SEGURANÇA PÚBLICA E POLÍCIA: BREVES COMENTÁRIOS
Autor: Daniel de Arruda Antunes – acadêmico do sexto período de Direito da UEMA – Campus Bacabal
{C}1. {C}INTRODUÇÃO
Segurança pública tem se tornado, já há bastante tempo, assunto das mais importantes pautas jornalísticas, populares e, especialmente, de palcos de campanhas políticas. Isso se deve ao fato de que a sensação de segurança é uma das principais fontes de conforto e bem estar para qualquer população. SOUSA e MORAIS (2011) corroboram desse pensamento:
Nas últimas décadas, a questão da Segurança Pública passou a ser considerada problema fundamental e principal desafio ao Estado de Direito no Brasil. A Segurança Pública ganhou enorme visibilidade e tornou-se presente nos debates tanto de especialistas como do público em geral (p.01).
A própria definição do dicionário Michaelis auxilia nesse entendimento, ao trazer o verbete segurança caracterizado por “estado do que se acha seguro; garantia; proteção; garantia e tranquilidade asseguradas ao indivíduo e à coletividade pela ação preventiva da polícia”.
Alçada ao status de direito constitucional, encontra-se no art. 144 da Constituição Federal (título V, capítulo III – “Da Segurança Pública”): “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos [...].”
Desse modo, resta claro a disposição do constituinte em alçar tal tema a um patamar nunca antes tão bem definido em cartas constitucionais, com capítulo próprio, obtendo posição de destaque mesmo em comparação ao direito alienígena. É essa a lição do professor Cláudio Pereira de Souza Neto:
Até a Constituição de 1988, não havia capítulo próprio, nem previsão constitucional mais detalhada, como agora se verifica. Por ter “constitucionalizado”, em detalhe, a segurança pública, a Constituição de 1988 se individualiza ainda no direito comparado, em que também predominam referências pontuais. (2013, p. 02-03).
Legitima-se, assim, constitucionalmente, a atuação do Estado no combate e prevenção ao crime e na própria execução das políticas de segurança pública e na produção de leis específicas que estejam em harmonia com os preceitos, não só do art. 144, mas do bloco constitucional:
O art. 144 deve ser interpretado de acordo com o núcleo axiológico do sistema constitucional, em que se situam esses princípios fundamentais – o que tem grande importância, como se observará, para a formulação de um conceito constitucionalmente adequado de segurança pública. (ibidem)
2 Segurança Pública e Polícia
Tanto da leitura da definição trazida pelo dicionário quanto do artigo 144 da CF, vê-se que é impossível falar de segurança pública em aparte à noção de polícia, ou órgãos policiais. É claro que, conforme a primeira parte do referido diploma legal, a segurança pública é “responsabilidade de todos”, mas é da Polícia o dever do combate direto às infrações penais e, em especial, o de prevenção a elas, como se depreende da leitura dos parágrafos que seguem o caput do artigo.
A palavra polícia vem do grego Πολιτε?α (polis, politeia), que tem a mesma raiz etimológica da palavra política. MONET in SALES (2009) melhor explana sobre a origem do conceito:
Utilizando a sua derivação do latim, tem-se politia ou polícia para nós, que quer dizer, em sentido amplo, organização política, ordem política erigida pelo Estado que resulta da instituição de princípios que impõem respeito às normas para que se garantam e protejam as regras jurídicas preestabelecidas.
Em relação ao sistema jurídico nacional, podemos dizer que Polícia é a instituição que tem o dever precípuo de preservar a ordem pública, podendo, para tal, se valer da força proporcional (meios de coerção). Importante citar a definição de MORAIS e SOUSA (2009), para os quais “Polícia é um órgão governamental, presente em todos os países, politicamente organizados, cuja função é a de repressão e manutenção da ordem pública através do uso da força, ou seja, realiza o controle social (p.03)”.
2.1 Polícia e modelo de segurança pública
Entretanto, falar de polícia implica em discutir qual o modelo de instituição cada país adota ou deveria, vez que são padrões que variaram com o tempo e lugar historicamente, e permanecem em constante mutação. Um modelo mais antigo, porém não menos popular e atrativo eleitoralmente, especialmente em razão da exposição midiática que a violência possui, é do de polícia combatente. Para SOUZA NETO (2013), esse modelo:
Concebe a missão institucional das polícias em termos bélicos: seu papel é “combater” os criminosos, que são convertidos em “inimigos internos”. As favelas são “territórios hostis”, que precisam ser “ocupados” através da utilização do “poder militar”. A política de segurança é formulada como “estratégia de guerra” (p.03)
Assim, focado no ideal maniqueísta de uma sociedade formada por “gente de bem” e inimigos públicos, essa Polícia de combate se vale de métodos militares e força por vezes letal, quase sempre justificada pela ideologia da tolerância zero. No Brasil, tal modelo encontrou guarida nas primeiras instituições policiais, como a Guarda Real, cujas ações eram calcadas na violência e na propagação do medo pela sociedade. Atualmente, operações como a “tomada” do morro do Alemão, em 2007 (de grande repercussão na mídia nacional), demonstram a permanência do modelo em vigor no país.
