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Decreto Federal n° 1.480/1995 e o direito de greve do serviço público: análise jurisprudencial

Agenda 28/10/2014 às 08:28

O presente estudo busca analisar os precedentes judiciais acerca do direito de greve no serviço público federal, com especial atenção ao desconto dos dias parados e o Decreto Federal n° 1.480/1995.

Sumário: 1. Do direito de greve no Serviço Público. 2. O desconto dos dias parados e o Decreto n° 1.480/1995 interpretado à luz da Lei n° 7.783/1989 e da jurisprudência. 3. Conclusão. 4. Referências

Introdução

O presente estudo busca analisar os precedentes judiciais acerca do direito de greve no serviço público federal, com especial atenção ao desconto dos dias parados e o Decreto Federal n° 1.480/1995.

1. Do direito de greve no Serviço Público

A Lei n° 7.783/1989 (que regulamenta a greve no setor privado), no seu artigo 2º assim define a greve: "Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços a empregador".

Segundo Orlando Gomes e Elson Gottschalk a greve é "uma declaração sindical que condiciona o exercício individual de um direito coletivo de suspensão temporária do trabalho, visando à satisfação de um interesse profissional".

O direito a greve é um direito fundamental, esculpido no artigo 9° da Constituição da República, estendido também aos servidores públicos civis por força do inciso VII, do artigo 37. Noutra senda, o exercício de tal direito é vedado aos militares (art. 142, §3°, IV).

Contudo, nenhum direito é absoluto, de modo que o direito de greve comporta limitações.

Anote-se que, para os trabalhadores da iniciativa privada, a Constituição Federal, nos parágrafos do artigo 9º, assegurou o direito de greve e, apenas, determinou que a lei definiria os serviços ou atividades essenciais e disporia sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, in verbis:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

Já para os servidores públicos, o constituinte originário determinou, genericamente, que o direito à greve seria exercido nos termos e nos limites definidos em lei (por lei complementar na redação original do texto constitucional, após, por lei específica com a alteração promovida pela Emenda Constitucional n° 19/1998), confira-se:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Desse modo, percebe-se que o constituinte originário concebeu ao direito de greve dos servidores públicos civis tratamento jurídico mais restrito ao dispensado aos trabalhadores do setor privado.

Isto porque a relação jurídica entre o Estado e o servidor público se dá dentro do direito público, norteado pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e pelo princípio da indisponibilidade do interesse público. Decorre-se, desse modo, o princípio da continuidade do serviço público, que impõe à Administração Pública o dever de continuidade no desempenho de suas funções.

A doutrina e a jurisprudência alinham-se no entendimento segundo o qual a norma constitucional (art. 37, VII) é de eficácia limitada, de modo que o direito de greve encontra-se constitucionalmente assegurado, contudo seu exercício fica limitado à edição de lei específica.

Rememore-se que não há qualquer lei específica que regulamente o direito de greve dos servidores estatais.

Nessa sentada, cabe destacar o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712, que, adotando um posicionamento concretista, não apenas declarou a mora legislativa na regulamentação do direito de greve no serviço público, como aplicou, naquilo que couber, a Lei n° 7.783/1989, enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica.

Por seu turno, a Lei n° 7.783/1989 estabelece a obrigatoriedade da prestação dos serviços ou atividade essenciais e indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (necessidades estas entendidas como as que coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população – art. 11 e parágrafo único).

Tem-se por consequência que as atividades estatais não podem ser interrompidas totalmente, sem qualquer condição, tendo em vista o princípio da continuidade dos serviços públicos.

Outrossim, a mencionada lei traz um rol de serviços ou atividades essenciais (art. 10), que no balizamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal deve ser interpretado como exemplificativo, conforme constou no acórdão dos julgados acima referidos. Confira-se o trecho do ementado:

(...) 4.3 Em razão dos imperativos da continuidade dos serviços públicos, contudo, não se pode afastar que, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto e mediante solicitação de entidade ou órgão legítimo, seja facultado ao tribunal competente impor a observância a regime de greve mais severo em razão de tratar-se de ‘serviços ou atividades essenciais’, nos termos do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei no 7.783/1989. Isso ocorre porque não se pode deixar de cogitar dos riscos decorrentes das possibilidades de que a regulação dos serviços públicos que tenham características afins a esses ‘serviços ou atividades essenciais’ seja menos severa que a disciplina dispensada aos serviços privados ditos ‘essenciais’.

4.4. O sistema de judicialização do direito de greve dos servidores públicos civis está aberto para que outras atividades sejam submetidas a idêntico regime. Pela complexidade e variedade dos serviços públicos e atividades estratégicas típicas do Estado, há outros serviços públicos, cuja essencialidade não está contemplada pelo rol dos arts. 9º a 11 da Lei no 7.783/1989. Para os fins desta decisão, a enunciação do regime fixado pelos arts. 9º a 11 da Lei no 7.783/1989 é apenas exemplificativa (numerus apertus). (...). (MI 670/ES, Relator p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, Julgamento 25/10/2007, Tribunal Pleno).[sem destaque no original]

Fixa, ainda, a norma grevista: a legitimidade para a instauração da greve pertence à organização sindical (art. 4º e 5º); a possibilidade de negociação coletiva[1]; a necessidade de aviso-prévio de greve, no caso de serviços ou atividades essenciais, com antecedência mínima de 72 horas (art. 13).

Assim, verifica-se como requisitos formais para a deflagração do movimento paredista: a) tentativa de negociação (art. 3º); b) regularidade das assembleias; c) aviso-prévio de greve; e d) observância ao contingente mínimo.

Inobservados esses requisitos, a greve será tida como ilegal, nos termos do art. 14 da Lei n° 7.783/1989, in verbis:

Art. 14 Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.

Parágrafo único. Na vigência de acordo, convenção ou sentença normativa não constitui abuso do exercício do direito de greve a paralisação que:

I - tenha por objetivo exigir o cumprimento de cláusula ou condição;

II - seja motivada pela superveniência de fato novo ou acontecimento imprevisto que modifique substancialmente a relação de trabalho.

No julgamento dos Mandados de Injunção supracitados o Supremo Tribunal Federal fixou a competência provisória para processar e julgar as demandas atinentes a ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis, aplicando por analogia ao disposto a Lei nº 7.701/1988 (que versa sobre especialização das turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos), nos seguintes termos, verbis:

 (...) 6.3. Até a devida disciplina legislativa, devem-se definir as situações provisórias de competência constitucional para a apreciação desses dissídios no contexto nacional, regional, estadual e municipal. Assim, nas condições acima especificadas, se a paralisação for de âmbito nacional, ou abranger mais de uma região da justiça federal, ou ainda, compreender mais de uma unidade da federação, a competência para o dissídio de greve será do Superior Tribunal de Justiça (por aplicação analógica do art. 2o, I, "a", da Lei no 7.701/1988). Ainda no âmbito federal, se a controvérsia estiver adstrita a uma única região da justiça federal, a competência será dos Tribunais Regionais Federais (aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). Para o caso da jurisdição no contexto estadual ou municipal, se a controvérsia estiver adstrita a uma unidade da federação, a competência será do respectivo Tribunal de Justiça (também por aplicação analógica do art. 6o da Lei no 7.701/1988). As greves de âmbito local ou municipal serão dirimidas pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal com jurisdição sobre o local da paralisação, conforme se trate de greve de servidores municipais, estaduais ou federais. (...). (MI 670/ES, Relator p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, Julgamento 25/10/2007, Tribunal Pleno). [sem destaque no original]

Por fim, cabe destacar que o artigo 7º da Lei n° 7.783/1989 dispõe que a participação em greve suspende o contrato de trabalho, o que implica no não pagamento de salários.

