanto, em várias gerações de direitos fundamentais, derivados principalmente dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, pelo que se identificam pelo menos três gerações de direitos humanos.

A própria normatização internacional cuida de declarar Direitos Humanos, como se viu inicialmente no Bill of Rights (1688) e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), elaborados durante as revoluções burguesas; Declaração Universal de 1948, reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993; no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; as Constituições Mexicana de 1917 e Alemã de 1919, além, claro, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, bem como diversas outras cartas constitucionais ao redor do mundo.

A importância de se proteger os direitos fundamentais está na visão do ser humano como um fim em si mesmo, ao qual o Estado deve voltar suas atenções para garantir um mínimo de dignidade essencial que estabeleça condições econômicas e políticas mediante as quais consiga empreender sua busca por felicidade.

Muitas vezes, ao não se garantir a efetividade de um direito fundamental por meio da execução de uma sentença, como é o presente caso, há uma verdadeira negação dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, lembrando-se que o acesso à justiça, por si só, não garante a concretização da norma material no mundo fático: o cumprimento da decisão prolatada é essencial para a efetivação dos direitos, especialmente aqueles considerados fundamentais e protegidos no âmbitos das Constituições e dos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos.

Ressalte-se que a efetividade processual é declarada como direito humano nos documentos internacionais e considerada direito fundamental pela Constituição de 1988, que estabelece que a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Deve, portanto, o Estado elaborar meios de concretização da lei material no plano fático, fazendo com que as decisões judiciais, proferidas por meio de um sistema processual que garanta o contraditório, a ampla defesa, a publicidade e a imparcialidade, entre outros direitos, sejam cumpridas na prática, fruindo a parte credora de todos os benefícios que faria jus caso a lei tivesse sido cumprida normalmente por seu devedor.

Apesar de ser um tema sensível, que envolve assuntos de relevante interesse público e também dos particulares, em um contexto de diálogo cada vez mais frequente entre os países integrados no contexto da globalização, deve-se sopesar a soberania estatal com a dignidade dos indivíduos que se encontram circunscritos a unidade territorial soberana regida por um governo efetivo. A conjuntura internacional urge por esta reanálise da preponderância soberana.


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Sobre os autores
Lucas Scarpelli de Carvalho Alacoque

Mestrando em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Servidor do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Thiago Barbosa de Oliveira Alves

Especialista em Estudos Diplomáticos pelo CEDIN. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALACOQUE, Lucas Scarpelli Carvalho; ALVES, Thiago Barbosa Oliveira. Imunidade de execução dos Estados estrangeiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3996, 10 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29344. Acesso em: 23 dez. 2024.

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