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Anotações sobre o crime de furto e sua redação no Anteprojeto de Código Penal

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Agenda 01/07/2002 às 00:00

7. Implicações quanto ao crime de roubo

Por fim, uma outra observação se impõe, também com implicação prática de séria relevância, e refere-se ao crime de roubo.

O art.157 do Código Penal é crime complexo, resultante, na verdade, da soma ou fusão de dois delitos. Há a soma do crime de subtração (CP, art. 155) com o de lesão corporal ou ameaça (CP, arts. 129 e 147). [22]

Quando a lei considera como elemento ou circunstância do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público, a teor do disposto no art.101 do Código Penal.

Ora, se a subtração passa a ser crime de ação penal pública condicionada, [23] como na maioria dos casos do Anteprojeto, e sendo os crimes de lesão corporal dolosa, simples, e de ameaça, também de ação penal pública condicionada à representação, [24] não faltará quem se prontifique a sustentar ser injustificada a ação penal pública incondicionada para os casos de crimes de roubo, em que a subtração se verifique com o emprego de ameaça, ou mesmo violência, da qual resulte lesões corporais de natureza leve.

Apesar da regra contida no art. 24 do Código de Processo Penal, indicando que onde não houver ressalva a ação penal será pública incondicionada, a simples possibilidade de questionamento fundado ou mesmo a abertura de um estreito caminho para se condicionar à representação, no futuro, a ação penal em crime de roubo, em qualquer de suas modalidades, já servem como argumentos suficientes para discordarmos da inclusão da condição objetiva de procedibilidade em crimes de furto.


8. Conclusão

O tratamento ditado pela Douta Comissão ao crime de furto, no que tange as modalidades típicas e penas respectivas, nos parece condizente com a boa técnica.

Ao seu tempo, advertiu Carrara [25] que: "las modificaciones de la ´cantidad política´ del hurto, sin tener em cuenta las variaciones de su cantidad natural, resultan siempre, como en los demás delitos, de un efecto moral, es decir, del aumento de alarma, y por lo tanto, de daño mediato. Y este efecto moral tiene origen, o en la violación de un mayor número de deberes por parte del que roba, o en el peligro de que ciertos daños hasta entonces no realizados puedan producirse fácilmente al repetirse el hecho, o en la mayor dificultad para ponerse a cubierto de estas tentativas.

De esto nace la previsión de todos acerca de la mayor probabilidad que se repita el hecho en perjuicio propio, o de la menor probabilidad en la eficacia de la defensa privada. Pero este efecto moral no puede ser sino una consecuencia de ciertas circunstancias materiales que acompañan al hurto, y de ahí que la teoría de los criterios conmensurantes de la cantidad política de este delito se base em el análisis de esas concomitancias, que consisten en la ´persona´, el ´modo´, el ´lugar´ y el ´tiempo´...".

Por outro vértice, o crime de furto sempre foi regulado no Direito Pátrio como sendo de ação penal pública incondicionada, exceto o furto de coisa comum.

Estabelecer condição à ação penal nos casos em que se pretende acarretará reflexos deletérios os mais variados, conforme acima apontado.

Mesmo visando o desafogamento de Varas Criminais ou por medida de política criminal, não nos parece adequada a inovação pretendida.

Não se deve tomar como base ideológica a superlotação carcerária e a necessidade de esvaziamento dos cárceres.

Conforme asseverou José Carlos G. Xavier de Aquino, [26] é chegada a hora de enxergar o sistema de uma forma científica, com os pés no chão e os olhos na realidade.


Notas

1. Siqueira, Galdino. Direito penal brasileiro - Parte especial. Jacintho Ribeiro dos Santos, 1924. p. 703.

2. Fragoso, Heleno Cláudio. Lições de direito penal - Parte especial. São Paulo : José Bushatsky, 1958. 1. º v., p. 177.

3. Tal situação deu origem à teoria da continuação delitiva, como forma de evitar-se a pena de morte em certos casos.

4. Fragoso, Heleno Cláudio. Op. cit. p. 177

5. Consolidação das leis penais. Rio de Janeiro : Saraiva & Cia. Editores, 1933.

6. Subtração de que cuidou a Lei n.º 9.246/96.

7. Quanto ao furto de coisa comum é importante a lição de Carrara (Programa de Derecho Criminal, Parte Especial, v. IV, § 2033, Bogotá : Temis, 1991), para quem, "la palabra ajena sirve también para excluir el hurto de cosas comunes. Sobre estas no recae hurto, a menos que sean poseídas por uno solo de los asociados, y o outro de estos las robe com el fin de despojar de su parte al condueño (Código Toscano, art. 375, § 1, letra "b"). Esta causa, unida a la consideración de la paz familiar, ha hecho prevalecer el principio de que no se admita querella de hurto entre cónyuges, ni entre padre e hijo, ni según varias legislaciones, entre colaerales y afines em ciertos casos".

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8. A redação anterior propunha pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

9. A redação anterior propunha pena de detenção, de dois a quatro anos, e multa.

10. §§ 4º e 6º, do artigo 76, da Lei n.º 9.099, de 26.09.1995.

11. Não se fala mais em "pequeno valor da coisa furtada".

12. Capítulo I do Título III - (Dos Crimes Contra o Patrimônio).

13. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas : Bookseller, 1997. v. I, p. 316.

14. Marques, José Frederico. Estudos de direito processual penal. Rio de Janeiro : Forense, 1960. P. 111.

15. Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo penal, 20. Ed. São Paulo : Saraiva, 1998, v. 1, p. 334/335.

16. Artigo 38 do Código de Processo Penal.

17. Marques, José Frederico. Op. cit. p. 317.

18. "A reincidência, só por si, não leva à imposição do regime carcerário mais gravoso. A escolha do regime deve recair sobre o que melhor atenda à resposta sancionatória pelo crime cometido, observando-se os critérios do artigo 59, do Código Penal, a que o artigo 33, § 3º, do mesmo Estatuto, remete" (Ap 1. 096.333-9, Marília, 8ª Câm., rel. juiz Ericson Maranho, j. 22.10.98, v.u.).

19. TACrim, Ap 1.083.985/9 - Praia Grande, 13ª Câm.; rel. juiz Rui Stoco, j. 17.2.98, v.u.

20. Artigo que cuidava do crime de furto na redação anterior do Anteprojeto.

21. Conferir o inconveniente de n.º 7 apontado por Binding, supra.

22. Delmanto, Celso et al. Código penal comentado. 4. ed. Rio de Janeiro : Renovar. p. 165

23. Artigo 180, § 5º, do Anteprojeto.

24. Artigos 130 e 147, parágrafo único, do Anteprojeto.

25. Op. cit. § 2083.

26. O cárcere e o Juiz criminal, Execução Penal - Visão do TACRIM-SP, São Paulo : Oliveira Mendes, 1998. p. 132.

Sobre o autor
Renato Marcão

Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva); Estatuto do Desarmamento (Saraiva); Crimes de Trânsito (Saraiva); Crimes Ambientais (Saraiva); Crimes contra a Dignidade Sexual (Saraiva); Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas (Saraiva); dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCÃO, Renato. Anotações sobre o crime de furto e sua redação no Anteprojeto de Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2963. Acesso em: 25 nov. 2024.

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