2. O desconto dos dias parados e o Decreto n° 1.480/1995 interpretado à luz da Lei n° 7.783/1989 e da jurisprudência

O Decreto n° 1.480/1995 “dispõe sobre os procedimentos a serem adotados em casos de paralisações dos serviços públicos federais, enquanto não regulado o disposto no art. 37, inciso VII, da Constituição”, nos seguintes termos:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos II e IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos arts. 116, inciso X, e 117, inciso I, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990,

DECRETA:

Art. 1º Até que seja editada a lei complementar a que alude o art. 37, inciso VII, da Constituição, as faltas decorrentes de participação de servidor público federal, regido pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em movimento de paralisação de serviços públicos não poderão, em nenhuma hipótese, ser objeto de:

I - abono;

II - compensação; ou

III - cômputo, para fins e contagem de tempo de serviço ou de qualquer vantagem que o tenha por base.

§ 1º Para os fins de aplicação do disposto neste artigo, a chefia imediata do servidor transmitirá ao órgão de pessoal respectivo a relação dos servidores cujas faltas se enquadrem na hipótese nele prevista, discriminando, dentre os relacionados, os ocupantes de cargos em comissão e os que percebam função gratificada.

§ 2º A inobservância do disposto no parágrafo precedente implicará na exoneração ou dispensa do titular da chefia imediata, sem prejuízo do ressarcimento ao Tesouro Nacional dos valores por este despendidos em razão do ato comissivo ou omissivo, apurado em processo administrativo regular.

Art. 2º Serão imediatamente exonerados ou dispensados os ocupantes de cargos em comissão ou de funções gratificadas constantes da relação a que alude o artigo precedente.

Art. 3º No caso em que a União, autarquia ou fundação pública for citada em causa cujo objeto seja a indenização por interrupção, total ou parcial, da prestação dos serviços desenvolvidos pela Administração Pública Federal, em decorrência de movimento de paralisação, será obrigatória a denunciação à lide dos servidores que tiverem concorrido para o dano.

Parágrafo único. compete ao Advogado-Geral da União expedir as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo.

Art. 4º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação. [sem destaques no original].

Como se nota, a edição do Decreto se fundamenta no art. 84, incisos II e IV, que versam sobre as atribuições do Presidente da República, mormente quanto a de exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal e de expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis.

Buscou, então, o Decreto regulamentar os artigos 116, inciso X, e 117, inciso I, da Lei nº 8.112/90, que ditam, verbis:

Art. 116.  São deveres do servidor:

(...)

X - ser assíduo e pontual ao serviço;”

__________

“Art. 117.  Ao servidor é proibido:

I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato;

Ab initio, discute-se constitucionalidade do referido diploma legal, uma vez que aventou-se que o decreto trataria do direito de greve, sendo ausente lei (nos termos do comando constitucional) a que pudesse regulamentar.

Com efeito, como resta ausente no ordenamento jurídico lei específica acerca do direito de greve dos servidores públicos e considerando que os decretos devem ser expedidos para a fiel execução da lei (art. 84, IV, da CF/88), ter-se-ia o Decreto n° 1.480/1995 como regulamento autônomo.

Como bem discorre Maria Sylvia Zanella Di Pietro “o regulamento autônomo ou independente inova na ordem jurídica, porque estabelece normas sobre matérias não disciplinadas em lei; ele não completa nem desenvolve nenhuma lei prévia”.

Nesse sentido, encontra-se precedentes dos Tribunais Regionais Federais reconhecendo a inconstitucionalidade do Decreto n° 1.480/1995, confira-se:

Administrativo. Mandado de segurança. Greve no serviço público. Pesconto dos dias parados. Impossibilidade. Improvimento.

1. Malgrado ter o artigo 37, VII, da CRFB/88 exigido lei específica para regulamentar o direito de greve dos servidores públicos, o STF firmou entendimento, em sede de mandado de injunção, no sentido de conceder efetividade ao mencionado artigo, autorizando a aplicação da lei federal 7.783/89, até que sobrevenha lei regulamentadora.

2. Ora, resta claro, com a aludida decisão do STF, que o Decreto nº 1480/95 da Presidência da República, não possui o condão de regulamentar o direito previsto no artigo 37, inciso VII, da CRFB/88.

3. Haja vista que inexistiu notícia, nesta impetração, de ter havido qualquer pronunciamento do Judiciário sobre a legalidade da greve que, à época do ajuizamento desta ação mandamental, em meados de 2005, fora deflagrada, não haveria como se autorizar, à Administração, a imposição de quaisquer sanções administrativas derivadas do movimento paredista em debate, a exemplo do desconto dos dias parados, como é o caso em tela.

4. Em boa verdade, o Decreto nº 1480/95, a pretexto de regulamentar a Lei nº. 8.112/90, está de fato invadindo a seara reservada à “lei especifica” exigida pelo artigo 37, VII da Constituição Federal, com redação dada pela EC 19/98. A punição por dias não trabalhados decorrente de greve deve ser objeto de lei especifica, exatamente porque a Constituição Federal determina que a espécie normativa denominada lei promova a regulamentação do direito de greve do servidor público.

5. Outrossim, cumpre deixar assente que o Decreto 1.480/95 não é lei em sentido formal. Revela-se no mundo jurídico como regulamento autônomo, vedado pela nossa Carta Magna, nos artigos 5º, inciso II, 84, inciso IV, e 37, caput.

6. Remessa necessária e apelação improvidas. (TRF2, AMS 200550010071628, Relator Desembargador Federal THEOPHILO MIGUEL, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data::28/08/2009 - Página::152). [sem destaque no original].

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DIREITO DE GREVE. DESCONTO SALARIAL DOS DIAS PARADOS (DECRETO Nº 1480/95). ILEGALIDADE.

1. Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, contra decisão proferida pelo Juízo a quo, que, em sede de mandado de segurança por aquele impetrado, contra ato imputado a Diretora de Gestão Administrativa do INCRA e do SUPERINTENDENTE REGIONAL DO INCRA NO ESTADO DO CEARÁ, visando obstar o corte de ponto dos grevistas, deferiu a liminar requestada.

2. Conquanto o inciso VI do art. 37, da Constituição Federal de 1988 reconheça o direito de greve do servidor público, a sua a sua eficácia plena necessita de regulamentação infraconstitucional, conforme já entendeu o Supremo Tribunal Federal. Deve-se observar, que embora não exista lei específica regulamentando o direito de greve, também não existe lei que obrigue o desconto dos vencimentos dos servidores grevistas, dos dias parados. O art. 45 da Lei nº. 8.112/90 veda o desconto, salvo nas hipóteses de imposição legal ou mandado judicial.

