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Qual o problema, afinal, do mercado de capitais no Brasil?

Agenda 01/07/2002 às 00:00

1.Introdução.

Antes de iniciarmos a análise dos problemas do mercado de capitais brasileiro, devemos tecer alguns comentários sobre a concepção e sistemática do mercado de capitais.

Com a globalização, e o intenso intercâmbio entre países, o mercado de capitais vem, a cada dia, adquirindo importância crescente no cenário internacional. Assim, os países em desenvolvimento abrem seus mercados para receber investimentos externos, e quanto mais ativo é o mercado de capitais, mais a economia se desenvolve.

O mercado de capitais é o meio mais eficiente para a captação de recursos que permitam a expansão do setor produtivo, e constitui forte opção de investimento através da negociação de ações.

Trata-se de um sistema de distribuição de valores mobiliários, com o propósito de proporcionar liquidez aos títulos de emissão de empresas e viabilizar seu processo de capitalização, sendo constituído pelas bolsas de valores, sociedades corretoras e outras instituições financeiras autorizadas.

Em sua grande maioria, os principais títulos negociados são os que representam o capital de empresas ou empréstimos tomados, via mercado, por empresas, que permitem a circulação de capital para custear o desenvolvimento econômico.

São abrangidas pelo mercado de capitais, as negociações com direitos e recibos de subscrição de valores mobiliários, certificados de depósitos de ações, e outros derivativos, que constituem títulos de renda variável, emitidos por sociedades por ações, e que representam a menor fração do capital da empresa emitente, podendo ser escriturais ou representadas por cautelas ou certificados.

À medida que cresce o nível de poupança do país, maior é a disponibilidade para investir, pois a mesma constitui a principal fonte do financiamento dos investimentos produtivos nacionais. Tais investimentos são propulsores do crescimento econômico e, por conseqüência, do aumento de renda.

Assim, para que um país possa produzir crescimento sustentável, em níveis razoáveis, é necessário o pleno desenvolvimento de seu mercado de capitais, sendo certo que no Brasil, até o momento, o mercado de capitais dificilmente cumpre o papel que representa com extrema eficiência em outros países, principalmente na provisão de recursos para investimentos.

Quando bem desenvolvido e estruturado, o mercado de capitais permite que seja eliminada a concentração de investimentos nas mãos de certos agentes econômicos, o que permite que, através da rápida recondução do capital para investimentos diversos torne-se possível a efetivação de maior gama de projetos produtivos, o que por conseqüência contribui para o processo de crescimento da economia.

O investidor, por sua vez, ao entrar no mercado de capitais, busca a otimização de três aspectos básicos: retorno, prazo e proteção, e ao analisa-lo, realiza projeção de sua rentabilidade, liquidez e grau de risco.

No mercado de capitais brasileiro, existem, como poderemos analisar, vários problemas que interferem na rentabilidade e liquidez do título investido, contudo, o principal problema refere-se ao grau de risco do investimento, não no tocante a sua volatilidade, mas à segurança advinda do conflito de interesses existente entre acionista controlador e acionista minoritário.


2. As causas da estagnação do mercado de capitais brasileiro em sua história.

Primeiramente, devemos observar que, em 1997, o volume da bolsa de valores de São Paulo era de 157 bilhões de dólares por ano, hoje não passa de 44 bilhões de dólares anuais.

As principais causas da longa estagnação e retrocesso, sofrido pelo mercado de capitais no Brasil, ao longo de sua história são as seguintes:

O baixo nível de crescimento, e por conseqüência, o baixo nível de necessidade de investimentos no setor produtivo, sendo que quando necessários eram supridos com lucros retidos.

Em eventuais períodos de maiores investimentos, eram oferecidas às empresas inúmeras formas de financiamento, que trariam maiores facilidades e vantagens financeiras, pois advinham de recursos governamentais subsidiados.

A estrutura do sistema tributário brasileiro, com taxas elevadas e pouca fiscalização sempre incentivou a sonegação fiscal e trazia desvantagens às empresas abertas que possuem, por sua natureza, maior dificuldade de manter contabilidade paralela.

O déficit fiscal forçava o governo a emitir grande oferta de papeis a fim de financiar sua dívida interna, o que gerava concorrência direta entre eles e as ações e debêntures de empresas privadas.

E por fim, a questão econômica cultural do conflito de interesses, que aliada à legislação ineficiente, sempre trouxe inúmeras desvantagens ao acionista minoritário, o que reprimia a demanda pelo investimento em ações de empresas privadas.


