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O papel do STF no julgamento de recursos contra decisões polêmicas proferidas pelo TSE, em sede de inelegibilidade por parentesco

Agenda 01/07/2002 às 00:00

Antes de qualquer coisa, peço desculpas aos leitores deste texto pelo título um tanto quanto desafiador, mas é que não me contive ao examinar alguns Acórdãos proferidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, relativos à inelegibilidade por parentesco, senão vejamos.

Reza a Carta Magna, em seu art. 14, § 7.º, que:

"São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição".

Ora, está clara — e a Doutrina e a jurisprudência majoritárias também concordam —, a intenção do legislador, ao elaborar este dispositivo, de não permitir que ocorra o chamado "continuísmo familiar", resquício dos tempos do coronelismo antidemocrático que imperava no interior do país, principalmente aqui no Nordeste.

Vejamos, agora, o motivo do título deste artigo. O TSE, ao julgar o Recurso Especial Eleitoral n.º 19.422, de 21/08/2001, e o Agravo de Instrumento n.º 3043, de 08/03/2002, decidiu, ou melhor, LEGISLOU (sem competência para isso), no sentido de que a emenda da reeleição alterou a interpretação do § 7.º do art. 14 da CF, ao declarar elegível, para o mesmo cargo, parente até o segundo grau, quando o titular se descompatibilizar até seis meses antes do pleito eleitoral e for reelegível. Ou seja, entendeu o TSE que, se pode o titular permanecer por mais um mandato, por que o seu parente não pode sucedê-lo? A resposta é simples: não pode porque o instituto da reeleição é personalíssimo, é um "prêmio" ao chefe do executivo que esteja realizando um bom trabalho na sua cidade, Estado ou até mesmo no país, no caso do Presidente da República.

Em ambas as decisões, os Ministros que votaram a favor da elegibilidade, "esqueceram" que o próprio TSE, nas consultas 341/DF, 347/DF, 398 e 522, além das Res. n.º 20.114, 19.973, 19.992 e 19.993, respondendo a consultas sobre a emenda n.º 16/97 e sobre o §7.º do art. 14 da CF, foi cristalino ao afirmar que a Emenda Constitucional n.º 16 de 1997 (Reeleição) em nada modificou a inelegibilidade por parentesco. E o fez com acerto e com sensatez, tendo em vista decisões do STF que derrubam qualquer tese de elegibilidade de parente próximo (até o segundo grau ou por adoção), tais como os Recursos Extraordinários n.º 236.948 e 247.416, que tiveram, ambas, como Relator, o ilustre Min. Octávio Gallotti.

Além de contrariarem, nos Acórdãos n.º 3043 (AG) e 19.442 (RESPE), o STF, contrariaram o próprio TSE, sendo que muitos Ministros se contradisseram, mudando suas opiniões de uma maneira tal que chega ser estranha, pelo fato de serem totalmente antagônicas, como é o caso de alguns Ministros do STF (que também eram, ou são, do TSE) quando julgamento do Recurso Extraordinário n.º 236.948, que votaram pela total inelegibilidade do parente até o segundo grau ou por adoção.

Em relação ao Agravo de Instrumento n.º 3043, foi interposto Recurso Extraordinário na esperança de que o STF mantenha (ao contrário do TSE) o seu posicionamento histórico, evitando assim que ocorram algumas situações esdrúxulas que só viriam a retroagir o nosso Direito Eleitoral e Constitucional. Podemos dar um exemplo (dentre vários) que demonstra muito bem a incoerência que foi essa decisão:

Ex.: Prefeito eleito, numa cidadezinha do interior de Pernambuco, pela primeira vez, em 2000. Seis meses antes das eleições de 2004, renuncia. O vice assume (porém ainda, por ser da sua confiança, manipulado pelo ex-prefeito). Candidata-se a prefeito ninguém mais ninguém menos do que o filho do ex-prefeito (que renunciara no "tempo legal" definido pelo TSE). Como o ex-prefeito era reelegível se não renunciasse, o seu filho, segundo o entendimento do TSE, poderia se candidatar ao mesmo cargo anteriormente ocupado por seu pai, sem problemas. Vence as eleições, provavelmente ajudado pela máquina administrativa, que está nas mãos do atual prefeito (antes vice), e homem de confiança do ex-prefeito. Toma posse, então. Como é o seu primeiro mandato, é, também, reelegível para o próximo.

Assim, chegamos ao ano de 2008, seis meses antes das eleições. O que acontece, então? O prefeito renuncia para se candidatar a qualquer outro cargo de maior relevância. E quem se candidata, por seu partido, para sucedê-lo? Ninguém mais ninguém menos que seu pai, aquele mesmo eleito em 2000 (como também poderia ser o irmão, ou o cunhado, ou a esposa). E vence, obviamente, governando até 2012!

O que vimos aqui, meus caros, é a seguinte situação: de 2001 até 2012 (no mínimo, pois o "continuísmo familiar" pode, desculpe o pleonasmo, continuar indefinidamente, envolvendo aí outros parentes) a mesma família, por meio de duas pessoas (pai e filho), vem se alternando no poder, graças a uma decisão do TSE que permitiu, absurdamente, a elegibilidade de parentes.

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Outro ponto importante para o entendimento dos institutos da reeleição e da inelegibilidade por parentesco: a interpretação que o TSE deu à ressalva "salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição", estampada no art. 14, § 7.º da Constituição Federal, foi equivocada, conforme se pode ver na Instrução n.º 55 do TSE para as eleições de 2002, em seu art. 9.º e §§ 3º e 4º, onde se pode notar que o teor destes parágrafos não são encontrados em nenhuma legislação eleitoral, muito menos na CF: foram criados, isto é, o TSE legislou, sendo que não é de sua competência fazê-lo. Repito: a interpretação foi equivocada porquanto tal ressalva é inerente ao candidato que é parente do chefe do executivo, e não ao próprio titular ou suplente do cargo a que quer se candidatar o parente. O parente só é elegível se já for titular de um outro mandato, como por exemplo, um vereador que quer se reeleger, sendo o atual prefeito da cidade seu irmão. Nenhum problema há, já que o vereador é titular de mandato eletivo e candidato à reeleição, encaixando-se perfeitamente na ressalva constitucional. Se já não fosse, nesse caso, vereador, não poderia se candidatar, em função exclusivamente de ser o seu irmão o atual prefeito da cidade, seja este reelegível ou não.

Para encerrar este nosso humilde texto, esperamos o STF cumpra com a sua função de resguardar e proteger a Constituição da República Federativa do Brasil, anulando todos os Acórdãos proferidos pelo TSE que firam dispositivos constitucionais. Ou melhor, torço para que algum Ministro do Supremo Tribunal Federal leia este artigo, e constate o erro cometido pelo Tribunal Superior Eleitoral nos Acórdãos alhures indicados, utilizando-o, quem sabe, como argumento acessório em sua fundamentação, pois seria uma honra colaborar de alguma maneira para a efetivação da Justiça no nosso país.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Maximiliano Miguel Ribeiro. O papel do STF no julgamento de recursos contra decisões polêmicas proferidas pelo TSE, em sede de inelegibilidade por parentesco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2979. Acesso em: 19 dez. 2024.

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