3. Deste modo, não pode a Administração Pública, com fundamento no Decreto 1480/95 que dispôs sobre os procedimentos a serem observados nas hipóteses de paralisações dos serviços públicos federais, impor o desconto nos vencimentos dos servidores participantes de movimento grevista, porquanto aquele diploma legal não é lei em sentido formal, mas decreto autônomo não permitido pelos arts. 84, IV, 5º, II e 37, caput, da Constituição Federal de 1988, conforme vem entendendo o Supremo Tribunal Federal.

4. Agravo de Instrumento improvido. Agravo Regimental prejudicado. (TRF5, AGA 20070500052495201, Relator Desembargador Federal Hélio Sílvio Ourem Campos, Primeira Turma, DJ - Data::14/05/2008 - Página::407). [sem destaque no original].

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PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. DIREITO DE GREVE. ARTIGO 37, INCISO VII, DA CF/88. NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO. PRECEDENTES DO STF. ILEGALIDADE DO ATO QUE DETERMINOU OS DESCONTOS DOS DIAS PARADOS, COM BASE NO DECRETO Nº 1480/95. ILEGALIDADE.

1. Embora o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal assegure aos servidores públicos o direito de greve, a sua eficácia plena depende de regulamentação infraconstitucional. Precedentes do col. STF (MI nº 20/DF, e MI nº 485/MT).

2. Apesar de não existir lei específica a regulamentar o direito de greve, também não há norma que determine descontar dos vencimentos dos servidores grevistas os dias paralisados. O artigo 45, da Lei nº 8.112/90, veda, salvo imposição legal ou mandado judicial, a incidência de qualquer desconto na remuneração dos servidores.

3. O Decreto nº 1.480/1995, que dispôs sobre os procedimentos a serem adotados em casos de paralisações dos serviços públicos federais, não é lei em sentido formal, constitui-se em regulamento autônomo não permitido pela Constituição, em seus artigos 84, IV, 5º, inciso II, e 37, "caput", como tem reconhecido o eg. STF, eis que aquele não pode suprir a lei onde a Lei maior exige.

4. Agravo Regimental provido, para reformar a decisão que indeferiu pedido de extração de Carta de Sentença. Apelação e remessa oficial improvidas. (TRF5, AMS 200183000189502, Relator Desembargador Federal Manoel Erhardt, Terceira Turma, DJ - Data::18/10/2006 - Página::777 - Nº::200). [sem destaque no original].

Em sentido, contrário, pugnando pela constitucionalidade do decreto, tem-se o argumento de que o Decreto nº 1.480/95 não tem o condão de regulamentar o direito previsto no artigo 37, inciso VII, da Constituição da República de 1988, mas apenas visa regular as consequências administrativas decorrentes da paralisação do serviço público. Veja-se precedentes:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. DIREITO DE GREVE. SERVIDOR PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE DIAS TRABALHADOS. DESCONTO DE VENCIMENTOS.

1 - A Carta Federal de 1988, deu novo formato aos direitos dos servidores públicos, estatuindo o direito de greve, nos termos do artigo 37, ex vi a greve não é direito absoluto existindo um verdadeiro confronto entre o direito de uma dada categoria e os direitos da sociedade.

2 - Na decisão do C. STF no mandado de injunção nº 20/DF deve-se considerar que o reconhecimento do judiciário da falta de lei integradora, não obriga o poder legislativo a editar a norma faltante.

3 - Por sua vez, o decreto nº 1480/95 da presidência da república não tem o condão de regulamentar o direito previsto no artigo 37, ex vi da CF/88, tendo apenas regulado as conseqüências administrativas advindas da paralisação no serviço público tendo em vista a falta da edição da lei necessária. 4 - A inexistência de dias trabalhados tem direta relação com o desconto de vencimentos. 5 - Dar provimento à remessa oficial. (TRF5, REO 200185000053384, Relator Desembargador Federal Frederico Pinto de Azevedo, Segunda Turma, DJ - Data::28/03/2007 - Página::1126 - Nº::60). [sem destaque no original].

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ASSOCIAÇÃO. LEGITIMIDADE. AUTORIZAÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. GREVE. DESCONTO DOS DIAS NÃO-TRABALHADOS. LEGALIDADE.

1. A associação atua em Juízo, na defesa de direito de seus filiados, como representante processual. Para fazê-lo, necessita de autorização expressa (inciso XXI do art. 5º da CF). Na AO 152, o Supremo Tribunal Federal definiu que essa autorização bem pode ser conferida pela assembléia geral da entidade, não se exigindo procuração de cada um dos filiados.

2. O direito de greve assegurado na Constituição Federal/88 aos servidores públicos, embora pendente de regulamentação (art. 37, VII), pode ser exercido, na forma da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Injunção n. 708/DF e 712/PA, aplicando-se subsidiariamente a lei de greve vigente para a iniciativa privada (Lei 7.783/89). O art. 7º da Lei 7.783/89 determina que a participação do trabalhador em movimento grevista suspende o contrato de trabalho.

3. A aplicação subsidiária do dispositivo em tela ao caso concreto, revela legítimo o desconto da remuneração, pela Administração Pública, relativamente aos dias de paralisação de seus servidores.

4. Não se vislumbra inconstitucionalidade a macular o Decreto n. 1480/95, que, à ausência de regulamentação legal, não extrapolou os limites definidos pela Suprema Corte no mandado de injunção 708/DF.

5. Sem indicação da natureza e espécies de outras restrições que estão sendo impostas aos substituídos além da salarial, de forma que não é possível conferir provimento condicional e sem lastro fático. (TRF1, AC 200233000109913, Relatora JUÍZA FEDERAL ROSIMAYRE GONCALVES DE CARVALHO, 2ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:13/08/2012 PAGINA:467). [sem destaque no original].

Destarte, o decreto tem espeque na Lei n° 8.112/90, na falta do servidor no desempenho das atividades de seu cargo, não tratando propriamente do exercício do direito de greve, mas apenas regulando os efeitos administrativos da paralisação das atividades.

Nesse sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que o decreto que se limita a disciplinar as consequências administrativas acerca da adesão a movimento paredista não é eivado de inconstitucionalidade, confira-se:

EMENTA: Greve de servidor público: não ofende a competência privativa da União para disciplinar-lhe, por lei complementar, os termos e limites - e o que o STF reputa indispensável à licitude do exercício do direito (MI 20 e MI 438; ressalva do relator) - o decreto do Governador que - a partir da premissa de ilegalidade da paralisação, à falta da lei complementar federal - discipline suas conseqüências administrativas, disciplinares ou não (precedente: ADInMC 1306, 30.6.95). (ADI 1696/SE, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Pleno, DJ 14-06-2002 PP-00126)

Ressalte-se que, com a decisão do Supremo Tribunal Federal nos Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712, o decreto deve ser interpretado em conjunto com os dispositivos da Lei 7.783/89 e com os balizamentos judiciais (analisados em cada caso concreto).

Superada esta etapa, passa-se a análise do conteúdo do Decreto n° 1.480/95. Verifica-se que o regulamento estabeleceu que as faltas decorrentes de participação de servidor público federal em movimento de paralisação dos serviços não poderão, em nenhuma hipótese, ser objeto de abono, compensação ou cômputo de tempo de serviço e de qualquer vantagem que o tenha por base (art. 1°).