3. O momento atual do mercado de capitais brasileiro.

Estão ocorrendo profundas mudanças no mercado de capitais brasileiro, que se traduzirão em futuro aumento de oferta e de demanda de papeis comercializados em bolsa.

A oferta de ações no mercado de bolsa tende a perceber elevação, pois, com o fim, ou pelo menos com a drástica diminuição, dos mecanismos de financiamento subsidiados e a necessidade de aumento do capital das empresas, somente lhes resta, como deveria ocorrer desde o início, o ingresso no mercado de capitais com a emissão de ações e debêntures.

Neste mesmo sentido, a eliminação da hiper-inflação, e a criação de novas empresas, principalmente em setores de alta tecnologia, melhoram as condições para a viabilidade de projetos de longo prazo, cujo financiamento deve vir, quase em sua totalidade, do mercado de capitais.

Em contrapartida, na outra ponta do mercado, a demanda por ações deve também perceber aumento, pois com a redução do déficit público, diminui a emissão de papéis do governo, fazendo com que os investidores que neles aplicavam, migrem para papéis do setor produtivo.

Corroborando com tal situação, percebe-se a melhora da avaliação de risco do país no mercado internacional, através das agências avaliadoras de risco, o que atrai o capital estrangeiro interessado em investimentos produtivos, e não mais meramente especulativo.

Embora o grande volume dos mercados de capitais dos países desenvolvidos, tenha surgido como um elemento de competição com o mercado interno, pois algumas das grandes empresas brasileiras, lançaram ações (ADRs) no mercado internacional, procurando se capitalizar através de investimento estrangeiro, tal atitude serviu para incentivar as empresas a ingressar no novo mercado brasileiro, investindo em transparência e governança corporativa.

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Ademais, os mercados de capitais externos não têm o poder de substituir completamente o mercado de capitais nacional, pois as empresas de menor porte não têm acesso ao mercado estrangeiro, dependendo de uma bolsa nacional para ter acesso a esse tipo de operação.

Tendo em vista a necessidade de comprometimento do acionista controlador e de transparência de informações, foram criados em todo o mundo novos modelos de Bolsa de Valores, o que no Brasil levou o nome de Novo Mercado.

Tais Mercados, objetivaram, a princípio, imitar o sucesso da Nasdaq nos Estados Unidos, bolsa que, indubitavelmente, teve papel crucial na cadeia de provimento de recursos para as empresas da nova economia.

Na Comunidade Européia, aboliu-se uma série de exigências tradicionais para a listagem em bolsa, sendo substituídas por exigências de maior grau de transparência e maior proteção explicita aos acionistas minoritários.

A Alemanha, através do Neuer Markt, iniciativa da Deutsch Borse de Frankfurt, destacou-se pelas normas de comportamento que exigiu para participação das empresas, que incluem, entre outras, o poder de voto para todas as ações, um período de lock-up para os acionistas originais, a publicação de demonstrativos trimestrais em inglês de acordo com as normas de US-GAAP ou IAS-GAAP, a submissão de eventuais disputas sobre a gerência da sociedade à arbitragem, e a presença de diretores externos.

Devemos salientar, que em todo o mundo, a Alemanha era considerada um dos países desenvolvidos com menor proteção aos acionistas minoritários, e em conseqüência disto, a capitalização do mercado de capitais na Alemanha equivalia a 25% do produto interno bruto, enquanto nos Estados Unidos equivalia a 96%, no Japão a 73%, e no Reino Unido a 132%.

O Neuer Markt foi fundado a partir da premissa de que a baixa performance do mercado acionário alemão era, como no Brasil, devida ao baixo nível de proteção aos minoritários. Sendo certo que tal hipótese foi confirmada pela experiência, pois o aumento dos negócios no mercado de capitais da Alemanha, após a introdução o Neuer Markt foi muito superior ao dos outros países.

Outra característica de extrema importância diz respeito às empresas que fazem parte do mercado de capitais alemão. Antes do Neuer Markt, as participantes do mercado aberto eram, quase que com exclusividade, as grandes empresas, sendo que após a sua introdução, a parcela formada pela empresas de pequeno porte aumentou significativamente.

O Neuer Markt foi, na verdade, dentre todas as novas bolsas, a que fez maiores exigências de listagem, contudo, tais exigências aumentaram a atividade do novo mercado, em vez de diminuir-la.

O Neuer Markt, apesar de um dos últimos "novos mercados", criados na Europa, tem se mostrado de grande sucesso justamente pelo fato de que suas regras não surgiram de uma nova lei, mas de uma decisão estratégica da bolsa de Frankfurt.

