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Tessituras sobre a desconsideração da personalidade jurídica nas relações consumeristas

O presente trabalho tem por objetivo a análise da possibilidade de aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, no que se refere às relações de consumo que envolvam tais empresas.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo a análise da possibilidade de aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, no que se refere às relações de consumo que envolvam tais empresas. Para tanto, traz a definição de pessoa jurídica, de acordo com o sistema jurídico nacional, bem como o conceito e condições da desconsideração desta personalidade jurídica. Além disto, expõe-se sobre este instituto no âmbito do Direito do Consumidor, através de análise legislativa, jurisprudencial e de teorias doutrinárias.

Palavras-chave: Personalidade Jurídica. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Direito do Consumidor.

Sumário: Introdução; 1. A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Direito do Consumidor; 2. Correntes Doutrinárias Divergentes sobre a Desconsideração da Personalidade Jurídica: a teoria maior e a teoria menor; Considerações Finais; Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

A pessoa jurídica é o meio pelo qual o Estado pode conferir personalidade necessária a um ente que, pela acepção natural do conceito de personalidade, não o teria, uma vez que seriam dotados destes apenas os seres humanos. Esta concessão de personalidade, no entanto, é necessária para a prática dos atos aos quais as atividades destes entes estão relacionadas, por sua natureza específica. Assim sendo, a sociedade empresária, enquanto pessoa jurídica adquire personalidade autônoma, portanto independente das vontades individuais de seus sócios.

Logo, este instituto traz independência patrimonial, distinguindo assim o individual – no que tange aos bens dos sócios participantes – do coletivo, no caso pertencente à pessoa jurídica, enquanto sujeito de direito diverso de cada um dos sócios. Seus bens, ainda que formados pelo patrimônio individual dos sócios, passam a não mais pertencer a eles, mas ao ente criado por eles. Entretanto, utilizando-se desta prerrogativa de personalidade própria, a pessoa jurídica, por vezes, pode ser usada como meio de fraude e para evitar este problema há a chamada desconsideração da personalidade jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica é um modo excepcional e provisório do afastamento da qualidade de ente dotado de personalidade própria, da pessoa jurídica em questão, a fim de atingir sua quota patrimonial, quando há a ocorrência de fraude, abuso de poder ou prática de ilícitos na sua relação com terceiros.

Este instituto pretende, portanto, proteger os terceiros que mantenham relação com estas pessoas jurídicas, que geram efeitos no mundo jurídico, de serem lesados em seus direitos a partir de atos praticados pelos entes com quem estabeleceram qualquer relação de direito. A este respeito, podemos observar seu cabimento quanto aos direitos consumeristas.

 


1 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO DIREITO DO CONSUMIDOR

Conforme o anteriormente exposto, a desconstituição da personalidade jurídica é cabível sempre que pressuposto o ato ilícito ocorrido em detrimento do terceiro que mantém a relação jurídica com a pessoa jurídica em questão. Para tal, portanto, compreende-se que este ato não é apenas ato da pessoa jurídica, mas de responsabilidade dos sócios ou administradores da sociedade empresária, de cunho ilícito, com uso fraudulento da pessoa jurídica a fim de beneficiar-se do abuso existente na relação jurídica estabelecida.

É possível, portanto, claramente antever a existência do instituto nas relações de consumo, conforme, inclusive, legislação a respeito. O Código de Defesa do Consumidor trata explicitamente do tema em seu artigo 28:

“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.” (BRASIL, p. 718, 2014).

O dispositivo legal, portanto, deixa claro que, o objetivo do instituto dentro do âmbito consumerista é resguardar o consumidor, parte hipossuficiente nas relações jurídicas estabelecidas, de ter seus direitos violados e não antever a prestação devida, especialmente no que se refere à indenização por abuso sofrido ou obrigação não cumprida, cujo ato fraudulento tente impedir a realização.

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No entanto, para possibilitar a desconsideração da personalidade jurídica, são exigidos determinados pressupostos. A doutrina divide-se em duas correntes no que diz respeito a isso, tendo sido, portanto, criadas a Teoria Maior e a Teoria Menor.


2 CORRENTES DOUTRINÁRIAS DIVERGENTES SOBRE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: a teoria maior e a teoria menor

A Teoria Maior divide-se nos aspectos objetivo, ou seja, a confusão entre patrimônio da sociedade empresária com seus indivíduos formadores, que seriam meio mais simples de obtenção de prova, uma vez que facilmente verificados com comparação documental.

Entretanto, cabe salientar que o Código não recepciona este viés como o fundamental, pois, apesar de ser importante meio de prova para tal, o que de fato se caracterizaria como imprescindível para a desconsideração seria o viés subjetivo, ou seja, a comprovada má-fé, ou abuso patrimonial. Logo, para isto deve se verificar a fraude, atitude dolosa com o intuito de prejudicar o consumidor na relação estabelecida.

Já para a parte minoritária da doutrina que se baseia na Teoria Menor, para possibilitar a desconsideração da personalidade jurídica basta que se anteveja o prejuízo do credor na relação jurídica. No âmbito consumerista, esta teoria fundamenta-se na redação do §5º do supracitado artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, especificamente quando se refere a:

“Art. 28 [...]

 § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.” (BRASIL, p. 718, 2014).

Isto ocorre porque, uma vez configuradas as condições de hipossuficiência quando das relações tuteladas pelo direito do consumidor, no que tange à relação jurídica, há de se verificar maior resguardo à parte que, pelo pressuposto de que há uma desigualdade natural a ser corrigida nestas ocasiões. Assim, o consumidor, enquanto parte processual de menor força exige proteção maior à sua condição. Assim, a aplicação da Teoria Menor é, inclusive, posição majoritária na jurisprudência brasileira, no que diz respeito às relações de consumo, conforme anterior posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

“Responsabilidade civil e Direito do Consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. - Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. - A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). - A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. - Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. - A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. - Recursos especiais não conhecidos. STJ, REsp 279273 SP 2000/0097184-7, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 04/12/2003, T3 - TERCEIRA TURMA” (BRASIL, 2004).

No entanto, faz-se mister salientar que parte da doutrina nacional afirma que o referido parágrafo do artigo não deve ser interpretado isoladamente, mas em consonância com seu caput. De outra forma, seria ilógico a existência da previsão de requisitos legais constantes no caput do artigo 28, se, com a aplicabilidade isolada do seu §5º, todas estas hipóteses se tornariam desnecessárias, caindo por terra.

Assim, este se tornaria, sob tal ótica, apenas mais um requisito mínimo, do que propriamente prerrogativa absoluta, afinal, não se deve esquecer que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica deve ser tomado como medida exceção e não regra geral, nas relações consumeristas, ainda que se deva resguardar o polo hipossuficiente, no caso, o consumidor.

Mais além, cabe ressaltar que a segunda parte do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor possibilita ainda a desconsideração da personalidade jurídica ainda que em estado de falência, ou mesmo com a configuração do estado de insolvência da sociedade empresaria, bem como com o encerramento das suas atividades, desde que esses sejam provocados por má administração.

Mais uma vez, portanto, identifica-se o caráter subjetivo da verificação de fraude ou má-fé por parte do administrador da sociedade empresária ao impossibilitar o devido cumprimento das obrigações contraídas com sua má-administração dos bens pertencentes à empresa.

 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, observa-se a vital importância do instituto da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresárias, inclusive no âmbito da tutela ao Direito do Consumidor. Reitera-se que, apesar de proteger o polo hipossuficiente associado ao consumidor nesse tipo de relação jurídica, o presente instituto, no entanto deve ser utilizado com cautela, uma vez que de caráter de exceção, e não regra geral.

Afirma-se isto não apenas pelas regras de preservação a autonomia patrimonial das empresas, mas também para que seja utilizado apenas quando do meio garantidor do resguardo dos direitos tutelados, uma vez que, por muitas vezes, quando não há a necessidade, de fato, da desconsideração da personalidade, torna-se muito mais simples para o consumidor obter seu direito devido através do ataque judicial à própria sociedade empresária.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARATA, Pedro Paulo Barradas. A Desconsideração das Pessoas Jurídicas Nas Relações de Consumo. 2009. 196 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp113013.pdf> Acesso em: 16 nov. 2013.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Vade Mecum Legislação. São Paulo: Método, 2014.

_______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 279273 SP 2000/0097184-7, 3ª Turma, com decisão publicada no Diário de Justiça em 29 de março de 2004, DJ, 25.03.2004. Disponível em: < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7381192/recurso-especial-resp-279273-sp-2000-0097184-7 >. Acesso em 13.05.2014.

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado, 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008.

JESUS, Gilberto Andrade de. A desconsideração da personalidade jurídica: aspectos práticos conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3718, [5] set. [2013]. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25224>. Acesso em: 17 nov. 2013.


Abstract: This study aims to analyze the possibility of application of the institute of disregard of legal entity, as regards to the consumer relations involving those companies. For both, brings the definition of legal person, according to the national legal system, well as the concept and conditions of that disregard of legal entity. Furthermore, exposes about this institute under the Consumer Law, through legislative, jurisprudential, and doctrinal theories analysis.

Keywords: Legal Entity. Disregard of Legal Entity. Consumer Law.

Sobre os autores
Isadora Cristina Cardoso de Vasconcelos

É Advogada, Mestranda em Direitos Humanos e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Extensionista vinculada ao Programa de Políticas Públicas e Seguridade Social na Área da Saúde da UFPA, à Clínica de Direitos Humanos da Amazônia (UFPA) e ao Projeto NETRILHAS da Universidade do Estado do Pará.

Pedro Rômulo Azevedo Rabindranath Tagore

É Advogado, bacharel em Direito pela Universidade da Amazônia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Isadora Cristina Cardoso; TAGORE, Pedro Rômulo Azevedo Rabindranath. Tessituras sobre a desconsideração da personalidade jurídica nas relações consumeristas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4220, 20 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30107. Acesso em: 16 nov. 2024.

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