Hodiernamente tem-se falado no traslado do modelo nova-iorquino, conhecido como Zero Tolerance Policy, iniciado nos anos 80, pelo prefeito Rudolph Giuliani, que se baseou no combate a todos os tipos de infração, desde as mais leves (pular a catraca do metrô, por exemplo), às mais graves, diminuindo substancialmente a taxa de criminalidade naquela cidade americana (65% de redução em homicídios³). Sobre isso, o pesquisador Ilanud Tulio Khan, em entrevista à Folha de São Paulo, disse que:
Seria muito ruim [a adoção do modelo nova-iorquino], nosso problema básico no Brasil é a falta de confiança da população na polícia. Nos Estados Unidos, a imagem da polícia piorou com a iniciativa, principalmente na periferia. A tolerância zero aumentaria as taxas de encarceramento por delitos leves, e já estamos com nossas prisões atoladas.
O segundo padrão de segurança tem a polícia como prestadora de serviço, voltado não ao combate ao criminoso, somente, mas focado no cidadão como “cliente” desse serviço, popularmente conhecido como “polícia cidadã”.
Não há mais “inimigo” a combater, mas cidadão para servir. A polícia democrática, prestadora que é de um serviço público, em regra, é uma polícia civil, embora possa atuar uniformizada, sobretudo no policiamento ostensivo. A polícia democrática não discrimina, não faz distinções arbitrárias: trata os barracos nas favelas como “domicílios invioláveis”; respeita os direitos individuais, independentemente de classe, etnia e orientação sexual; não só se atém aos limites inerentes ao Estado democrático de direito, como entende que seu principal papel é promovê-lo (SOUZA NETO, 2013, p. 06).
O aparato de guerra urbana é, desse modo, substituído pela pacificação dos conflitos sociais (que deve, concomitantemente, ser seguida de programas educacionais e de saúde), e o uso da força é trazido em caráter excepcional, somente, reduzindo as arbitrariedades policiais e substituindo a noção de policial combatente por servidor público.
CONCLUSÃO
Nesse breve apanhado sobre segurança pública, viu-se que muito de sua eficácia e resultados para a sociedade depende do modo como ela é encarada e praticada, e que os modelos atuais (ao menos os praticados encontram-se defesados, pois veem o cidadão, por vezes, como inimigo público.
Faz-se necessário que as polícias cumpram seu papel constitucional, atendo-se a seu mister e não a uma militarização evidente em nome da repercussão midiática.
Tal papel deve ser exercido dentro das delimitações que cada órgão policial tem, delineados pelas normas contidas no art. 144 da Carta Magna e nas diversas leis federais e estaduais que disciplinam o trabalho policial. A PM, guardiã da ordem pública através do patrulhamento ostensivo e polícia preventiva por excelência, a Polícia Federal, braço da União no combate às infrações que lhe causem dano ou de seu interesse, ao tráfico internacional de drogas e importante órgão na repressão aos crimes de corrupção e a Polícia Civil, comandada pelos delegados, por alguns chamados de juízes pré-processuais (cf, SANNINI NETO¹, FERRAJOLI², et al) e a quem incumbe o papel investigativo no âmbito estadual de auxílio na persecução penal, além das polícias rodoviária e ferroviária federal e dos essenciais corpos de bombeiros militares.
______________________________________________________________
¹SANNINI NETO, Francisco. Delegado de polícia: o juiz da fase pré-processual. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4018, [2] jul. [2014]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/29963>.
²FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juares Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: RT, 2010.
³Fonte: wikipedia.org
REFERENCIAS
HOLLOWAY, Thomas H. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX. Tradução de Francisco de Castro Azevedo. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
KHAN, Ilanud Tulio. Entrevista à Folha de SP. 2002. Disponível em folha.uol.com.br. Acesso em 03.07.2014.
MORAIS, Maria do Socorro e SOUSA, Reginaldo Canuto de. POLÍCIA E SOCIEDADE: uma análise da história da segurança pública brasileira. 2009. V jornada internacional de Políticas Púbicas. Disponível em: http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2011/CdVjornada/JORNADA_EIXO_2011/PODER_VIOLENCIA_E_POLITICAS_PUBLICAS/POLICIA_E_SOCIEDADE_UMA_ANALISE_DA_HISTORIA_DA_SEGURANCA_PUBLICA_BRASILEIRA.pdf. Acesso em 02.07.2014.
SANNINI NETO, Francisco. Delegado de polícia: o juiz da fase pré-processual. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4018, [2] jul. [2014]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/29963>.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A SEGURANÇA PÚBLICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: CONCEITUAÇÃO CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADA, COMPETÊNCIAS FEDERATIVAS E ÓRGÃOS DE EXECUÇÃO DAS POLÍTICAS. Disponível em: http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1205505974174218181901.pdf. Acesso em 30.06.2014.