A chefia imediata deverá comunicar ao órgão de pessoal os servidores que aderiram ao movimento paredista, descriminando os ocupantes de cargos em comissão e os que percebam função gratificada, sendo que sua inobservância acarretará na exoneração ou dispensa do titular da chefia imediata, sem prejuízo do ressarcimento do dano ao Tesouro Nacional (§§1° e 2° do art. 1°), bem como estatui a exoneração ou dispensa de titular de cargo ou função de confiança àquele que participar desses movimentos (art. 2°).

Por fim, o Decreto n° 1.480/1995 torna obrigatória a denunciação à lide dos servidores que tiverem concorrido para o prejuízo em ações indenizatórias decorrentes da interrupção, total ou parcial, da prestação dos serviços desenvolvidos pela Administração Pública, em virtude de movimento de paralisação, desde que citada a União, autarquia ou fundação pública federal.

Assim, tem-se que as faltas decorrentes de paralisação de servidores em virtude de greve não podem ser abonadas com o pagamento das respectivas remunerações, uma vez que não houve o desempenho das atividades atribuídas ao ocupante do cargo para que se fizesse jus à percepção da contraprestação remuneratória.

Nesse diapasão, decidiu a 6ª Turma do STJ, ao julgar o ROMS nº 4531-5/SC, de relatoria do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro (DJ de 18/12/95), de cujo voto extraí o seguinte trecho, verbis:

(...) o servidor público, independente da lei complementar, tem o direito público, subjetivo, constitucionalizado, de declarar greve. Na ausência de lei específica, tomar-se-ão para suprir a lacuna, os princípios jurídicos e a legislação que disciplina a matéria. Os Impetrantes, portanto, agiram legalmente. Enfrento, agora, o desconto dos dias de paralisação. O vencimento é contraprestação do serviço. No serviço público, o direito a pagamento está submetido a termo e condição. No final do mês e o servidor haja comparecido ao trabalho. Em conseqüência, a cada falta corresponde ao desconto do respectivo dia. Esse raciocínio não se altera no período de greve. A paralisação é lícita, todavia, tem suas conseqüências, ônus. A greve, como movimento reivindicatório, pode não ser bem sucedida. Os grevistas, por isso, assumem os riscos da empreitada. Os dias parados não são remunerados. É característica da própria greve. Na Inglaterra, como em outros países, os sindicatos remuneram os grevistas a fim de garantir a manutenção destes. Aliás, o pagamento dos dias parados resulta sempre de negociação. A greve, por isso, não implica na remuneração dos dias inativos. Em conseqüência, não obstante a legalidade do movimento, o desconto dos dias de paralisação também assenta na lei. Note-se, o demérito não é sanção disciplinar. Afasta-se, por isso, a necessidade do contencioso administrativo. (...)

Nessa senda, quanto ao desconto dos dias parados, restou decidido pela Suprema Corte, no paradigmático julgamento dos Mandados de Injunção nº 670, 708 e 712, que não deverão ser pagos os salários correspondentes, confira-se enxerto da ementa[2]:

6.4. Considerados os parâmetros acima delineados, a par da competência para o dissídio de greve em si, no qual se discuta a abusividade, ou não, da greve, os referidos tribunais, nos âmbitos de sua jurisdição, serão competentes para decidir acerca do mérito do pagamento, ou não, dos dias de paralisação em consonância com a excepcionalidade de que esse juízo se reveste. Nesse contexto, nos termos do art. 7o da Lei no 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7o da Lei no 7.783/1989, in fine). [sem destaque no original].

No mesmo sentido, veja-se o entendimento o Superior Tribunal de Justiça nas ementas dos seguintes julgados:

MEDIDA CAUTELAR. GREVE DE SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. PAGAMENTO DE VENCIMENTOS DURANTE O PERÍODO DE PARALISAÇÃO. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1. Interpretando o artigo 7º da Lei nº 7.783/89, o Supremo Tribunal Federal decidiu, reiteradas vezes, secundando o entendimento firmado no Mandado de Injunção nº 708/DF, no sentido de que a deflagração da greve corresponde à suspensão do contrato de trabalho, não devendo ser pagos os salários dos dias de paralisação, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho. 2. Pedido improcedente. (MC 16774/DF, Relator Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 07/02/2011). [sem destaque no original].

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. MERA TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS. GREVE. DESCONTO DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.

1. O conhecimento do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional, entre outros requisitos, exige a comprovação da similitude fático-jurídica entre os acórdãos em exame, apontando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os julgados e demonstrando a adoção de soluções jurídicas distintas para casos análogos, exigência não atendida no recurso especial obstado, sendo certo que a mera colagem de ementas é insuficiente para demonstrar o dissenso pretoriano.

2. O acórdão recorrido reflete a jurisprudência uníssona desta Corte sobre a matéria, a qual pacificou-se no sentido de que é assegurado ao servidor público o direito de greve, mas não há impedimento, nem constitui ilegalidade, o desconto dos dias parados. Precedentes: AgRg na Pet 8.050/RS, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 25/02/2011; MS 15.272/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 07/02/2011; Pet 7.920/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 07/02/2011; AgRg no REsp 1173117/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 13/09/2010; AgRg no RMS 22.715/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 30/08/2010.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 5.351/SP, 1.ª Turma, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe de 29/06/2011.). [sem destaque no original].

Seguem essa orientação os Tribunais Regionais Federais, donde se pode extrair diversos julgados, entretanto, busca-se colacionar pronunciamentos mais recentes:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. GREVE. DESCONTO DOS DIAS PARADOS. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

1. Dominante a jurisprudência no sentido de que o direito constitucional à greve não pressupõe direito incontestável à percepção integral dos vencimentos, sendo lícito à Administração, em casos tais, o desconto dos dias parados da remuneração dos servidores públicos participantes de movimento grevista, era mesmo o caso de negar seguimento ao agravo de instrumento.

2. Agravo regimental a que se nega provimento. (TRF1, AGA 0055405-07.2010.4.01.0000/DF, Relator JUIZ FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA - CONV., PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:21/11/2013 PAGINA:131)

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL - SERVIDOR PÚBLICO - DIREITO DE GREVE - DESCONTO DOS DIAS DE PARALISAÇÃO - DECRETO Nº 1.480/95 - POSSIBILIDADE.

1- Até o presente momento não há, no nosso ordenamento jurídico, qualquer lei que regule o exercício do direito de greve em questão, vigendo tão somente o Decreto nº 1.480/95, que regula os procedimentos a serem adotados em caso de paralisações dos serviços públicos federais, enquanto não regulado o disposto no art.37, inciso VII, da Constituição.

2- Os substituídos não têm direito líquido e certo pleiteado, eis que não se afigura ilegal o desconto dos dias parados, conforme determinado pela Administração.

3- Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

4- Remessa necessária e apelação providas. (TRF2, AMS 200550010067388, Relator Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND, OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data::03/08/2007 - Página::550).