Tais conceitos de mercado denominam-se governança corporativa, que consiste em todo um conjunto de mecanismos que investidores não controladores têm à sua disposição para limitar o abuso do poder do majoritário.

Como anteriormente demonstrado, estes mecanismos prescrevem regras de conduta para a empresa e de abertura, e garantem a observância das regras definidas (enforcement).

Nas economias desenvolvidas, a governança corporativa é determinada pelas leis, pelas regras impostas pelas bolsas de valores, e por acordos entre as empresas e seus acionistas.

O mercado americano, em particular os fundos de pensão e de investimento, tem tido um papel destacado em obrigar as empresas a adotarem um maior padrão de disclosure e de tratamento de acionistas minoritários.

Há hoje bastante evidência de que os países que oferecem melhores índices de governança corporativa apresentam mercados acionários relativamente maiores, tendo a avaliação de mercado das empresas, medida através da relação entre valor de mercado e valor patrimonial, também comparativamente maior.

Além disto, nestes países há um maior número de ofertas publicas iniciais, e as empresas captam mais recursos através do mercado acionário.


4. Qual o problema, afinal, do mercado de capitais no Brasil

Como em todos os países, principalmente nos países em desenvolvimento, o principal problema do mercado de capitais brasileiro é o conflito de interesses existente entre acionistas majoritários e minoritários.

Para entendermos o que é, e como funciona o conflito de interesses existente, em especial no caso brasileiro, devemos compreender sua origem.

Assim, iniciaremos este trabalho com o breve estudo da origem do conflito de interesses, passando a fornecer possíveis soluções, e em seguida a analise de alguns outros problemas existentes.

O conflito de interesses existente no mercado de capitais brasileiro, e que, indubitavelmente, é o grande problema que engessa seu crescimento, tem origem na constituição das empresas nacionais, onde cerca de 90% (noventa por cento) das empresas de capital aberto possuem origem e controle familiar.

Esse controle familiar é passado geração após geração, e gera no acionista controlador forte sentimento de propriedade sobre a empresa, o que podemos chamar de "cultura do donismo", fato que dificilmente é eliminado quando a empresa abre seu capital em busca de financiamento de baixo custo.

Assim, ao mesmo tempo em que os ativos financeiros permitem a realocação de riscos causam também um efeito colateral. Em muitos casos, os responsáveis pela condução da empresa, ou seja, os acionistas majoritários, podem tomar decisões, após a venda de ações aos minoritários, que prejudicam os interesses destes.

A venda de ativos da empresa para uma outra empresa de propriedade do controlador a preço aviltado, a implementação de projetos ineficientes mas que atendem a interesses particulares dos administradores, salários excessivamente altos para diretores, e contratos desvantajosos com empresas fornecedoras controladas pelos diretores são exemplos de medidas que prejudicam os minoritários.

A possibilidade de que os controladores expropriem parte dos direitos dos minoritários cria um ambiente de incerteza que enfraquece o mercado.

Cria-se, então, uma evidente incompatibilidade de gestão, pois, enquanto a empresa busca "sócios" no mercado de capitais, para que estes injetem dinheiro no negócio, financiando seus projetos de expansão com a compra das ações e debêntures lançadas, o sentimento de propriedade faz com que a gestão da empresa seja voltada, exclusivamente, para o acionista controlador, deixando de lado todos e quaisquer interesses dos acionistas minoritários, mesmo que tais interesses sejam justos e legítimos.

Tal situação causa nos acionistas minoritários, total insegurança com o modelo de gestão utilizada pelo controlador, que busca privilégios próprios em detrimento da empresa e dos acionistas minoritários.

Tal insegurança afasta o acionista minoritário do mercado de capitais, fazendo com que ele transfira seus investimentos para aplicações financeiras de baixo risco, e quase sempre de caráter especulativo.

Ressaltamos, que quando falamos de acionista minoritário, nos referimos ao médio investidor, que muitas vezes, apesar de investir milhões de reais, não chega a ser detentor de grande percentual de ações de uma mesma companhia, devido ao imenso volume de capital que envolve as grandes empresas.

Em contrapartida, o acionista controlador sente-se pouco à vontade em conceder maiores poderes ao acionista minoritário, pois teme que, devido à intromissão dos acionistas minoritários no andamento da empresa, seja causada a ingerência do negócio, e a perda do controle da administração, com o conseqüente desvio dos seus interesses particulares e a queda do valor das ações.

A solução para tal problema somente é possível com a alteração das regras da bolsa de valores brasileira, realizada de maneira estratégica, e com a promulgação de legislação consistente, que forneça a segurança jurídica necessária a garantir a continuidade da gerência do negócio em caso de conflito.