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. GREVE DOS AUDITORES-FISCAIS DA RECEITA FEDERAL. DESCONTO REMUNERATÓRIO DOS DIAS NÃO TRABALHADOS. POSSIBILIDADE. SENTENÇA CITRA PETITA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 515, §3º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

1) A Suprema Corte consolidou o entendimento no sentido de que a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho. Como regra geral, portanto, os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho (art. 7o da Lei no 7.783/1989, in fine)– (MI 708, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, 31/10/2008).

2) Não obstante o direito à greve seja constitucionalmente assegurado aos servidores públicos civis, tal direito deverá ser exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica, conforme disposto no artigo 37, VII, da Constituição Federal.

3) A morosidade do legislativo em editar a aludida lei não garante o exercício do direito em tela de forma irrestrita e ilimitada. A Administração Pública encontra-se atrelada aos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, de sorte, a afastar, não apenas que o interesse particular se sobreponha ao interesse público, mas, também, a interrupção de serviços essenciais e, conseqüentemente, danos ao Erário e à Sociedade.

4) A sentença citra petita caracteriza vício de ordem pública (inserida na profundidade do efeito devolutivo do apelo) e justifica a aplicação do §3º do art. 515 do CPC. Precedentes do STJ.

5) A reposição ao erário deverá ocorrer na forma do artigo 46 da Lei nº 8.112/1990. Entretanto, tratando-se de verba alimentar deve se observar os limites impostos pela razoabilidade.

6) O desconto incide na remuneração do servidor, que abrange não apenas o vencimento básico, mas, também, gratificações e vantagens.

7) Apelação conhecida e provida em parte. (TRF2, AC 200851010071681, Relator Desembargador Federal JOSE ANTONIO LISBOA NEIVA, SÉTIMA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::08/03/2012 - Página::278/279)

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. ART. 37, INC. VII, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DESCONTO DOS DIAS PARADOS.

1. A Jurisprudência é firme em reconhecer que, embora o direito de greve seja assegurado ao servidor público pela Constituição da República, no seu artigo 37, inciso VII, há possibilidade de desconto em razão de dias não trabalhados.

2. Ainda que legítima a greve, os servidores públicos não possuem direito líquido e certo à remuneração dos dias não trabalhados em razão de movimento paredista.

3. Não se proíbe a adoção de soluções autocompositivas em benefício dos servidores grevistas. Precedentes do STJ e do STF. 4. Remessa oficial e apelação providas. (TRF3, AMS 257183, Relator JUIZ CONVOCADO JOÃO CONSOLIM, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/07/2012).

Administrativo e constitucional. Apelação de sentença que denegou a ordem a buscar a determinação à autoridade impetrada para abster-se de descontar, na remuneração dos substituídos, os dias não trabalhados em razão da greve dos servidores vinculados ao Colégio Militar do Recife. A greve dos servidores, garantida pelo artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal ainda não se encontra regulamentada. A jurisprudência é pacífica quanto a aplicação, por analogia, da Lei 7.783/89, relativa aos trabalhadores em geral, segundo a qual, o movimento paredista suspende o contrato de trabalho. Consolidado entendimento dos Tribunais Superiores, e desta Corte, no sentido de ser possível o desconto dos dias não trabalhados, em razão de greve, nos vencimentos dos servidores públicos. Apelação improvida. (TRF5, AC 00151038020124058300, Relator Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto, Segunda Turma, DJE - Data::08/08/2013 - Página::248) [sem destaques no original].

Sobreleve-se que, nas excepcionais situações em que a greve tenha sido provocada por atraso no pagamento aos servidores públicos civis ou por outras situações que justifiquem o afastamento da suspensão do contrato de trabalho, caberá ao juízo competente, à luz do caso concreto, decidir acerca do pagamento ou não dos dias de paralização.

Diante do exposto, da análise dos precedentes judiciais, em especial do balizamento feito pelo Supremo Tribunal Federal, a vedação ao abono prevista no Decreto pode ser mitigada, desde que haja uma situação justificadora para o não afastamento da suspensão do contrato de trabalho.

Outro aspecto a ser analisado é referente à possibilidade (ou não) de compensação dos dias parados. Come se lê, o Decreto n° 1.480/1995 é claro ao vedar a compensação, em qualquer hipótese (inciso II, do art. 1°).

Tem-se que nos termos do art. 7° da Lei n° 7.783/1989, a deflagração da greve, em princípio, corresponde à suspensão do contrato de trabalho, de modo que não há prestação de serviços e, em consequência, não faz jus o servidor ao pagamento a remuneração.

Acerca do tema, dispõe a Lei n 8.112/90 que:

Art. 44.  O servidor perderá:

I - a remuneração do dia em que faltar ao serviço, sem motivo justificado; (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

II - a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subseqüente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata. (Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

Parágrafo único.  As faltas justificadas decorrentes de caso fortuito ou de força maior poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo exercício. (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

A lei prevê a possiblidade de compensação apenas nos casos de faltas justificadas (parágrafo único), sendo que nas sem motivo justificado o servidor perde a remuneração do dia faltoso.

Há precedente do Superior Tribunal de Justiça assentando que a falta decorrente de participação do servidor em movimento paredista é considerada ausência justificada, que deve ser oportunamente comunicada à chefia imediata (sob pena de ter descontado em sua remuneração os dias não trabalhados), que poderá autorizar a devida compensação, de modo a evitar a realização dos descontos na remuneração. Confira-se a ementa do julgado de relatoria da Ministra Laurita Vaz:

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SINDICATO NACIONAL DOS SERVIDORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - SINASEMPU. GREVE. PRELIMINAR: SÚMULA N.º 266/STF.  NÃO INCIDÊNCIA. ATO COMBATIDO QUE EXPRESSAMENTE DETERMINA A REALIZAÇÃO DE DESCONTOS. MÉRITO: DESCONTOS NA REMUNERAÇÃO DECORRENTES DOS DIAS NÃO TRABALHADOS. CABIMENTO. FALTAS JUSTIFICADAS. PREVISÃO LEGAL. COMPENSAÇÃO DAS FALTAS. POSSIBILIDADE. INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. DEVER DE ASSIDUIDADE DO SERVIDOR. DEVER DE JUSTIFICAR A FALTA À CHEFIA IMEDIATA.

1. Da simples leitura do ato impugnado, verifica-se que não se trata de ato editado pelo autoridade coatora no regular exercício do poder regulamentar, capaz de atrair a aplicação da Súmula n.º 266/STF, mas sim de expressa determinação de que as ausências ao serviço poderiam ser descontadas da remuneração, sendo consideradas faltas justificadas.

2. É pacífica a jurisprudência, em conformidade com a do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que é licito o desconto dos dias não trabalhados em decorrência de movimento paredista, na medida em que o exercício do direito de greve acarreta a suspensão do contrato do trabalho, consoante disposto no art. 7º da Lei 7.783/1989, não gerando direito à remuneração, salvo acordo específico formulado entre as partes.

3. O dever de assiduidade do servidor público decorre de expressa disposição legal contida no art. 116, inciso X, da Lei n.º 8.112/90. Assim, ocorrendo a falta ao serviço, deve o servidor, oportunamente, justificá-la à sua chefia imediata, sob pena de ter descontado em sua remuneração os dias não trabalhados, nos termos da disciplina prevista no art. 44, inciso I, da Lei n.º 8.112/90, para faltas injustificadas.

4. Nas ausências justificadas, decorrentes de caso fortuito ou força maior, o servidor tem o dever de comunicar à chefia imediata, que poderá autorizar a devida compensação, de modo a evitar a realização dos descontos, a teor das normas contidas no inciso II e parágrafo único do art. 44 da Lei n.º 8.112/90.

5. A falta decorrente de participação do servidor em movimento paredista é considerada ausência justificada, que, segundo a referida dicção legal, pode ser compensada, evitando o desconto na remuneração.

6. Aplicando a mesma sistemática para todas as faltas justificadas não compensadas, prescinde de processo administrativo a realização dos descontos na remuneração do servidor decorrentes das referidas ausências.

7. Segurança denegada. (MS 14942/DF, Relatora Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 21/05/2012). [sem destaques no original].

No mesmo sentido, colhe-se o seguinte julgado do egr. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que entendeu caber à Administração Pública, antes de efetuar o corte na remuneração, buscar a compensação das horas não trabalhadas, veja-se:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. AUSÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA. LEI 7.783/89. APLICAÇÃO. PRECEDENTES DO STF. DESCONTO DOS DIAS NÃO TRABALHADOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. COMPENSAÇÃO. PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. LANÇAMENTO DE FALTA INJUSTIFICADA. PENALIDADE DUPLA. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (6)

1. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar os mandados de injunção 708 e 712, estabeleceu que, até a edição de lei específica pelo Congresso Nacional, os servidores públicos teriam assegurado o direito ao exercício de greve, na forma regulada pela Lei 7.783/89.

2. Entretanto, no que diz respeito aos descontos relativos aos dias não trabalhados, é certo que os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho, o que não se verifica no caso concreto. Precedentes do STF e do STJ.

3. A Administração, antes de efetuar eventuais descontos, deve buscar estabelecer critérios para que se efetive a compensação das horas não trabalhadas, assegurando-se assim o pleno exercício do direito de greve dos servidores públicos. Precedentes.

4. Aplicando a mesma sistemática para todas as faltas justificadas não compensadas, prescinde de processo administrativo a realização dos descontos na remuneração do servidor decorrentes das referidas ausências (MS 14.942/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe 21/05/2012).

5. É razoável desconto em folha, sem lançamento de falta injustificada, a fim de viabilizar o direito de greve e evitar que o servidor seja duplamente prejudicado pelo mesmo ato, ao aderir ao movimento grevista. Deverá a Administração, caso frustrada a compensação, proceder ao desconto em folha pelos dias parados e ao lançamento de falta justificada nos assentos funcionais dos servidores grevistas. Apelação a que se dá parcial provimento. (TRF1, AC 200634000300411, Relatora DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:26/03/2013 PAGINA:642). [sem destaques no original].

Desse modo, segundo o precedente acima colacionado, o desconto dos dias parados somente pode ocorrer se não for procedida a compensação, entretanto, em qualquer caso, não se poderá tomar como falta injustificada a adesão ao movimento grevista.

Impera-se, portanto, que não será em toda ou qualquer situação em que será vedada a compensação – como ditado pelo Decreto n° 1.480/1995. Entretanto, não se pode deixar de observar que nem toda paralização poderá ser compensada.

Isto porque a lei que temporariamente regulamenta o direito de greve no serviço público, Lei n° 7.783/89, em seu artigo 7°, além de discorrer que a participação em greve suspende o contrato de trabalho, também determina que devem “as relações obrigacionais, durante o período, ser regidas pelo acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho”.

Outrossim, a compensação dos dias não trabalhados só é admissível quando o interesse público assim o exigir, sendo, portanto, objeto de análise a ser feita pelo administrador, que levará em conta as peculiaridades dos serviços envolvidos e o interesse da administração pública. Nesse sentido, colaciona-se o seguinte precedente da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:

MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. GREVE. REMUNERAÇÃO. DESCONTO. POSSIBILIDADE. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATO DISCRICIONÁRIO. ORDEM DENEGADA.

I - O c. Supremo Tribunal Federal decidiu que a Lei n.º 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, deve ser aplicada, no que couber, também aos servidores públicos civis (MI n.º 708/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 31/10/2008).

II - Desse modo, é de ser compreendido que a deflagração do movimento grevista suspende, no setor público, o vínculo funcional e, por conseguinte, desobriga o Poder Público do pagamento referente aos dias não trabalhados.  Precedentes do c. STF, deste eg. STJ e do c. CNJ (STF: AI 824949 AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 6/9/2011; RE 551549 AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe de 13/6/2011; AI 795300 AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 20/5/2011; RE 399338 AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 24/2/2011. STJ: MS 15.272/DF, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 7/2/2011; AgRg na Pet 8.050/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 25/2/2011; AgRg no AREsp 5.351/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 29/6/2011. CNJ: PP 0000098-92.2012.2.00.0000, Plenário, Relator Conselheiro Gilberto Valente Martins, julgado em 10/4/2012; PP 0000096-25.2012.2.00.0000, Plenário, Relator Conselheiro Gilberto Valente Martins, julgado em 10/4/2012; PP 0000136-07.2012.2.00.0000, Plenário, Relator Conselheiro Gilberto Valente Martins, julgado em 10/4/2012).

III - A existência de acordo, convenção coletiva, laudo arbitral ou decisão judicial regulando as relações obrigacionais decorrentes do movimento paredista pode prever a compensação dos dias de greve (ex vi do art. 7º, in fine, da Lei nº  7.783/89)

IV - Todavia, à míngua dessas tratativas, não há direito líquido e certo dos servidores sindicalizados a ser tutelado na via mandamental, já que, nesses casos, deve prevalecer o poder discricionário da Administração, a quem cabe definir pelo desconto, compensação ou outras maneiras de administrar o conflito, sem que isso implique qualquer ofensa aos princípios da proporcionalidade ou razoabilidade. Ordem denegada. (MS 17405/DF, Relator Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, DJe 09/05/2012) [sem destaques no original].

Desse modo, a possibilidade ou não de compensação pelos dias não trabalhados em virtude de adesão à paralização grevista deve ser objeto de acordo entre o sindicato e a Administração Pública. Nesse sentido, extrai-se do seguinte ementado:

ADMINISTRATIVO. GREVE. SERVIÇO PÚBLICO. DESCONTO. DIAS PARALISADOS. POSSIBILIDADE. SUSPENSÃO. CONTRATO DE TRABALHO. PRECEDENTES

1. A Primeira Seção, após o julgamento do MS 15.272/DF, tem reconhecido que é licito o desconto dos dias não trabalhados em decorrência de movimento paredista. Naquela ocasião, acolheu-se a tese de que a greve acarreta a suspensão do contrato do trabalho, consoante disposto no art. 7º da Lei 7.783/1989 e, salvo acordo específico formulado entre as partes, não gera direito à remuneração.

2. Desse modo, acham-se autorizados os descontos remuneratórios pelos dias não trabalhados, a menos que haja entendimento entre os interessados para assegurar a reposição.

3. Agravo regimental não provido. (AgRg na Pet 8.050/RS, 1.ª  Seção, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJe de 25/02/2011.). [sem destaques no original].