Assim, é necessário impor ao acionista controlador, que queira capitar recursos no mercado de capitais com a abertura do capital de sua empresa, a condição que conceder ao acionista minoritário meios de exercer direitos que possam lhe trazer maior segurança.

Necessário também, como contrapartida, conceder-se ao controlador a garantia de que o acionista minoritário não terá poderes suficientes para causar ingerência sobre o negócio.

Tais garantias representam a segurança jurídica necessária ao mercado de capitais, e pode ser conseguida com a normatização do mercado realizada pela bolsa de valores, com a promulgação de legislação eficiente, e com uma atuação rápida e precisa do judiciário, que possui a obrigação de coibir atitudes societárias realizadas fora do interesse da companhia.

A partir do momento em que houver tais garantias, o acionista controlador se sentirá seguro em abrir o capital da empresa, com a concessão de direitos aos acionistas minoritários, e estes, se sentirão garantidos em realizar o investimento, sem que corram o risco iminente de uma gestão administrativa que lhes seja prejudicial.

O primeiro passo efetivado neste sentido, é a criação do "novo mercado", com suas características de transferência das informações e dispersão das ações, o que deve transmitir ao acionista minoritário que a empresa está despojada da "cultura do donismo".

Portanto a insegurança jurídica existente, aliada à cultura da manutenção patrimonial da propriedade da empresa familiar, criam situação de conflito de interesses de extrema relevância entre acionista majoritário e minoritários, que enquanto não solucionado impedirá o crescimento do mercado de capitais de modo expressivo.

Os parágrafos 5° a 10° do artigo 115, que transcrevemos a seguir, da recém promulgada lei das sociedades por ações, e que foram objeto de veto presidencial, garantiam direitos fundamentais aos acionistas minoritários, nos moldes da legislação internacional, contudo, a aprovação isolada de tais parágrafos, sem o respaldo estrutural do sistema judiciário, e da legislação complementar vigente, não surtiria os efeitos esperados, pois não transmitiria segurança jurídica ao acionista controlador, que receoso de graves interferência em sua gestão administrativa, retiraria a empresa do mercado aberto, fechando seu capital.

"Art. 115. O acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia, considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a todos acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas."

"§ 5° - Poderá ser convocada assembléia geral para deliberar quanto à existência de conflito de interesses e à respectiva solução, por acionistas que representem 10% (dez por cento), no mínimo, do capital social, observado o disposto no parágrafo único, alínea c, parte final, do art. 123.

§ 6° - A assembléia a que se refere o § 5° também poderá ser convocada por titulares de ações com direito a voto que representem, no mínimo, 5% (cinco por cento) do capital votante.

§ 7° - No curso da assembléia geral ordinária ou extraordinária, os acionistas a que se refere o § 6° poderão requerer que se delibere sobre a existência de conflito de interesses, não obstante a matéria não constar da ordem do dia.

§ 8° - Decairão do direito da convocar assembléia de que trata o § 5° os acionistas que não o fizerem no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data em que tiverem ciência inequívoca do potencial conflito de interesses.

§ 9° - Caso a assembléia geral, por maioria de votos, delibere haver conflito de interesses, deverá especificar as matérias nas quais o acionista em situação de conflito ficará impedido de votar.

§ 10° - A assembléia especificada no § 9° poderá delegar, com a concordância das partes, à arbitragem a solução do conflito."

Tais artigos da Lei de Sociedades por Ações, seriam um grande passo a atingir os objetivos de incrementar o mercado de capitais brasileiro, o que, aliado às regras do Novo Mercado, traria a completa implementação da governança corporativa, necessária ao crescimento dos mercados de capitais.


5. Problemas secundários

Em posição secundária ao conflito de interesses existente no Brasil, que mais uma vez salientamos se de natureza cultural, encontram-se outros problemas, que isoladamente não representam grande óbice, mas que, somados, constituem difícil barreira ao crescimento do mercado de capitais brasileiro.

Um deles é a taxação tributária, embora a incidência da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) tenha sido retirada do mercado mobiliário, existem outros fatores que prejudicam o investidor, como a elevação da alíquota do imposto de renda de 10% para 20%, o que deixa a tributação das aplicações em renda variável, igual às de renda fixa.

"Considerar que a tributação para renda fixa, ficará igual à da renda variável, o que, pelos riscos e finalidades, não podem, em nosso entender, ser similares, principalmente em um país dependente da política de juros interna, fazendo com que este usualmente seja suficientemente alto, inibindo aplicações na renda variável" [1].

Ademais o imposto de renda é cobrado por valorização nominal e não real, o que, dependendo da inflação, poderá ser superior a 100%.

Assim, quem aplicou mil reais nas ações que compõem o Ibovespa em 1997 terá de pagar a partir de 2002 mais de 130% de imposto de ganhos de capital, ou seja, terá todo o seu ganho real tributado e ainda ficará devendo.

"Taxar em 130% uma atividade é simplesmente acabar com ela. Especuladores de curto prazo, com pouca inflação, saem ganhando. Investidores de longo prazo, os que mais sofrem com a inflação, são confiscados, uma lógica maluca" [2].

A atual situação do mercado de capitais é efeito também da carência de projetos de desenvolvimento econômico do Brasil nos últimos anos, vez que o país passou por uma reestruturação de seu parque produtivo, o que resultou em mudanças na estrutura societária das empresas que não foi acompanhada pelo fortalecimento do mercado de capitais nacional.

"O Brasil não construiu um modelo de mercado de capitais consistente porque a ótica era de estabilização econômica fundamentada no controle do câmbio. Para isso, as privatizações foram utilizadas para trazer dólares ao Brasil, exigindo ágios maiores nos preços das estatais. No resto do mundo, as privatizações foram direcionadas como meio de eficiência econômica, aproveitando o dinheiro externo na capitalização do mercado" [3].

A falta de equalização e credibilidade do setor público também traz dificuldades ao mercado de capitais, pois o impede de emitir títulos de longo prazo, impedindo, por conseqüência, na prática, as empresas de fazê-lo, obrigando o investidor a comprar papéis governamentais de médio prazo.

Outro grande entrave para o crescimento do mercado de capitais, e a alta taxa básica de juros mantida pela equipe econômica do governo.

"Os poupadores brasileiros estão tremendamente mal acostumados ao ter à sua disposição títulos que pagam a taxa Selic – a taxa básica de juros para empréstimos do governo por um dia – e com liquidez diária" [4].

Também a instabilidade política-ideológica constitui grande incerteza, o que também impede um crescimento consistente do mercado de capitais, pois o mercado de capitais deve estar inserido em um projeto, com a participação efetiva sociedade.

Todos esses fatores, se traduzem em insegurança jurídica para o investidor, que não sente respaldo governamental ou privado para investir no mercado de capitais.


6. Como desenvolver o mercado de capitais no Brasil?

Apesar dos avanços que enfatizamos acima, há muito a fazer para garantir o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil.

O desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, em médio prazo, somente ocorrerá com o devido empenho governamental. É necessário que se realize uma reforma tributária que deixe de favorecer a informalidade e baixe a incidência de impostos sobre os valores aplicados no setor produtivo, a inserção de novos artigos na Lei das Sociedades por Ações que proteja os minoritários, e o fortalecimento da Comissão de Valores Mobiliários.

Embora a experiência internacional demonstre a capacidade do setor privado em superar as dificuldades trazidas por falhas no sistema jurídico, como ocorreu na Alemanha, onde as bolsas criaram exigências de listagem que protegem os minoritários, e nos Estados Unidos, onde os fundos de pensão e de investimentos pressionaram as diretorias das companhias abertas, e exigiram maior transparência e direitos para os investidores, no Brasil tais situações somente ocorrerão em longo prazo, pois dificilmente serão observadas mudanças comportamentais no empresário brasileiro sem determinação legal.

Ademais, o Brasil tem hoje serias limitações de crescimento trazidas por taxas de poupança e investimento muito baixas e que, quando existem, são capturadas por investimentos de baixo risco. O desenvolvimento de um mercado de capitais mais eficiente é um passo necessário para o aumento da poupança e para canalizar recursos para o setor produtivo, em detrimento do meramente especulativo.


Notas

1. CORRÊA, Waldir Luiz, presidente da associação nacional de investidores do mercado de capitais

2. KANITZ, Stephen, administrador de empresas

3. GARCIA JÚNIOR, René, economista da Fundação Getúlio Vargas

4. FRANCO, Gustavo, economista ex-presidente do Banco Central do Brasil

Sobre o autor
Cristiano Martins de Carvalho

advogado no Estado de São Paulo, procurador do Município de Nova Odessa, especialista em Direito Processual Civil (PUC-SP), cursando MBA Executivo em Direito da Economia e da Empresa (FGV Management)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Cristiano Martins. Qual o problema, afinal, do mercado de capitais no Brasil?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2985. Acesso em: 5 nov. 2024.

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