Nessa senda, apresenta-se o seguinte julgado oriundo do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL FEDERAL. GREVE. DIREITO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. OMISSÃO LEGISLATIVA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI Nº 7783/89. ENTENDIMENTO SEDIMENTADO PELO STF. DESCONTO NOS VENCIMENTOS DOS DIAS PARALISADOS. POSSIBILIDADE. ART. 46, PARÁGRAFO 1º, DA LEI 8112/90. CONVERSÃO DO DESCONTO EM COMPENSAÇÃO DAS HORAS NÃO TRABALHADAS. ACORDO. ENTENDIMENTO DO TST.

1. Cuida-se de apelação interposta contra sentença que concedeu em parte a segurança "a fim de que uma vez reconhecida a ilegalidade da greve dos substituídos seja efetivado o desconto dos dias parados, 09 a 30 de abril de 2008, nos termos do caput e parágrafo 1º, do art. 46, da Lei nº 8.112/90, incluindo-se a parcela remuneratória GIFA".

2. O direito de greve dos servidores públicos foi constitucionalmente assegurado pelo art. 37, VII, da Magna Carta, dispositivo este que, em razão de sua eficácia limitada, traz em seu bojo a exigência de lei ordinária para regular o modo de atuação desse direito e suas consequências. Acontece que, até os dias atuais, o legislador ordinário ainda não se desincumbiu desse dever de criar uma lei, "stricto sensu", prevendo as condições para o exercício do direito de greve pelo servidor público. 

3. Em razão dessa omissão legislativa, deve-se aplicar aos servidores públicos civis, de forma analógica, a Lei nº 7783, de 28 de junho de 1989 - que dispõe sobre o exercício do direito de greve dos trabalhadores em geral (celetistas) previsto no art. 9º, da CF -, enquanto não editada lei ordinária pelo Poder Legislativo disciplinando o direito de greve dos servidores estatutários. Esse entendimento, inclusive, vem sendo acolhido pelo e. STF em diversos julgados, a exemplo da ADI 3235-AL e do MI 708-DF.

4. Conforme entendimento sufragado pelo c. TST, o qual se baseia na aplicação da Lei nº 7783/89, o exercício do direito de greve impõe a suspensão do contrato de trabalho e, nesse caso, mesmo que a greve seja declarada legal, é cabível o desconto pelos dias parados, pois não há a prestação de serviços pelo empregado. Aderem a essa regra geral duas exceções: quando haja acordo entre as partes ou comprovação de que o empregador tenha contribuído decisivamente para que houvesse a paralisação, como nos casos de atraso no pagamento dos salários e de prática de "lock out" (recusa por parte do empregador em ceder aos trabalhadores os instrumentos de trabalho necessários para o desempenho de suas atividades). Na hipótese de acordo, possibilita-se a conversão do desconto dos dias parados em compensação das horas não trabalhadas, no intuito de que o trabalhador não sofra redução em sua remuneração.

5. Essa possibilidade de acordo também está prevista na Lei nº 7783/89, que, em seu art. 7º, disciplinou a necessidade de que todas as relações obrigacionais, no curso do período de greve, sejam regidas por acordo, convenção, laudo arbitral ou decisão da Justiça do Trabalho.

6. Na hipótese "sub judice", por não ter havido resolução do conflito na via administrativa, através de acordo, o sindicato autor entendeu por bem impetrar o presente mandado de segurança visando a um pronunciamento judicial sobre a greve dos servidores, ora substituídos. Nesse caso específico, o desconto é legítimo, ainda que fosse reconhecida a legalidade da greve, até mesmo porque não há provas de ter ocorrido algo semelhante ao "lock out" trabalhista ou ter a Receita Federal, de alguma forma, para a paralisação dos serviços.

7. No caso em comento, os valores relativos aos dias parados foram pagos aos substituídos de forma integral, em razão de decisão proferida em sede de agravo de instrumento. Assim, em se tratando de verdadeira reposição ao erário, é necessária a aplicação dos preceitos contidos no art. 46, parágrafo 1º, da Lei nº 8112/90.

8. Ressalva-se, no entanto, a possibilidade de celebração de acordo para a compensação dessas horas não trabalhadas. Apelação improvida. (TRF5, AC 200883000104140, Relator Desembargador Federal José Maria Lucena, Primeira Turma, DJE - Data::28/06/2012 - Página::149). [sem destaques no original].

Infere-se, desse modo, que a possibilidade de formulação de acordo acerca da compensação dos dias parados é uma das hipóteses que pode levar a termo a disposição constante no inciso II do Decreto n° 1.480/95. Enfatize-se, contudo, que não consiste em uma obrigação para a Administração Pública, bem como não há direito certo dos servidores, a possibilidade de compensação, dependendo em todos os casos de negociação coletiva, nos termos da Lei n° 7.783/89 (art. 7°).

Quanto à vedação do cômputo, para fins e contagem de tempo de serviço ou de qualquer vantagem que o tenha por base (inciso III, do art. 1°, do Decreto n° 1.480/95), conclui-se que o cômputo poderá ou não ocorrer, dependendo do abono dos dias parados ou da devida compensação (nos casos em que, como visto acima, ocorrem), hipóteses em que fará jus o servidor ao cômputo para todos os efeitos dos dias paralisados/compensados.

Em sendo o caso de desconto, merece destaque o entendimento jurisprudencial segundo o qual a recomposição do erário poderá se dar de forma parcelada, nos termos do art. 46, § 1°, da Lei 8.112/90. Confira-se o Acórdão ementado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO RETIDO. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. DESCONTO DOS DIAS NÃO TRABALHADOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. PRÉVIO PROCESSO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. LANÇAMENTO DE FALTA INJUSTIFICADA. REDUÇÃO DE GRATIFICAÇÃO POR CRITÉRIO DE INASSIDUIDADE. PENALIDADE DUPLA. IMPOSSIBILIDADE. LIMITAÇÃO PERCENTUAL DOS DESCONTOS. RAZOABILIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA (8)

1. Não se conhecerá de agravo retido se a parte não requerer expressamente sua apreciação pelo Tribunal nas razões ou na resposta da apelação (CPC, art. 523, § 1º).

2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar os mandados de injunção 708 e 712, estabeleceu que, até a edição de lei específica pelo Congresso Nacional, os servidores públicos teriam assegurado o direito ao exercício de greve, na forma regulada pela Lei 7.783/89.

3. Entretanto, no que diz respeito aos descontos relativos aos dias não trabalhados, é certo que os salários dos dias de paralisação não deverão ser pagos, salvo no caso em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho, o que não se verifica no caso concreto. Precedentes do STF e do STJ.

4. Aplicando a mesma sistemática para todas as faltas justificadas não compensadas, prescinde de processo administrativo a realização dos descontos na remuneração do servidor decorrentes das referidas ausências (MS 14.942/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe 21/05/2012).

5. Não pretendendo o autor a compensação, por seus substituídos, das horas não trabalhadas, é proporcional e razoável o parcelamento do débito e a imposição do limite mínimo de desconto na ordem de 10% (dez por cento) do valor da remuneração, a critério do servidor, sem limite de ordem máxima. Se a critério da Administração, o limite máximo deve ser na ordem de 30% (trinta por cento) a incidir sobre a respectiva remuneração até que advenha a total liquidação.

6. É razoável desconto em folha, sem lançamento de falta injustificada, a fim de viabilizar o direito de greve e evitar que o servidor seja duplamente prejudicado pelo mesmo ato, ao aderir ao movimento grevista.

7. Não havendo falta injustificada, os dias parados não podem ser também causa de redução do pagamento da Gratificação de Incremento da Fiscalização e da Arrecadação - GIFA sob este fundamento.

8. Agravo retido não conhecido. Apelação a que se dá parcial provimento. Remessa oficial não provida. (TRF1, AC 200835000105570, Relatora DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 DATA:11/10/2013 PAGINA:581) [sem destaque no original].

No mesmo sentido, decidiu o Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. INCRA. GREVE. DESCONTO PELOS DIAS DE PARALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. LEI Nº 8.112/90, ART. 46, §§ 1º E 3º. APLICABILIDADE.

1. O Colendo Supremo Tribunal Federal, em julgando os Mandados de Injunção nºs 670, 708 e 712, firmou posicionamento no sentido da aplicabilidade aos servidores públicos, no que couber, da Lei nº 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do direito de greve na iniciativa privada, enquanto não for editada lei específica que regulamente o direito de greve no serviço público.

2. O art. 7º, da referida lei, prevê que o movimento grevista corresponde à suspensão do contrato de trabalho, sendo possível proceder aos descontos pelos dias de paralisação, ressalvados os casos em que a greve tenha sido provocada justamente por atraso no pagamento aos servidores públicos civis, ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho.

3. O INCRA pretende efetuar o desconto dos dias 21 a 31/05/2007 não trabalhados em razão da greve - Mem. 256/INCRA/DA, de 04/06/2007 -, que restou suspenso por força de decisão liminar, confirmada pela sentença.

4. In casu, a reposição ao erário de valores indevidamente pagos ao servidor deve observar o disposto no art. 46, §§ 1º e 3º, da Lei nº 8.112/90, ou seja, mediante comunicação prévia e fixada a parcela no percentual mínimo de 10% (dez por cento) incidente sobre a remuneração, provento ou pensão.

5. Inaplicável à hipótese o § 2º, daquele dispositivo legal, que prevê a reposição ao erário imediatamente, de uma só vez e sem comunicação prévia, porquanto não se trata de ressarcimento de valores que tenham ocorrido no mês anterior ao processamento da folha.

6. Não se aplica o Decreto nº 1.840/95, para os fins colimados, tendo em vista não se prestar à substituição de legislação específica que regulamente o direito de greve no serviço público.

7. Apelação da União e à remessa oficial parcialmente providas, para que os descontos sejam previamente comunicados e fixados em parcelas de 10% (dez por cento) da remuneração, provento ou pensão. (APELREEX 200781000105304, Relator Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, Primeira Turma, DJE - Data::14/07/2010 - Página::90) [sem destaque no original].

Com efeito, o citado precedente bem se coaduna com o exercício do direito de greve dos servidores públicos, uma vez que em sendo o caso de reposição ao erário, a devolução poderá ser parcelada e descontada no percentual mínimo de 10%, sem limite máximo, que fica a critério do servidor.

3. Conclusão

Conclui-se desse modo que o art. 37, VII, da CF/88 é de eficácia limitada, sendo que o direito de greve encontra-se constitucionalmente assegurado, sendo seu exercício limitado à edição de lei específica, que ainda não foi editada pelo legislador infraconstitucional.

Com os julgamentos paradigmáticos do Supremo Tribunal Federal (MI`s 670, 708 e 712) o direito de greve no serviço público passou a ser regulado pela Lei n° 7.783/1989, enquanto a omissão não seja devidamente suprida por lei específica, ponderando-se, em sua aplicação, os princípios que regem o regime de direito público e a essencialidade dos serviços públicos.

No que concerne ao Decreto n° 1.480/1995, viu-se a discussão quanto a sua constitucionalidade, defendida no presente artigo, sob argumento de que o decreto tem espeque na Lei n° 8.112/90 (na falta do servidor no desempenho das atividades de seu cargo), não tratando propriamente do exercício do direito de greve, mas apenas regulando os efeitos administrativos da paralisação das atividades, no que não se caracterizaria como regulamento autônomo.

Noutro giro, enfatizou-se que o decreto deve ser interpretado em conjunto com os dispositivos da Lei 7.783/89 e com os balizamentos judiciais (analisados em cada caso concreto).

Assim, dispõe o decreto em seu artigo 1° que as faltas decorrentes de participação de servidor público federal em movimento de paralisação dos serviços não poderão, em nenhuma hipótese, ser objeto de abono, compensação ou cômputo de tempo de serviço e de qualquer vantagem que o tenha por base.

Entretanto, como se asseverou, a vedação ao abono prevista no Decerto pode ser mitigada, desde que haja uma situação justificadora para o não afastamento da suspensão do contrato de trabalho, conforme se verberou em precedentes judiciais apontados.

Noutro ponto, não será em toda ou qualquer situação em que será vedada a compensação, como visto a compensação pode ser objeto de acordo entre o sindicato e a Administração Pública, encontrando fundamento no artigo 7° da Lei 7.783/89, bem como, sobrelevou-se que a compensação dos dias não trabalhados só é admissível quando o interesse público assim o exigir, ou seja, será objeto de análise pelo administrador público, que levará em conta as peculiaridades dos serviços envolvidos e o interesse da administração pública.

Por fim, ressaltou-se a possiblidade de parcelamento, nos termos do art. 46, § 1°, da Lei 8.112/90, dos valores a serem restituídos pelo pagamento de remuneração nos dias em que o servidor aderiu à paralisação dos serviços por motivo de greve.


4. Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

______. Decreto nº 1.480, de 3 de maio de 1995. Dispõe sobre os procedimentos a serem adotados em casos de paralisações dos serviços públicos federais, enquanto não regulado o disposto no art. 37, inciso VII, da Constituição.

______. Lei nº 7.701, de 21 de dezembro de 1988. Dispõe sobre a especialização de Turmas dos Tribunais do Trabalho em processos coletivos e dá outras providências.

______. Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989. Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.

______. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 25ª ed. rev., amp. e atual até a Lei nº 12.587, de 3-1-2012. São Paulo: Atlas, 2012.

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 1 ª ed. Salvador: JusPodivm, 2014.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

MARTINS, Sergio Pinto.  Direito do Trabalho. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.


[1] De aplicação mitigada, consoante teor da Súmula 679 do STF: “A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva”.

[2] Reiterando o entendimento: AgRg no Ag 824949, 2.ª Turma, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe de 06/09/2011; AgRg no Ag 795300, 2.ª Turma, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, DJ de 20/05/2011; AgRg no RE 399338, 1.ª Turma, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 24/02/2011

Sobre o autor
Julian Baião

Bacharel em Direito e Servidor Público Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Julian Baião. Decreto Federal n° 1.480/1995 e o direito de greve do serviço público: análise jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4136, 28 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30186. Acesso em: 22 dez. 2024.

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